— CAPÍTULO TRINTA E SETE —
O Começo
QUANDO RELEMBROU OS
ACONTECIMENTOS, mesmo um mês depois, Harry descobriu que havia pouco a se
lembrar dos dias que se sucederam. Era como se ele tivesse passado por coisas
em excesso para poder absorver mais alguma. As lembranças que guardara eram
muito dolorosas.
A
pior talvez tivesse sido o encontro com os Diggory, que ocorreu na manhã
seguinte. Eles não o culparam pelo que acontecera, pelo contrário, ambos lhe
agradeceram por ter trazido o corpo do filho de volta. O Sr. Diggory soluçou a
maior parte da entrevista. A dor da Sra. Diggory parecia ter ultrapassado o
consolo das lágrimas.
— Ele
sofreu pouco, então — disse ela, depois que Harry lhe contou como Cedrico havia
morrido — Afinal, Amos... ele morreu no momento em que venceu o torneio. Devia
estar muito feliz.
Ao se
levantarem, ela olhou para Harry e disse:
—
Cuide-se bem.
Harry
apanhou o saco de ouro na mesa-de-cabeceira.
—
Podem levar — murmurou para a senhora — Deveria ter sido de Cedrico, ele chegou
à Taça primeiro, levem...
Mas
ela se afastou dele.
— Ah,
não, é seu, querido, não poderíamos... fique para você.
Harry
voltou à Torre da Grifinória na noite seguinte. Pelo que Hermione e Rony lhe
contaram, Dumbledore se dirigira à escola naquela manhã, ao café. Pedira apenas
que deixassem Harry em paz, que ninguém lhe fizesse perguntas nem o aborrecesse
pedindo que contasse o que acontecera no labirinto.
A
maioria dos colegas, reparou Harry, estava lhe dando distância nos corredores,
evitando olhá-lo. Alguns cochichavam tampando a boca com as mãos quando o
garoto passava. Ele imaginou que muitos teriam acreditado no artigo de Rita
Skeeter sobre sua perturbação mental e a possibilidade de ser perigoso. Talvez
estivessem formulando as próprias teorias sobre a morte de Cedrico.
Ele
descobriu que não fazia muita diferença. Gostava mais quando estava com Rony e
Hermione e conversavam de outras coisas ou então eles o deixavam ficar calado
enquanto jogavam xadrez. Sentia que os três haviam chegado a um entendimento
que não precisava ser expresso com palavras, que cada um estava à espera de um
sinal, uma palavra, sobre o que estava acontecendo fora dos muros de Hogwarts,
e que era inútil especular até que soubessem de alguma coisa ao certo. A única
vez em que tocaram no assunto foi quando Rony contou a Harry sobre o encontro
que a Sra. Weasley tivera com Dumbledore antes de voltar para casa.
— Ela
foi perguntar ao Diretor se você poderia ir direto para nossa casa no verão.
Mas o Diretor quer que você vá para a casa dos Dursley, pelo menos no começo.
— Por
que? — perguntou Harry.
— Ela
disse que Dumbledore tem lá as razões dele — explicou Rony, balançando a cabeça
sombriamente — Suponho que temos de confiar nele, não é?
A
única pessoa além de Rony e Hermione com quem Harry se sentia capaz de falar
era Hagrid. E como não havia mais professor de Defesa Contra as Artes das
Trevas, tinham o tempo dessa aula livre. Usaram o da tarde de Quinta-Feira para
visitar Hagrid em casa. Fazia um dia claro e ensolarado, Canino saltou pela
porta aberta quando eles se aproximaram, latindo e abanando o rabo feito louco.
—
Quem está aí? — perguntou Hagrid chegando até a porta — Harry!
E
saiu ao encontro dos garotos, puxando Harry para um abraço com uma das mãos e
despenteando os cabelos dele com a outra disse:
— Que
bom ver você companheiro. Que bom ver você.
Os
três viram duas xícaras do tamanho de baldes sobre a mesa de madeira diante da
lareira quando entraram na cabana.
—
Tomando uma xícara de chá com Olímpia — disse Hagrid — Ela acabou de sair.
— Quem?
— perguntou Rony curioso.
—
Madame Maxime, é claro! — explicou Hagrid.
—
Vocês dois fizeram as pazes, então? — perguntou Rony.
— Não
sei do que você está falando — disse Hagrid com displicência, indo buscar mais
xícaras na cômoda.
Depois
de preparar o chá e oferecer um prato de biscoitos massudos, ele se sentou e
examinou Harry mais de perto com aqueles seus olhos de besouros negros.
—
Você está bem? — perguntou rouco.
—
Claro.
—
Não, não está. Claro que não está. Mas vai ficar.
Harry
não respondeu nada.
— Eu
sabia que ele ia voltar — disse Hagrid, e Harry, Rony e Hermione olharam para
ele chocados — Sei há anos, Harry. Sabia que estava lá fora, esperando a hora.
Tinha que acontecer. Bom, agora aconteceu, e vamos ter de conviver com isso.
Vamos lutar. Talvez a gente consiga deter o homem antes que ele se firme. Pelo
menos esse é o plano de Dumbledore. Grande homem, Dumbledore. Enquanto
contarmos com ele, não estou muito preocupado.
Hagrid
ergueu as sobrancelhas espessas ao ver a expressão de incredulidade nos rostos
dos garotos.
— Não
adianta a gente ficar sentado se preocupando. O que tiver que ser será, e nós o
enfrentaremos quando vier. Dumbledore me contou o que você fez, Harry.
O
peito de Hagrid inchou ao fitar Harry.
—
Você fez tanto quanto o seu pai teria feito e não posso lhe fazer elogio maior.
Harry
retribuiu o sorriso do amigo. Era a primeira vez que sorria em dias.
— Que
foi que Dumbledore lhe pediu para fazer, Hagrid? — perguntou o garoto — Ele
mandou a Profª. McGonagall convidar você e Madame Maxime para irem à sala
dele... naquela noite.
— Tem
um trabalhinho para mim durante o verão — disse Hagrid — Mas é segredo. Não
tenho licença para falar, nem para vocês. Olímpia, Madame Máxime para vocês,
talvez vá comigo. Acho que irá. Acho que a convenci.
— Tem
ligação com Voldemort?
Hagrid
fez uma careta ao ouvir aquele nome.
—
Talvez — respondeu evasivamente — Agora... quem gostaria de visitar o último
explosivim comigo? Brincadeirinha, brincadeirinha! — acrescentou ele depressa,
ao ver a cara dos garotos.
* * *
Foi com uma opressão no
peito que Harry arrumou seu malão no dormitório, na véspera do seu regresso à
Rua dos Alfeneiros. Estava com medo da Festa de Despedida, que normalmente era
motivo de comemoração, pois nela anunciavam o vencedor do Campeonato entre as
Casas. Ele andava evitando o Salão Principal quando estava cheio, desde que
deixara a Ala Hospitalar, dando preferência a comer quando ficava quase vazio,
para evitar os olhares dos colegas.
Quando
ele, Rony e Hermione entraram no salão, notaram imediatamente que não havia as
decorações de costume. O Salão Principal em geral era enfeitado com as cores da
Casa vencedora na Festa de Despedida. Esta noite, no entanto, havia panos
pretos na parede ao fundo onde ficava a mesa dos professores. Harry percebeu
instantaneamente que eram um sinal de respeito por Cedrico.
O
verdadeiro Olho-Tonto Moody estava à mesa, a perna de pau e o olho mágico nos
lugares. Mostrava-se extremamente inquieto e assustadiço todas as vezes que
alguém lhe falava. Harry não pôde culpá-lo, o medo que Moody tinha de ser
atacado com certeza havia crescido depois de ficar preso no seu próprio malão
durante dez meses.
O
lugar do Prof. Karkaroff estava vazio. Harry se perguntou, ao sentar-se com os
colegas da Grifinória, onde andaria o bruxo, se Voldemort já o teria alcançado.
Madame
Maxime continuava em Hogwarts. Estava sentada ao lado de Hagrid. Falavam entre
si baixinho.
Mais
adiante na mesa, ao lado da Profª. McGonagall, estava Snape. Seus olhos se
demoraram em Harry por um momento quando o garoto olhou em sua direção. Sua
expressão era difícil de traduzir. Parecia tão amargurado e desagradável como
sempre. Harry continuou a observá-lo muito depois de o professor ter desviado o
olhar. Que será que Snape fizera por ordem de Dumbledore, na noite em que
Voldemort ressurgira? E por que... por que... Dumbledore tinha tanta convicção
de que Snape estava realmente do lado deles? Espionara para eles, dissera
Dumbledore na Penseira. “Snape espionara
Voldemort correndo grandes riscos pessoais”. Seria essa a tarefa que
retomara? Teria feito contato com os Comensais da Morte, talvez? Fingira que
jamais se passara realmente para o lado de Dumbledore, que estivera, a exemplo
do próprio Voldemort, aguardando sua hora?
As
indagações de Harry foram interrompidas pelo Prof. Dumbledore, que se levantou
à mesa dos professores.
O
Salão Principal, que por sinal tinha estado menos barulhento do que costumava
ser em uma Festa de Despedida, ficou muito silencioso.
— O
fim — disse Dumbledore olhando para todos — De mais um ano.
Ele
fez uma pausa e seu olhar pousou na mesa da Lufa-Lufa. A mais silenciosa de
todas antes do diretor se levantar, e continuava a ser a mais triste e de
rostos mais pálidos do salão.
— Há
muita coisa que eu gostaria de dizer a todos vocês esta noite, mas primeiro,
quero lembrar a perda de uma excelente pessoa, que deveria estar sentado aqui —
ele fez um gesto em direção à mesa da Lufa-Lufa — Festejando conosco. Eu
gostaria que todos os presentes, por favor, se levantassem e fizessem um brinde
a Cedrico Diggory.
Todos
obedeceram; os bancos se arrastaram e os alunos no salão se levantaram e
ergueram seus cálices e ouviu-se um eco uníssono, alto, grave e ressonante:
“Cedrico Diggory”.
De
relance, Harry viu Cho entre os colegas. Havia lágrimas silenciosas correndo
pelo seu rosto. Ele baixou os olhos para a própria mesa quando todos tornaram a
se sentar.
—
Cedrico era o aluno que exemplificava muitas das qualidades que distinguem a
Casa da Lufa-Lufa — continuou Dumbledore — Era um amigo bom e leal, uma pessoa
aplicada, valorizava o jogo limpo. Sua morte nos afetou a todos, quer vocês o
conhecessem bem ou não. Portanto, creio que vocês têm o direito de saber
exatamente como aconteceu.
Harry
ergueu a cabeça e encarou Dumbledore.
—
Cedrico Diggory foi morto por Lorde Voldemort.
Um
murmúrio de pânico varreu o Salão Principal. As pessoas olharam para Dumbledore
incrédulas, horrorizadas. Ele parecia perfeitamente calmo ao observar os
presentes até pararem de murmurar.
— O
Ministro da Magia — continuou Dumbledore — Não quer que eu lhes diga isto. É
possível que alguns pais se horrorizem com o que acabo de fazer, ou porque não
acreditam que Lorde Voldemort tenha ressurgido ou porque acham que eu não deva
lhes informar isto por serem demasiado jovens. Creio, no entanto, que a verdade
é, em geral, preferível às mentiras, e qualquer tentativa de fingir que Cedrico
Diggory morreu em conseqüência de um acidente ou de algum erro que cometeu é um
insulto à sua memória.
Atordoados
e temerosos, cada rosto no salão voltava-se para Dumbledore agora... ou quase
todos. Na mesa da Sonserina, Harry viu Draco Malfoy cochichar alguma coisa para
Crabbe e Goyle. O garoto sentiu no estômago um espasmo nauseante e quente de
raiva. Forçou-se a olhar para Dumbledore.
— Há
mais alguém que deve ser mencionado com relação à morte de Cedrico — continuou
Dumbledore — Estou me referindo, naturalmente, à Harry Potter.
Um
murmúrio atravessou o salão e algumas cabeças se viraram em direção ao garoto
antes de tornarem a fitar Dumbledore.
—
Harry Potter conseguiu escapar de Lorde Voldemort. E arriscou a própria vida
para trazer o corpo de Cedrico de volta a Hogwarts. Ele demonstrou, sob todos
os aspectos, uma bravura que poucos bruxos jamais demonstraram diante de Lorde
Voldemort e, por isso, eu o homenageio.
Dumbledore
virou-se solenemente para Harry e ergueu sua taça mais uma vez.
Quase
todos os presentes no Salão Principal seguiram seu exemplo. E murmuraram seu
nome, conforme tinham murmurado o de Cedrico, e beberam em sua homenagem. Mas,
por uma brecha entre os que estavam de pé, Harry viu que Malfoy, Crabbe, Goyle
e muitos alunos da Sonserina, num gesto de desafio, tinham permanecido
sentados, os cálices intocados.
Dumbledore,
que afinal de contas não possuía olhos mágicos, não os viu. Quando todos se
sentaram mais uma vez, o diretor continuou:
— O
objetivo do Torneio Tribruxo era aprofundar e promover o entendimento no mundo
mágico. À luz do que aconteceu, o ressurgimento de Lorde Voldemort, esses laços
se tornam mais importantes do que nunca.
O
olhar do diretor foi de Madame Maxime e Hagrid à Fleur Delacour e seus colegas
de Beauxbatons, daí para Krum e os alunos de Durmstrang à mesa da Sonserina.
Krum, Harry observou, parecia preocupado, quase temeroso, como se esperasse
Dumbledore dizer alguma coisa desagradável.
—
Cada convidado neste salão — disse o diretor e seu olhar se demorou nos alunos
de Durmstrang — Será bem-vindo se algum dia quiser voltar para cá. Repito a
todos, à luz do ressurgimento de Lorde Voldemort, seremos tão fortes quanto
formos unidos e tão fracos quanto formos desunidos. O talento de Lorde
Voldemort para disseminar a desarmonia e a inimizade é muito grande. Só podemos
combatê-lo mostrando uma ligação igualmente forte de amizade e confiança. As
diferenças de costumes e língua não significam nada se os nossos objetivos
forem os mesmos e os nossos corações forem receptivos. Creio, e nunca tive
tanta esperança de estar enganado, que estamos diante de tempos negros e
difíceis. Alguns de vocês, neste salão, já sofreram diretamente nas mãos de Lorde
Voldemort. As famílias de muitos já foram despedaçadas. Há apenas uma semana,
um aluno foi levado do nosso meio. Lembrem-se de Cedrico Diggory. Lembrem-se,
se chegar a hora de terem de escolher entre o que é certo e o que é fácil,
lembrem-se do que aconteceu com um rapaz que era bom, generoso e corajoso,
porque ele cruzou o caminho de Lorde Voldemort. Lembrem-se de Cedrico Diggory.
* * *
O malão de Harry estava
pronto, Edwiges, presa na gaiola em cima do malão. Harry, Rony e Hermione
aguardavam no Saguão de Entrada lotado, com os demais alunos do quarto ano, as
carruagens que deviam levá-los à estação de Hogsmeade.
Fazia
mais um belo dia de verão. Harry supôs que a Rua dos Alfeneiros estaria quente
e cheia de folhas, os canteiros de flores em uma profusão de cores, quando ele
chegasse lá à noite. O pensamento não lhe trouxe prazer algum.
— Arry!
Ele
olhou. Fleur Delacour vinha entrando no castelo correndo. Para além da garota,
lá longe no jardim, Harry viu Hagrid ajudando Madame Maxime a atrelar os
cavalos à carruagem. A carruagem de Beauxbatons estava prestes a partir.
— Nos verremes utrra vez, esperro — disse
Fleur, que estendeu a mão quando o alcançou — Estou querrendo arranjar um emprrego aqui para melhorrar o meu inglês.
— Já
é bastante bom — disse Rony com a voz meio estrangulada.
Fleur
sorriu para ele, Hermione amarrou a cara para o amigo.
— Adeus, Arry — disse Fleur, virando-se
para ir embora — Foi um prrazer conhecerr
você!
O
estado de ânimo de Harry não pôde deixar de melhorar um pouquinho ao observar
Fleur correr pelos gramados de volta a Madame Maxime, seus cabelos prateados
ondeando ao sol.
—
Como será que os alunos de Durmstrang vão voltar para casa? — indagou Rony —
Vocês acham que eles são capazes de comandar aquele navio sem o Karkaroff?
—
Karkaroff non comandou — disse uma voz ríspida — Ficou na cabine e deixou o
trrabalho conosco.
Krum
viera se despedir de Hermione.
—
Posso lhe darr uma palavrrinha? — pediu ele.
—
Ah... claro... tudo bem — respondeu a garota, e parecendo ligeiramente afobada
acompanhou Krum pela aglomeração de alunos até desaparecer de vista.
— É
melhor você se apressar! — gritou Rony para ela — As carruagens vão chegar a
qualquer momento!
Mas
ele deixou com Harry a tarefa de vigiar a chegada das carruagens e passou os
minutos seguintes esticando o pescoço por cima dos colegas para tentar ver o
que Krum e Hermione poderiam estar fazendo. Os dois voltaram bem depressa, mas
o rosto da garota estava impassível.
— Eu
gostava de Diggory — disse Krum abruptamente a Harry — Erra semprre educado
comigo. Semprre. Mesmo eu sendo de Durrmstrrang com Karkaroff — acrescentou
ele, fechando a cara.
—
Vocês já têm um novo diretor? — perguntou Harry.
Krum
sacudiu os ombros. Depois estendeu a mão, como fizera Fleur, apertou a de Harry
e em seguida a de Rony.
Rony
parecia estar sofrendo um doloroso conflito interior. Krum já começara a se
afastar quando ele falou de supetão.
—
Pode me dar seu autógrafo?
Hermione
se virou rindo para as carruagens sem cavalos, que agora vinham sacolejando
pelo caminho, quando Krum, com ar de surpresa, mas muito satisfeito, assinou um
pedaço de pergaminho para Rony.
O
tempo não poderia estar mais diferente na viagem de volta a King´s Cross do que
estivera na vinda para Hogwarts, em Setembro.
Não
havia uma única nuvem no céu.
Harry,
Rony e Hermione tinham conseguido uma cabine só para eles. Pichitinho mais uma
vez viajava escondida sob as vestes a rigor de Rony para não ficar piando
continuamente. Edwiges cochilava, a cabeça debaixo de uma asa, e Bichento se
enroscara em um lugar vazio como uma grande almofada peluda cor de gengibre.
Harry, Rony e Hermione conversaram mais longa e livremente do que haviam feito
durante toda a semana, enquanto o trem os levava para o sul.
Harry
teve a impressão de que o discurso de Dumbledore na Festa de Despedida de
alguma forma o desbloqueara. Tornara-se menos doloroso para ele falar sobre o
que acontecera. Os amigos somente interromperam a conversa sobre as medidas que
Dumbledore poderia estar tomando naquele instante para deter Voldemort, quando
o carrinho de comida chegou.
Ao
voltar do carrinho, Hermione guardou o troco na mochila e apanhou um exemplar
do Profeta Diário que levava ali. Harry olhou para o jornal, pouco seguro se
realmente gostaria de saber o que dizia, mas Hermione, vendo-o olhar, disse
calmamente:
— Não
tem nada aqui. Pode ver por você mesmo, não tem nada aqui. Estive verificando
todos os dias. Só uma pequena notícia no dia seguinte à Terceira Tarefa,
dizendo que você ganhou o torneio. O jornal sequer mencionou Cedrico. Nenhum
comentário sobre nada. Se vocês me perguntarem, acho que Fudge está obrigando o
jornal a se calar.
— Ele
jamais faria Rita se calar — disse Harry — Não sobre uma história dessas.
— Ah,
Rita não tem escrito nada desde a Terceira Tarefa — disse Hermione, com uma voz
estranhamente contida — Aliás — acrescentou, agora com a voz ligeiramente
trêmula — Rita Skeeter não vai escrever nadinha por algum tempo. A não ser que
queira que eu ponha a boca no trombone sobre ela.
— Do
que é que você está falando? — perguntou Rony.
—
Descobri como é que ela fazia para escutar conversas particulares já que estava
proibida de entrar nos terrenos da escola — explicou a garota depressa.
Harry
teve a impressão de que Hermione andava há dias doidinha para contar a eles,
mas se contivera por conta de tudo o mais que havia acontecido.
—
Como é que ela fazia? — perguntou Harry na mesma hora.
—
Como foi que você descobriu? — perguntou Rony, olhando admirado para a amiga.
—
Bom, na realidade foi você, Harry, quem me deu a idéia.
— Eu?
— exclamou Harry perplexo — Como?
—
Grampo — disse a garota satisfeita.
— Mas
você disse que não funcionava...
— Ah,
não um grampo eletrônico. Não, sabe... Rita Skeeter — a voz de Hermione tremeu
de silencioso triunfo — É um animago clandestino. Ela pode se transformar...
Hermione
tirou um frasco lacrado de dentro da mochila.
—...
em besouro.
—
Você está brincando — exclamou Rony — Você não... ela não está...
— Ah,
está — respondeu Hermione com ar de felicidade, mostrando o frasco para os
amigos. Dentro havia uns gravetos e folhas e um grande e gordo besouro.
—
Nunca... você está brincando... — sussurrou Rony, erguendo o frasco à altura
dos olhos.
—
Não, não estou — disse Hermione, com um largo sorriso — Apanhei-a no peitoril
da janela da enfermaria. Olhe com atenção e você vai notar as marcas em volta
das antenas exatamente iguais as daqueles óculos horrorosos que ela usa.
Harry
olhou e viu que a garota tinha razão. E ele também se lembrou de uma coisa.
—
Havia um besouro em cima da estátua na noite em que ouvimos Hagrid falando com
Madame Maxime sobre a mãe dele!
—
Exatamente — confirmou Hermione — E Vítor tirou um besouro dos meus cabelos
quando estávamos conversando na beira do lago. E, a não ser que eu esteja muito
enganada, Rita estava no peitoril da janela da classe de Adivinhação no dia em
que sua cicatriz doeu. Ela andou besourando pela escola o ano inteiro.
—
Quando vimos Malfoy debaixo daquela árvore... — lembrou Rony lentamente.
— Ele
estava falando com a Rita segura na mão — disse Hermione — Ele sabia, é claro.
Foi assim que ela fez aquelas entrevistas simpáticas com os alunos da
Sonserina. Aqueles garotos não ligariam se ela estivesse fazendo uma coisa
ilegal, desde que pudessem contar barbaridades sobre Hagrid e nós.
Hermione
apanhou o frasco da mão de Rony e sorriu para o besouro, que zuniu irritado
contra o vidro.
— Já
avisei a ela que só vou soltá-la quando chegarmos a Londres. Lancei um Feitiço
Anti-quebra no frasco, entendem, para ela não poder se transformar. E avisei,
também, que vai ter que guardar a pena só para ela durante um ano. Vamos ver se
ela não perde o hábito de escrever mentiras horríveis sobre as pessoas.
Sorrindo
serenamente, Hermione tornou a guardar o besouro na mochila.
A
porta da cabine se abriu.
—
Muito esperta, Granger — exclamou Draco Malfoy.
Crabbe
e Goyle vinham atrás dele. Os três pareciam mais satisfeitos com eles mesmos,
mais arrogantes e mais ameaçadores, do que Harry jamais os vira.
—
Então — disse Malfoy, entrando lentamente na cabine e olhando para os três, um
sorrisinho brincando em seus lábios — Vocês apanharam uma repórter patética, e
Potter voltou a ser o aluno favorito de Dumbledore. Grande coisa!
Seu
sorriso se alargou. Crabbe e Goyle fizeram cara de desdém.
—
Estamos tentando não pensar naquilo, é? — disse ele calmamente, continuando a
se dirigir aos três — Tentando fingir que não aconteceu?
— Dá
o fora — disse Harry. Ele não chegava perto de Malfoy desde que o vira
cochichando com Crabbe e Goyle durante o discurso de Dumbledore sobre Cedrico.
Sentiu uma espécie de zumbido nos ouvidos. Sua mão agarrou a varinha sob as
vestes.
—
Você escolheu o lado perdedor, Potter! Eu lhe avisei! Eu lhe disse que devia
escolher com quem anda com mais cuidado, lembra? Quando nos encontramos no
trem, no primeiro dia de Hogwarts? Eu lhe disse para não andar com ralé desse
tipo! — ele indicou Rony e Hermione com a cabeça — Tarde demais agora, Potter!
Eles serão os primeiros a ir, agora que o Lorde das Trevas voltou!
Sangues-Ruins e amantes de trouxas primeiro! Bom, em segundo lugar, Diggory foi
o pr...
Foi
como se alguém tivesse explodido uma caixa de fogos na cabine pelo clarão dos
feitiços que voaram em todas as direções, surdo pela série de estampidos, Harry
piscou olhando para o chão. Malfoy, Crabbe e Goyle estavam caídos inconscientes
à porta.
Ele,
Rony e Hermione estavam de pé, depois de cada um ter usado um feitiço
diferente. E não tinham sido os únicos a fazer isso.
—
Achamos que devíamos dar uma olhada no que os três iam aprontar — disse Fred
factualmente, pisando em cima de Goyle, no que foi imitado por Jorge, que teve
o cuidado de pisar em Malfoy ao entrar com o irmão na cabine.
— Que
efeito interessante! — exclamou Jorge, olhando para Crabbe — Quem usou o
Feitiço Furunculus?
— Eu
— respondeu Harry.
— Que
estranho! — disse Jorge descontraído — Eu usei o das Pernas-Bambas. Parece que
não se deve misturar os dois. Brotaram pequenos tentáculos pela cara dele toda.
Bom, não vamos deixar os três aqui, eles não contribuem nada para a decoração.
Rony,
Harry e Jorge chutaram, rolaram e empurraram os inconscientes Malfoy, Crabbe e
Goyle, cada um com a aparência pior, dada a mistura de feitiços com que tinham
sido atingidos, até o corredor, depois voltaram para a cabine e fecharam a
porta.
—
Alguém topa um Snap Explosivo? — convidou Jorge puxando um baralho.
Já
estavam no meio da quinta partida quando Harry resolveu fazer a eles a
pergunta.
—
Então vão nos contar? — dirigiu-se ele a Jorge — Quem é que vocês estavam
chantageando?
— Ah
— disse Jorge misteriosamente — Aquilo...
—
Vamos deixar pra lá — disse Fred, balançando a cabeça impaciente — Não foi nada
importante. Pelo menos a essa altura.
—
Desistimos — disse Jorge encolhendo os ombros.
Mas
Harry, Rony e Hermione continuaram insistindo e finalmente Fred falou:
—
Está bem, está bem, se vocês querem mesmo saber... era Ludo Bagman.
—
Bagman? — disse Harry na mesma hora — Vocês estão dizendo que ele estava
envolvido...
— Não
— disse Jorge desanimado — Nada a ver. Um debilóide. Não teria cérebro para tanto.
—
Então, quem?
Fred
hesitou, depois disse:
—
Vocês se lembram da aposta que fizemos com ele na Copa Mundial de Quadribol?
Que a Irlanda ia ganhar, mas Krum capturaria o pomo?
—
Lembro — disseram Harry e Rony lentamente.
—
Bom, o babaca nos pagou com aquele ouro de leprechaum que os mascotes da
Irlanda tinham jogado.
— E
daí?
— E
daí — disse Fred impaciente — Desapareceu, não é? Na manhã seguinte, tinha
desaparecido!
—
Mas... deve ter sido sem querer, não? — perguntou Hermione.
Jorge
riu muito amargurado.
— É,
foi o que nós pensamos a princípio. Achamos que se escrevêssemos a ele e
disséssemos que tinha havido um engano, ele nos pagaria direito. Mas nada
feito. Nem deu bola para a nossa carta. Continuamos tentando falar com ele
sobre isso em Hogwarts, mas estava sempre arranjando uma desculpa para se
afastar.
— No
fim ele começou a engrossar — comentou Fred — Disse que éramos muito jovens
para apostar em jogos de azar e que ele não ia nos dar nada.
—
Então pedimos a ele que devolvesse o nosso dinheiro — disse Jorge amarrando a
cara.
— Ele
não teve a coragem de recusar! — exclamou Hermione.
—
Acertou na primeira — disse Fred.
— Mas
eram todas as economias de vocês! — disse Rony.
— Me
conta uma novidade — disse Jorge — Claro que acabamos descobrindo o que estava
rolando. O pai de Lino Jordan também tinha tido um trabalho danado para receber
algum dinheiro de Bagman. O caso é que ele estava encalacrado até o pescoço com
os duendes. Tinha pedido emprestado a eles uma montanha de dinheiro. Uma turma
encurralou Bagman na floresta depois da Copa Mundial e tirou todo o ouro que
ele levava nos bolsos, mas ainda não era suficiente para cobrir as dívidas. Os
duendes o seguiram até Hogwarts para ficar de olho nele. O cara tinha perdido
tudo no jogo. Não tinha mais nem dois galeões para esfregar um no outro. E sabe
como foi que o idiota tentou pagar aos duendes?
—
Como? — perguntou Harry.
—
Apostou em você companheiro — disse Fred — Fez uma aposta enorme que você
ganharia o torneio. Apostou com os duendes.
—
Então foi por isso que ele ficou tentando me ajudar a ganhar! — disse Harry —
Bom, e eu ganhei, não é mesmo? Então ele já pode pagar o ouro de vocês!
— Não
— respondeu Jorge, balançando a cabeça — Os duendes jogaram sujo com ele.
Disseram que você ganhou com Diggory, e Bagman tinha apostado que você ganharia
sozinho. Então Bagman teve que se mandar para salvar a pele. E foi o que fez
logo depois da Terceira Tarefa.
Jorge
deu um profundo suspiro e começou a dar as cartas outra vez.
O
resto da viagem foi bem agradável, Harry na verdade desejou que ela pudesse ter
continuado pelo verão afora, e que nunca chegassem a King´s Cross... mas como
aprendera a duras penas aquele ano, o tempo não desacelerava quando alguma
coisa desagradável estava à espera da gente, e logo, logo o Expresso de
Hogwarts estaria entrando na Plataforma 9 e ½.
O
barulho e a confusão de sempre encheram os corredores do trem quando os alunos
começaram a desembarcar.
Rony
e Hermione lutaram para passar com as malas ao largo de Malfoy, Crabbe e Goyle.
Harry, no entanto, ficou parado.
—
Fred, Jorge, esperem aí.
Os
gêmeos se viraram. Harry abriu o malão e tirou a bolsa com o prêmio do Torneio
Tribruxo.
—
Para vocês — disse ele, e enfiou a bolsa nas mãos de Jorge.
—
Quê? — exclamou Fred, aparvalhado.
—
Para vocês — repetiu Harry com firmeza — Eu não quero.
—
Você pirou — disse Jorge, tentando empurrar a bolsa de volta para o garoto.
—
Não, não pirei. Fiquem com ele e continuem inventando. É para a loja de logros.
— Ele
pirou — disse Jorge, com assombro na voz.
— Escutem
— disse Harry decidido — Se vocês não aceitarem eu vou jogar fora. Não quero o
ouro e não preciso dele. Mas dar umas boas gargalhadas bem que ajudaria. Tenho
a impressão de que vamos precisar delas mais do que de costume e não vai
demorar muito.
— Harry
— disse Jorge sem muita convicção, pesando a bolsa de dinheiro nas mãos — Deve
ter uns mil galeões aqui.
— Tem
— disse Harry sorrindo — Pensem quantos Cremes de Canário vão poder fabricar.
Os
gêmeos ficaram olhando para ele.
— Só
não contem à sua mãe onde arranjaram o ouro... embora, pensando bem, ela talvez
não esteja mais querendo tanto que vocês entrem para o Ministério...
—
Harry... — começou Fred, mas o garoto empunhou a varinha.
—
Olhem — disse em tom de quem não admite contestação — Ou levam ou azaro vocês.
Conheço umas boas azarações agora. Mas me façam um favor, ok? Comprem umas
roupas a rigor diferentes para Rony e digam que é presente de vocês.
Harry
deixou a cabine antes que os gêmeos pudessem dizer mais alguma coisa, pulando
por cima de Malfoy, Crabbe e Goyle, que continuavam caídos no chão, cobertos de
feitiços.
Tio
Válter estava aguardando do outro lado da barreira. A Sra. Weasley muito
próxima dele. Ela deu um abraço apertado em Harry quando o viu e cochichou em
seu ouvido:
—
Acho que Dumbledore vai deixar você ficar conosco mais para o fim do verão.
Fique em contato, Harry.
— A
gente se vê Harry — disse Rony lhe dando uma palmadinha nas costas.
—
Tchau, Harry! — disse Hermione e fez uma coisa que nunca fizera antes, deu-lhe
um beijo na bochecha.
—
Harry, obrigado — murmurou Jorge, enquanto Fred concordava animado acenando com
a cabeça, ao lado do irmão.
Harry
piscou para os dois, virou-se para o Tio Válter e o acompanhou silenciosamente
para fora da estação.
Não
adiantava começar a se preocupar, disse a si mesmo quando embarcou no banco
traseiro do carro dos Dursley. Conforme dissera Hagrid, o que tiver de ser,
será... e ele teria que enfrentar o que fosse quando viesse.
FIM DO QUARTO VOLUME
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