quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Harry Potter e a Ordem da Fênix - Capítulo 27





— CAPÍTULO VINTE E SETE —
O Centauro e o Dedo-Duro



— AGORA, APOSTO como você gostaria de não ter desistido de Adivinhação, não é, Hermione? — perguntou Parvati, sorrindo presunçosa.
Era a hora do café da manhã, dois dias depois da demissão da Profª. Trelawney, e Parvati estava enrolando os cílios na varinha e examinando o efeito nas costas de uma colher.
Iam ter a primeira aula com Firenze naquela manhã.
— Nem tanto — disse Hermione com indiferença, lendo o Profeta Diário — Jamais gostei realmente de cavalos.
Ela virou a página do jornal e passou os olhos pelas colunas.
— Ele não é cavalo, é centauro! — disse Lilá, chocada.
— Um lindo centauro... — suspirou Parvati.
— Ainda assim, continua a ter quatro patas — replicou Hermione calmamente — Seja como for, pensei que vocês duas estivessem muito chateadas por Trelawney ter ido embora.
— Estamos! — confirmou Lilá — Fomos à sala dela visitá-la, levamos uns narcisos: não daqueles que grasnam como os da Sprout, dos bonitos.
— Como é que ela está? — perguntou Harry.
— Nada bem, coitadinha — disse Lilá penalizada — Estava chorando e dizendo que preferia deixar o castelo para sempre a continuar no mesmo lugar que a Umbridge, e não a culpo, a Umbridge foi horrível com ela, não foi?
— Tenho um pressentimento de que a Umbridge só está começando a ser horrível — comentou Hermione sombriamente.
— Impossível — disse Rony devorando seu pratarraz de ovos com bacon — Ela não pode ficar pior do que é.
— Pois escreva o que estou dizendo, ela vai querer se vingar do Dumbledore por nomear um novo professor sem consultá-la — disse Hermione fechando o jornal — Principalmente um semi-humano. Você viu a cara que ela fez quando viu o Firenze.
Depois do café, Hermione foi para a aula de Aritmancia enquanto Harry e Rony seguiam com Parvati e Lilá para o Saguão de Entrada, caminho para a aula de Adivinhação.
— Não vamos para a Torre Norte? — perguntou Rony, intrigado ao ver Parvati passar pela escadaria de mármore sem subir.
Parvati lhe lançou um olhar de desdém por cima do ombro.
— Como é que você espera que Firenze suba aquela escada? Estamos na sala onze agora, não viu no quadro de avisos ontem?
A sala onze era no térreo, no corredor que saía do Saguão para o lado oposto ao Salão Principal. Harry sabia que era uma daquelas salas que não eram usadas com regularidade, e por isso dava uma impressão de abandono como o de um armário ou quarto de guardados. Quando ele entrou logo atrás de Rony e se viu no meio de uma clareira florestal, ficou momentaneamente atordoado.
— Que di...?
O piso da sala se revestira de um musgo primaveril no qual se erguiam árvores, seus ramos folhosos balançavam no teto e nas janelas, fazendo com que a sala se enchesse de raios de uma luz verde suave e malhada. Os alunos que já haviam chegado se acomodaram no piso terroso, com as costas apoiadas nos troncos das árvores e pedregulhos, e abraçavam as pernas dobradas ou cruzadas com força sobre o peito, todos parecendo muito nervosos.
No meio da clareira, onde não havia árvores, estava Firenze.
— Harry Potter — disse ele, estendendo a mão quando o garoto entrou.
— Aah... oi — cumprimentou Harry, apertando a mão do centauro, que o examinou sem piscar com aqueles olhos espantosamente azuis, mas não sorriu — Aah... que bom ver você.
— E você — disse o centauro, inclinando a cabeça louro-prateada — Estava escrito que tornaríamos a nos encontrar.
Harry reparou que havia no peito de Firenze a sombra de um hematoma em forma de casco.
Quando se virou para se reunir ao resto da turma sentada no chão, viu que todos o olhavam assombrados, aparentemente muito impressionados que ele falasse com Firenze, que eles acharam assustador. Quando a porta foi fechada e o último aluno se sentou em um toco de árvore ao lado da cesta de papéis, Firenze fez um gesto englobando a sala toda.
— O Prof. Dumbledore teve a bondade de providenciar esta sala de aula para nós — disse o centauro, quando todos se calaram — Imitando o meu hábitat natural. Eu teria preferido ensinar a vocês na Floresta Proibida, que foi, até Segunda-Feira, a minha morada... mas isto já não é possível.
— Por favor... aah... professor... — disse Parvati ofegante, erguendo a mão — Por que não? Já estivemos lá com Hagrid, não temos medo!
— O problema não é a sua coragem — disse Firenze — Mas a minha situação. Não posso voltar à Floresta Proibida. O meu rebanho me baniu.
— Rebanho? — exclamou Lilá confusa, e Harry percebeu que ela estava pensando em vacas — Quê... ah!
A compreensão se espalhou em seu rosto.
— Há outros iguais ao senhor? — perguntou atordoada.
— Hagrid o criou, como fez com os Testrálios? — perguntou Dino curioso.
Firenze virou lentamente a cabeça para encarar Dino, que pareceu perceber na hora que acabara de dizer uma coisa muito ofensiva.
— Não... quis dizer... me desculpe — terminou o garoto com a voz abafada.
— Os centauros não são servidores nem brinquedos dos humanos — disse Firenze com calma.
Fez-se uma pausa, então Parvati tornou a erguer a mão.
— Por favor, professor... por que os outros centauros o baniram?
— Porque eu concordei em trabalhar para o Prof. Dumbledore. E eles encaram isso como uma traição à nossa espécie.
Harry se lembrou de que, há quase quatro anos, o centauro Agouro ralhara com Firenze por permitir que Harry o cavalgasse até um lugar seguro, chamara-o de “mula”. Ficou imaginando se teria sido Agouro quem escoiceara o peito de Firenze.
— Vamos começar — disse o centauro. Ele balançou a longa cauda baia, ergueu a mão para o dossel de folhas no alto, então baixou-a lentamente e, ao fazer isso, a claridade da sala diminuiu, agora pareciam que estavam sentados em uma clareira ao crepúsculo, e surgiram estrelas no teto.
Ouviram-se exclamações e gritos sufocados, e Rony exclamou audivelmente: “Caracas!”.
— Deitem-se no chão — disse Firenze calmamente — E observem o céu. Ali está escrito, para os que sabem ler, o destino das nossas raças.
Harry se deitou e olhou para o céu.
Uma estrela vermelha piscou para ele lá do alto.
— Sei que vocês aprenderam os nomes dos planetas e de suas luas em Astronomia, e que já mapearam o curso das estrelas no céu. Os centauros foram desvendando os mistérios desses movimentos durante séculos. Nossas descobertas nos ensinam que o futuro pode ser vislumbrado no céu que nos cobre...
— A Profª. Trelawney estudou Astrologia conosco! — disse Parvati excitada, erguendo a mão à frente do corpo para que o professor a visse no ar, uma vez que estava deitada de costas — Marte causa acidentes e queimaduras e outros problemas, e quando faz ângulo com Saturno, como agora — ela desenhou um ângulo reto no ar — Significa que as pessoas precisam ter extremo cuidado ao lidar com coisas quentes...
— Isso — disse Firenze calmo — São tolices humanas.
A mão de Parvati caiu frouxamente ao lado do corpo.
— Ferimentos banais, pequeninos acidentes humanos — tornou Firenze, pateando o chão coberto de musgo — No universo, eles não têm maior significação do que formigas correndo, e não são afetados pelos movimentos dos planetas.
— A Profª. Trelawney... — começou Parvati em tom ofendido e indignado.
— É um ser humano — disse Firenze com simplicidade — E, portanto, tem os olhos toldados e as mãos tolhidas pelas limitações de sua espécie.
Harry virou muito ligeiramente a cabeça para olhar Parvati que parecia muito ofendida, assim como vários colegas que a rodeavam.
— Sibila Trelawney pode ter visto, eu não sei — continuou Firenze, e Harry tornou a ouvir sua cauda balançando enquanto caminhava diante da turma — Mas desperdiça seu tempo, principalmente, com a vaidade tola a que os humanos chamam adivinhar o futuro. Eu estou aqui para explicar a sabedoria dos centauros, que é impessoal e imparcial. Contemplamos o céu à procura das grandes ondas de maldade ou de mudança, que por vezes estão ali assinaladas. Pode levar dez anos para termos certeza do que estamos contemplando.
Firenze apontou para a estrela vermelha diretamente acima de Harry.
— Na última década, as estrelas têm indicado que a bruxidade está vivendo apenas uma breve calmaria entre duas guerras. Marte, anunciador de conflitos, brilha intensamente sobre nós, sugerindo que a luta não tardará a recomeçar. Quando ocorrerá, os centauros podem tentar adivinhar por meio da queima de certas ervas e folhas, pela observação de fumaça e chamas...
Foi a aula mais incomum a que Harry já assistira. É verdade que eles queimaram Artemísia e malva no chão da sala, e Firenze mandou-os procurar certas formas e símbolos na fumaça acre, mas não pareceu nada preocupado que nenhum dos alunos visse os sinais que ele descrevera, comentando que os humanos em geral não eram muito bons nisso e que levara anos para os centauros se tornarem competentes, e concluiu dizendo que, de todo modo, era uma tolice acreditar demais nessas coisas, porque até os centauros por vezes as interpretavam erroneamente. Ele não lembrava nenhum professor humano que Harry já tivesse tido. Sua prioridade não parecia ser ensinar o que sabia, mas infundir nos alunos a ideia de que nada, nem mesmo o conhecimento dos centauros, era à prova de erro.
— Ele não é muito afirmativo sobre nada, não é? — comentou Rony baixinho, quando apagavam o fogo da malva — Quero dizer, eu gostaria de saber mais detalhes sobre a tal guerra que estamos em vésperas de travar, você não?
A sineta tocou do lado de fora da sala e todos se assustaram, Harry esquecera completamente que continuava dentro do castelo, convencido de que estava realmente na Floresta. Os alunos saíram em fila, com o ar um tanto perplexo.
Harry já ia segui-los com Rony quando Firenze o chamou:
— Harry Potter, uma palavrinha, por favor.
O garoto se virou. O centauro se adiantou para ele.
Rony hesitou.
— Pode ficar. Mas feche a porta, por favor.
Rony se apressou a obedecer.
— Harry Potter, você é amigo de Hagrid, não é? — perguntou o centauro.
— Sou — disse Harry
— Então dê-lhe um aviso meu. A tentativa dele não está dando certo. Seria melhor que a abandonasse.
— A tentativa dele não está dando certo? — repetiu Harry sem entender.
— E seria melhor que a abandonasse — repetiu Firenze confirmando com a cabeça — Eu próprio avisaria a ele, mas fui banido, não seria prudente me aproximar da Floresta agora, Hagrid já tem problemas suficientes sem uma “guerra de centauros”.
— Mas... que é que Hagrid está tentando fazer? — perguntou Harry nervoso.
Firenze olhou-o impassível.
— Hagrid recentemente me prestou um grande serviço e há muito tempo conquistou o meu respeito pelo cuidado que demonstra com todos os seres vivos. Não trairei o seu segredo. Mas ele precisa ouvir a voz da razão. A tentativa não está dando certo. Diga isso a ele, Harry Potter. Um bom dia para vocês.
A felicidade que Harry sentira na esteira da entrevista ao Pasquim havia muito tempo se evaporara. Quando um Março monótono passou despercebido para um Abril tempestuoso, sua vida pareceu ter se transformado mais uma vez em uma sucessão de preocupações e problemas.
Umbridge continuara a assistir a todas as aulas de Trato das Criaturas Mágicas, tornando muito difícil passar o aviso de Firenze a Hagrid. Finalmente, Harry conseguiu, fingindo que perdera seu exemplar de Animais Fantásticos & Onde Habitam, e voltando depois da aula.
Quando transmitiu a mensagem de Firenze, Hagrid fixou nele seus olhos inchados e roxos por um momento, aparentemente espantado. Então pareceu se controlar.
— Cara legal, o Firenze — disse rouco — Mas não sei do que ele está falando. A tentativa está dando certo.
— Hagrid, que é que você está aprontando? — perguntou Harry sério — Porque você precisa ter cuidado, a Umbridge já demitiu Trelawney e, se você quer saber, ela continua prestigiada no Ministério. Se estiver fazendo alguma coisa que não deve, você vai...
— Tem coisas mais importantes do que manter o emprego — comentou Hagrid, embora suas mãos tremessem levemente ao dizer isso, fazendo uma bacia cheia de excrementos de ouriços cair no chão — Não se preocupe comigo, Harry, agora vamos andando, seja um bom menino.
Harry não teve escolha senão deixar Hagrid limpando a bosta do chão, mas se sentiu totalmente desanimado ao se arrastar de volta ao castelo.
Entrementes, tal como os professores e Hermione insistiam em lembrar, os N.O.M.s estavam cada dia mais próximos. Todos os quintanistas se sentiam de alguma forma estressados, mas Ana Abbott foi a primeira a receber uma Poção Calmante de Madame Pomfrey depois de cair no choro durante uma aula de Herbologia e soluçar, dizendo que era burra demais para prestar os exames e que queria deixar a escola naquele instante.
Se não fosse pelas sessões na AD, Harry tinha a impressão de que estaria profundamente infeliz. Às vezes tinha o sentimento de que vivia para as horas que passava na Sala Precisa, onde se esforçava muito, mas ao mesmo tempo se divertia imensamente, inchando de orgulho ao contemplar os companheiros da AD e constatar seu progresso. De fato, Harry às vezes se perguntava como é que Umbridge iria reagir quando visse todos os participantes da AD receberem “Ótimo” no N.O.M. de Defesa Contra as Artes das Trevas.
Eles tinham finalmente começado a trabalhar o Patrono, que todos queriam muito praticar, embora Harry não parasse de lembrar a todos que produzir um Patrono no meio de uma sala de aula iluminada quando ninguém os ameaçava era muito diferente de produzi-lo quando estivessem enfrentando, por exemplo, um Dementador.
— Ah, não seja desmancha-prazeres — exclamou Cho animada, apreciando o seu Patrono em forma de cisne prateado voar pela Sala Precisa durante a última aula antes da Páscoa — Eles são tão bonitos!
— Eles não têm de ser bonitos, têm é que proteger você — disse Harry paciente — O que realmente precisamos é de um bicho-papão ou coisa parecida, foi assim que aprendi, tinha de conjurar o Patrono enquanto o bicho-papão fingia ser um Dementador...
— Mas isso seria realmente apavorante! — exclamou Lilá, que soltava baforadas de vapor prateado pela ponta da varinha — E ainda não... consigo... fazer! — completou ela com raiva.
Neville estava encontrando dificuldade também. Seu rosto se contraía ao se concentrar, mas apenas tênues fiapinhos de fumaça prateada saíam da ponta de sua varinha.
— Você tem de pensar em alguma coisa feliz — Harry lembrava ao garoto.
— Estou tentando — disse Neville, infeliz, cujo empenho era tanto que seu rosto redondo chegava a brilhar de suor.
— Harry, acho que estou conseguindo! — berrou Simas, que fora trazido por Dino à sua primeira reunião da AD — Olha... ah... desapareceu... mas era decididamente alguma coisa peluda, Harry!
O Patrono de Hermione, uma reluzente lontra prateada, brincava à sua volta.
— Eles são bonitinhos, não são? — comentou ela, olhando-o com carinho.
A porta da Sala Precisa se abriu e fechou.
Harry se virou para ver quem entrara, mas não parecia haver ninguém. Passou-se um momento até ele perceber que as pessoas próximas à porta haviam se calado. No instante seguinte, alguma coisa puxava suas vestes na altura do joelho. Ele olhou e viu, para seu grande espanto, Dobby, o elfo doméstico, mirando-o por baixo dos seus oito gorros de lã habituais.
— Oi, Dobby! Que é que você... que aconteceu?
Os olhos do elfo se arregalavam de terror e ele tremia. Os participantes da AD mais próximos de Harry tinham se calado, todos observavam Dobby. Os poucos Patronos que as pessoas tinham conseguido conjurar desapareceram em fumaça prateada, deixando a sala bem mais escura do que antes.
— Harry Potter, meu senhor... — esganiçou-se o elfo, tremendo da cabeça aos pés — Harry Potter, meu senhor... Dobby veio avisar... mas os elfos foram avisados para não contar...
Ele correu a bater a cabeça na parede. Harry, que tinha alguma experiência com os hábitos de se castigar de Dobby, fez menção de agarrá-lo, mas o elfo meramente quicou na pedra graças aos seus oito gorros. Hermione e algumas outras garotas soltaram gritinhos de medo e pena.
— Que aconteceu, Dobby? — perguntou Harry, agarrando o bracinho do elfo e mantendo-o afastado de qualquer coisa que ele pudesse encontrar para se machucar.
— Harry Potter... ela... ela...
Dobby deu um forte soco no nariz com o punho livre.
Harry agarrou-o também.
— Quem é “ela”, Dobby?
Mas ele achava que sabia: certamente só havia uma “ela” capaz de induzir tal pavor em Dobby. O elfo ergueu os olhos, ligeiramente vesgo, e pronunciou silenciosamente.
— Umbridge? — perguntou Harry, horrorizado.
Dobby confirmou, e em seguida tentou bater a cabeça nos joelhos de Harry. O garoto o segurou à distância dos braços.
— Que tem a Umbridge? Dobby... ela não descobriu isso... nós... a AD?
Ele leu a resposta no rosto aflito do elfo. Com as mãos presas por Harry, ele tentou se chutar e caiu de joelhos.
— Ela está vindo? — perguntou Harry calmamente.
Dobby deixou escapar um uivo.
— Está, Harry Potter, está!
Harry se endireitou e olhou para os colegas, imóveis e aterrorizados, que contemplavam o elfo a se debater.
— QUE É QUE VOCÊS ESTÃO ESPERANDO! — berrou Harry — CORRAM!
Todos se arremessaram para a saída na mesma hora, embolando na porta, então passaram num ímpeto. Harry ouviu-os correndo pelos corredores e desejou que tivessem o bom senso de não tentar ir direto para os dormitórios. Eram apenas dez para as nove, se ao menos se refugiassem na Biblioteca ou no Corujal, que eram mais próximos...
— Harry, anda logo! — gritou Hermione em meio ao bolo de gente que se empurrava para sair.
Ele pegou Dobby, que continuava tentando se machucar seriamente, e correu com o elfo nos braços para o fim da fila.
— Dobby, isto é uma ordem, volte para a cozinha com os outros elfos e, se ela perguntar se você me avisou, minta e diga que não! E proíbo você de se machucar! — acrescentou, largando o elfo no chão quando finalmente cruzou o portal e bateu a porta.
— Obrigado, Harry Potter — disse Dobby com a sua vozinha esganiçada, e afastou-se desabalado.
Harry olhou para a esquerda e a direita, os outros andavam tão depressa que ele viu apenas vislumbre dos calcanhares que voavam em cada ponta do corredor antes de desaparecer, ele começou a correr para a direita, havia um banheiro de meninos um pouco adiante, poderia fingir que estivera ali o tempo todo se conseguisse chegar lá...
— AAARRR!
Alguma coisa o apanhou pelos tornozelos e ele caiu espetacularmente, deslizando quase dois metros pelo chão antes de parar. Alguém atrás dele gargalhou. Ele se virou de frente e viu Malfoy escondido em um nicho atrás de um feio vaso em forma de dragão.
— Azaração do Tropeço, Potter! Eh, Professora... PROFESSORA! Peguei um!
Umbridge surgiu depressa em uma extremidade, ofegante, mas sorrindo satisfeita.
— É ele! — exclamou jubilante ao ver Harry no chão — Excelente, Draco, excelente, ah, muito bom: cinquenta pontos para Sonserina! Eu me encarrego dele a partir daqui... levante-se, Potter!
Harry se pôs de pé, olhando para os dois. Nunca vira Umbridge com um ar tão feliz. Ela imobilizou seu braço e se virou, toda sorrisos, para Malfoy.
— Vá andando e veja se consegue apanhar mais algum, Draco. Diga aos outros para procurar na Biblioteca alguém que esteja ofegando, verifiquem os banheiros. A Srta. Parkinson pode examinar os banheiros das meninas, vamos, vá andando, e você... — acrescentou ela com a voz mais suave e mais perigosa, enquanto Malfoy se afastava — Você vai comigo à sala do diretor, Potter!
Chegaram à gárgula de pedra em minutos. Harry ficou imaginando quantos dos outros teriam sido apanhados. Pensou em Rony, a Sra. Weasley o mataria, e como se sentiria Hermione se fosse expulsa antes de prestar os N.O.M.s. E fora a primeira reunião do Simas... e Neville estava progredindo tanto...
— Delícia Gasosa — entoou Umbridge, a gárgula de pedra saltou para o lado, a parede se abriu em duas metades e eles subiram a escada rolante de pedra.
Chegaram à porta polida com a aldrava de grifo, mas Umbridge não se deu ao trabalho de bater, entrou direto, ainda segurando Harry com firmeza.
A sala estava cheia de gente.
Dumbledore encontrava-se à escrivaninha, a expressão serena, as pontas dos longos dedos juntas. A Profª. McGonagall empertigada ao seu lado, o rosto extremamente tenso.
Cornélio Fudge, Ministro da Magia, se balançava para frente e para trás sem sair do lugar, ao lado da lareira, pelo visto imensamente satisfeito com a situação. Kingsley Shacklebolt e um bruxo com uma carranca e cabelos muito curtos e crespos, que Harry não reconheceu, estavam postados de cada lado da porta como guardas, e a figura de sardas e óculos de Percy Weasley pairava excitada junto à parede, uma pena e um pesado rolo de pergaminho nas mãos, aparentemente preparado para tomar notas.
Os retratos dos velhos diretores e diretoras não estavam fingindo dormir esta noite. Estavam atentos e sérios, observando o que acontecia embaixo. Quando Harry entrou, alguns fugiram para quadros vizinhos e cochicharam com urgência aos ouvidos dos colegas.
Harry se desvencilhou do aperto de Umbridge quando a porta se fechou.
Cornélio Fudge o olhou com uma espécie de maligna satisfação no rosto.
— Ora — exclamou — Ora, ora, ora...
Harry respondeu com o olhar mais sujo que conseguiu dar. Seu coração batia descontrolado no peito, mas o cérebro estava estranhamente claro e tranquilo.
— Ele estava voltando à Torre da Grifinória — disse Umbridge.
Havia uma excitação obscena em sua voz, o mesmo prazer perverso que Harry ouvira quando a Profª. Trelawney se desintegrava de infelicidade no Saguão de Entrada.
— O menino Malfoy o encurralou.
— Foi mesmo, foi mesmo? — exclamou Fudge, admirado — Preciso me lembrar de contar ao Lúcio. Muito bem, Potter... espero que saiba por que está aqui.
Harry tinha toda a intenção de responder com um atrevido “sim”: sua boca abrira e a palavra começara a se formar quando ele percebeu a expressão de Dumbledore. O diretor não olhava diretamente para ele, tinha os olhos fixos em um ponto por cima do seu ombro, mas, quando Harry o encarou, mexeu a cabeça uma fração de segundo para cada lado.
Harry mudou de ideia no meio da palavra.
— É... Não.
— Como disse? — perguntou Fudge.
— Não — repetiu Harry com firmeza.
— Você não sabe por que está aqui?
— Não, senhor, não sei.
Fudge olhou incrédulo de Harry para a Profª. Umbridge. O garoto se aproveitou da desatenção momentânea para lançar outro olhar rápido a Dumbledore, que deu um aceno mínimo e a sombra de uma piscadela para o tapete.
— Então você não faz ideia — disse o Ministro com a voz positivamente pesada de sarcasmo — Por que a Profª. Umbridge o trouxe a esta sala? Você não sabe que infringiu o regulamento da escola?
— Regulamento da escola? Não.
— Nem os decretos do Ministério? — acrescentou Fudge irritado.
— Não que eu tenha consciência — respondeu Harry brandamente. Seu coração continuava a bater acelerado. Quase valia a pena dizer mentiras para ver a pressão sangüínea de Fudge subir, mas não conseguia ver como iria dizê-las impunemente, se alguém informara a Umbridge sobre a AD, então ele, o líder, poderia começar a arrumar as malas agora mesmo.
— Então, é novidade para você — disse Fudge, sua voz agora pastosa de raiva — Que foi descoberta uma organização estudantil ilegal nesta escola?
— É, sim senhor — disse Harry, exibindo um olhar de inocência e de surpresa pouco convincente.
— Acho, Ministro — disse Umbridge atrás do garoto com a voz sedosa — Que faríamos maior progresso se eu trouxesse a nossa informante.
— É, faça isso — disse Fudge com um aceno, e olhou maliciosamente para Dumbledore quando Umbridge saiu — Nada como uma boa testemunha, não é, Dumbledore?
— Nada mesmo, Cornélio — concordou Dumbledore gravemente, inclinando a cabeça.
Houve uma espera de vários minutos, em que ninguém se entreolhou, então Harry ouviu a porta se abrir às suas costas. Umbridge entrou e passou por ele segurando pelo ombro a amiga de cabelos crespos de Cho, Marieta, que escondia o rosto nas mãos.
— Não se apavore, querida, não tema — disse a Profª. Umbridge com suavidade, dando-lhe palmadinhas nas costas — Está tudo bem agora. Você agiu certo. O Ministro está muito satisfeito com você. Dirá à sua mãe que boa menina você foi. A mãe de Marieta, Ministro — acrescentou, erguendo os olhos para Fudge — É Madame Edgecombe, do Departamento de Transportes Mágicos, seção da Rede de Flu, tem nos ajudado a policiar as lareiras de Hogwarts, sabe.
— Muito bom, muito bom! — disse Fudge cordialmente — Tal mãe, tal filha, eh? Bom, vamos então, querida, erga a cabeça, não seja tímida, vamos ver o que você tem a... gárgulas galopantes!
Quando Marieta ergueu a cabeça, Fudge deu um salto para trás chocado, quase se estatelando na lareira. Em seguida praguejou e sapateou na bainha da capa que começara a fumegar.
Marieta deu um guincho e puxou o decote das vestes até os olhos, mas não antes de todos verem que seu rosto estava terrivelmente desfigurado por uma quantidade de pústulas roxas muito juntas que cobriam seu nariz e suas faces formando a palavra “DEDO-DURO”.
— Não se incomode com as marcas agora, querida — disse Umbridge impaciente — Tire as vestes de cima da boca e conte ao Ministro.
Mas Marieta soltou outro guincho abafado e sacudiu a cabeça freneticamente.
— Ah, muito bem, sua tolinha, eu contarei — disse Umbridge com rispidez.
Tornando a refazer o sorriso doentio no rosto, disse:
— Bom, Ministro, a Srta. Edgecombe aqui veio à minha sala pouco depois do jantar hoje à noite e me disse que queria me contar uma coisa. Contou que se eu fosse a uma sala secreta no sétimo andar, às vezes conhecida como Sala Precisa, eu descobriria algo que me interessaria. Fiz-lhe mais algumas perguntas, e ela admitiu que haveria uma reunião ali. Infelizmente, naquela altura, a azaração... — ela acenou impaciente para o rosto escondido de Marieta — Produziu efeito, e, ao ver seu rosto no meu espelho, a menina ficou aflita demais para me fornecer maiores detalhes.
— Bom, agora — disse Fudge, fixando Marieta com o que evidentemente imaginava que fosse um olhar paternal — É muita coragem sua, querida, ir contar à Profª. Umbridge. Você agiu certo. Agora, pode me dizer o que aconteceu na reunião? Qual era a finalidade? Quem mais estava presente?
Mas Marieta não quis falar, meramente tornou a sacudir a cabeça, os olhos muito abertos e receosos.
— Você não tem uma contra-azaração para isso? — perguntou Fudge a Umbridge, impaciente, indicando o rosto de Marieta — Para ela poder falar livremente?
— Ainda não consegui descobrir uma — admitiu Umbridge a contragosto, e Harry sentiu um assomo de orgulho pelas habilidades de Hermione em azaração — Mas não faz diferença se ela não quiser falar, eu posso continuar a história a partir deste ponto. O senhor deve se lembrar, Ministro, que lhe enviei um relatório em Outubro informando que Potter se encontrara com vários colegas no Cabeça de Javali, em Hogsmeade...
— E qual é a sua prova disso? — interrompeu-a a Profª. McGonagall.
— Tenho o testemunho de Willy Widdershins, Minerva, que por acaso estava no bar naquela ocasião. Usava muitas bandagens, é verdade, mas sua audição estava perfeita — disse Umbridge cheia de si — Ele ouviu cada palavra que Potter disse e veio direto à escola me relatar...
— Ah, então foi por isso que ele não foi processado por ter feito todos aqueles vasos sanitários regurgitarem! — exclamou a Profª. McGonagall, erguendo as sobrancelhas — Que visão interessante do nosso sistema judiciário!
— Corrupção descarada! — bradou o retrato de um corpulento bruxo de nariz vermelho na parede atrás da escrivaninha de Dumbledore — No meu tempo o Ministério não negociava com criminosos baratos, não senhor, não negociava!
— Obrigado, Fortescue, já chega — disse Dumbledore suavemente.
— A finalidade do encontro de Potter com esses estudantes — continuou a Umbridge — Era persuadi-los a formar uma sociedade ilegal, com o fito de aprender feitiços e maldições que o Ministério declarou inadequados para a idade escolar...
— Acho que você vai descobrir que está enganada, Dolores — disse Dumbledore calmamente, espiando por cima dos oclinhos de meia-lua encarrapitados no meio do nariz adunco.
Harry olhou para o diretor. Não entendia como é que Dumbledore ia livrá-lo dessa, se Willy Widdershins tivesse de fato ouvido tudo que ele dissera no Cabeça de Javali, simplesmente não haveria escapatória.
— Oho! — exclamou Fudge, recomeçando a se balançar sobre os pés — Sim, vamos ouvir a última lorota inventada para tirar Potter de uma confusão! Vamos, então, Dumbledore, vamos... Willy Widdershins estava mentindo, é isso? Ou era o gêmeo idêntico de Potter que estava no Cabeça de Javali naquele dia? Ou a explicação costumeira que envolve a reversão do tempo, um morto que retorna à vida e uns Dementadores invisíveis?
Percy Weasley deixou escapar uma gostosa gargalhada.
— Ah, essa é muito boa, ministro, muito boa!
Harry poderia ter dado um chute nele. Então viu, para seu espanto, que Dumbledore também sorria gentilmente.
— Cornélio, eu não nego, e tenho certeza de que Harry também não, que ele estivesse no Cabeça de Javali naquele dia, nem que estivesse procurando recrutar estudantes para um grupo de Defesa Contra as Artes das Trevas. Estou apenas dizendo que Dolores está muito enganada de que tal grupo fosse, à época, ilegal. Se você se lembra, o Decreto Educacional que proibiu todas as associações de estudantes só entrou em vigor dois dias depois da reunião de Harry em Hogsmeade, portanto ele não estava infringindo regulamento algum no Cabeça de Javali.
Percy parecia ter sido atingido no rosto por alguma coisa muito pesada.
Fudge se imobilizou no meio do seu balanço, boquiaberto.
Umbridge se recuperou primeiro.
— Tudo isso está muito bem, diretor — disse sorrindo meigamente — Mas agora já faz seis meses que o Decreto Número Vinte e Quatro entrou em vigor. Se o primeiro encontro não foi ilegal, todos os que ocorreram depois certamente o são.
— Bom — replicou Dumbledore, estudando-a com educado interesse por cima dos dedos entrelaçados — Eles certamente seriam, se tivessem continuado depois que o decreto entrou em vigor. Você tem alguma prova de que os encontros continuaram?
Enquanto Dumbledore falava, Harry ouviu um rumorejo atrás, e achou que Kingsley cochichara alguma coisa. Podia jurar, também, que sentira alguma coisa roçar o lado do seu corpo, alguma coisa suave como um sopro ou as asas de um pássaro, mas olhando para baixo não viu nada.
— Prova? — repetiu Umbridge, abrindo aquele sorriso bufonídeo — Você não esteve prestando atenção, Dumbledore? Por que acha que a Srta. Edgecombe está aqui?
— Ah, e ela pode nos falar dos seis meses de encontros? — perguntou Dumbledore, erguendo as sobrancelhas — Tive a impressão de que ela estava meramente relatando uma reunião hoje à noite.
— Srta. Edgecombe — disse imediatamente — Conte-nos há quanto tempo essas reuniões vêm acontecendo, querida. Você pode simplesmente acenar ou balançar a cabeça, tenho certeza de que isso não vai piorar as manchas. Elas têm se realizado regularmente nos últimos seis meses?
Harry sentiu seu estômago despencar. Era o fim, tinham chegado a uma muralha de provas inegáveis que nem mesmo Dumbledore seria capaz de remover.
— Só precisa acenar ou balançar a cabeça, querida — disse Umbridge, tentando persuadir Marieta — Vamos, agora, isso não vai reativar a azaração.
Todos na sala olharam para o topo da cabeça da garota. Apenas seus olhos estavam visíveis entre as vestes repuxadas e a franja crespa. Talvez fosse um efeito das chamas, mas seus olhos pareciam estranhamente vidrados. Então, para absoluto assombro de Harry, Marieta balançou negativamente a cabeça.
Umbridge olhou depressa para Fudge, e de novo para Marieta.
— Acho que você não entendeu a pergunta, entendeu, querida? Estou perguntando se você tem ido a essas reuniões nos últimos seis meses? Você tem, não tem?
Mais uma vez, Marieta balançou a cabeça.
— Que é que você quer dizer balançando a cabeça, querida? — perguntou Umbridge impaciente.
— Eu diria que o significado do gesto da menina foi muito claro — disse a Profª. McGonagall com aspereza — Não houve reuniões secretas nos últimos seis meses. Estou certa, Srta. Edgecombe?
Marieta acenou a cabeça afirmativamente.
— Mas houve uma reunião hoje à noite! — exclamou Umbridge furiosa — Houve uma reunião, Srta. Edgecombe, a senhorita me falou nela, na Sala Precisa! E Potter era o líder, não era, Potter a organizou, Potter... por que você está balançando a cabeça, menina?
— Bom, normalmente quando uma pessoa balança a cabeça — disse McGonagall friamente — Ela quer dizer “não”. Então, a não ser que a Srta. Edgecombe esteja usando uma linguagem de sinais ainda desconhecida dos seres humanos...
A Profª. Umbridge agarrou Marieta, virou-a de frente e começou a sacudi-la violentamente. Uma fração de segundo depois, Dumbledore estava em pé, a varinha erguida, Kingsley se adiantou e Umbridge se afastou de Marieta, sacudindo a mão no ar como se tivesse se queimado.
— Não posso permitir que você brutalize os meus estudantes, Dolores — disse Dumbledore e, pela primeira vez, pareceu aborrecido.
— Queira se acalmar, Madame Umbridge — disse Kingsley com sua voz profunda e lenta — A senhora não quer se envolver em confusões.
— Não — disse Umbridge ofegante, erguendo os olhos para a figura imponente de Kingsley — Quero dizer, sim, você tem razão, Shacklebolt... eu... eu... perdi a cabeça.
Marieta estava parada exatamente onde Umbridge a largara. Não parecia nem perturbada pelo inesperado ataque da professora nem aliviada por ter sido solta, continuava a segurar as vestes na altura dos olhos vidrados e fixos em algum ponto à sua frente.
Uma repentina suspeita, ligada ao cochicho de Kingsley e à coisa que sentira passar por ele, nasceu na mente de Harry.
— Dolores — disse Fudge, com ar de quem tentava determinar algo de uma vez por todas — A reunião de hoje à noite... a que sabemos que decididamente se realizou...
— Sim — disse Umbridge, recuperando-se — Sim... bom, a Srta. Edgecombe me informou e eu imediatamente me dirigi ao sétimo andar, acompanhada por certos estudantes dignos de confiança, para apanhar em flagrante os participantes da reunião. Parece, no entanto, que eles foram avisados, porque quando chegamos ao sétimo andar corriam em todas as direções. Mas não faz diferença. Tenho todos os nomes aqui, a Srta. Parkinson entrou na Sala Precisa a meu pedido para ver se haviam esquecido alguma coisa ao sair. Precisávamos de provas e a sala nos forneceu.
E, para horror de Harry, ela puxou do bolso a lista de nomes que Hermione havia prendido na parede da Sala Precisa e entregou-o a Fudge.
— No instante em que vi o nome de Potter na lista, percebi o que tínhamos nas mãos.
— Excelente — disse Fudge, um sorriso se espalhando pelo rosto — Excelente, Dolores. E... pelo trovão...
Ele ergueu os olhos para Dumbledore, que continuava parado ao lado de Marieta, segurando a varinha frouxamente na mão.
— Está vendo o nome que escolheram para o grupo? — disse Fudge calmo — Armada de Dumbledore.
Dumbledore estendeu a mão e apanhou o pergaminho que Fudge segurava. Olhou para o cabeçalho escrito por Hermione meses antes, e por um momento pareceu incapaz de falar. Então, ergueu a cabeça e sorriu.
— Bom, o plano fracassou — disse com simplicidade — Quer que eu escreva uma confissão, Cornélio, ou basta uma declaração diante dessas testemunhas?
Harry viu McGonagall e Kingsley se entreolharem. Havia medo nos rostos de ambos. Ele não entendia o que estava acontecendo e, pelo visto, Fudge também não.
— Declaração? — perguntou o Ministro lentamente — Que... eu não...?
— A Armada de Dumbledore, Cornélio — disse Dumbledore, ainda sorrindo ao agitar a lista de nomes diante dos olhos de Fudge — Não é a Armada de Potter. É a Armada de Dumbledore.
— Mas... mas...
A compreensão iluminou subitamente o rosto de Fudge. Ele recuou um passo, horrorizado, soltou um ganido e pulou outra vez para longe da lareira.
— Você? — sussurrou, sapateando na capa em chamas.
— Isso mesmo — confirmou Dumbledore em tom agradável.
— Você organizou isso?
— Organizei.
— Você recrutou esses estudantes para... para uma armada?
— Hoje à noite seria a primeira reunião — disse Dumbledore, acenando com a cabeça — Somente para saber se eles estariam interessados em se unir a mim. Vejo agora que obviamente foi um erro convidar a Srta. Edgecombe.
Marieta confirmou com a cabeça.
Fudge olhou da garota para Dumbledore, seu peito inchando.
— Então você tem conspirado contra mim! — berrou.
— Isto mesmo — respondeu Dumbledore alegremente.
— NÃO! — gritou Harry.
Kingsley lançou um olhar de advertência a ele, McGonagall arregalou os olhos ameaçadoramente, mas Harry compreendera de repente o que Dumbledore ia fazer, e não podia deixar isso acontecer.
— Não... Prof. Dumbledore...!
— Fique quieto, Harry, ou receio que terá de sair da minha sala — disse Dumbledore calmamente.
— É, cale-se, Potter! — vociferou Fudge, que continuava a devorar Dumbledore com os olhos com uma espécie de prazer horrorizado — Ora, ora, ora... vim aqui esta noite esperando expulsar Potter e em vez disso...
— Em vez disso consegue me prender — concluiu Dumbledore sorridente — É como perder um nuque e encontrar um galeão, não é mesmo?
— Weasley! — chamou Fudge, agora positivamente tremendo de prazer — Weasley, você anotou tudo, tudo que ele disse, a confissão, está tudo aí?
— Sim, senhor, penso que sim! — respondeu Percy pressuroso, com o nariz sujo de tinta tal a velocidade com que fizera suas anotações.
— A parte em que diz que está tentando organizar uma armada contra o Ministério, que está trabalhando para me desestabilizar?
— Sim, senhor, anotei, sim, senhor — respondeu Percy verificando as anotações exultante.
— Muito bem, então — disse o Ministro, agora irradiando felicidade — Reproduza suas notas, Weasley, e mande uma cópia para o Profeta Diário imediatamente. Se despacharmos uma coruja veloz chegará em tempo para a edição matutina!
Percy saiu correndo da sala, batendo a porta ao passar, e Fudge voltou sua atenção para Dumbledore.
— Você será agora escoltado ao Ministério, onde será formalmente acusado, e escoltado a Azkaban para aguardar julgamento!
— Ah — disse Dumbledore educadamente — Sim. Sim, achei que chegaríamos a este pequeno transtorno.
— Transtorno?! — exclamou Fudge, a voz vibrando de felicidade — Não vejo nenhum transtorno, Dumbledore!
— Bom — replicou Dumbledore desculpando-se — Receio dizer que vejo.
— Ah, verdade?
— Bom... parece que você tem a ilusão de que irei... como é mesmo a expressão? Que irei sem fazer barulho. Receio dizer que não vou sem fazer barulho, Cornélio. Não tenho absolutamente a intenção de ser mandado para Azkaban. Eu poderia fugir, é claro, mas que perda de tempo, e francamente, posso pensar em inúmeras coisas que prefiro fazer.
O rosto de Umbridge corava sem parar, parecia que ela estava sendo enchida com água fervendo.
Fudge olhou para Dumbledore com uma expressão muito tola no rosto, como se estivesse aturdido por um golpe repentino e não conseguisse acreditar no que estava acontecendo. Teve um pequeno engasgo, depois olhou para Kingsley e o homem de cabelos curtos e grisalhos, o único na sala que permanecera totalmente em silêncio até então. Este deu a Fudge um aceno de confirmação e se adiantou uns passos, afastando-se da parede. Harry viu sua mão deslizar, quase displicentemente, em direção ao bolso.
— Não seja bobo, Dawlish — disse Dumbledore em tom bondoso — Estou certo de que você é um excelente auror, tenho a impressão de que obteve “Excepcional” em todos os seus N.I.E.M.s, mas se tentar... ah... me levar à força, terei de machucá-lo.
O homem chamado Dawlish piscou meio abobado. Tornou a olhar para Fudge, mas desta vez parecia esperar uma dica sobre o que fazer a seguir.
— Então — caçoou Fudge recuperando-se — Você pretende enfrentar Dawlish, Shacklebolt, Dolores e a mim, sozinho, é, Dumbledore?
— Pelas barbas de Merlim, não! — disse Dumbledore sorrindo — Não, a não ser que vocês sejam suficientemente insensatos de me obrigar a isso.
— Ele não estará sozinho! — exclamou a Profª. McGonagall em voz alta, metendo a mão nas vestes.
— Ah, estará sim, Minerva — tornou Dumbledore rápido — Hogwarts precisa de você!
— Chega de disparates! — disse Fudge, puxando a própria varinha — Dawlish! Shacklebolt! Prendam-no!
Um raio prateado lampejou pela sala, ouviu-se um estrondo como o de um tiro e o chão tremeu. Uma mão agarrou Harry pelo cangote e forçou-o a se deitar no chão quando o segundo raio disparou, vários retratos berraram, Fawkes guinchou e uma nuvem de fumaça encheu o ar. Tossindo por causa da poeira, Harry viu um vulto escuro desabar com estrépito no chão na frente dele, ouviu-se um grito agudo e um baque e alguém exclamando: “Não!”, seguiu-se o ruído de vidro quebrando, de pés se arrastando freneticamente, um gemido... e silêncio.
Harry tentou virar para os lados a ver quem o estrangulava, e viu a Profª. McGonagall encolhida ao seu lado, ela o livrara e a Marieta, afastando-os do perigo. A poeira ainda caía devagarinho do alto em cima deles. Ligeiramente ofegante, Harry viu uma figura alta vindo em sua direção.
— Vocês estão bem? — perguntou Dumbledore.
— Estamos! — respondeu a Profª. McGonagall, erguendo-se e arrastando com ela Harry e Marieta.
A poeira foi se dissipando.
A destruição no escritório tornou-se visível: a escrivaninha de Dumbledore fora virada, todas as mesinhas de pernas finas tinham tombado no chão, os instrumentos de prata estavam partidos. Fudge, Umbridge, Kingsley e Dawlish estavam imóveis, caídos no chão. Fawkes, a fênix, sobrevoava-os em círculos amplos, cantando baixinho.
— Infelizmente, tive de azarar Kingsley também ou teria parecido muito suspeito — disse o diretor em voz baixa — Ele entendeu extraordinariamente rápido, modificando a memória da Srta. Edgecombe quando os outros não estavam olhando, agradeça a ele por mim, por favor, Minerva. Agora, eles não tardarão a acordar e será melhor que não saibam que tivemos tempo de nos comunicar, vocês devem agir como se o tempo não tivesse passado, como se eles tivessem apenas sido derrubados, eles não se lembrarão...
— Aonde é que você vai, Dumbledore? — sussurrou McGonagall — Largo Grimmauld?
— Ah, não — respondeu com um sorriso triste — Não vou sair para me esconder. Fudge logo irá desejar nunca ter me tirado de Hogwarts, prometo.
— Prof. Dumbledore... — começou Harry.
Não sabia o que dizer primeiro: que sentia muito ter começado a AD e causado toda essa confusão, ou como se sentia mal que Dumbledore estivesse partindo para salvá-lo da expulsão? Mas o diretor interrompeu-o antes que pudesse continuar.
— Escute, Harry — disse com urgência — Você precisa estudar Oclumência o máximo que puder, está me entendendo? Faça tudo que o Prof. Snape mandar e pratique particularmente toda noite antes de dormir para poder fechar sua mente aos pesadelos: você vai entender a razão muito em breve, mas precisa me prometer...
O homem chamado Dawlish começou a se mexer.
Dumbledore agarrou o pulso de Harry.
— Lembre-se... feche sua mente...
Mas quando os dedos de Dumbledore se fecharam sobre sua pele, Harry sentiu novamente aquele terrível desejo ofídico de atacar o diretor, de mordê-lo, de feri-lo...
—... Você vai compreender — sussurrou Dumbledore.
Fawkes deu uma volta na sala e mergulhou em direção ao diretor.
Dumbledore soltou Harry, ergueu a mão e segurou a longa cauda dourada da fênix. Houve uma labareda e os dois desapareceram.
— Aonde é que ele foi? — bradou Fudge, levantando-se do chão — Aonde é que ele foi?
— Não sei! — berrou Kingsley, também se pondo de pé.
— Ora, ele não pode ter desaparatado! — exclamou Umbridge — Não se pode fazer isso aqui na escola...
— As escadas! — gritou Dawlish, e precipitou-se para a porta, escancarou-a e desapareceu, seguido de perto por Kingsley e Umbridge.
Fudge hesitou, então ficou em pé lentamente, espanando a poeira da frente das vestes. Houve um longo e penoso silêncio.
— Bom, Minerva — disse Fudge desagradavelmente, endireitando a manga rasgada — Receio dizer que este é o fim do seu amigo Dumbledore.
— Você acha mesmo? — desdenhou a professora.
Fudge pareceu não ouvi-la. Corria os olhos pela sala destruída. Alguns retratos o vaiaram, um ou dois até fizeram gestos obscenos com as mãos.
— É melhor você levar esses dois para a cama — disse Fudge, tornando a olhar para McGonagall com um aceno de dispensa em direção a Harry e Marieta.
A Profª. McGonagall não respondeu, mas se encaminhou com os garotos para a porta.
Quando ela se fechou, Harry ouviu a voz de Fineus Nigellus:
— Sabe, Ministro, discordo de Dumbledore em muita coisa... mas não se pode negar que ele tem classe...







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