— CAPÍTULO TRINTA E CINCO —
Para Além do Véu
VULTOS ESCUROS SURGIAM DE
TODOS OS LADOS, bloqueando o caminho dos garotos à esquerda e à direita, olhos
brilhavam nas fendas dos capuzes, uma dúzia de pontas de varinhas acesas
apontavam diretamente para seus corações. Gina soltou uma exclamação de horror.
— A
mim, Potter — repetiu a voz arrastada de Lúcio Malfoy enquanto estendia a mão,
de palma para cima.
As
entranhas de Harry despencaram, provocando náuseas. Eles estavam encurralados e
em inferioridade numérica de dois para um.
— A
mim — repetiu Malfoy ainda uma vez.
—
Onde está Sirius? — perguntou Harry.
Vários
Comensais da Morte riram; uma voz estridente de mulher, no meio das figuras
sombrias à esquerda de Harry, disse triunfante:
— O
Lorde das Trevas sempre tem razão!
—
Sempre — repetiu Malfoy suavemente — Agora, me dê a profecia, Potter.
— Eu
quero saber onde está o Sirius!
— Eu
quero saber onde está o Sirius! — imitou a mulher à esquerda. Ela e seus
companheiros Comensais tinham se aproximado, e estavam a pouco mais de um metro
de Harry e dos outros, a luz de suas varinhas cegava os olhos do garoto.
—
Vocês o pegaram — disse Harry, ignorando o pânico que crescia em seu peito, o
pavor com que vinha lutando desde que haviam entrado no corredor noventa e sete
— Ele está aqui. Eu sei que está.
— O
bebezinho acordou com medo e pensou que seu sonho era realidade — disse a
mulher numa horrível imitação de voz de bebê.
Harry
sentiu Rony se mexer ao seu lado.
— Não
faça nada — murmurou Harry — Ainda não...
A
mulher que o imitara soltou uma gargalhada rouca.
—
Vocês o ouviram? Vocês o ouviram? Dando instruções às outras crianças como se
pensasse em nos enfrentar!
— Ah,
você não conhece Potter como eu, Belatriz — disse Malfoy mansamente — Ele tem
um grande fraco por heroísmos: o Lorde das Trevas conhece essa mania dele.
Agora me entregue a profecia, Potter.
— Eu
sei que Sirius está aqui — disse Harry, embora o pânico comprimisse seu peito e
ele se sentisse incapaz de respirar direito — Eu sei que vocês o pegaram!
Mais
Comensais da Morte riram, embora a mulher risse mais alto que todos.
— Já
está na hora de você aprender a diferença entre vida e sonho, Potter — disse
Malfoy. — Agora me entregue a profecia, ou vamos começar a usar as varinhas.
—
Use, então — disse Harry, erguendo a própria varinha à altura do peito.
Ao
fazer isso, as cinco varinhas de Rony, Hermione, Neville, Gina e Luna se ergueram
a cada lado dele. O nó no estômago de Harry apertou. Se Sirius não estivesse
realmente ali, teria, então, trazido seus amigos para a morte à toa...
Mas
os Comensais da Morte não atacaram.
—
Entregue a profecia e ninguém precisará se machucar — disse Malfoy
tranqüilamente.
Foi a
vez de Harry rir.
— É,
certo! Eu lhe entrego essa... profecia é? E o senhor nos deixa ir embora para
casa, não é mesmo?
As
palavras ainda não haviam acabado de sair de sua boca quando a Comensal mulher
gritou:
—
Accio prof...
Harry
estava preparado: gritou “Protego!” antes que ela terminasse de lançar o
feitiço, e, embora a esfera de vidro tivesse escorregado para a ponta dos seus
dedos, ele conseguiu segurá-la.
— Ah,
ele sabe brincar, o bebezinho Potter — disse a mulher, seus olhos desvairados
encarando-o pelas fendas do capuz — Muito bem, então...
— EU
JÁ DISSE A VOCÊ, NÃO! — berrou Lúcio Malfoy para a mulher — Se você
quebrá-la...!
O
cérebro de Harry trabalhava em alta velocidade. Os Comensais da Morte queriam
essa esfera de vidro empoeirada. Ele não tinha o menor interesse nela. Só
queria tirar todos dali vivos, garantir que nenhum dos seus amigos pagasse um
preço terrível por sua burrice...
A
mulher se adiantou, afastando-se dos companheiros, e tirou o capuz. Azkaban
descarnara o rosto de Belatriz Lestrange, tornando-o feio e escaveirado, mas
estava vivo com um fulgor fanático e febril.
—
Você precisa de mais persuasão? — disse ela, o peito arfando rápido — Muito
bem: pegue a menor — ordenou Belatriz a um Comensal da Morte — Deixe que ele
veja torturarmos a menininha. Eu faço isso.
Harry
sentiu os companheiros rodearem Gina, ele deu um passo para o lado de modo a
ficar na frente dela, a profecia segura contra o peito.
—
Você terá de quebrar isto se quiser atacar um de nós — disse ele a Belatriz —
Acho que o seu chefe não vai ficar muito satisfeito se você voltar sem a
esfera, ou vai?
Ela
não se mexeu, meramente encarou-o, umedecendo a boca fina com a ponta da
língua.
—
Então — disse Harry — Afinal que profecia é essa de que estamos falando?
Não
conseguia pensar no que mais fazer, exceto continuar a falar. O braço de
Neville estava colado ao dele, e Harry sentia o amigo tremer, sentia também a
respiração curta de mais alguém atrás de sua cabeça. Esperava que todos
estivessem pensando em maneiras de saírem desse impasse, porque sua mente
estava vazia.
— Que
profecia? — repetiu Belatriz, o sorriso se apagando do rosto — Você está
brincando, Harry Potter.
—
Não, não estou brincando — disse Harry, seu olhar saltando de um Comensal da
Morte para outro, procurando um elo fraco, uma brecha por onde escapar — Por
que Voldemort a quer?
Vários
Comensais da Morte deixaram escapar assobios baixinho.
—
Você se atreve a dizer o nome dele? — sussurrou Belatriz.
—
Claro — disse Harry, mantendo as mãos firmes na esfera de vidro, esperando um
novo ataque para tirá-la dele — Claro, não tenho problema algum em dizer Vol...
—
Cale a boca! — gritou Belatriz. — Você se atreve a dizer o nome dele com a sua
boca indigna, você se atreve a manchá-lo com a sua língua mestiça, você se
atreve...
—
Você sabia que ele também é mestiço? — disse imprudentemente.
Hermione
gemeu em sua orelha.
—
Voldemort? É, a mãe dele era bruxa mas o pai era trouxa: ou será que ele andou
dizendo para vocês que é puro-sangue?
—
ESTUPEF...
—
NÃO!
Um
jato de luz vermelha saíra da ponta da varinha de Belatriz Lestrange, mas
Malfoy o desviou, o feitiço dele fez a bruxa bater na prateleira a menos de
meio metro à esquerda de Harry e várias esferas de vidro se estilhaçaram.
Dois
vultos, branco-perolados como fantasmas, fluidos como fumaça, subiram em
espirais dos cacos de vidro no chão e começaram a falar, suas vozes competiam
entre si, de modo que se ouviam apenas fragmentos do que diziam em meio aos
gritos de Malfoy e Belatriz.
... no solstício virá um novo... — disse
a figura de um velho barbudo.
— NÃO
ATAQUEM! PRECISAMOS DA PROFECIA!
— Ele
se atreveu... ele se atreve... — gritava Belatriz incoerentemente — Ele fica
aí... esse mestiço imundo...
—
ESPERE ATÉ TERMOS A PROFECIA! — berrou Malfoy.
... e não virá outro depois... — disse a
figura de uma jovem.
As
duas figuras que haviam irrompido das esferas partidas se dissolveram no ar.
Nada restou delas ou de suas antigas moradas, exceto caquinhos de vidro no
chão. Mas haviam dado a Harry uma ideia. O problema seria comunicá-la aos
outros.
— O
senhor não me disse o que tem de tão especial nessa profecia que devo lhe
entregar — disse o garoto procurando ganhar tempo.
Harry
deslizou o pé lentamente para o lado, procurando o pé de mais alguém.
— Não
brinque conosco, Potter — falou Malfoy.
— Não
estou brincando — disse Harry, parte de sua mente na conversa, parte no pé que
tateava o chão.
Então,
ele encontrou os dedos de alguém e pisou-os. Uma súbita sucção de ar atrás o
fez saber que pertenciam a Hermione.
—
Quê? — sussurrou a garota.
—
Dumbledore nunca lhe contou que a razão de você carregar essa cicatriz estava
escondida nas entranhas do Departamento de Mistérios? — caçoou Malfoy.
—
Eu... quê? — exclamou Harry.
E por
um momento esqueceu completamente o seu plano.
— Que
tem a minha cicatriz?
—
Quê? — sussurrou Hermione com maior urgência atrás dele.
—
Será possível? — disse Malfoy, parecendo maldosamente deliciado, alguns
Comensais da Morte recomeçaram a rir, e, acobertado pelas risadas, Harry sibilou
para Hermione, mexendo o mínimo possível os lábios:
— Quebre prateleiras...
—
Dumbledore nunca lhe contou? — repetiu Malfoy — Bom, isso explica por que você
não veio antes, Potter, o Lorde das Trevas estava intrigado...
—... quando eu disser agora...
—...
que você não viesse correndo quando ele lhe mostrou em sonho onde a profecia
estava escondida. Ele pensou que a curiosidade natural o faria querer ouvir as
palavras exatas...
—
Pensou, é? — disse Harry.
Às
suas costas, ele sentiu mais do que ouviu Hermione passar sua mensagem aos
outros, e procurou continuar falando para distrair os Comensais da Morte.
—
Então ele queria que eu viesse apanhá-la, era? Por quê?
— Por
quê? — Malfoy parecia incredulamente deliciado — Porque as únicas pessoas que
têm permissão de retirar a profecia do Departamento de Mistérios, Potter, são
aqueles de quem ela fala, como descobriu o Lorde das Trevas quando tentou usar
terceiros para a roubarem por ele.
— E
por que ele queria roubar uma profecia sobre mim?
—
Sobre vocês dois, Potter, sobre vocês dois... você nunca se perguntou por que o
Lorde das Trevas tentou matá-lo quando criança?
Harry
encarou as fendas no capuz onde os olhos cinzentos de Malfoy brilhavam. A
profecia era a razão pela qual os pais de Harry haviam morrido, a razão por que
ele carregava a cicatriz em forma de raio? A resposta a tudo isso estava segura
em sua mão?
—
Alguém fez uma profecia sobre mim e Voldemort? — falou ele calmamente, olhando
para Lúcio Malfoy, seus dedos apertando a esfera morna na mão. Não era maior do
que um pomo e continuava áspera de poeira — E ele me fez vir aqui para
apanhá-la para ele? Por que não pôde vir apanhá-la pessoalmente?
—
Apanhá-la pessoalmente? — gritou Belatriz, gargalhando alucinada — O Lorde das
Trevas entrar no Ministério da Magia, quando todos estão gentilmente ignorando
o seu retorno? O Lorde das Trevas se revelar aos aurores, quando no momento
estão perdendo tempo com o meu querido primo?
—
Então, o Lorde mandou vocês fazerem o trabalho sujo para ele, foi? Como tentou
obrigar Estúrgio a roubar a profecia... e Bode?
—
Muito bom, Potter, muito bom... — disse Malfoy lentamente — Mas o Lorde das
Trevas sabe que você não é desprovido de in...
—
AGORA! — berrou Harry.
Cinco
vozes diferentes bradaram às suas costas: “REDUCTO!”.
Cinco
feitiços voaram em diferentes direções, e as prateleiras defronte explodiram ao
serem atingidas, a enorme estrutura balançou ao mesmo tempo que cem esferas de
vidros estouraram, vultos branco-perolados se desdobraram no ar e flutuaram,
suas vozes ecoando de um passado já morto, em meio a uma chuva de estilhaços de
vidro e madeira que agora caía no chão...
—
CORRAM! — berrou Harry, quando as prateleiras balançaram precariamente e mais
esferas de vidro começaram a cair. Ele agarrou as vestes de Hermione e a puxou
para a frente, erguendo um braço para proteger a cabeça dos cacos de vidro que
estrondeavam sobre eles.
Um
Comensal da Morte atirou-se contra eles através da nuvem de poeira e Harry lhe
deu uma cotovelada com força no rosto mascarado, todos berravam, havia gritos
de dor e estrondos de prateleiras desabando sobre eles, ecos estranhamente
fragmentados dos Videntes libertados de suas esferas... Harry encontrou livre o
caminho à frente e viu Rony, Gina e Luna passarem correndo por ele, os braços
sobre a cabeça, alguma coisa pesada golpeou sua face, mas ele meramente abaixou
a cabeça e continuou a correr, uma mão agarrou-o pelo ombro, ele ouviu Hermione
gritar: “ESTUPEFAÇA!”. A mão o soltou imediatamente...
Estavam
no fim da fileira noventa e sete, Harry virou à direita e começou a correr a
toda velocidade, ouvia passos logo atrás e a voz de Hermione apressando
Neville, diretamente à frente, a porta por que haviam passado estava
entreaberta, Harry viu a luz faiscante do vidro em forma de sino, ele cruzou a
porta de um salto, a profecia ainda a salvo em sua mão, e esperou os outros
passarem pela porta antes de batê-la...
— Colloportus!
— exclamou Hermione, e a porta se lacrou com um estranho ruído de esmagamento.
—
Onde... onde estão os outros? — ofegou Harry. Pensara que Rony, Luna e Gina
tinham ido mais à frente, que estariam à espera nesta sala, mas não havia
ninguém.
—
Eles devem ter tomado o caminho errado! — sussurrou Hermione, o terror em seu
rosto.
—
Escute! — murmurou Neville.
Passos
e gritos ecoavam do outro lado da porta que Hermione tinha acabado de lacrar,
Harry encostou o ouvido à porta para escutar melhor e ouviu Lúcio Malfoy
berrar:
—
Deixe, Nott, deixe-o aí: os ferimentos dele não significarão nada para o Lorde
das Trevas diante da perda da profecia. Jugson, volte aqui, precisamos nos
organizar! Vamos nos dividir em pares e fazer uma busca, e não se esqueçam,
sejam gentis com Potter até termos a profecia, podem matar os outros se
precisarem... Belatriz, Rodolfo, vocês vão para a esquerda; Crabbe, Rabastan,
para a direita... Jugson, Dolohov, pela porta em frente... Macnair e Avery, por
aqui... Rookwood lá... Mulciber, venha comigo!
— Que
faremos? — perguntou Hermione a Harry, tremendo dos pés à cabeça.
—
Bom, para começar, não ficaremos aqui parados esperando eles nos encontrarem.
Vamos nos afastar desta porta.
Eles
correram o mais silenciosamente que puderam, passaram pelo sino fulgurante onde
o minúsculo ovo incubava e desincubava, em direção à saída para a sala circular
ao fundo. Estavam quase chegando quando Harry ouviu uma coisa pesada colidir
contra a porta que Hermione fechara com um feitiço.
—
Afastem-se! — disse uma voz ríspida — Alorromora!
Quando
a porta se escancarou, Harry, Hermione e Neville mergulharam embaixo de
escrivaninhas. Podiam ver a barra das vestes de dois Comensais da Morte que se
aproximaram, seus pés se movendo com rapidez.
—
Eles podem ter corrido direto para o corredor — falou a voz rascante.
—
Veja embaixo das escrivaninhas — disse outra.
Harry
viu os joelhos dos Comensais da Morte se dobrarem, metendo a varinha para fora,
ele gritou:
— ESTUPEFAÇA!
Um
jato de luz vermelha atingiu o Comensal da Morte mais próximo, ele tombou para
trás em cima de um relógio de pêndulo, derrubando-o; o segundo Comensal, porém,
saltara para o lado para evitar o feitiço de Harry e estava apontando a própria
varinha para Hermione, que se arrastava de sob a escrivaninha para poder mirar
melhor.
— Avada...
Harry
se atirou pelo chão e agarrou o Comensal da Morte pelos joelhos, fazendo-o cair
e desviando sua pontaria. Neville derrubou uma escrivaninha na ansiedade de
ajudar, e, apontando a varinha sem mira para os dois, gritou:
— EXPELLIARMUS!
As
varinhas de Harry e do Comensal saíram voando de suas mãos para a entrada da
Sala da Profecia, os dois se levantaram depressa e se arremessaram atrás delas,
o Comensal à frente, Harry em seus calcanhares e Neville mais atrás,
visivelmente horrorizado com o que fizera.
—
Saia do caminho, Harry! — berrou Neville, claramente decidido a consertar seu
erro.
Harry
se atirou para o lado, Neville tornou a mirar e ordenou:
— ESTUPEFAÇA!
O
jato de luz vermelha passou por cima do ombro do Comensal da Morte e atingiu um
armário de portas de vidro na parede cheio de ampulhetas de vários formatos, o
armário caiu no chão e se abriu, vidros voaram para todo lado, voltou a se
aprumar na parede, inteiramente restaurado, e tornou a cair, e se espatifar...
O
Comensal da Morte agarrara sua varinha, caída no chão ao lado do vidro
cintilante em forma de sino. Harry se abaixou atrás de outra escrivaninha
quando o homem se virou, sua máscara escorregara impedindo-o de ver. Ele a
arrancou com a mão livre e gritou:
—
ESTUP...
— ESTUPEFAÇA!
— bradou Hermione, que acabara de alcançá-los.
A luz
da varinha atingiu o Comensal da Morte no meio do peito: ele se imobilizou, o
braço ainda erguido, sua varinha caiu no chão com estrépito e ele desabou para
trás na direção do vidro em forma de sino; Harry esperou ouvir uma pancada, o
homem bater no vidro sólido e escorregar para o chão, mas, em vez disso, sua
cabeça afundou para dentro do vidro como se este fosse apenas uma bolha de
sabão, e ele acabou parando, esparramado de costas sobre a mesa, com a cabeça
dentro do vidro cheio de vento cintilante.
— Accio
varinha! — ordenou Hermione.
A
varinha de Harry voou de um canto escuro para a mão de Hermione, que a atirou
para ele.
—
Obrigado. Certo, vamos dar o fora...
—
Cuidado! — disse Neville horrorizado.
Olhava
fixamente para a cabeça do Comensal da Morte no vidro. Os três ergueram as
varinhas, mas nenhum deles a usou: olhavam boquiabertos, estarrecidos para o
que estava acontecendo com a cabeça do homem. Estava encolhendo rapidamente,
ficando cada vez mais pelada, os cabelos e a barba raspada se retraindo para
dentro do crânio, as bochechas ficando lisas, a cabeça redonda recobrindo-se de
uma penugem como a do pêssego...
Havia
agora uma cabeça de bebê encaixada grotescamente no pescoço grosso e musculoso
do Comensal da Morte, que se esforçava para se levantar, mas enquanto os
garotos olhavam, de boca aberta, a cabeça começou a retomar as proporções
anteriores, cabelos negros e espessos recomeçaram a crescer em seu cocuruto e
queixo...
— É o
Tempo — disse Hermione com assombro na voz — O Tempo...
O
Comensal da Morte sacudiu a cabeça feia mais uma vez, tentando clareá-la, mas,
antes que pudesse se recuperar, ela recomeçou a encolher e remoçar mais uma
vez...
Ouviram,
então, um grito de uma sala próxima, um estrondo e um berro.
—
RONY? — bradou Harry, dando as costas depressa à monstruosa transformação que se
operava diante de seus olhos — GINA? LUNA?
—
Harry! — gritou Hermione.
O
Comensal da Morte puxara a cabeça de dentro do vidro. Sua aparência era
absolutamente bizarra, a minúscula cabeça de bebê berrando e os braços grossos
se agitando perigosamente em todas as direções, por pouco não acertando Harry
que se abaixara. O garoto ergueu a varinha mas, para seu espanto, Hermione
segurou o seu braço.
—
Você não pode machucar um bebê!
Não
havia tempo para discutir a questão, Harry ouviu passos cada vez mais fortes na
Sala da Profecia e percebeu, tarde demais, que não deveria ter gritado, pois
denunciara sua posição.
—
Vamos! — disse e, deixando o Comensal da Morte a cambalear com sua feia cabeça
de bebê, os garotos correram para a porta que estava aberta na outra
extremidade da sala e que os reconduziria de volta à sala escura.
Tinham
coberto metade da distância quando Harry viu pela porta aberta mais dois
Comensais da Morte correndo pela sala escura em sua direção, virando à
esquerda, ele embarafustou para dentro de um pequeno escritório escuro e cheio
de móveis, e bateu a porta.
—
Collo... — começou Hermione, mas, antes que pudesse completar o feitiço, a
porta se escancarou e os dois Comensais da Morte se precipitaram para dentro.
Com
um grito de triunfo, os dois bradaram:
— IMPEDIMENTA!
Harry,
Hermione e Neville foram derrubados de costas, Neville foi atirado por cima da
escrivaninha e desapareceu de vista, Hermione colidiu com uma estante e foi
prontamente soterrada por uma avalanche de pesados livros, a cabeça de Harry
bateu contra a parede de pedra atrás, luzinhas espocaram diante de seus olhos e
por um momento ele ficou atordoado e desconcertado demais para reagir.
—
PEGAMOS ELE! — berrou o Comensal da Morte mais próximo de Harry — EM UM
ESCRITÓRIO DO LADO...
— Silencio!
— exclamou Hermione, e a voz do homem emudeceu. Ele continuou a falar pelo
buraco da máscara, mas não saía som algum. Seu companheiro o empurrou para o
lado.
— Petrificus
Totalus! — bradou Harry, quando o segundo Comensal da Morte ergueu a
varinha. Seus braços e pernas se juntaram e ele caiu de borco no tapete ao pé
de Harry, duro como uma pedra e incapaz de se mexer.
—
Muito bom, Har...
Mas o
Comensal da Morte que Hermione acabara de silenciar fez um repentino gesto
horizontal com a varinha, um risco de chamas roxas cortou o peito de Hermione
de lado a lado. Ela soltou uma exclamação mínima como alguém surpreso e
desmontou no chão, onde permaneceu imóvel.
—
HERMIONE!
Harry
caiu de joelhos ao seu lado e Neville se arrastou rapidamente de baixo da
escrivaninha em direção à amiga, a varinha erguida à frente. O Comensal da
Morte deu um forte chute na cabeça de Neville quando ele ia saindo, seu pé
partiu a varinha do garoto em dois e atingiu seu rosto. Neville soltou um uivo
de dor e se encolheu, agarrando o nariz e a boca. Harry se virou com a varinha
no alto, e viu que o Comensal da Morte arrancara a máscara e apontava a varinha
diretamente para ele, reconhecendo o rosto comprido, pálido e torto que vira no
Profeta Diário: Antônio Dolohov, o bruxo que assassinara os Prewett.
Dolohov
sorriu. Com a mão livre, apontou da profecia ainda segura na mão de Harry, para
ele próprio, depois para Hermione. Embora não pudesse mais falar, seu gesto não
poderia ser mais claro. Me entregue a profecia ou você vai ficar igual a ela...
—
Como se você não fosse nos matar de qualquer jeito no momento em que eu a
entregar! — disse Harry.
Um
zumbido de pânico em sua cabeça o impedia de pensar direito: tinha uma das mãos
no ombro de Hermione, que ainda estava quente, mas não ousava olhá-la direito.
Faça com que ela não morra, faça com que ela não morra, é minha culpa se tiver
morrido...
—
Faça o que fizer, Harry — disse Neville com ferocidade de baixo da mesa,
baixando as mãos para mostrar o nariz visivelmente quebra do e o sangue
escorrendo da boca e do queixo — Mas não entregue.
Ouviu-se
então um estrondo do lado de fora da porta e Dolohov olhou por cima do ombro, o
Comensal da Morte de cabeça de bebê apareceu no portal, a cabeça berrando, os
enormes punhos ainda se agitando a esmo para tudo ao seu redor.
Harry
aproveitou a oportunidade:
— PETRIFICUS
TOTALUS!
O
feitiço atingiu Dolohov antes que ele pudesse bloqueá-lo, e o bruxo tombou para
a frente por cima do seu companheiro, os dois rígidos como tábuas e incapazes
de se mover.
—
Hermione — disse Harry imediatamente, sacudindo a cabeça dela enquanto o
Comensal da Morte de cabeça de bebê sumia outra vez de vista — Hermione,
acorde...
— Guefoigue
ele fez com ela? — perguntou Neville saindo de baixo da escrivaninha e se
ajoelhando do outro lado, o sangue escorrendo sem parar do nariz que inchava
rapidamente.
— Não
sei...
Neville
procurou o pulso de Hermione.
— Dem
bulsação, Harry, denho cerdeza gue é.
Uma
onda tão grande de alívio invadiu Harry que por um momento ele se despreocupou.
— Ela
está viva?
— Dá,
acho que dá.
Houve
uma pausa em que Harry procurou escutar a aproximação de mais passos, mas só
conseguiu identificar o berreiro e os desencontros do Comensal da Morte de
cabeça de bebê na sala vizinha.
—
Neville, não estamos longe da saída — sussurrou Harry — Estamos bem do lado da
sala circular... se pudermos atravessá-la e descobrir a porta certa antes que
outros Comensais da Morte apareçam, aposto como você pode carregar Hermione
pelo corredor e tomar o elevador... depois você podia procurar alguém... dar o
alarme...
— E
gue é gue você vai fazer? — perguntou Neville, enxugando o nariz sangrento na
manga e franzindo a testa para Harry.
—
Tenho de procurar os outros.
—
Endão, vou brocurar com você — disse Neville com firmeza.
— Mas
Hermione...
—
Levamos com a gente — contrapôs Neville, decidido — Caeego Hermione... você
luda melhor gom eles gue eu...
Ele
ficou em pé e segurou um braço da garota, olhando para Harry, que hesitou,
então agarrou o outro braço e ajudou a guindar o corpo inerte de Hermione para
os ombros de Neville.
—
Espere — disse Harry, apanhando a varinha de Hermione do chão e enfiando-a na
mão do garoto — É melhor levar isso.
Neville
chutou para o lado os pedaços da própria varinha ao saírem andando lentamente
em direção à porta.
—
Minha avó vai me madar — disse ele com a voz pastosa, o sangue saltando do
nariz enquanto falava — Aguela eea a varinha velha do meu bai.
Harry
meteu a cabeça para fora da porta e olhou para os lados cauteloso. O Comensal
da Morte com cabeça de bebê estava gritando e batendo nas coisas, derrubando
relógios de pêndulo e virando escrivaninhas, chorando confuso, enquanto o
armário com portas de vidro, que Harry agora suspeitava conter Vira-Tempos,
continuava a cair, se espatifar e se restaurar na parede às costas.
— Ele
nunca vai reparar na gente — sussurrou Harry — Vamos... fique logo atrás de
mim...
Eles
saíram furtivamente do escritório em direção à sala negra, que agora parecia
completamente deserta. Avançaram alguns passos, Neville cambaleando
ligeiramente sob o peso de Hermione: a porta para a Sala do Tempo se fechou
quando passaram, e as paredes recomeçaram a girar.
A
recente pancada na cabeça de Harry pareceu tê-lo desequilibrado, ele apertou os
olhos, oscilou um pouco, até as paredes pararem de rodar. Com desânimo, ele viu
que as cruzes de fogo que Hermione fizera nas portas tinham se apagado.
—
Então para que lado você cal...?
Mas
antes que ele pudesse decidir quanto ao caminho a experimentar, uma porta se
escancarou à sua direita e três pessoas despencaram por ela.
—
Rony! — exclamou Harry rouco, correndo para os amigos — Gina... você está...?
—
Harry — disse Rony rindo frouxamente, se atirando para a frente, agarrando as
vestes de Harry e fixando nele os olhos desfocados — Ah, aqui está você... ha
ha ha... está com a cara engraçada Harry... está todo amarrotado...
O
rosto de Rony estava muito pálido e uma coisa escura escorria do canto de sua
boca. No momento seguinte, seus joelhos cederam, mas ele continuou agarrado às
vestes de Harry, fazendo-o se inclinar numa espécie de reverência.
—
Gina? — disse Harry receoso — Que aconteceu?
Mas
Gina sacudiu a cabeça e escorregou pela parede até se sentar, ofegando e
segurando o tornozelo.
—
Acho que ela quebrou o tornozelo, ouvi alguma coisa rachando — sussurrou Luna,
que se curvava para a garota e era a única que parecia inteira.
—
Quatro deles nos perseguiram por uma sala escura cheia de planetas, era um
lugar muito esquisito, parte do tempo ficamos só flutuando no escuro...
—
Harry, vimos Urano de perto! — disse Rony, ainda dando risadinhas frouxas —
Sacou, Harry? Vimos Urano... ha ha ha...
Uma
bolha de sangue apareceu no canto da boca de Rony e estourou.
—...
então, um deles agarrou o pé de Gina, eu usei o Feitiço Redutor e explodi
Plutão na cara dele, mas...
Luna
fez um gesto desanimado para Gina, que respirava superficialmente, seus olhos
ainda fechados.
— E o
Rony? — perguntou Harry receoso, pois o garoto continuava a rir, ainda agarrado
às suas vestes.
— Não
sei com que o acertaram — respondeu Luna triste — Mas ficou meio esquisito, mal
consegui fazê-lo nos acompanhar.
—
Harry — disse Rony puxando o ouvido do amigo para perto de sua boca, e
continuando a rir — Sabe quem é essa garota, Harry? Ela é a Di-Lua... Di-Lua
Lovegood... ha ha ha...
—
Temos de sair daqui — disse Harry com firmeza — Luna, você pode ajudar a Gina?
—
Claro — respondeu ela, enfiando a varinha atrás da orelha para guardá-la, e
passando o braço pela cintura da amiga para levantá-la.
— É
só o meu tornozelo, posso fazer isso sozinha! — disse Gina impaciente, mas no
momento seguinte desabou para o lado e agarrou Luna para se apoiar.
Harry
puxou o braço de Rony por cima do ombro como fizera tantos meses antes quando
carregara Duda. Olhou ao redor: tinham uma chance em doze de escolher a porta
certa de primeira... ele carregou Rony em direção a uma porta, estava a poucos
passos quando outra, do lado oposto da sala, se escancarou, e três Comensais da
Morte entraram correndo, liderados por Belatriz Lestrange.
—
Eles estão aqui! — gritou ela.
Feitiços
Estuporantes cortaram velozmente a sala: Harry adentrou a porta em frente,
atirou Rony sem cerimônia no chão e voltou abaixado para ajudar Neville com
Hermione, passaram todos pela porta em tempo de batê-la na cara de Belatriz.
— Colloportus!
— gritou Harry, e ouviu três corpos baterem contra a porta do outro lado.
— Não
faz mal! — disse uma voz masculina — Há outras maneiras de entrar: ACHAMOS
ELES, ESTÃO AQUI!
Harry
se virou, estavam de novo na Sala dos Cérebros e, realmente, havia portas a
toda volta. Ele ouviu passos na sala anterior quando mais Comensais da Morte
acorreram para se juntar aos primeiros.
—
Luna... Neville... me ajudem!
Os
três correram pela sala, selando as portas, Harry bateu contra uma mesa e rolou
por cima dela na pressa de chegar à porta seguinte.
— Colloportus!
Havia
passos correndo atrás das portas, de vez em quando outro corpo pesado se
atirava contra elas, fazendo-as ranger e estremecer, Luna e Neville
enfeitiçavam as portas ao longo da parede oposta, então, ao atingir Harry o
fundo da sala, ouviu Luna exclamar:
—
Collo... aaaaaaaaah...
Virou-se
em tempo de vê-la voar pelo ar, cinco Comensais da Morte invadiam a sala pela
porta que ela não conseguira alcançar em tempo, Luna bateu em uma escrivaninha,
escorregou por sua superfície e caiu, estatelada, no chão do outro lado, mais
imóvel que Hermione.
—
Pegue o Potter! — gritou Belatriz correndo para o garoto, ele se desviou e
correu para o outro lado da sala, estava seguro enquanto achassem que poderiam
atingir a profecia...
— Ei!
— disse Rony, que se pusera em pé cambaleando, e agora vinha como um bêbado em
direção a Harry, dando risadinhas — Ei, Harry, tem cérebros aqui, ha ha ha, não
é esquisito, Harry?
—
Rony saia do caminho, se abaixe...
Mas
Rony já apontara a varinha para o tanque.
—
Sério, Harry, são cérebros... olhe... Accio cérebro!
A
cena pareceu congelar por um momento. Harry, Gina e Neville e cada um dos
Comensais da Morte se viraram involuntariamente para olhar o alto do tanque na
hora em que um cérebro saltou do líquido verde como um peixe para fora da água:
por um instante ele pareceu suspenso no ar, então voou em direção a Rony,
girando, e algo que lembrava fitas de imagens animadas foi saindo dele,
desenrolando como um rolo de filme...
— Ha
ha ha, Harry, olhe só isso — disse Rony, observando o cérebro expelir suas
entranhas coloridas — Harry, vem, pega nele, aposto como é estranho...
—
RONY, NÃO!
Harry
não sabia o que podia acontecer se Rony tocasse nos tentáculos que agora voavam
na esteira do cérebro, mas tinha certeza de que não seria nada bom. Ele correu,
mas Rony já agarrara o cérebro nas mãos estendidas. No momento em que entraram
em contato com sua pele, os tentáculos começaram a se enrolar em torno dos
braços de Rony como cordas.
—
Harry, olhe só o que acontece... não... não... não gosto disso... não, parem...
parem...
Mas
as fitas finas giravam agora em torno do peito do garoto, ele puxou e tentou
arrancá-las ao mesmo tempo que o cérebro foi apertado contra Rony como um corpo
de polvo.
— Diffindo!
— berrou Harry, tentando cortar os tentáculos que se enrascavam em seu amigo
bem diante de seus olhos, mas eles não se partiam.
Rony
tombou, ainda lutando contra as amarras.
—
Harry, o cérebro vai sufocá-lo! — berrou Gina, imobilizada no chão pelo
tornozelo quebrado... então um jorro de luz vermelha voou da varinha de um
Comensal da Morte e a atingiu em cheio no rosto. Ela adernou para um lado e
caiu ali inconsciente.
—
ESDUBEVAÇA! — gritou Neville, rodando o corpo e acenando a varinha de Hermione
contra os Comensais da Morte atacantes — ESDUBEVAÇA! ESDUBEVAÇA!
Mas
nada aconteceu.
Um
dos Comensais disparou seu próprio Feitiço Estuporante contra Neville, errou
por centímetros. Harry e Neville eram os únicos que restavam na luta contra os
Comensais da Morte, dois dos quais lançaram jorros de luz prateada como flechas
que não atingiram o alvo mas deixaram crateras na parede atrás deles. Harry
fugiu mas Belatriz correu atrás dele: segurando a profecia acima da cabeça, ele
correu para o outro lado da sala, a única coisa que lhe ocorria fazer era
afastar os Comensais da Morte uns dos outros.
Aparentemente
deu resultado, eles o perseguiram, mandando cadeiras e mesas pelo ar, mas não
ousaram enfeitiçá-lo com receio de danificar a profecia, e ele se precipitou
para a única porta ainda aberta, aquela por onde os Comensais da Morte haviam
entrado, no íntimo, rezava para que Neville ficasse com Rony e encontrasse
algum meio de libertá-lo. Ele correu alguns passos pela nova sala e sentiu o
chão sumir...
Estava
caindo pelos degraus de pedra, um a um, quicando em cada nível, até que,
finalmente, com uma pancada que lhe tirou o fôlego, aterrissou chapado de
costas no poço em que havia o arco de pedra sobre o estrado. A sala toda ecoava
com as risadas dos Comensais da Morte: ele olhou para o alto e viu os cinco que
estavam na Sala dos Cérebros descer em sua direção, enquanto outros tantos
surgiam pelas outras portas e começavam a saltar de nível em nível para
alcançá-lo. Harry se levantou, embora com as pernas tão trêmulas que mal
conseguiam sustentá-lo: a profecia continuava milagrosamente inteira em sua mão
esquerda, a varinha apertada com força na direita. Ele recuou, olhando para os
lados, tentando manter todos os Comensais da Morte no seu campo de visão. A
parte de trás de suas pernas bateu em alguma coisa sólida: ele chegara ao
estrado onde se erguia o arco. Subiu-o de costas.
Todos
os Comensais da Morte pararam com os olhos fixos em Harry. Alguns arquejavam
tanto quanto o garoto. Um sangrava bastante, Dolohov, livre do Feitiço do Corpo
Preso, tinha um olhar malicioso e apontava a varinha direto para o rosto de
Harry.
—
Potter, terminou a sua corrida — disse a voz arrastada de Lúcio Malfoy tirando
o capuz — Agora me entregue a profecia como um bom menino.
—
Mande... mande os outros embora e a entregarei ao senhor! — disse Harry
desesperado.
Alguns
Comensais da Morte soltaram risadas.
—
Você não está em posição de barganhar, Potter — disse o bruxo, seu rosto pálido
corado de prazer — Como vê, há dez de nós contra você sozinho... ou será que
Dumbledore nunca lhe ensinou a contar?
— Ele
não está sozinho! — gritou uma voz do alto — Ainda tem a mim!
Harry
sentiu um aperto no coração: Neville estava descendo os degraus de pedra em
direção a eles, a varinha de Hermione apertada na mão trêmula.
—
Neville... não... volte para o Rony.
—
ESDUBEVAÇA! — gritou Neville outra vez, apontando a varinha para cada um dos
Comensais da Morte. — ESDUBEVAÇA! ESDUB...
Um
dos Comensais mais corpulentos agarrou Neville por trás e prendeu seus braços
dos lados do corpo. O garoto se debateu e chutou, vários Comensais da Morte
riram.
— É o
Longbottom, não é? — perguntou Lúcio Malfoy desdenhoso — Bom, sua avó está
acostumada a perder membros da família para a nossa causa... sua morte não será
nenhum choque...
—
Longbottom? — repetiu Belatriz, e um sorriso realmente maligno iluminou o seu
rosto ossudo — Ora, tive o prazer de conhecer seus pais, garoto.
— SEI
QUE DEVE! — urrou Neville, e se debateu com tanta força contra o abraço do seu
captor que o Comensal exclamou:
—
Alguém quer estuporar este garoto!
—
Não, não, não — pediu Belatriz. Ela parecia arrebatada, viva de excitação ao
olhar para Harry e depois para Neville — Não, vamos ver quanto tempo Longbottom
resiste antes de enlouquecer como os pais... a não ser que Potter nos entregue
a profecia.
— NÃO
DÊ A ELES! — bradou Neville, que parecia fora de si, chutando e se contorcendo
ao ver Belatriz se aproximar dele e de seu captor, com a varinha erguida — NÃO
DÊ A ELES, HARRY!
Belatriz
ergueu a varinha.
— Crucio!
Neville
gritou, as pernas erguidas contra o peito de modo que o Comensal da Morte que o
prendia segurou-o momentaneamente fora do chão. O homem largou-o e ele caiu, se
torcendo e gritando em tormento.
— Foi
só um aperitivo! — exclamou Belatriz, erguendo a varinha e assim interrompendo
os gritos de Neville, deixando-o soluçante a seus pés. Ela se virou e olhou
para Harry — Agora, Potter, ou nos entrega a profecia ou vai ver o seu
amiguinho morrer sofrendo!
Harry
não precisou pensar, não tinha opção. A profecia se aquecera com o calor de sua
mão quando a estendeu.
Malfoy
se adiantou depressa para recebê-la.
Então,
no alto, mais duas portas se escancararam e mais cinco pessoas entraram
correndo na sala: Sirius, Lupin, Moody, Tonks e Kingsley.
Malfoy
se virou e ergueu a varinha, mas Tonks já disparara um Feitiço Estuporante
nele. Harry não esperou para ver se o bruxo fora atingido, mergulhou para longe
do estrado e dos disparos.
Os
Comensais da Morte foram completamente distraídos pela aparição dos membros da
Ordem, que agora faziam chover feitiços sobre os adversários enquanto saltavam
degrau por degrau em direção ao poço. Através dos corpos que voavam e dos
lampejos, Harry viu Neville se arrastando. Ele se desviou de mais um jato de
luz vermelha e se atirou de corpo inteiro no chão para alcançar o amigo.
—
Você está ok? — berrou, quando voou mais um feitiço a centímetros de suas
cabeças.
— Dou
— disse Neville tentando se levantar.
— E
Rony?
—
Acho gue esdá bem, ainda esdava ludando com o cérebro guando vim...
O piso
de pedra entre os dois explodiu ao ser atingido por um feitiço que produziu uma
cratera onde a mão de Neville estivera segundos antes, os dois saíram depressa
dali, então um braço grosso se materializou e agarrou Harry pelo pescoço,
pondo-o de pé de tal modo que seus pés mal tocavam o chão.
— Me
dê isso — rosnou uma voz em sua orelha — Me dê a profecia...
O
homem apertava tanto sua traqueia que Harry não conseguia respirar. Através dos
olhos marejados de lágrimas, ele viu Sirius duelando com um Comensal da Morte a
uns três metros de distância, Kingsley lutava com dois ao mesmo tempo, Tonks,
ainda na metade da descida, disparava feitiços contra Belatriz... ninguém
parecia perceber que Harry estava morrendo. Ele virou a varinha para trás em
direção ao lado do corpo do homem, mas não teve ar para enunciar o
encantamento, e a mão livre do homem tentou alcançar a mão em que o garoto
segurava a profecia...
—
ARRR!
Neville
se precipitara de algum lugar, incapaz de articular um feitiço, enfiou a
varinha de Hermione na fenda da máscara do Comensal da Morte. O homem largou
Harry imediatamente, soltando um uivo de dor.
Harry
se virou para enfrentá-lo e exclamou:
— ESTUPEFAÇA!
O
Comensal da Morte tombou de costas e sua máscara caiu: era Macnair, o quase
carrasco de Bicuço, um dos seus olhos agora inchado e injetado.
—
Obrigado! — disse Harry a Neville, puxando-o para o lado, no momento em que
Sirius e seu Comensal da Morte passaram por eles, duelando com tanta ferocidade
que suas varinhas pareciam borrões.
Então,
o pé de Harry bateu em alguma coisa redonda e dura e ele escorregou. Por um
momento, pensou que tivesse deixado cair a profecia, então viu o olho de Moody
rolando pelo chão. Seu dono estava deitado de lado, a cabeça sangrando, e o
atacante agora avançava para Harry e Neville: Dolohov, seu rosto pálido e
comprido torcido de prazer.
— Tarantallegra!
— gritou ele, a varinha apontada para Neville, cujas pernas iniciaram
imediatamente um sapateado frenético, que o desequilibrou e o fez cair de novo
no chão — Agora, Potter...
Ele
fez o mesmo movimento cortante com a varinha que usara contra Hermione na hora
em que Harry berrou:
— Protego!
O
garoto sentiu alguma coisa correr de um lado a outro de seu rosto como uma faca
cega, a força do golpe derrubou-o para o lado e ele caiu em cima das pernas
dançantes de Neville, mas o Feitiço Escudo impedira o feitiço de se completar.
Dolohov
tornou a erguer a varinha.
—
Accio prof...!
Sirius
se precipitara de algum lugar, batera em Dolohov com o ombro fazendo-o voar
para longe. A profecia mais uma vez escorregara para as pontas dos dedos de
Harry, mas ele conseguiu retê-la. Agora Sirius e Dolohov duelavam, suas
varinhas cortando o ar como espadas, faíscas voando de suas pontas.
Dolohov
puxou a varinha para fazer o mesmo movimento cortante que usara contra Harry e
Hermione. Pondo-se em pé de um salto, Harry berrou:
— Petrificus
Totalus!
Mais
uma vez, os braços e pernas de Dolohov se juntaram e ele adernou para trás,
caindo com estrondo.
—
Boa! — gritou Sirius, empurrando a cabeça de Harry para baixo quando uns dois
Feitiços Estuporantes voaram em direção a eles — Agora quero que vocês saiam
d...
Os
dois tornaram a se abaixar, um jato de luz verde quase atingiu Sirius. Do outro
lado da sala, Harry viu Tonks cair na subida dos degraus, seu corpo inerte
rolou de degrau em degrau e Belatriz, triunfante, voltar correndo para a briga.
—
Harry, leve a profecia, agarre Neville e corra! — berrou Sirius, correndo ao
encontro de Belatriz.
Harry
não viu o que aconteceu a seguir: Kingsley passou pelo seu campo de visão,
lutando contra o bexiguento Rookwood, já sem capuz, outro jato de luz verde
voou por cima da cabeça de Harry quando ele se atirou em direção a Neville...
—
Você consegue ficar em pé? — berrou no ouvido do garoto, enquanto as pernas de
Neville sacudiam e torciam descontroladas — Apoie o braço no meu pescoço...
Neville
obedeceu, Harry arquejou, as pernas do amigo continuavam a sacudir para todos
os lados, não o sustentariam, e então, sem que vissem, um homem se atirou sobre
eles: os dois tombaram de costas. As pernas de Neville se agitavam sem direção
como as de um besouro de barriga para cima, Harry com o braço esquerdo erguido
no ar tentava impedir que a bolinha de vidro se quebrasse.
— A
profecia, me dê a profecia, Potter! — vociferou Malfoy em seu ouvido, e Harry
sentiu a ponta de uma varinha cutucá-lo com força nas costelas.
—
Não... me... largue... Neville, apanha!
Harry
atirou a profecia pelo chão, o garoto se virou para ficar de costas e aparou a
bolinha no peito. Malfoy, então, apontou a varinha para Neville, mas Harry
espetou a própria varinha por cima do ombro e berrou:
— Impedimenta!
Malfoy
voou para longe. Quando Harry conseguiu se levantar, olhou ao redor e viu o
bruxo colidir com o estrado em que Sirius e Belatriz agora duelavam. Malfoy
tornou a apontar a varinha para Harry e Neville, mas, antes que pudesse tomar
ar para atacar, Lupin pulou entre eles.
—
Harry, reúna os outros e VÁ!
Harry
agarrou Neville pelos ombros das vestes e o ergueu até o primeiro degrau de
pedra, as pernas do garoto se torciam e sacudiam, e não suportavam seu peso,
Harry tornou a erguê-lo com todas as forças que tinha e subiram mais um
degrau...
Um
feitiço atingiu o degrau de pedra junto ao calcanhar de Harry, o degrau
desmoronou e ele caiu no degrau abaixo. Neville afundou no chão, as pernas
ainda entortando e se agitando, e ele enfiou a profecia no bolso.
—
Vamos! — disse Harry desesperado, puxando Neville pelas vestes — Tente empurrar
com as pernas...
Ele
deu mais um puxão descomunal e as vestes de Neville se rasgaram ao longo da
costura lateral, a bolinha de vidro caiu do seu bolso e, antes que um dos dois
pudesse pegá-la, o pé descontrolado de Neville a chutou: a bolinha voou uns
três metros para a direita e se espatifou no degrau abaixo.
Quando
os dois olharam para o lugar em que ela se quebrara, aterrados com o
acontecido, um vulto branco-pérola de olhos enormemente aumentados se ergueu no
ar, sem ninguém reparar. Harry viu a boca do vulto se mover, mas com todas as
colisões e gritos e berros que os rodeavam, não conseguiu ouvir uma só palavra
da profecia. O vulto parou de falar e se evaporou.
—
Harry, sindo muido!— exclamou Neville, seu rosto aflito e as pernas ainda se
contorcendo — Sindo, Harry não dive indenção de...
— Não
faz mal! — gritou Harry — Tente ficar em pé, vamos dar o fora...
—
Dubbledore! — disse Neville, seu rosto suarento subitamente arrebatado fixando
alguma coisa por cima do ombro de Harry.
—
Quê!
—
DUBBLEDORE!
Harry
se virou para ver o que Neville olhava.
Diretamente
no alto, emoldurado pela porta da Sala do Cérebro, achava-se Alvo Dumbledore, a
varinha no ar, seu rosto pálido e enfurecido. Harry sentiu uma espécie de
choque elétrico em cada partícula do seu corpo... estavam
salvos.
Dumbledore
desceu depressa os degraus passando por Neville e Harry, que não pensava mais
em ir embora. Dumbledore já estava ao pé dos degraus quando o Comensal da Morte
mais próximo percebeu sua presença e berrou para os outros. Um dos Comensais da
Morte correu o mais que pôde, trepando como um macaco pelos degraus de pedra do
lado oposto. Um feitiço de Dumbledore o trouxe de volta com a maior facilidade,
como se o tivesse fisgado com uma linha invisível...
Somente
um par continuava a lutar, aparentemente sem notar o recém-chegado.
Harry
viu Sirius se desviar de um raio vermelho de Belatriz: ria dela.
—
Vamos, você sabe fazer melhor que isso! — berrou ele, sua voz ecoando pela sala
cavernosa.
O
segundo jato de luz o atingiu bem no peito.
O
riso ainda não desaparecera do seu rosto, mas seus olhos se arregalaram de
choque.
Harry
soltou Neville, embora nem tivesse consciência do que fazia. Estava novamente
descendo os degraus aos saltos, puxando a varinha, ao mesmo tempo que
Dumbledore também se voltava para o estrado.
Sirius
pareceu levar uma eternidade para cair: seu corpo descreveu um arco gracioso e
ele mergulhou de costas no véu esfarrapado que pendia do arco.
Harry
viu a expressão de medo e surpresa no rosto devastado e outrora bonito do seu
padrinho quando ele atravessou o arco e desapareceu além do véu, que esvoaçou
por um momento como se soprado por um vento forte, depois retomou a posição
inicial.
Harry
ouviu o grito triunfante de Belatriz Lestrange, mas sabia que não significava
nada, Sirius simplesmente atravessara o arco, reapareceria do outro lado a qualquer
segundo...
Mas
Sirius não reapareceu.
—
SIRIUS! — berrou Harry — SIRIUS!
Ele
alcançara o poço, sua respiração ofegante e dolorosa. Sirius devia estar logo
além do véu, ele, Harry, o puxaria de volta...
Mas
quando chegou ao poço e saltou para o estrado, Lupin o agarrou pelo peito,
detendo-o.
— Não
há nada que você possa fazer, Harry...
—
Apanhá-lo, salvá-lo, ele só atravessou o véu!
—...
é tarde demais, Harry.
—
Ainda podemos alcançá-lo...
Harry
lutou com força e violência, mas Lupin não o largou.
— Não
há nada que você possa fazer, Harry... nada... ele se foi.
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