— CAPÍTULO TRINTA E SEIS —
Os Caminhos Se Separam
DUMBLEDORE FICOU EM PÉ.
Contemplou Bartô Crouch por um momento com uma expressão de desgosto. Então
ergueu sua varinha mais uma vez e dela voaram cordas, cordas que se prenderam
em torno do bruxo, amarrando-o apertado. Ele se dirigiu, então, à Profª.
McGonagall.
—
Minerva, posso pedir a você que fique de guarda aqui enquanto levo Harry para
cima?
—
Naturalmente — ela parecia ligeiramente nauseada, como se tivesse acabado de
ver alguém vomitar. Contudo, quando puxou a varinha e a apontou para Bartô
Crouch, sua mão estava bem firme.
—
Severo — virou-se Dumbledore para Snape — Por favor, peça a Madame Pomfrey para
vir até aqui. Precisamos levar Alastor Moody para a Ala Hospitalar. Depois
desça aos jardins, procure Cornélio Fudge e traga-o para esta sala. Com certeza
ele vai querer interrogar Crouch pessoalmente. Diga-lhe que estarei na Ala
Hospitalar dentro de meia-hora, caso precise de mim.
Snape
concordou silenciosamente com um aceno de cabeça e saiu da sala.
—
Harry? — chamou Dumbledore gentilmente.
Harry
se levantou e cambaleou; a dor na perna, que ele mal sentira todo o tempo em
que estivera ouvindo Crouch, agora voltava com força total. O garoto também
percebeu que estava tremendo. Dumbledore segurou-o pelo braço e ajudou-o a sair
para o corredor escuro.
—
Quero que venha primeiro ao meu escritório, Harry — disse ele baixinho,
enquanto seguiam pelo corredor — Sirius está nos esperando lá.
Harry
concordou com a cabeça. Uma sensação de dormência e de total irrealidade se
apoderara dele, mas o garoto não ligou, ficou até feliz com isso.
Não
queria ter que pensar em nada que acontecera desde que pusera a mão, pela
primeira vez, na Taça Tribruxo. Não queria ter que examinar as lembranças,
frescas e nítidas como fotografias, que não paravam de lampejar em sua mente.
Olho-Tonto Moody dentro do malão, Rabicho caído no chão, aninhando o toco do
braço. Voldemort ressurgindo do caldeirão fumegante. Cedrico... morto... Cedrico
pedindo para ele levar seu corpo para os pais...
—
Professor — murmurou Harry — Onde estão o Sr. e a Sra. Diggory?
—
Estão com a Prof. Sprout — a voz de Dumbledore que estivera tão calma durante o
interrogatório de Bartô Crouch tremeu levemente pela primeira vez — Ela é a
diretora da Casa de Cedrico e o conhecia melhor.
Tinham
chegado à gárgula de pedra. Dumbledore disse a senha, ela saltou para o lado, e
o diretor e Harry subiram a escada rolante circular até a porta de carvalho.
Dumbledore abriu-a. Sirius estava parado ali. Seu rosto branco e ossudo como
estivera quando fugira de Azkaban. Num átimo, ele atravessou a sala.
—
Harry, você está bem? Eu sabia... eu sabia que uma coisa assim... que
aconteceu?
As
mãos dele tremiam ao ajudar Harry a se sentar em uma cadeira diante da
escrivaninha.
— Que
aconteceu? — perguntou mais pressuroso.
Dumbledore
começou a contar a Sirius tudo que Bartô Crouch dissera.
Harry
ouvia apenas com metade de sua atenção. Tão cansado que cada osso do seu corpo
doía, ele só tinha vontade de ficar sentado ali, sossegado, durante horas e
horas, até adormecer e não precisar mais pensar nem sentir nada. Ouviu-se um
leve rumorejo de asas. Fawkes, a fênix, deixara o poleiro, voara pela sala e
pousara no joelho de Harry.
—
Alô, Fawkes — disse o garoto de mansinho.
E
alisou a bela plumagem vermelha e dourada da ave. Fawkes piscou sem medo para
ele. Havia um certo consolo em seu peso morno.
Dumbledore
parara de falar. Sentou-se diante de Harry, à escrivaninha. Encarou o menino,
que procurou evitar os seus olhos.
Dumbledore
ia interrogá-lo. Ia fazer Harry desabafar tudo.
—
Preciso saber o que foi que aconteceu depois que você tocou a Chave de Portal
no labirinto, Harry — disse o diretor.
—
Podemos esperar até de manhã para isso, não Dumbledore? — disse Sirius com
aspereza. Ele pousou a mão no ombro de Harry — Deixe o garoto dormir. Deixe-o
descansar.
Harry
sentiu um assomo de gratidão com relação ao padrinho, mas Dumbledore não deu
atenção às palavras de Sirius. Curvou-se para Harry. De má vontade, o garoto
ergueu a cabeça e encarou aqueles olhos azuis.
— Se
eu achasse que poderia ajudá-lo — disse Dumbledore brandamente — Mergulhar você
em um sono encantado e permitir que adiasse o momento em que terá de pensar no
que aconteceu esta noite, eu faria isso. Mas sei que não posso. Amortecer a dor
por algum tempo apenas a tornará pior quando você finalmente a sentir. Você
demonstrou uma coragem acima da que eu poderia ter esperado. Estou pedindo que
a demonstre mais uma vez. Estou pedindo que nos conte o que aconteceu.
A
fênix deixou escapar uma nota branda e trêmula. A nota estremeceu no ar, e
Harry sentiu como se uma gota de líquido morno tivesse descido por sua garganta
até o estômago, aquecendo-o e lhe dando forças. Ele inspirou profundamente e
começou a contar.
Enquanto
falava, visões de tudo que se passara àquela noite pareciam desfilar diante de
seus olhos, ele viu a superfície borbulhante da poção que revivera Voldemort,
viu os Comensais da Morte aparatando entre os túmulos em volta deles, viu o corpo
de Cedrico, caído no chão ao lado da Taça. Uma ou duas vezes, Sirius emitiu um
som como se fosse falar alguma coisa, sua mão ainda apertando o ombro do
afilhado, mas Dumbledore ergueu a mão para fazê-lo calar, e Harry se sentiu
grato por isso, porque era mais fácil continuar agora que já começara. Era até
um alívio, o garoto teve a sensação de que alguma coisa venenosa estava sendo
extraída dele, custava-lhe toda a determinação que possuía continuar falando,
contudo, ele percebia que uma vez que tivesse terminado, iria se sentir melhor.
Quando
Harry contou que Rabicho espetara seu braço com o punhal, porém, Sirius deixou
escapar uma exclamação veemente e Dumbledore se levantou tão depressa que Harry
se assustou. O diretor deu a volta à escrivaninha e pediu a Harry que esticasse
o braço. O garoto mostrou aos dois o lugar em que suas vestes estavam rasgadas
e o corte sob as mesmas.
— Ele
falou que o meu sangue o tornaria mais forte do que se usasse o de outro —
disse Harry a Dumbledore — Falou que a proteção que minha... minha mãe tinha
deixado em mim, seria dele, também. E estava certo, ele pôde me tocar sem se
machucar, ele tocou o meu rosto.
Por
um instante fugaz, Harry viu um brilho que lembrava triunfo nos olhos do
diretor. Mas no segundo seguinte teve certeza de que imaginara, porque quando
Dumbledore voltou à cadeira atrás da escrivaninha, pareceu velho e cansado como
Harry jamais o vira.
—
Muito bem — disse ao se sentar — Voldemort superou esta barreira. Continue,
Harry, por favor.
Harry
prosseguiu, explicou como Voldemort emergira do caldeirão, e repetiu para eles
tudo que conseguiu se lembrar do discurso do Lorde aos Comensais da Morte.
Então contou como Voldemort o desamarrara, devolvera sua varinha e se preparara
para duelar.
Mas
quando chegou à parte do raio de luz dourada que ligara sua varinha à de
Voldemort, ele descobriu que estava com a garganta embargada. Harry tentou
continuar falando, mas as lembranças do que saíra da varinha do bruxo inundavam
sua mente. Reviu Cedrico saindo, o velho, Berta Jorkins... sua mãe... seu
pai...
Ele
ficou feliz quando Sirius rompeu o silêncio.
— As
varinhas se ligaram? — perguntou ele, olhando de Harry para Dumbledore — Por
quê?
Harry
tornou a erguer os olhos para Dumbledore, em cujo rosto havia uma expressão tensa.
— Priori Incantatem — murmurou.
Seus
olhos fitaram os de Harry e foi quase como se um raio invisível de compreensão
passasse entre os dois.
— A
reversão do feitiço? — perguntou Sirius alerta.
—
Exatamente — disse Dumbledore — A varinha de Harry e a de Voldemort têm o mesmo
cerne. Cada uma contém uma pena da cauda da mesma fênix. Com efeito, desta
fênix — acrescentou ele, apontando para a ave vermelha e dourada, empoleirada tranquilamente
no joelho de Harry.
— A
pena da minha varinha veio de Fawkes? — perguntou Harry, admirado.
—
Veio — disse Dumbledore — O Sr. Olivaras me escreveu dizendo que você comprara
a segunda varinha, no instante em que você saiu da loja dele, há quatro anos.
—
Então o que acontece quando uma varinha encontra sua irmã? — perguntou Sirius.
—
Elas não funcionam bem uma contra a outra. Se, no entanto, o dono de uma das
varinhas forçar uma luta entre as varinhas... produzirá um efeito muito raro.
Uma das varinhas forçará a outra a regurgitar os feitiços que realizou, na
ordem inversa. O mais recente primeiro... depois os que o antecederam...
O
diretor olhou interrogativamente para Harry e o garoto confirmou com a cabeça.
— O
que significa — disse Dumbledore lentamente, seus olhos no rosto de Harry — Que
alguma forma de Cedrico deve ter reaparecido.
Harry
tornou a confirmar.
—
Diggory voltou à vida? — perguntou Sirius abruptamente.
—
Nenhum feitiço pode ressuscitar os mortos — disse Dumbledore em tom sentencioso
— Só o que pode ocorrer é uma espécie de eco inverso. Uma sombra do Cedrico vivente
teria emergido da varinha... estou certo, Harry?
— Ele
falou comigo — disse Harry. De repente o garoto voltou a tremer — O... o
fantasma de Cedrico, ou o que seja, falou.
— Um
eco — disse Dumbledore — Que reteve a aparência e o caráter de Cedrico. Imagino
que outras formas semelhantes tenham aparecido... vítimas menos recentes da
varinha de Voldemort...
— Um
velho — respondeu Harry, com um aperto na garganta — Berta Jorkins. E...
—
Seus pais? — perguntou Dumbledore calmamente.
—
Foi.
A mão
de Sirius no ombro de Harry agora o apertava com tanta força que chegava a
doer.
— As
últimas mortes executadas pela varinha — confirmou Dumbledore com um aceno de
cabeça — Na ordem inversa. Mais teriam aparecido, é claro, se vocês
continuassem a manter a ligação. Muito bem, Harry, esses ecos, essas sombras...
que foi que elas fizeram?
O
garoto descreveu como as figuras que haviam saído da varinha tinham ficado
rondando o interior da teia dourada, como Voldemort pareceu temê-las, como a
sombra do pai de Harry lhe disse o que fazer, como a de Cedrico fizera um
último pedido. Neste ponto, Harry descobriu que não conseguiria continuar.
Olhou para Sirius e viu que o padrinho segurava o rosto nas mãos.
Harry
de repente tomou consciência de que Fawkes deixara seu joelho. A ave voara para
o chão. E descansou a bela cabeça na perna machucada do menino, grossas
lágrimas peroladas caíram dos seus olhos sobre a ferida feita pela aranha. A
dor desapareceu. A pele se recompôs. A perna ficou boa.
— Vou
repetir mais uma vez — disse Dumbledore, quando a fênix levantou vôo e tornou a
se acomodar em seu poleiro junto à porta — Esta noite você revelou uma bravura
que ultrapassou o que eu teria esperado de você, Harry. Revelou uma bravura
igual à daqueles que morreram combatendo Voldemort no auge do seu poder. Você
carregou o fardo de um bruxo adulto e esteve à altura dele, e você agora nos
deu tudo o que temos direito a esperar. Você vai me acompanhar à Ala
Hospitalar. Não quero que volte para o dormitório esta noite. Uma Poção do Sono
e algum sossego... Sirius, você gostaria de ficar com ele?
Sirius
confirmou com a cabeça e se levantou. Tornou a se transformar no enorme
cachorro preto e saiu com Harry e Dumbledore do escritório, acompanhando-os por
um lance de escadas até a Ala Hospitalar.
Quando
o diretor empurrou a porta, Harry viu a Sra. Weasley, Gui, Rony e Hermione
reunidos em torno de uma atarantada Madame Pomfrey. Pareciam estar exigindo
saber onde estava Harry e o que lhe acontecera. Todos se viraram rapidamente
quando Harry, Dumbledore e o cachorro preto entraram, e a Sra. Weasley deixou
escapar um grito abafado:
—
Harry! Ah, Harry!
Ela
fez menção de correr para o garoto, mas Dumbledore se colocou entre os dois.
—
Molly — disse ele, erguendo a mão — Por favor, ouça-me um momento. Harry passou
uma provação terrível esta noite. Acabou de desabafá-la comigo. Do que ele
precisa agora é de sono, paz e silêncio. Se ele quiser que vocês todos fiquem
com ele — acrescentou o diretor, abrangendo com o olhar Rony, Hermione e Gui —
Vocês podem ficar. Mas não quero que lhe façam perguntas até que ele esteja
pronto para respondê-las e, certamente, não será hoje à noite.
A
Sra. Weasley concordou com a cabeça. Estava muito pálida. Ela se virou para
Rony, Hermione e Gui, como se eles estivessem fazendo barulho, e sibilou:
—
Vocês ouviram? Ele precisa de silêncio!
—
Diretor — disse Madame Pomfrey, encarando o cachorro preto que era Sirius —
Posso perguntar o que...
—
Este cachorro vai ficar com Harry por algum tempo — disse Dumbledore com
simplicidade — Posso lhe assegurar que ele é muitíssimo bem treinado. Harry,
vou esperar até você se deitar.
Harry
sentiu uma inexprimível gratidão a Dumbledore por pedir aos outros que não lhe
fizessem perguntas. Não é que não os quisesse ali, mas a ideia de explicar tudo
mais uma vez, de reviver tudo mais uma vez, era mais do que ele poderia
suportar.
—
Voltarei para vê-lo assim que estiver com Fudge, Harry — disse Dumbledore —
Gostaria que você ficasse aqui amanhã também, até eu me dirigir à escola.
E
saiu.
Quando
Madame Pomfrey levou Harry a uma cama próxima, ele avistou o verdadeiro Moody
deitado imóvel em uma cama no fundo da enfermaria. Sua perna de pau e o olho
mágico estavam pousados na mesa-de-cabeceira.
— Ele
está bem? — perguntou Harry.
— Ele
vai ficar bom — respondeu Madame Pomfrey, entregando ao garoto um pijama e
colocando os biombos à sua volta. Ele despiu as vestes, pôs o pijama e entrou
na cama.
Rony,
Hermione, Gui, a Sra. Weasley e o cachorro preto contornaram o biombo e se
sentaram em cadeiras dos lados da cama. Rony e Hermione espiaram o amigo quase
cautelosamente, como se sentissem medo dele.
— Eu
estou bem — disse Harry a eles — Só cansado.
Os
olhos da Sra. Weasley se encheram de lágrimas quando alisou as cobertas da cama
sem a menor necessidade. Madame Pomfrey, que acabara de sair apressada de sua
sala, voltou segurando uma taça e um frasquinho contendo uma poção púrpura.
—
Você vai precisar beber tudo isso, Harry. É uma poção para dormir sem sonhar.
O
garoto tomou o cálice e bebeu alguns goles. Sentiu-se sonolento na mesma hora.
Tudo ao seu redor ficou enevoado, as luzes na enfermaria pareceram piscar para
ele de um jeito simpático através do biombo que circundava sua cama, ele teve a
sensação de que seu corpo afundava cada vez mais no calor do edredom de penas.
Antes que pudesse terminar a poção, antes que pudesse dizer mais alguma coisa,
sua exaustão o adormeceu.
* * *
Harry acordou, tão
quentinho, tão sonolento, que nem abriu os olhos, sentindo vontade de adormecer
outra vez. A enfermaria continuava fracamente iluminada, acreditava que ainda
era noite e tinha a impressão de que não poderia ter dormido muito tempo.
Então
ouviu cochichos à sua volta.
— Vão
acordá-lo se não calarem a boca!
— Por
que é que estão gritando? Não pode ter acontecido mais nada ou pode?
Harry
abriu os olhos borrados. Alguém tirara seus óculos. Viu os contornos difusos da
Sra. Weasley e de Gui ali perto. A bruxa estava em pé.
— É a
voz de Fudge — sussurrou ela — E a outra é da Minerva McGonagall, não é? Mas
por que estão discutindo?
Agora
Harry os ouvia também, gente gritando e correndo em direção à Ala Hospitalar.
—
Lamentável, mas mesmo assim, Minerva... — dizia o ministro em voz alta.
— O
senhor nunca deveria tê-lo trazido para o interior do castelo! — berrou a
professora — Quando Dumbledore descobrir...
Harry
ouviu as portas da enfermaria se escancararem. Sem as pessoas ao redor de sua
cama notarem, pois fixaram o olhar na porta quando Gui afastou os biombos,
Harry se sentou e tornou a colocar os óculos.
Fudge
entrou em grandes passadas pela enfermaria. Os professores McGonagall e Snape
vinham em seus calcanhares.
—
Onde está Dumbledore? — Fudge interpelou a Sra. Weasley.
— Não
está aqui — disse a senhora zangada — Isto é uma enfermaria, Ministro, o senhor
não acha que faria melhor...
Mas a
porta se abriu e Dumbledore entrou decidido.
— Que
aconteceu? — perguntou energicamente, olhando de Fudge para McGonagall — Por
que estão incomodando estas pessoas? Minerva, você me surpreende, eu lhe pedi
para ficar vigiando Bartô Crouch...
— Não
há necessidade de vigiá-lo mais, Dumbledore! — gritou ela — O Ministro já
providenciou isso!
Harry
nunca vira a professora se descontrolar daquele jeito. Havia manchas vermelhas
de raiva em seu rosto, as mãos estavam fechadas em punhos, ela tremia de fúria.
—
Quando informei ao Sr. Fudge que tínhamos apanhado o Comensal da Morte
responsável pelos acontecimentos desta noite — disse Snape, em voz baixa —
Parece que ele achou que sua segurança pessoal estava ameaçada. Insistiu em
chamar um dementador para acompanhá-lo até o castelo. Levou-o para a sala em
que Bartô Crouch...
—
Avisei a ele que você não concordaria, Dumbledore! — vociferou a Profª.
McGonagall — Avisei a ele que você não permitiria que dementadores entrassem no
castelo, mas...
—
Minha cara senhora! — rugiu Fudge, que parecia igualmente mais zangado do que
Harry jamais o vira — Como Ministro da Magia, sou eu quem decide se quero
trazer uma proteção pessoal quando vou entrevistar alguém possivelmente
perigoso...
Mas a
voz da Profª. McGonagall abafou a de Fudge.
— No
momento em que aquela... aquela coisa entrou na sala — berrou ela, apontando
para Fudge, o corpo todo tremendo — O dementador avançou para Crouch e... e...
Harry
sentiu um frio no estômago, enquanto a professora procurava encontrar palavras
para descrever o que acontecera. Harry não precisou que ela terminasse a frase.
Sabia o que o dementador devia ter feito. Aplicara o beijo fatal em Bartô
Crouch. Sugara a alma do rapaz pela boca. Ele estava pior do que morto.
—
Pelo que todos dizem, não se perdeu nada! — vociferou Fudge — Ele parece ter
sido responsável por várias mortes!
— Mas
ele agora não pode prestar depoimento, Cornélio — disse Dumbledore, encarando
Fudge com insistência, como se o visse direito pela primeira vez — Ele não pode
testemunhar por que matou essas pessoas.
— Por
que ele as matou? Ora, isso não é mistério, é? — esbravejou o ministro — Ele é
doido de pedra! Pelo que Severo e Minerva me disseram, ele parecia pensar que
tinha feito tudo isso seguindo instruções de Você-Sabe-Quem!
— É,
ele estava seguindo instruções de Lorde Voldemort, Cornélio — respondeu
Dumbledore — A morte dessas pessoas foi apenas um produto secundário do plano
para restaurar as forças de Voldemort. O plano foi bem sucedido. Voldemort
recuperou seu corpo.
Fudge
parecia ter levado uma pancada violenta no rosto. Atordoado e piscando, ele
olhou para Dumbledore como se não conseguisse acreditar no que acabara de
ouvir. Começou a balbuciar, ainda de olhos arregalados para o diretor.
—
Você-Sabe-Quem... retornou? Absurdo.
Ora, vamos, Dumbledore...
—
Conforme Minerva e Severo sem dúvida lhe contaram, ouvimos Bartô Crouch
confessar. Sob a influência do Veritaserum, ele nos disse como foi
contrabandeado para fora de Azkaban e como Voldemort, tendo sabido por Berta
Jorkins que ele continuava vivo, foi libertá-lo da guarda do pai, e usou-o para
capturar Harry. O plano funcionou, posso lhe garantir. Crouch ajudou Voldemort
a retornar.
—
Olhe aqui, Dumbledore — disse Fudge, e Harry ficou espantado de ver o sorrisinho
que apareceu no rosto do ministro — Você... você não acredita seriamente nisso.
Você-Sabe-Quem voltou? Ora vamos, ora vamos... com certeza Crouch deve ter
acreditado que estava agindo sob as ordens de Você-Sabe-Quem, mas aceitar a
palavra de um doido daqueles, Dumbledore...
—
Quando Harry tocou na Taça Tribruxo esta noite, ele foi transportado
diretamente até Voldemort — disse Dumbledore com firmeza — Ele presenciou o
renascimento de Lorde Voldemort. Explicarei tudo a você se quiser vir ao meu
escritório.
Dumbledore
olhou para Harry e viu que o garoto estava acordado, mas sacudiu a cabeça e
disse:
—
Receio que não possa permitir que você interrogue Harry hoje.
O
curioso sorriso de Fudge perdurou. Ele também olhou para Harry, depois se
voltou para Dumbledore:
—
Você está... hum... disposto a aceitar a palavra de Harry neste caso,
Dumbledore?
Houve
um momento de silêncio, interrompido por um rosnado de Sirius. Tinha os pelos do
pescoço em pé e seus dentes se arreganharam para Fudge.
—
Certamente que acredito em Harry — disse Dumbledore. Seus olhos brilharam de
fúria — Ouvi a confissão de Crouch e ouvi o relato de Harry sobre o que
aconteceu quando ele tocou a Taça Tribruxo, as duas histórias fazem sentido,
explicam tudo que tem acontecido desde que Berta Jorkins desapareceu no verão
passado.
Fudge
ainda conservava aquele sorriso estranho no rosto. Olhou mais uma vez para
Harry antes de responder.
—
Você está disposto a acreditar que Lorde Voldemort voltou, porque assim dizem
um assassino louco e um garoto que... bem...
Fudge
lançou a Harry mais um olhar, e o garoto subitamente compreendeu.
— O
senhor tem andado lendo Rita Skeeter, Sr. Fudge? — disse ele calmamente.
Rony,
Hermione, a Sra. Weasley e Gui, todos se assustaram. Nenhum deles percebera que
Harry estava acordado.
Fudge
corou ligeiramente, mas surgiu em seu rosto uma expressão de desafio e
obstinação.
— E
se tiver? — perguntou, fitando Dumbledore — E se descobri que você me tem
ocultado certos fatos sobre o garoto? Ofidioglota, é? E tem desmaios esquisitos
a toda hora?...
—
Presumo que você esteja se referindo às dores que Harry tem sentido na
cicatriz? — perguntou Dumbledore friamente.
—
Você admite que ele tem tido dores, então? — perguntou Fudge depressa — Dores
de cabeça? Pesadelos? Possivelmente... alucinações?
—
Escute aqui, Cornélio — disse Dumbledore dando um passo para perto de Fudge, e
mais uma vez parecendo irradiar aquela indefinível aura de poder que Harry
sentira quando estuporou o jovem Crouch — Harry é tão mentalmente são quanto eu
ou você. Aquela cicatriz na testa não afetou o cérebro dele. Acredito que doa
quando Lorde Voldemort está por perto ou experimente sentimentos assassinos.
Fudge
se afastara meio passo de Dumbledore, mas não parecia menos obstinado.
—
Você vai me perdoar, Dumbledore, mas nunca ouvi falar em uma cicatriz deixada
por um feitiço funcionar como uma campainha de alarme antes...
—
Olhe, eu vi Voldemort ressurgir! — gritou Harry. Ele tentou novamente se
levantar da cama, mas a Sra. Weasley forçou-o a deitar — Eu vi os Comensais da
Morte! Posso dar os nomes! Lúcio Malfoy...
Snape
fez um movimento repentino, mas quando Harry se virou, o olhar do professor
retornara a Fudge.
—
Malfoy foi inocentado! — disse Fudge visivelmente afrontado — Uma família muito
antiga, doações para causas excelentes...
—
Macnair! — continuou Harry.
—
Também inocentado! Agora trabalha para o Ministério!
—
Avery, Nott, Crabbe, Goyle.
—
Você está apenas repetindo os nomes dos que foram absolvidos da acusação de
serem Comensais da Morte há treze anos! — disse Fudge zangado — Poderia ter
achado esses nomes em relatórios antigos sobre os julgamentos! Pelo amor de
Deus, Dumbledore, o garoto esteve com a cabeça cheia de histórias malucas no
fim do ano passado, também, as invencionices dele estão cada vez mais
mirabolantes, e você continua a engoli-las, o garoto é capaz de falar com
cobras, Dumbledore, e você ainda acha que ele merece confiança?
— Seu
tolo! — exclamou a Profª. McGonagall — Cedrico Diggory! O Sr. Crouch! Estas
mortes não foram o trabalho aleatório de um doido!
— Não
vejo nenhuma evidência em contrário! — gritou Fudge, agora equiparando sua
raiva à da professora, o rosto roxo — Parece-me que vocês estão decididos a
começar uma onda de pânico que irá desestabilizar tudo pelo que trabalhamos
nesses últimos treze anos!
Harry
não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Sempre pensara em Fudge como uma
pessoa bondosa, um pouco espalhafatosa, um pouco pomposa, mas de índole
essencialmente boa. Mas agora via à sua frente um bruxo baixo e furioso, que se
recusava terminantemente a aceitar a perspectiva de um esfacelamento do seu
mundo confortável e ordeiro, a acreditar que Voldemort pudesse ter ressurgido.
—
Voldemort retornou — repetiu Dumbledore — Se você aceitar imediatamente este
fato, Fudge, e tomar as medidas necessárias, talvez ainda possamos salvar a
situação. O primeiro passo, e o mais essencial, é retirar Azkaban do controle
dos dementadores...
— Que
despropósito! — gritou outra vez Fudge — Retirar os dementadores! Eu seria
chutado do Ministério se sugerisse uma coisa dessas! Metade da população só se
sente segura quando se deita à noite porque sabe que os dementadores estão
guardando Azkaban!
— A
outra metade não dorme tão bem, Cornélio, porque sabe que você deixou os
seguidores mais perigosos de Lorde Voldemort aos cuidados de criaturas que irão
se juntar a ele no momento em que ele pedir! — retorquiu Dumbledore — Eles não
irão permanecer leais a você, Fudge! Voldemort pode oferecer um espaço muito
maior para os poderes e prazeres deles do que você! Com os dementadores a
apoiá-lo, e a volta dos seus antigos seguidores, você vai ter muita dificuldade
para impedi-lo de reconquistar o poder que tinha há treze anos!
Fudge
abria e fechava a boca como se não tivesse palavras para expressar sua indignação.
— A
segunda medida que você precisa tomar, e imediatamente — continuou Dumbledore —
É mandar enviados aos gigantes.
—
Enviados aos gigantes! — gritou o ministro em tom agudo, afinal recuperando a
fala — Que loucura é essa?
—
Estenda-lhes a mão da amizade, agora, antes que seja tarde demais ou Voldemort
irá persuadi-los, como já fez antes, que somente ele entre os bruxos concederá
aos gigantes direitos e liberdade!
—
Você... você não pode estar falando sério! — exclamou Fudge, sacudindo a cabeça
e se afastando um pouco mais de Dumbledore — Se a comunidade mágica ouvir falar
que eu procurei os gigantes, as pessoas os odeiam, Dumbledore... a minha
carreira termina...
—
Você está cego de amor — disse Dumbledore, sua voz elevando-se agora, a aura de
poder palpável ao seu redor, seus olhos mais uma vez em brasas — Pelo cargo que
ocupa Cornélio! Você atribui demasiada importância, como sempre fez, à chamada
pureza do sangue! Você não consegue reconhecer que não faz diferença quem a
pessoa é ao nascer, mas o que ela vai ser ao crescer! O seu dementador acabou
de destruir o último membro de uma família de sangue puro tão antiga quanto a
de outros, e veja em que foi que ele transformou a própria vida! Digo-lhe
agora, tome as medidas que sugeri e você será lembrado, no cargo ou fora dele,
como um dos Ministros da Magia mais corajosos e sábios que já conhecemos. Não
faça nada, e a história irá lembrá-lo como o homem que se omitiu e permitiu que
Voldemort tivesse uma segunda oportunidade de destruir o mundo que tentamos
reconstruir!
—
Está demente — sussurrou Fudge, ainda se afastando — Enlouqueceu...
E
então, todos se calaram.
Madame
Pomfrey estava postada, imóvel aos pés da cama de Harry, as mãos cobrindo a
boca. A Sra. Weasley continuava curvada para Harry, a mão no ombro do garoto
para impedi-lo de se levantar. Gui, Rony e Hermione tinham os olhos arregalados
para Fudge.
— Se
a sua determinação de fechar os olhos levou você a esse ponto, Cornélio — disse
Dumbledore — Chegou o momento em que os nossos caminhos se separam. Você fará o
que acha que deve. E eu agirei como acho que devo.
A voz
de Dumbledore não continha sequer uma sugestão de ameaça, parecia fazer uma
simples constatação, mas Fudge se encrespou como se Dumbledore estivesse
avançando para ele com a varinha em punho.
—
Agora, escute aqui Dumbledore — disse sacudindo o dedo na cara do diretor — Eu
sempre o deixei agir livremente. Tenho muito respeito por você. Posso não ter
concordado com algumas de suas decisões, mas fiquei calado. Não existe muita
gente que deixaria você contratar lobisomens ou manter Hagrid ou decidir o que
ensinar aos seus alunos, sem consultar o Ministério. Mas se você vai trabalhar
contra mim...
— A
única pessoa contra quem pretendo trabalhar é Lorde Voldemort. Se você é contra
ele, então continuamos, Cornélio, do mesmo lado.
Aparentemente
Fudge não conseguiu pensar que resposta dar a Dumbledore. Balançou-se para
frente e para trás sobre os pés diminutos por um momento, girando o chapéu-coco
nas mãos. Finalmente, disse, com um quê de súplica na voz:
— Ele
não pode estar de volta, Dumbledore, simplesmente não pode...
Snape
se adiantou, passou por Dumbledore, ao mesmo tempo em que levantava a manga
esquerda de suas vestes. Esticou o braço e mostrou-o a Fudge, que se retraiu.
—
Olhe — disse Snape asperamente — Olhe. A Marca Negra. Não está tão nítida
quanto estava há pouco mais de uma hora, quando ficou realmente negra, mas o
senhor ainda pode vê-la. O Lorde das Trevas marcou com este sinal todos os
Comensais da Morte. Era uma maneira de nos reconhecermos e um meio de nos
convocar à presença dele. Quando ele tocava a Marca de qualquer comensal,
devíamos desaparatar e aparatar instantaneamente ao seu lado. A Marca se tornou
mais nítida durante esse ano. A de Karkaroff também. Por que o senhor acha que
o professor fugiu esta noite? Nós dois sentimos a Marca queimar. Nós dois
sabíamos que ele havia voltado. Karkaroff teme a vingança do Lorde das Trevas.
Ele traiu muitos companheiros comensais para ter ilusões de ser bem recebido no
seio do rebanho.
Fudge
recuou para longe de Snape, também. Sacudiu a cabeça. Não parecia ter absorvido
uma única palavra do que Snape dissera. Olhava, aparentemente repugnado, para a
feia Marca no braço de Snape, depois ergueu os olhos para Dumbledore e
murmurou:
— Não
sei do que você e seus professores estão brincando, Dumbledore, mas já ouvi o
bastante. Não tenho nada a acrescentar. Entro em contato com você amanhã para
discutirmos a administração da escola. Preciso voltar ao Ministério.
Já
chegara quase à porta quando parou. Virou-se, voltou para a enfermaria e se
deteve junto à cama de Harry.
— Seu
prêmio — disse brevemente, tirando uma grande bolsa de ouro do bolso e
largando-a na mesa-de-cabeceira do garoto — Mil galeões. Deveria ter havido uma
cerimônia de premiação, mas nas circunstâncias...
E
enfiando seu chapéu-coco na cabeça, ele saiu da enfermaria, batendo a porta ao
passar. No instante em que desapareceu, Dumbledore se voltou para o grupo ao
redor da cama de Harry.
—
Temos trabalho a fazer — disse — Molly... estou certo em pensar que posso
contar com você e Arthur?
—
Claro que pode — disse a Sra. Weasley. Estava pálida até nos lábios, mas
parecia decidida — Ele sabe quem Fudge é. É a afeição de Arthur por trouxas que
o tem mantido no Ministério todos esses anos. O ministro acha que falta a ele o
orgulho que espera de um bruxo.
—
Então preciso mandar uma mensagem a ele — disse Dumbledore — Todos os que
pudermos persuadir da verdade devem ser avisados imediatamente, e Arthur está
bem colocado para entrar em contato com as pessoas no Ministério que não sejam
tão míopes quanto o Cornélio.
— Vou
procurar papai — disse Gui, levantando-se — Vou agora.
—
Excelente — exclamou Dumbledore — Diga-lhe o que aconteceu. Diga-lhe que
entrarei em contato com ele em breve. Mas que ele precisa ser discreto. Se
Fudge achar que estou interferindo no Ministério...
—
Pode deixar comigo — disse Gui.
O
rapaz deu uma palmadinha no ombro de Harry, beijou a mãe no rosto, vestiu a
capa e saiu rapidamente da enfermaria.
—
Minerva — disse Dumbledore virando-se para a Profª. McGonagall — Quero ver
Hagrid no meu escritório o mais depressa possível. E também, se ela concordar
em vir, Madame Maxime.
A
professora aquiesceu com um aceno de cabeça e saiu sem dizer nada.
—
Papoula — disse Dumbledore a Madame Pomfrey — Será que você me faria a
gentileza de ir à sala do Prof. Moody, onde acho que encontrará lá um elfo
doméstico chamado Winky em grande sofrimento? Faça o que puder por ela e leve-a
de volta à cozinha. Acho que Dobby cuidará dela para nós.
— Claro...
claro que sim — respondeu a enfermeira parecendo espantada, e ela também saiu.
Dumbledore
certificou-se de que a porta estava trancada e que o ruído dos passos de Madame
Pomfrey tinha morrido na distância, antes de tornar a falar.
— E
agora — disse ele — Está na hora de duas pessoas deste grupo se reconhecerem
pelo que são. Sirius... se puder retomar sua forma habitual.
O
cachorrão preto ergueu a cabeça para o diretor, depois, num segundo, voltou a
ser homem. A Sra. Weasley gritou e se afastou da cama.
—
Sirius Black! — tornou a gritar ela com voz aguda, apontando para o bruxo.
—
Mamãe, cala a boca! — berrou Rony — Está tudo bem!
Snape
não gritara nem saltara para trás, mas a expressão do seu rosto era uma mescla
de fúria e horror.
—
Ele! — rosnou o professor, arregalando os olhos para Sirius, cujo rosto
exprimia igual desagrado — Que é que ele está fazendo aqui?
—
Está aqui a meu convite — disse Dumbledore, olhando para ambos — Como você,
Severo. Confio nos dois. Está na hora de porem de lado as velhas diferenças e
confiarem um no outro.
Harry
achou que Dumbledore estava pedindo quase um milagre. Sirius e Snape se
entreolhavam com a maior repugnância.
—
Aceitarei, a curto prazo — disse Dumbledore, com uma certa impaciência na voz —
Que suspendam as hostilidades ostensivas. Os dois apertem as mãos. Estão do
mesmo lado agora. O tempo é curto e, a não ser que os poucos de nós que
conhecem a verdade se mantenham unidos, não haverá esperança para ninguém.
Muito
devagar, mas ainda se olhando feio como se não desejassem um ao outro se não o
mal, Sirius e Snape se aproximaram e apertaram as mãos. Mas as soltaram bem
rápido.
— Já
é o bastante para começar — disse o diretor se interpondo aos dois homens mais
uma vez — Agora tenho trabalho para cada um de vocês. A atitude de Fudge,
embora não seja inesperada, muda tudo. Sirius, preciso que você comece
imediatamente. Alerte Remo Lupin, Arabela Figg, Mundungo Fletcher, a turma
antiga. Fique escondido com Lupin por enquanto, entrarei em contato com você
lá.
—
Mas... — começou Harry.
O
garoto queria que Sirius ficasse. Não queria dizer adeus novamente tão
depressa.
—
Você voltará a me ver em breve, Harry — disse Sirius, virando-se para o
afilhado — Prometo. Mas preciso fazer o que posso, você compreende, não?
—
Claro. Claro... que sim.
Sirius
apertou a mão de Harry brevemente, se despediu de Dumbledore com um aceno da
cabeça, voltou a se transformar em cachorro preto e correu para a porta, cuja
maçaneta abriu com a pata. Então desapareceu.
—
Severo — disse Dumbledore, voltando-se para Snape — Você sabe o que preciso lhe
pedir para fazer. Se estiver disposto... se estiver preparado...
—
Estou — disse Snape.
O
professor parecia um pouco mais pálido do que o habitual, e seus olhos frios e
negros brilharam estranhamente.
—
Então, boa sorte — e o diretor acompanhou, com uma certa apreensão no rosto,
Snape partir em seguida a Sirius sem dizer palavra.
Passaram-se
vários minutos até Dumbledore tornar a falar.
—
Preciso ir lá embaixo — disse finalmente — Preciso ver os Diggory. Harry, tome
o resto da sua poção. Verei todos vocês mais tarde.
Harry
se deixou cair nos travesseiros enquanto Dumbledore desaparecia.
Hermione,
Rony e a Sra. Weasley ficaram olhando para o garoto. Nenhum deles falou durante
muito tempo.
—
Você tem que tomar o resto da sua poção, Harry — disse finalmente a Sra.
Weasley. Ao apanhar o frasco e a taça, ela bateu com a mão no saco de ouro à
mesa-de-cabeceira — Durma bastante. Tente pensar em outra coisa por um tempo...
pense no que vai comprar com o seu prêmio!
— Não
quero esse ouro — falou Harry com a voz sem emoção — Pode ficar com ele.
Qualquer um pode ficar com ele. Eu não deveria ter ganho. Deveria ter sido de
Cedrico.
A
coisa contra a qual ele estivera lutando intermitentemente, desde que saíra do
labirinto, ameaçava engolfá-lo. Sentiu uma ardência, um formigamento nos cantos
internos dos olhos. Ele piscou e ficou encarando o teto.
— Não
foi sua culpa, Harry — sussurrou a Sra. Weasley.
— Eu
disse a ele que apanhasse a Taça comigo.
Agora
a sensação de ardência passara à garganta, também. Ele desejou que Rony olhasse
para outro lado.
A
Sra. Weasley deixou a poção em cima da mesinha, abaixou-se e passou os braços
em volta de Harry. O garoto não tinha lembrança de jamais ter sido abraçado
assim, como faria uma mãe. Todo o peso do que vira aquela noite pareceu desabar
sobre ele quando a Sra. Weasley o apertou contra o peito. O rosto de sua mãe, a
voz de seu pai, a visão de Cedrico morto no chão, tudo começou a girar em sua
cabeça até ele não conseguir mais agüentar, até seu rosto se contrair todo para
conter o uivo de infelicidade que lutava para escapar de dentro dele.
Ouviu-se
uma pancada e a Sra. Weasley e Harry se separaram. Hermione estava parada junto
à janela. Apertava alguma coisa com força na mão.
—
Desculpem — sussurrou.
— Sua
poção, Harry — disse a Sra. Weasley depressa, enxugando os olhos com as costas
da mão.
Harry
bebeu a poção de um só gole.
O
efeito foi instantâneo. Ondas pesadas e irresistíveis de sono sem sonhos o
envolveram, ele tombou sobre os travesseiros e não pensou mais.
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