— SINOPSE —
A SEGUNDA GUERRA CONTRA
VOLDEMORT se inicia e o Lorde das Trevas ganha mais poder a cada dia. Entre a
luta do bem contra o mal e aulas ainda mais difíceis, Harry Potter está
apreensivo com a perspectiva de ter aulas particulares com o Prof. Dumbledore,
o que será ele pretende lhe ensinar? E ao mesmo tempo que suspeita que um aluno
de Hogwarts se tornou um Comensal da Morte, Harry encontrará lugar para um novo
amor.
— CAPÍTULO UM —
O Outro Ministro
ERA QUASE MEIA-NOITE e o
Primeiro-Ministro estava sentado sozinho em seu gabinete, lendo um longo
memorando que resvalava pelo seu cérebro sem deixar o menor registro. Aguardava
um telefonema do presidente de um país longínquo e, entre a preocupação se o
infeliz iria telefonar e a tentativa de reprimir lembranças do que fora uma
semana difícil, longa e cansativa, não sobrava muito espaço em sua mente.
Quanto
mais tentava focalizar as palavras na página diante dele, tanto mais claramente
via o rosto triunfante de um dos seus adversários políticos. O homem aparecera
no telejornal daquele dia não somente para enumerar os terríveis acontecimentos
da semana anterior (como se alguém precisasse de lembretes) como também para
explicar que a culpa de cada um deles e de todos, sem exceção, cabia ao
governo.
O
pulso do Primeiro-Ministro acelerou só de pensar nessas acusações, porque não
eram justas nem verdadeiras. Como é que o seu governo poderia ter impedido
aquela ponte de ruir? Era um absurdo insinuarem que não estava gastando o
suficiente na conservação de pontes. Essa tinha menos de dez anos, e os maiores
especialistas não sabiam explicar por que rachara exatamente ao meio,
projetando dezenas de carros nas profundezas do rio. E como ousavam sugerir que
aqueles dois homicídios bárbaros divulgados com estardalhaço eram conseqüência
da falta de policiamento? Ou que o governo deveria ter previsto o furacão
inesperado que ocorrera no oeste do país e causara tantos prejuízos a pessoas e
propriedades? E seria culpa sua que um dos ministros de segundo escalão,
Herberto Chorley, tivesse escolhido logo esta semana para agir tão bizarramente
que agora iria passar um bom tempo em casa?
“Uma
sensação de perigo se apoderou do país”, concluíra seu adversário, ocultando a
custo um largo sorriso.
E,
infelizmente, era a pura verdade. O próprio Ministro sentia isso, o povo
realmente parecia mais infeliz do que de costume. Até o tempo estava lúgubre,
toda essa névoa gélida em pleno verão... não era certo, não era normal...
Ele
virou a segunda página do memorando, verificou o quanto ainda faltava e achou
que seria inútil se esforçar. Espreguiçando-se, contemplou pesaroso o seu
gabinete. Era uma bela sala, com uma elegante lareira de mármore defronte às
janelas de guilhotina, muito bem fechadas para evitar o frio atípico da
estação. Com um leve arrepio, o Primeiro-Ministro se levantou, foi até a janela
e contemplou a névoa fina que colava nos vidros. Foi então, quando estava de costas
para a sala, que ouviu um leve pigarro.
Ele
congelou, encarando o próprio rosto apavorado refletido na vidraça escura.
Conhecia aquele pigarro. Já o ouvira antes. Virou-se, muito lentamente, e
confrontou a sala vazia.
—
Alôô! — disse, tentando aparentar mais coragem do que sentia.
Por
um breve momento permitiu-se a esperança impossível de que ninguém lhe
respondesse. Mas ouviu imediatamente uma voz seca e decidida que parecia estar
lendo um texto pronto. Vinha, e o Primeiro-Ministro soube assim que ouviu o
primeiro pigarro, do homenzinho bufonídeo de longa peruca prateada, retratado
em um pequeno quadro a óleo encardido do outro lado da sala.
—
Para o Primeiro-Ministro dos trouxas. É urgente que nos encontremos. Favor
responder imediatamente. Atenciosamente, Fudge.
O
homem no quadro lançou um olhar de indagação ao Primeiro-Ministro.
— Ehh
— começou o Primeiro-Ministro — Ouça... não é um bom momento... estou esperando
um telefonema, sabe... do presidente do...
—
Isto pode ser remarcado — respondeu logo o quadro.
O
Primeiro-Ministro desanimou. Era o que receava.
— Mas
eu realmente tinha esperanças de falar...
—
Faremos com que o presidente esqueça o telefonema. Ele não ligará hoje, ligará
amanhã à noite — disse o homenzinho — Tenha a bondade de responder imediatamente
ao Sr. Fudge.
—
Eu... ah... está bem — disse o Primeiro-Ministro vencido — Receberei Fudge.
Voltou,
então, depressa à sua escrivaninha, endireitando a gravata. Mal se sentara e se
recompusera para aparentar uma expressão descontraída e impassível, ou assim
esperava, um clarão de chamas muito verdes apareceu na abertura sob o console
da lareira de mármore. Ele observou, tentando não demonstrar surpresa nem
preocupação, um homem corpulento emergir das chamas, rodopiando rápido como um
pião. Segundos depois, ele engatinhava da lareira para um bonito tapete antigo,
sacudindo as cinzas das mangas de sua longa capa listrada, segurando um
chapéu-coco verde-limão.
—
Ah... Primeiro-Ministro — disse Cornélio Fudge, adiantando-se em largos passos,
com a mão estendida — Que bom revê-lo!
O
Primeiro-Ministro não poderia retribuir o cumprimento com sinceridade, então
nada respondeu. Não sentia o mais remoto prazer de ver Fudge, cujas raras
aparições, além de serem em si decididamente alarmantes, em geral significavam
que ele estava prestes a ouvir notícias muito ruins. Além do mais, Fudge
parecia inegavelmente aflito. Estava mais magro, mais calvo, mais grisalho, e
seu rosto parecia amarrotado. O Primeiro-Ministro já vira políticos com essa
aparência antes, e nunca tinha sido um bom augúrio.
— Em
que posso servi-lo? — perguntou, apertando brevemente a mão de Fudge e
indicando a cadeira mais dura diante da escrivaninha.
— É
difícil saber por onde começar — murmurou Fudge, puxando a cadeira, sentando-se
e apoiando o chapéu sobre os joelhos — Que semana, que semana...
—
Também teve uma semana ruim? — perguntou o Primeiro-Ministro secamente,
esperando, assim, deixar implícito que já tinha um prato cheio nas mãos sem
precisar de mais colheradas de Fudge.
— É
claro que tive — respondeu o bruxo, esfregando os olhos num gesto cansado e
olhando mal-humorado para o Primeiro-Ministro — Tive a mesma semana que o
senhor, Primeiro-Ministro. A ponte de Brockdale... os assassinatos de Bonés e
Vance... sem falar nas confusões no oeste...
— O
senhor... ehh... sua... o senhor está querendo me dizer que gente do seu mundo
esteve... esteve envolvida... nesses acontecimentos, é isso?
Fudge
fixou no Primeiro-Ministro um olhar severo.
—
Claro que esteve. Certamente o senhor percebeu o que está acontecendo, não?
—
Eu... — hesitou o Primeiro-Ministro.
Era
exatamente esse tipo de atitude que o fazia detestar as visitas de Fudge.
Afinal
de contas, era o Primeiro-Ministro e não gostava que ninguém o fizesse
sentir-se como um escolar ignorante. Mas sempre fora assim desde o primeiro
encontro com Fudge, em sua primeiríssima noite como Primeiro-Ministro.
Lembrava
como se fosse ontem, e sabia que isto o atormentaria até morrer. Encontrava-se
sozinho neste mesmo gabinete, saboreando o seu triunfo depois de tantos anos de
sonho e armações, quando ouvira um pigarro às suas costas, exatamente como hoje
à noite, e, ao se virar, dera de cara com aquele feio quadrinho que se dirigia
a ele, anunciando que o Ministro da Magia estava a caminho para vir se apresentar.
Naturalmente,
pensara que a longa campanha e a tensão da eleição o tivessem enlouquecido.
Ficara absolutamente aterrorizado ao ver um quadro falando com ele, embora isso
não fosse nada comparado ao que sentira quando um homem que anunciou ser bruxo
projetou-se da lareira e lhe apertou a mão. Permaneceu mudo enquanto Fudge
cortesmente explicava que ainda havia bruxos e bruxas vivendo em segredo no
mundo inteiro, e reafirmava que ele não precisava se preocupar, pois o Ministro
da Magia responsabilizava-se por toda a comunidade bruxa e impedia que a
população não-bruxa soubesse de sua existência.
Era,
dissera Fudge, Uma tarefa difícil que abrangia tudo, desde leis sobre o uso
responsável de vassouras à manutenção da população de dragões sob controle (o
Primeiro-Ministro se lembrava de ter procurado se agarrar na escrivaninha ao
ouvir isso). Fudge, então, paternalmente, dera uns tapinhas no ombro do atônito
Primeiro-Ministro.
— Não
se preocupe — dissera — Provavelmente o senhor não tornará a me ver. Só o incomodarei
se houver alguma coisa realmente grave ocorrendo do nosso lado, alguma coisa
que possa afetar os trouxas... a população não-bruxa, melhor dizendo. Não
ocorrendo nada, é viver e deixar viver. E devo dizer, o senhor está aceitando a
notícia bem melhor do que o seu antecessor. Aquele tentou me atirar pela
janela, achou que eu era uma peça pregada pela oposição.
Ao
ouvir isso, o Primeiro-Ministro recuperou finalmente a voz.
—
Então, o senhor não é uma peça?
Fora
a sua última e desesperada esperança.
— Não
— respondeu Fudge gentilmente — Receio que não. Olhe.
E
transformou a xícara de chá do Primeiro-Ministro em um gerbo[1].
[1] Uma espécie de ratinho, parente do hamster.
— Mas
— ofegou o Primeiro-Ministro, ao ver a xícara começar a roer o canto do seu
próximo discurso — Mas por que... por que ninguém me disse nada...?
— O
Ministro da Magia só aparece para o Primeiro-Ministro dos trouxas em exercício
— respondeu Fudge, repondo a varinha no bolso interno do paletó — Achamos que é
melhor assim, para resguardar o sigilo.
—
Mas, então — baliu o Primeiro-Ministro — Por que o Primeiro-Ministro anterior
não me avisou?
Ao
ouvir isso, Fudge deu uma gargalhada.
— Meu
caro Primeiro-Ministro, será que o senhor algum dia contará a alguém?
Ainda
rindo, Fudge lançara um pó na lareira, entrara nas chamas verde-esmeralda e
desaparecera com um barulhinho surdo.
O
Primeiro-Ministro ficara ali parado, imóvel, e percebeu que jamais enquanto
vivesse se atreveria a mencionar tal encontro a alguém, porque, afinal, quem
iria acreditar?
Ele
levara algum tempo para se recuperar do choque. A princípio, tentara se
convencer de que Fudge fora de fato uma alucinação provocada pelas noites em
claro durante a exaustiva campanha eleitoral. Na inútil tentativa de ser livrar
de todos os vestígios desse desagradável encontro, ele dera o gerbo a uma
sobrinha, que adorou o presente, e instruiu o seu secretário particular para
retirar o quadro do feio homenzinho que anunciara a chegada de Fudge. Para sua
grande aflição, no entanto, o quadro se mostrou impossível de remover. Depois
que vários marceneiros, uns dois construtores, um historiador de arte e o
Ministro da Fazenda tentaram inutilmente arrancá-lo da parede, o
Primeiro-Ministro desistira e simplesmente se conformara em torcer para que o
quadro permanecesse imóvel e silencioso pelo resto do seu mandato.
Ocasionalmente,
ele poderia jurar que vislumbrava pelo canto do olho o ocupante do quadro
bocejar ou, então, coçar o nariz; e, uma ou duas vezes, saíra da moldura sem
nada deixar além de um pedaço de tela encardida. No entanto, ele havia se condicionado
a não olhar muito para o quadro e sempre repetir para si mesmo, com firmeza,
que os seus olhos o iludiam quando via uma coisa dessas.
Então,
havia três anos, em uma noite muito semelhante a de hoje, o Primeiro-Ministro
estava sozinho em seu gabinete quando o quadro mais uma vez anunciara a chegada
iminente de Fudge, que irrompera da lareira com as roupas encharcadas e tomado
de intenso pânico. Antes que o Primeiro-Ministro pudesse perguntar por que
estava pingando água em cima do tapete, Fudge começara um discurso sobre uma
prisão de que o Primeiro-Ministro jamais ouvira falar, um tal “Sério” Black,
alguma coisa cuja pronúncia lembrava Hog-warts e um menino chamado Harry
Potter, coisas que para ele não faziam o menor sentido.
—...
Acabei de chegar de Azkaban — ofegara Fudge, deixando cair da aba do
chapéu-coco para o bolso uma quantidade de água — Meio do mar do Norte, sabe,
um vôo horrível... os dementadores estão furiosos — e estremeceu — Nunca
tiveram uma fuga antes. Seja como for, eu precisava vir procurá-lo,
Primeiro-Ministro. Black é um conhecido assassino de trouxas e pode estar
planejando se reunir a Você-Sabe-Quem... mas, naturalmente, o senhor nem sabe
quem é Você-Sabe-Quem!
Por
um momento Fudge olhou desamparado para o Primeiro-Ministro, depois
acrescentou:
—
Bem, sente-se, sente-se, é melhor eu lhe explicar... tome um uísque...
O
Primeiro-Ministro não gostou nem um pouco que o mandassem sentar em seu próprio
gabinete, e menos ainda que lhe oferecessem o seu próprio uísque, mesmo assim
sentou-se.
Fudge
puxara a varinha, conjurara dois enormes copos cheios de um líquido âmbar,
empurrara um deles na mão do Primeiro-Ministro e puxara uma cadeira. Fudge
falara mais de uma hora. Num determinado momento, recusara-se a pronunciar um
certo nome em voz alta e, em vez disso, escrevera-o em um pedaço de pergaminho,
que enfiara na mão livre do Primeiro-Ministro. Quando finalmente Fudge fez
menção de se retirar, o Primeiro-Ministro também se levantou.
—
Então o senhor acha que... — e apertara os olhos para ler o nome que segurava
na mão esquerda — O tal Lord Vol...
—
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! — rosnou Fudge.
—
Desculpe... então o senhor acha que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado continua
vivo?
—
Bem, Dumbledore diz que sim — respondeu ele, abotoando o colarinho de sua capa
listrada — Mas nunca o encontramos. Se quer saber, ele não é perigoso a não ser
que consiga apoio, por isso é que devemos nos preocupar com Black. Então, o
senhor divulgará aquele aviso? Excelente. Bem, espero que não tornemos a nos
ver, Primeiro-Ministro! Boa noite!
Mas
eles tornaram a se ver.
Menos
de um ano depois, um Fudge atormentado se materializara na sala do gabinete
ministerial para informar ao Primeiro-Ministro que tinha havido um probleminha
na Copa do Mundo de Catrebol (ou pelo menos fora isso que entendera), em que
vários trouxas tinham sido “envolvidos”, mas que o Primeiro-Ministro não se
preocupasse, o fato da marca de Você-Sabe-Quem fora mais uma vez avistada nada
significava. Fudge estava seguro de que era um incidente isolado, e a Seção de
Ligação com os Trouxas já estava fazendo as alterações de memória necessárias
naquele mesmo instante.
— Ah,
e ia quase me esquecendo — acrescentou Fudge — Estamos importando três dragões
estrangeiros e uma esfinge para o Torneio Tribruxo, uma operação rotineira, mas
o Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas diz que,
segundo as normas, temos de informá-los quando trazemos animais perigosos do
exterior.
—
Eu... que... dragões? — gaguejou o Primeiro-Ministro.
— É,
três — disse Fudge — E uma esfinge. Bem, um bom dia para o senhor.
O
Primeiro-Ministro tivera a inútil esperança de que os dragões e a esfinge
fossem o pior, mas não. Menos de dois anos depois, Fudge irrompera pela
lareira, dessa vez, com a notícia de que houvera uma fuga em massa de Azkaban.
— Uma
fuga em massa? — repetira o Primeiro-Ministro roucamente.
— Não
precisa se preocupar, não precisa se preocupar! — bradara Fudge, já com um pé
nas chamas — Vamos recapturá-los sem perda de tempo... só achei que o senhor
devia saber!
E,
antes que o Primeiro-Ministro tivesse tempo de gritar: “Espere um instante!”,
Fudge se fora em uma chuva de fagulhas verdes.
Seja
o que for que a imprensa e a oposição pudessem dizer, o Primeiro-Ministro não
era tolo. Não escapara à sua atenção que, apesar das palavras tranquilizadoras
de Fudge no primeiro encontro, ultimamente andavam se vendo bastante, e a cada
visita Fudge parecia mais atrapalhado. Por menos que gostasse de pensar no
Ministro da Magia (ou como sempre o chamava mentalmente, o Outro Ministro), o
Primeiro-Ministro não podia deixar de temer que a próxima vez que ele
aparecesse as notícias seriam bem mais preocupantes.
A
visão de Fudge emergindo novamente da lareira, desalinhado, apreensivo e muito
surpreso que o Primeiro-Ministro não soubesse exatamente por que viera, era o
pior acontecimento de uma semana extremamente frustrante.
—
Como iria saber o que está acontecendo na comunidade... eh... bruxa? —
retorquiu o Primeiro-Ministro — Tenho um país para governar e preocupações
suficientes neste momento sem...
—
Temos as mesmas preocupações — interrompeu-o Fudge — A ponte de Brockdale não
ruiu por desgaste natural. Aquilo não foi realmente um furacão. Os homicídios
não foram obra de trouxas. E a família de Herberto Chorley estaria mais segura
sem ele. Neste momento, estamos providenciando sua remoção para o Hospital St.
Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Será removido hoje à noite.
— Que
é que o senhor... receio... quê? — engrolou o Primeiro-Ministro.
Fudge
inspirou profundamente e disse:
—
Primeiro-Ministro, sinto muito ter de lhe informar que ele voltou.
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou.
—
Voltou? Quando o senhor diz “voltou”... significa que está vivo? Quero dizer...
O
Primeiro-Ministro vasculhou a memória procurando detalhes da terrível conversa
que tinham tido três anos antes, quando Fudge lhe falara do bruxo a quem todos
mais temiam, o bruxo que cometera centenas de crimes pavorosos antes de
desaparecer misteriosamente há quinze anos.
—
Exatamente, vivo. Isto é... não sei... será que está vivo um homem que não pode
ser morto? Não compreendo muito bem, e Dumbledore não quer me explicar
direito... mas, enfim, sem dúvida ele tem um corpo e está andando e falando e
matando, então suponho, para os efeitos desta conversa, que, sim, está vivo.
O
Primeiro-Ministro não sabia o que dizer, mas o hábito arraigado de querer
parecer bem informado qualquer que fosse o assunto que alguém abordasse o fez
rebuscar na memória detalhes das conversas que tinham tido anteriormente.
— O
Sério Black está com... eh... Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado?
—
Black? Black? — repetiu Fudge, desatento, girando velozmente o chapéu-coco nos
dedos — O senhor quer dizer o Sirius Black? Pelas barbas de Merlim, não. Black
morreu. Afinal, estávamos... eh... enganados a respeito de Black. Era inocente.
E tampouco estava mancomunado com Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Quero dizer
— acrescentou, em sua defesa, girando o chapéu ainda mais rápido — Todas as
pistas apontavam para ele, tínhamos mais de cinqüenta testemunhas oculares,
mas, de qualquer forma, como disse, ele morreu. Aliás, foi assassinado. Dentro
do Ministério da Magia. Mandei instaurar um inquérito...
Para
sua grande surpresa, ao ouvir isto, o Primeiro-Ministro sentiu momentânea
compaixão por Fudge. Mas o sentimento foi logo ofuscado por um lampejo de
presunção ao lembrar que, por maior que fosse sua incapacidade de se
materializar em lareiras, nunca tinha havido nenhum homicídio em nenhum dos
departamentos do governo sob sua responsabilidade... pelo menos até agora...
Enquanto
o Primeiro-Ministro disfarçadamente batia três vezes na madeira de sua
escrivaninha, Fudge continuou:
— Mas
Black agora é passado. A questão é que estamos em guerra, Primeiro-Ministro, e
é preciso tomar algumas medidas.
— Em
guerra? — repetiu o Primeiro-Ministro, nervoso — Sem dúvida, o senhor está
exagerando um pouco, não?
—
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado agora recebeu reforços dos seus seguidores que
fugiram de Azkaban em Janeiro — informou Fudge, falando cada vez mais rápido e
girando o chapéu com tal fúria que em seu lugar só se via um borrão verde-limão
— Desde que saíram da clandestinidade, eles estão provocando o caos. A ponte de
Brockdale: foi ele, Primeiro-Ministro, ameaçou fazer um massacre de trouxas se
eu não lhe entregasse o meu cargo e...
—
Céus, então a morte daquelas pessoas é culpa sua, e sou eu que estou tendo de
responder por treliças enferrujadas e juntas de expansão corroídas, e sabe-se
lá o que mais! — exclamou o Primeiro-Ministro, furioso.
—
Minha culpa! — exclamou Fudge corando — O senhor está me dizendo que teria
cedido a uma chantagem dessas?
—
Talvez não — respondeu o Primeiro-Ministro, levantando-se e caminhando pela
sala —Mas eu teria envidado todos os esforços para prender o chantagista antes
que ele cometesse uma atrocidade igual!
— O
senhor realmente acha que eu não me esforcei? — perguntou Fudge encolerizado —
Todos os aurores do Ministério estavam, e estão, tentando encontrar
Você-Sabe-Quem e capturar seus seguidores, mas acontece que estamos falando de
um dos bruxos mais poderosos de todos os tempos, um bruxo que nos escapa há
quase trinta anos!
—
Então suponho que o senhor vá me dizer que ele também provocou o furacão no
oeste do país? — perguntou o Primeiro-Ministro, sentindo sua irritação crescer
a cada passo que dava.
Enfurecia-o
descobrir a razão de todos esses terríveis acidentes e não poder revelar nada
publicamente, isto era quase pior do que levar a culpa de tudo.
—Aquilo
não foi um furacão — confirmou Fudge, infeliz.
—
Faça-me o favor! — vociferou o Primeiro-Ministro, agora decididamente pisando
forte pela sala — Árvores arrancadas, telhados destruídos, postes vergados,
ferimentos pavorosos...
—
Foram os Comensais da Morte — disse Fudge — Os seguidores
d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. E suspeitamos da participação dos gigantes.
O
Primeiro-Ministro estacou como se tivesse batido em um muro invisível.
—
Participação do quê?
Fudge
fez uma careta.
— Ele
usou os gigantes da última vez, queria causar uma grande impressão. A Seção de
Contrainformação tem trabalhado vinte e quatro horas por dia, equipes de
obliviadores estão em campo tentando alterar a memória de todos os trouxas que
viram o que realmente aconteceu, a maior parte do Departamento para
Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas está percorrendo Somerset, mas
não conseguimos encontrar gigantes, tem sido um fracasso.
— Não
me diga! — exclamou o Primeiro-Ministro furioso.
— Não
negarei que o moral está muito baixo no Ministério. Com tudo isso acontecendo,
e ainda por cima perdemos Amélia Bonés.
—
Perderam quem?
—
Amélia Bonés. A Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia. Achamos
que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado pode ter sido o assassino, porque era uma
bruxa muito talentosa e... e tudo indica que resistiu o máximo.
Fudge
pigarreou e, aparentemente com esforço, parou de girar o chapéu-coco.
— Mas
este homicídio saiu nos jornais — disse o Primeiro-Ministro, momentaneamente
distraído de sua raiva — Nossos jornais. Amélia Bonés... disseram apenas que
era uma mulher de meia-idade que morava sozinha. Foi um... um homicídio
bárbaro, não? Muito divulgado. A polícia está tonta, sabe.
Fudge
suspirou.
—
Claro que está. Ela foi encontrada morta em um aposento trancado por dentro,
não foi? Mas nós sabemos exatamente quem foi, não que isso adiante muito para
sua captura. E teve também o da Emelina Vance, talvez o senhor não tenha ouvido
falar deste...
—
Ouvi, sim! — respondeu o Primeiro-Ministro — Aliás, aconteceu aqui perto. Os
jornais deitaram e rolaram: Nem no quintal do Primeiro-Ministro vigoram a lei e
a ordem...
— E,
como se tudo isso não bastasse — continuou Fudge, mal ouvindo o que dizia o
Primeiro-Ministro — Os dementadores estão por toda parte, atacando as pessoas a
torto e a direito...
Em um
passado mais feliz, a frase teria sido ininteligível ao Primeiro-Ministro, mas,
agora, estava mais bem informado.
—
Pensei que os dementadores guardassem prisioneiros em Azkaban — arriscou
cauteloso.
—
Guardavam — confirmou Fudge, cansado — Não mais. Desertaram e se juntaram a
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Não vou fingir que não foi um sério revés.
— Mas
— contrapôs o Primeiro-Ministro, com uma crescente sensação de horror — O
senhor não me contou que eles são criaturas que roubam a esperança e a
felicidade das pessoas?
—
Certo. E estão se reproduzindo. E isto que está provocando a névoa.
O
Primeiro-Ministro, sentindo os joelhos amolecerem, largou-se na cadeira mais
próxima. A ideia de criaturas invisíveis voando pelas cidades e os campos,
espalhando o desespero e a desolação entre seus eleitores, fez com que se
sentisse muito fraco.
—
Escute aqui, Fudge: você tem de tomar uma providência! É sua responsabilidade
como Ministro da Magia!
— Meu
caro Primeiro-Ministro, o senhor não pode realmente pensar que ainda sou
Ministro da Magia depois de tudo que aconteceu! Fui exonerado há três dias.
Toda a comunidade bruxa vinha exigindo a minha renúncia nas últimas duas
semanas. Nunca a vi tão unida durante todo o meu mandato! — disse Fudge,
fazendo uma corajosa tentativa de sorrir.
O
Primeiro-Ministro ficou mudo por uns instantes. Apesar de sua revolta pela
posição em que fora colocado, ainda simpatizava com o homem envelhecido que
estava à sua frente.
—
Lamento muito — disse por fim — Tem alguma coisa que eu possa fazer?
— É
muita gentileza sua, Primeiro-Ministro, mas não há. Fui mandado aqui hoje à
noite para colocá-lo a par dos acontecimentos recentes e lhe apresentar o meu
sucessor. Pensei até que já estivesse aqui, mas naturalmente anda muito ocupado
no momento com tantos problemas.
Fudge
se virou para o retrato do homenzinho feio, com sua longa peruca de cachos
prateados, e naquele momento cutucando o ouvido com a ponta de uma pena.
Ao
encontrar o olhar de Fudge, o quadro falou:
— Ele
não tardará a chegar, está só terminando uma carta para Dumbledore.
—
Desejo-lhe boa sorte — disse Fudge, pela primeira vez em tom amargurado — Tenho
escrito a Dumbledore duas vezes por dia nos últimos quinze dias, mas ele não
quer se mexer. Se ao menos quisesse persuadir o garoto, eu talvez ainda
fosse... bem, talvez Scrimgeour tenha mais sucesso.
Fudge
deixou-se cair em um silêncio visivelmente ofendido, que foi quebrado quase em
seguida pela voz seca e formal do retrato.
— Ao
Primeiro-Ministro dos trouxas. Solicito uma entrevista. Urgente. Favor
responder imediatamente. Rufo Scrimgeour, Ministro da Magia.
—
Sim, sim, ótimo — respondeu o Primeiro-Ministro, desatento, e, mal piscou, as
chamas na lareira tornaram a se esverdear e cresceram, revelando um segundo
bruxo aos rodopios e projetando-o instantes depois no tapete antigo.
Fudge
se ergueu e, após breve hesitação, o Primeiro-Ministro acompanhou-o, observando
o recém-chegado se endireitar, sacudir a poeira de suas longas vestes negras e
olhar ao redor.
O
primeiro pensamento do Primeiro-Ministro, uma tolice, foi que Rufo Scrimgeour
parecia um leão velho. Havia fios grisalhos em sua juba alourada e nas
sobrancelhas espessas, tinha olhos amarelados e argutos por trás de óculos de
arame e uma certa graça em sua magreza, embora mancasse um pouco ao andar.
Transmitiu uma imediata impressão de sagacidade e firmeza, o Primeiro-Ministro
julgou compreender por que a comunidade bruxa preferia a liderança de
Scrimgeour nestes tempos perigosos.
—
Como está? — cumprimentou o Primeiro-Ministro, educadamente, estendendo a mão.
Scrimgeour
apertou-a brevemente, os olhos esquadrinhando o aposento, e em seguida puxou a
varinha de dentro das vestes.
—
Fudge contou-lhe tudo? — perguntou, indo até a porta e tocando-a com a varinha.
O
Primeiro-Ministro ouviu a fechadura trancar.
—
Eh... sim — respondeu o Primeiro-Ministro — Mas, se o senhor não se importar,
eu preferia que a porta continuasse destrancada.
— E
eu preferia não ser interrompido — retorquiu secamente Scrimgeour — Nem
observado — acrescentou, apontando a varinha para as janelas e fechando as
cortinas — Muito bem. Sou um homem ocupado, então vamos direto ao nosso
assunto. Em primeiro lugar, precisamos discutir a sua segurança.
O
Primeiro-Ministro empertigou-se todo e respondeu:
—
Estou perfeitamente satisfeito com a segurança que tenho, muito obr...
— Mas
nós não estamos — interrompeu-o Scrimgeour — Será uma péssima perspectiva para
os trouxas se o seu Primeiro-Ministro for dominado por uma Maldição Imperius. O
novo secretário em sua antessala...
— Não
vou despedir Kingsley Shacklebolt, se é o que está sugerindo! — disse o
Primeiro-Ministro indignado — Ele é muitíssimo eficiente, trabalha duas vezes
mais que os outros...
—
Porque é um bruxo — disse Scrimgeour, sem sequer sorrir — Um auror de grande
experiência que destacamos para protegê-lo.
—
Espere aí! — exclamou o Primeiro-Ministro — O senhor não pode simplesmente
colocar gente sua no meu gabinete. Eu decido quem trabalha para mim...
—
Pensei que o senhor estivesse satisfeito com Shacklebolt — contrapôs Scrimgeour
friamente.
—
Estou... quero dizer, estava...
—
Então, não há problema, há?
—
Eu... bem, enquanto o trabalho de Shacklebolt continuar... eh... excelente —
disse o Primeiro-Ministro sem argumento, mas o bruxo mal pareceu ouvi-lo.
—
Agora, quanto a Herberto Chorley, seu ministro de segundo escalão. Esse que tem
divertido o público imitando um pato.
— Que
tem ele? — perguntou o Primeiro-Ministro.
— É
claro que está reagindo a uma Maldição Imperius mal executada — afirmou
Scrimgeour — Baralhou o seu cérebro, mas ele ainda oferece perigo.
— Ele
só faz grasnar! — disse o Primeiro-Ministro, sem convicção — Com certeza uns
dias de descanso... talvez menos bebida...
— Uma
equipe do Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos está
examinando-o neste exato momento. E ele já tentou estrangular três bruxos. Acho
melhor retirá-lo da sociedade dos trouxas por uns tempos.
—
Eu... bem... ele vai ficar bom, não vai? — perguntou o Primeiro-Ministro
ansioso.
Scrimgeour
simplesmente encolheu os ombros, já recuando em direção à lareira.
—
Bem, era realmente o que eu tinha a dizer. Manterei o senhor informado dos
desdobramentos, Primeiro-Ministro... ou, caso eu esteja demasiado ocupado para
vir, mandarei o Fudge. Ele concordou em continuar trabalhando como meu
assessor.
Fudge
tentou sorrir, mas não conseguiu, sua expressão era a de alguém com dor de
dente. Scrimgeour começou a procurar no bolso o misterioso pó que esverdeava as
chamas.
O
Primeiro-Ministro observou desalentado os dois bruxos por um momento, então as
palavras que lutara para reprimir a noite toda finalmente saíram de sua boca.
— Mas
pelo amor de Deus... vocês são bruxos! Podem fazer bruxarias! Com certeza são
capazes de resolver... bem... qualquer coisa!
Scrimgeour
girou nos calcanhares lentamente e trocou um olhar incrédulo com Fudge, que
desta vez conseguiu sorrir ao dizer com bondade:
— O
problema é que o outro lado também sabe fazer bruxarias, Primeiro-Ministro.
E,
dizendo isso, os dois entraram, um após outro, nas chamas muito verdes e
desapareceram.
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