terça-feira, 21 de agosto de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 1




— SINOPSE —
  

A SEGUNDA GUERRA CONTRA VOLDEMORT se inicia e o Lorde das Trevas ganha mais poder a cada dia. Entre a luta do bem contra o mal e aulas ainda mais difíceis, Harry Potter está apreensivo com a perspectiva de ter aulas particulares com o Prof. Dumbledore, o que será ele pretende lhe ensinar? E ao mesmo tempo que suspeita que um aluno de Hogwarts se tornou um Comensal da Morte, Harry encontrará lugar para um novo amor.





— CAPÍTULO UM —
O Outro Ministro



ERA QUASE MEIA-NOITE e o Primeiro-Ministro estava sentado sozinho em seu gabinete, lendo um longo memorando que resvalava pelo seu cérebro sem deixar o menor registro. Aguardava um telefonema do presidente de um país longínquo e, entre a preocupação se o infeliz iria telefonar e a tentativa de reprimir lembranças do que fora uma semana difícil, longa e cansativa, não sobrava muito espaço em sua mente.
Quanto mais tentava focalizar as palavras na página diante dele, tanto mais claramente via o rosto triunfante de um dos seus adversários políticos. O homem aparecera no telejornal daquele dia não somente para enumerar os terríveis acontecimentos da semana anterior (como se alguém precisasse de lembretes) como também para explicar que a culpa de cada um deles e de todos, sem exceção, cabia ao governo.
O pulso do Primeiro-Ministro acelerou só de pensar nessas acusações, porque não eram justas nem verdadeiras. Como é que o seu governo poderia ter impedido aquela ponte de ruir? Era um absurdo insinuarem que não estava gastando o suficiente na conservação de pontes. Essa tinha menos de dez anos, e os maiores especialistas não sabiam explicar por que rachara exatamente ao meio, projetando dezenas de carros nas profundezas do rio. E como ousavam sugerir que aqueles dois homicídios bárbaros divulgados com estardalhaço eram conseqüência da falta de policiamento? Ou que o governo deveria ter previsto o furacão inesperado que ocorrera no oeste do país e causara tantos prejuízos a pessoas e propriedades? E seria culpa sua que um dos ministros de segundo escalão, Herberto Chorley, tivesse escolhido logo esta semana para agir tão bizarramente que agora iria passar um bom tempo em casa?
“Uma sensação de perigo se apoderou do país”, concluíra seu adversário, ocultando a custo um largo sorriso.
E, infelizmente, era a pura verdade. O próprio Ministro sentia isso, o povo realmente parecia mais infeliz do que de costume. Até o tempo estava lúgubre, toda essa névoa gélida em pleno verão... não era certo, não era normal...
Ele virou a segunda página do memorando, verificou o quanto ainda faltava e achou que seria inútil se esforçar. Espreguiçando-se, contemplou pesaroso o seu gabinete. Era uma bela sala, com uma elegante lareira de mármore defronte às janelas de guilhotina, muito bem fechadas para evitar o frio atípico da estação. Com um leve arrepio, o Primeiro-Ministro se levantou, foi até a janela e contemplou a névoa fina que colava nos vidros. Foi então, quando estava de costas para a sala, que ouviu um leve pigarro.
Ele congelou, encarando o próprio rosto apavorado refletido na vidraça escura. Conhecia aquele pigarro. Já o ouvira antes. Virou-se, muito lentamente, e confrontou a sala vazia.
— Alôô! — disse, tentando aparentar mais coragem do que sentia.
Por um breve momento permitiu-se a esperança impossível de que ninguém lhe respondesse. Mas ouviu imediatamente uma voz seca e decidida que parecia estar lendo um texto pronto. Vinha, e o Primeiro-Ministro soube assim que ouviu o primeiro pigarro, do homenzinho bufonídeo de longa peruca prateada, retratado em um pequeno quadro a óleo encardido do outro lado da sala.
— Para o Primeiro-Ministro dos trouxas. É urgente que nos encontremos. Favor responder imediatamente. Atenciosamente, Fudge.
O homem no quadro lançou um olhar de indagação ao Primeiro-Ministro.
— Ehh — começou o Primeiro-Ministro — Ouça... não é um bom momento... estou esperando um telefonema, sabe... do presidente do...
— Isto pode ser remarcado — respondeu logo o quadro.
O Primeiro-Ministro desanimou. Era o que receava.
— Mas eu realmente tinha esperanças de falar...
— Faremos com que o presidente esqueça o telefonema. Ele não ligará hoje, ligará amanhã à noite — disse o homenzinho — Tenha a bondade de responder imediatamente ao Sr. Fudge.
— Eu... ah... está bem — disse o Primeiro-Ministro vencido — Receberei Fudge.
Voltou, então, depressa à sua escrivaninha, endireitando a gravata. Mal se sentara e se recompusera para aparentar uma expressão descontraída e impassível, ou assim esperava, um clarão de chamas muito verdes apareceu na abertura sob o console da lareira de mármore. Ele observou, tentando não demonstrar surpresa nem preocupação, um homem corpulento emergir das chamas, rodopiando rápido como um pião. Segundos depois, ele engatinhava da lareira para um bonito tapete antigo, sacudindo as cinzas das mangas de sua longa capa listrada, segurando um chapéu-coco verde-limão.
— Ah... Primeiro-Ministro — disse Cornélio Fudge, adiantando-se em largos passos, com a mão estendida — Que bom revê-lo!
O Primeiro-Ministro não poderia retribuir o cumprimento com sinceridade, então nada respondeu. Não sentia o mais remoto prazer de ver Fudge, cujas raras aparições, além de serem em si decididamente alarmantes, em geral significavam que ele estava prestes a ouvir notícias muito ruins. Além do mais, Fudge parecia inegavelmente aflito. Estava mais magro, mais calvo, mais grisalho, e seu rosto parecia amarrotado. O Primeiro-Ministro já vira políticos com essa aparência antes, e nunca tinha sido um bom augúrio.
— Em que posso servi-lo? — perguntou, apertando brevemente a mão de Fudge e indicando a cadeira mais dura diante da escrivaninha.
— É difícil saber por onde começar — murmurou Fudge, puxando a cadeira, sentando-se e apoiando o chapéu sobre os joelhos — Que semana, que semana...
— Também teve uma semana ruim? — perguntou o Primeiro-Ministro secamente, esperando, assim, deixar implícito que já tinha um prato cheio nas mãos sem precisar de mais colheradas de Fudge.
— É claro que tive — respondeu o bruxo, esfregando os olhos num gesto cansado e olhando mal-humorado para o Primeiro-Ministro — Tive a mesma semana que o senhor, Primeiro-Ministro. A ponte de Brockdale... os assassinatos de Bonés e Vance... sem falar nas confusões no oeste...
— O senhor... ehh... sua... o senhor está querendo me dizer que gente do seu mundo esteve... esteve envolvida... nesses acontecimentos, é isso?
Fudge fixou no Primeiro-Ministro um olhar severo.
— Claro que esteve. Certamente o senhor percebeu o que está acontecendo, não?
— Eu... — hesitou o Primeiro-Ministro.
Era exatamente esse tipo de atitude que o fazia detestar as visitas de Fudge.
Afinal de contas, era o Primeiro-Ministro e não gostava que ninguém o fizesse sentir-se como um escolar ignorante. Mas sempre fora assim desde o primeiro encontro com Fudge, em sua primeiríssima noite como Primeiro-Ministro.
Lembrava como se fosse ontem, e sabia que isto o atormentaria até morrer. Encontrava-se sozinho neste mesmo gabinete, saboreando o seu triunfo depois de tantos anos de sonho e armações, quando ouvira um pigarro às suas costas, exatamente como hoje à noite, e, ao se virar, dera de cara com aquele feio quadrinho que se dirigia a ele, anunciando que o Ministro da Magia estava a caminho para vir se apresentar.
Naturalmente, pensara que a longa campanha e a tensão da eleição o tivessem enlouquecido. Ficara absolutamente aterrorizado ao ver um quadro falando com ele, embora isso não fosse nada comparado ao que sentira quando um homem que anunciou ser bruxo projetou-se da lareira e lhe apertou a mão. Permaneceu mudo enquanto Fudge cortesmente explicava que ainda havia bruxos e bruxas vivendo em segredo no mundo inteiro, e reafirmava que ele não precisava se preocupar, pois o Ministro da Magia responsabilizava-se por toda a comunidade bruxa e impedia que a população não-bruxa soubesse de sua existência.
Era, dissera Fudge, Uma tarefa difícil que abrangia tudo, desde leis sobre o uso responsável de vassouras à manutenção da população de dragões sob controle (o Primeiro-Ministro se lembrava de ter procurado se agarrar na escrivaninha ao ouvir isso). Fudge, então, paternalmente, dera uns tapinhas no ombro do atônito Primeiro-Ministro.
— Não se preocupe — dissera — Provavelmente o senhor não tornará a me ver. Só o incomodarei se houver alguma coisa realmente grave ocorrendo do nosso lado, alguma coisa que possa afetar os trouxas... a população não-bruxa, melhor dizendo. Não ocorrendo nada, é viver e deixar viver. E devo dizer, o senhor está aceitando a notícia bem melhor do que o seu antecessor. Aquele tentou me atirar pela janela, achou que eu era uma peça pregada pela oposição.
Ao ouvir isso, o Primeiro-Ministro recuperou finalmente a voz.
— Então, o senhor não é uma peça?
Fora a sua última e desesperada esperança.
— Não — respondeu Fudge gentilmente — Receio que não. Olhe.
E transformou a xícara de chá do Primeiro-Ministro em um gerbo[1].

[1] Uma espécie de ratinho, parente do hamster.

— Mas — ofegou o Primeiro-Ministro, ao ver a xícara começar a roer o canto do seu próximo discurso — Mas por que... por que ninguém me disse nada...?
— O Ministro da Magia só aparece para o Primeiro-Ministro dos trouxas em exercício — respondeu Fudge, repondo a varinha no bolso interno do paletó — Achamos que é melhor assim, para resguardar o sigilo.
— Mas, então — baliu o Primeiro-Ministro — Por que o Primeiro-Ministro anterior não me avisou?
Ao ouvir isso, Fudge deu uma gargalhada.
— Meu caro Primeiro-Ministro, será que o senhor algum dia contará a alguém?
Ainda rindo, Fudge lançara um pó na lareira, entrara nas chamas verde-esmeralda e desaparecera com um barulhinho surdo.
O Primeiro-Ministro ficara ali parado, imóvel, e percebeu que jamais enquanto vivesse se atreveria a mencionar tal encontro a alguém, porque, afinal, quem iria acreditar?
Ele levara algum tempo para se recuperar do choque. A princípio, tentara se convencer de que Fudge fora de fato uma alucinação provocada pelas noites em claro durante a exaustiva campanha eleitoral. Na inútil tentativa de ser livrar de todos os vestígios desse desagradável encontro, ele dera o gerbo a uma sobrinha, que adorou o presente, e instruiu o seu secretário particular para retirar o quadro do feio homenzinho que anunciara a chegada de Fudge. Para sua grande aflição, no entanto, o quadro se mostrou impossível de remover. Depois que vários marceneiros, uns dois construtores, um historiador de arte e o Ministro da Fazenda tentaram inutilmente arrancá-lo da parede, o Primeiro-Ministro desistira e simplesmente se conformara em torcer para que o quadro permanecesse imóvel e silencioso pelo resto do seu mandato.
Ocasionalmente, ele poderia jurar que vislumbrava pelo canto do olho o ocupante do quadro bocejar ou, então, coçar o nariz; e, uma ou duas vezes, saíra da moldura sem nada deixar além de um pedaço de tela encardida. No entanto, ele havia se condicionado a não olhar muito para o quadro e sempre repetir para si mesmo, com firmeza, que os seus olhos o iludiam quando via uma coisa dessas.
Então, havia três anos, em uma noite muito semelhante a de hoje, o Primeiro-Ministro estava sozinho em seu gabinete quando o quadro mais uma vez anunciara a chegada iminente de Fudge, que irrompera da lareira com as roupas encharcadas e tomado de intenso pânico. Antes que o Primeiro-Ministro pudesse perguntar por que estava pingando água em cima do tapete, Fudge começara um discurso sobre uma prisão de que o Primeiro-Ministro jamais ouvira falar, um tal “Sério” Black, alguma coisa cuja pronúncia lembrava Hog-warts e um menino chamado Harry Potter, coisas que para ele não faziam o menor sentido.
—... Acabei de chegar de Azkaban — ofegara Fudge, deixando cair da aba do chapéu-coco para o bolso uma quantidade de água — Meio do mar do Norte, sabe, um vôo horrível... os dementadores estão furiosos — e estremeceu — Nunca tiveram uma fuga antes. Seja como for, eu precisava vir procurá-lo, Primeiro-Ministro. Black é um conhecido assassino de trouxas e pode estar planejando se reunir a Você-Sabe-Quem... mas, naturalmente, o senhor nem sabe quem é Você-Sabe-Quem!
Por um momento Fudge olhou desamparado para o Primeiro-Ministro, depois acrescentou:
— Bem, sente-se, sente-se, é melhor eu lhe explicar... tome um uísque...
O Primeiro-Ministro não gostou nem um pouco que o mandassem sentar em seu próprio gabinete, e menos ainda que lhe oferecessem o seu próprio uísque, mesmo assim sentou-se.
Fudge puxara a varinha, conjurara dois enormes copos cheios de um líquido âmbar, empurrara um deles na mão do Primeiro-Ministro e puxara uma cadeira. Fudge falara mais de uma hora. Num determinado momento, recusara-se a pronunciar um certo nome em voz alta e, em vez disso, escrevera-o em um pedaço de pergaminho, que enfiara na mão livre do Primeiro-Ministro. Quando finalmente Fudge fez menção de se retirar, o Primeiro-Ministro também se levantou.
— Então o senhor acha que... — e apertara os olhos para ler o nome que segurava na mão esquerda — O tal Lord Vol...
— Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! — rosnou Fudge.
— Desculpe... então o senhor acha que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado continua vivo?
— Bem, Dumbledore diz que sim — respondeu ele, abotoando o colarinho de sua capa listrada — Mas nunca o encontramos. Se quer saber, ele não é perigoso a não ser que consiga apoio, por isso é que devemos nos preocupar com Black. Então, o senhor divulgará aquele aviso? Excelente. Bem, espero que não tornemos a nos ver, Primeiro-Ministro! Boa noite!
Mas eles tornaram a se ver.
Menos de um ano depois, um Fudge atormentado se materializara na sala do gabinete ministerial para informar ao Primeiro-Ministro que tinha havido um probleminha na Copa do Mundo de Catrebol (ou pelo menos fora isso que entendera), em que vários trouxas tinham sido “envolvidos”, mas que o Primeiro-Ministro não se preocupasse, o fato da marca de Você-Sabe-Quem fora mais uma vez avistada nada significava. Fudge estava seguro de que era um incidente isolado, e a Seção de Ligação com os Trouxas já estava fazendo as alterações de memória necessárias naquele mesmo instante.
— Ah, e ia quase me esquecendo — acrescentou Fudge — Estamos importando três dragões estrangeiros e uma esfinge para o Torneio Tribruxo, uma operação rotineira, mas o Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas diz que, segundo as normas, temos de informá-los quando trazemos animais perigosos do exterior.
— Eu... que... dragões? — gaguejou o Primeiro-Ministro.
— É, três — disse Fudge — E uma esfinge. Bem, um bom dia para o senhor.
O Primeiro-Ministro tivera a inútil esperança de que os dragões e a esfinge fossem o pior, mas não. Menos de dois anos depois, Fudge irrompera pela lareira, dessa vez, com a notícia de que houvera uma fuga em massa de Azkaban.
— Uma fuga em massa? — repetira o Primeiro-Ministro roucamente.
— Não precisa se preocupar, não precisa se preocupar! — bradara Fudge, já com um pé nas chamas — Vamos recapturá-los sem perda de tempo... só achei que o senhor devia saber!
E, antes que o Primeiro-Ministro tivesse tempo de gritar: “Espere um instante!”, Fudge se fora em uma chuva de fagulhas verdes.
Seja o que for que a imprensa e a oposição pudessem dizer, o Primeiro-Ministro não era tolo. Não escapara à sua atenção que, apesar das palavras tranquilizadoras de Fudge no primeiro encontro, ultimamente andavam se vendo bastante, e a cada visita Fudge parecia mais atrapalhado. Por menos que gostasse de pensar no Ministro da Magia (ou como sempre o chamava mentalmente, o Outro Ministro), o Primeiro-Ministro não podia deixar de temer que a próxima vez que ele aparecesse as notícias seriam bem mais preocupantes.
A visão de Fudge emergindo novamente da lareira, desalinhado, apreensivo e muito surpreso que o Primeiro-Ministro não soubesse exatamente por que viera, era o pior acontecimento de uma semana extremamente frustrante.
— Como iria saber o que está acontecendo na comunidade... eh... bruxa? — retorquiu o Primeiro-Ministro — Tenho um país para governar e preocupações suficientes neste momento sem...
— Temos as mesmas preocupações — interrompeu-o Fudge — A ponte de Brockdale não ruiu por desgaste natural. Aquilo não foi realmente um furacão. Os homicídios não foram obra de trouxas. E a família de Herberto Chorley estaria mais segura sem ele. Neste momento, estamos providenciando sua remoção para o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Será removido hoje à noite.
— Que é que o senhor... receio... quê? — engrolou o Primeiro-Ministro.
Fudge inspirou profundamente e disse:
— Primeiro-Ministro, sinto muito ter de lhe informar que ele voltou. Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou.
— Voltou? Quando o senhor diz “voltou”... significa que está vivo? Quero dizer...
O Primeiro-Ministro vasculhou a memória procurando detalhes da terrível conversa que tinham tido três anos antes, quando Fudge lhe falara do bruxo a quem todos mais temiam, o bruxo que cometera centenas de crimes pavorosos antes de desaparecer misteriosamente há quinze anos.
— Exatamente, vivo. Isto é... não sei... será que está vivo um homem que não pode ser morto? Não compreendo muito bem, e Dumbledore não quer me explicar direito... mas, enfim, sem dúvida ele tem um corpo e está andando e falando e matando, então suponho, para os efeitos desta conversa, que, sim, está vivo.
O Primeiro-Ministro não sabia o que dizer, mas o hábito arraigado de querer parecer bem informado qualquer que fosse o assunto que alguém abordasse o fez rebuscar na memória detalhes das conversas que tinham tido anteriormente.
— O Sério Black está com... eh... Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado?
— Black? Black? — repetiu Fudge, desatento, girando velozmente o chapéu-coco nos dedos — O senhor quer dizer o Sirius Black? Pelas barbas de Merlim, não. Black morreu. Afinal, estávamos... eh... enganados a respeito de Black. Era inocente. E tampouco estava mancomunado com Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Quero dizer — acrescentou, em sua defesa, girando o chapéu ainda mais rápido — Todas as pistas apontavam para ele, tínhamos mais de cinqüenta testemunhas oculares, mas, de qualquer forma, como disse, ele morreu. Aliás, foi assassinado. Dentro do Ministério da Magia. Mandei instaurar um inquérito...
Para sua grande surpresa, ao ouvir isto, o Primeiro-Ministro sentiu momentânea compaixão por Fudge. Mas o sentimento foi logo ofuscado por um lampejo de presunção ao lembrar que, por maior que fosse sua incapacidade de se materializar em lareiras, nunca tinha havido nenhum homicídio em nenhum dos departamentos do governo sob sua responsabilidade... pelo menos até agora...
Enquanto o Primeiro-Ministro disfarçadamente batia três vezes na madeira de sua escrivaninha, Fudge continuou:
— Mas Black agora é passado. A questão é que estamos em guerra, Primeiro-Ministro, e é preciso tomar algumas medidas.
— Em guerra? — repetiu o Primeiro-Ministro, nervoso — Sem dúvida, o senhor está exagerando um pouco, não?
— Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado agora recebeu reforços dos seus seguidores que fugiram de Azkaban em Janeiro — informou Fudge, falando cada vez mais rápido e girando o chapéu com tal fúria que em seu lugar só se via um borrão verde-limão — Desde que saíram da clandestinidade, eles estão provocando o caos. A ponte de Brockdale: foi ele, Primeiro-Ministro, ameaçou fazer um massacre de trouxas se eu não lhe entregasse o meu cargo e...
— Céus, então a morte daquelas pessoas é culpa sua, e sou eu que estou tendo de responder por treliças enferrujadas e juntas de expansão corroídas, e sabe-se lá o que mais! — exclamou o Primeiro-Ministro, furioso.
— Minha culpa! — exclamou Fudge corando — O senhor está me dizendo que teria cedido a uma chantagem dessas?
— Talvez não — respondeu o Primeiro-Ministro, levantando-se e caminhando pela sala —Mas eu teria envidado todos os esforços para prender o chantagista antes que ele cometesse uma atrocidade igual!
— O senhor realmente acha que eu não me esforcei? — perguntou Fudge encolerizado — Todos os aurores do Ministério estavam, e estão, tentando encontrar Você-Sabe-Quem e capturar seus seguidores, mas acontece que estamos falando de um dos bruxos mais poderosos de todos os tempos, um bruxo que nos escapa há quase trinta anos!
— Então suponho que o senhor vá me dizer que ele também provocou o furacão no oeste do país? — perguntou o Primeiro-Ministro, sentindo sua irritação crescer a cada passo que dava.
Enfurecia-o descobrir a razão de todos esses terríveis acidentes e não poder revelar nada publicamente, isto era quase pior do que levar a culpa de tudo.
—Aquilo não foi um furacão — confirmou Fudge, infeliz.
— Faça-me o favor! — vociferou o Primeiro-Ministro, agora decididamente pisando forte pela sala — Árvores arrancadas, telhados destruídos, postes vergados, ferimentos pavorosos...
— Foram os Comensais da Morte — disse Fudge — Os seguidores d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. E suspeitamos da participação dos gigantes.
O Primeiro-Ministro estacou como se tivesse batido em um muro invisível.
— Participação do quê?
Fudge fez uma careta.
— Ele usou os gigantes da última vez, queria causar uma grande impressão. A Seção de Contrainformação tem trabalhado vinte e quatro horas por dia, equipes de obliviadores estão em campo tentando alterar a memória de todos os trouxas que viram o que realmente aconteceu, a maior parte do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas está percorrendo Somerset, mas não conseguimos encontrar gigantes, tem sido um fracasso.
— Não me diga! — exclamou o Primeiro-Ministro furioso.
— Não negarei que o moral está muito baixo no Ministério. Com tudo isso acontecendo, e ainda por cima perdemos Amélia Bonés.
— Perderam quem?
— Amélia Bonés. A Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia. Achamos que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado pode ter sido o assassino, porque era uma bruxa muito talentosa e... e tudo indica que resistiu o máximo.
Fudge pigarreou e, aparentemente com esforço, parou de girar o chapéu-coco.
— Mas este homicídio saiu nos jornais — disse o Primeiro-Ministro, momentaneamente distraído de sua raiva — Nossos jornais. Amélia Bonés... disseram apenas que era uma mulher de meia-idade que morava sozinha. Foi um... um homicídio bárbaro, não? Muito divulgado. A polícia está tonta, sabe.
Fudge suspirou.
— Claro que está. Ela foi encontrada morta em um aposento trancado por dentro, não foi? Mas nós sabemos exatamente quem foi, não que isso adiante muito para sua captura. E teve também o da Emelina Vance, talvez o senhor não tenha ouvido falar deste...
— Ouvi, sim! — respondeu o Primeiro-Ministro — Aliás, aconteceu aqui perto. Os jornais deitaram e rolaram: Nem no quintal do Primeiro-Ministro vigoram a lei e a ordem...
— E, como se tudo isso não bastasse — continuou Fudge, mal ouvindo o que dizia o Primeiro-Ministro — Os dementadores estão por toda parte, atacando as pessoas a torto e a direito...
Em um passado mais feliz, a frase teria sido ininteligível ao Primeiro-Ministro, mas, agora, estava mais bem informado.
— Pensei que os dementadores guardassem prisioneiros em Azkaban — arriscou cauteloso.
— Guardavam — confirmou Fudge, cansado — Não mais. Desertaram e se juntaram a Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Não vou fingir que não foi um sério revés.
— Mas — contrapôs o Primeiro-Ministro, com uma crescente sensação de horror — O senhor não me contou que eles são criaturas que roubam a esperança e a felicidade das pessoas?
— Certo. E estão se reproduzindo. E isto que está provocando a névoa.
O Primeiro-Ministro, sentindo os joelhos amolecerem, largou-se na cadeira mais próxima. A ideia de criaturas invisíveis voando pelas cidades e os campos, espalhando o desespero e a desolação entre seus eleitores, fez com que se sentisse muito fraco.
— Escute aqui, Fudge: você tem de tomar uma providência! É sua responsabilidade como Ministro da Magia!
— Meu caro Primeiro-Ministro, o senhor não pode realmente pensar que ainda sou Ministro da Magia depois de tudo que aconteceu! Fui exonerado há três dias. Toda a comunidade bruxa vinha exigindo a minha renúncia nas últimas duas semanas. Nunca a vi tão unida durante todo o meu mandato! — disse Fudge, fazendo uma corajosa tentativa de sorrir.
O Primeiro-Ministro ficou mudo por uns instantes. Apesar de sua revolta pela posição em que fora colocado, ainda simpatizava com o homem envelhecido que estava à sua frente.
— Lamento muito — disse por fim — Tem alguma coisa que eu possa fazer?
— É muita gentileza sua, Primeiro-Ministro, mas não há. Fui mandado aqui hoje à noite para colocá-lo a par dos acontecimentos recentes e lhe apresentar o meu sucessor. Pensei até que já estivesse aqui, mas naturalmente anda muito ocupado no momento com tantos problemas.
Fudge se virou para o retrato do homenzinho feio, com sua longa peruca de cachos prateados, e naquele momento cutucando o ouvido com a ponta de uma pena.
Ao encontrar o olhar de Fudge, o quadro falou:
— Ele não tardará a chegar, está só terminando uma carta para Dumbledore.
— Desejo-lhe boa sorte — disse Fudge, pela primeira vez em tom amargurado — Tenho escrito a Dumbledore duas vezes por dia nos últimos quinze dias, mas ele não quer se mexer. Se ao menos quisesse persuadir o garoto, eu talvez ainda fosse... bem, talvez Scrimgeour tenha mais sucesso.
Fudge deixou-se cair em um silêncio visivelmente ofendido, que foi quebrado quase em seguida pela voz seca e formal do retrato.
— Ao Primeiro-Ministro dos trouxas. Solicito uma entrevista. Urgente. Favor responder imediatamente. Rufo Scrimgeour, Ministro da Magia.
— Sim, sim, ótimo — respondeu o Primeiro-Ministro, desatento, e, mal piscou, as chamas na lareira tornaram a se esverdear e cresceram, revelando um segundo bruxo aos rodopios e projetando-o instantes depois no tapete antigo.
Fudge se ergueu e, após breve hesitação, o Primeiro-Ministro acompanhou-o, observando o recém-chegado se endireitar, sacudir a poeira de suas longas vestes negras e olhar ao redor.
O primeiro pensamento do Primeiro-Ministro, uma tolice, foi que Rufo Scrimgeour parecia um leão velho. Havia fios grisalhos em sua juba alourada e nas sobrancelhas espessas, tinha olhos amarelados e argutos por trás de óculos de arame e uma certa graça em sua magreza, embora mancasse um pouco ao andar. Transmitiu uma imediata impressão de sagacidade e firmeza, o Primeiro-Ministro julgou compreender por que a comunidade bruxa preferia a liderança de Scrimgeour nestes tempos perigosos.
— Como está? — cumprimentou o Primeiro-Ministro, educadamente, estendendo a mão.
Scrimgeour apertou-a brevemente, os olhos esquadrinhando o aposento, e em seguida puxou a varinha de dentro das vestes.
— Fudge contou-lhe tudo? — perguntou, indo até a porta e tocando-a com a varinha.
O Primeiro-Ministro ouviu a fechadura trancar.
— Eh... sim — respondeu o Primeiro-Ministro — Mas, se o senhor não se importar, eu preferia que a porta continuasse destrancada.
— E eu preferia não ser interrompido — retorquiu secamente Scrimgeour — Nem observado — acrescentou, apontando a varinha para as janelas e fechando as cortinas — Muito bem. Sou um homem ocupado, então vamos direto ao nosso assunto. Em primeiro lugar, precisamos discutir a sua segurança.
O Primeiro-Ministro empertigou-se todo e respondeu:
— Estou perfeitamente satisfeito com a segurança que tenho, muito obr...
— Mas nós não estamos — interrompeu-o Scrimgeour — Será uma péssima perspectiva para os trouxas se o seu Primeiro-Ministro for dominado por uma Maldição Imperius. O novo secretário em sua antessala...
— Não vou despedir Kingsley Shacklebolt, se é o que está sugerindo! — disse o Primeiro-Ministro indignado — Ele é muitíssimo eficiente, trabalha duas vezes mais que os outros...
— Porque é um bruxo — disse Scrimgeour, sem sequer sorrir — Um auror de grande experiência que destacamos para protegê-lo.
— Espere aí! — exclamou o Primeiro-Ministro — O senhor não pode simplesmente colocar gente sua no meu gabinete. Eu decido quem trabalha para mim...
— Pensei que o senhor estivesse satisfeito com Shacklebolt — contrapôs Scrimgeour friamente.
— Estou... quero dizer, estava...
— Então, não há problema, há?
— Eu... bem, enquanto o trabalho de Shacklebolt continuar... eh... excelente — disse o Primeiro-Ministro sem argumento, mas o bruxo mal pareceu ouvi-lo.
— Agora, quanto a Herberto Chorley, seu ministro de segundo escalão. Esse que tem divertido o público imitando um pato.
— Que tem ele? — perguntou o Primeiro-Ministro.
— É claro que está reagindo a uma Maldição Imperius mal executada — afirmou Scrimgeour — Baralhou o seu cérebro, mas ele ainda oferece perigo.
— Ele só faz grasnar! — disse o Primeiro-Ministro, sem convicção — Com certeza uns dias de descanso... talvez menos bebida...
— Uma equipe do Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos está examinando-o neste exato momento. E ele já tentou estrangular três bruxos. Acho melhor retirá-lo da sociedade dos trouxas por uns tempos.
— Eu... bem... ele vai ficar bom, não vai? — perguntou o Primeiro-Ministro ansioso.
Scrimgeour simplesmente encolheu os ombros, já recuando em direção à lareira.
— Bem, era realmente o que eu tinha a dizer. Manterei o senhor informado dos desdobramentos, Primeiro-Ministro... ou, caso eu esteja demasiado ocupado para vir, mandarei o Fudge. Ele concordou em continuar trabalhando como meu assessor.
Fudge tentou sorrir, mas não conseguiu, sua expressão era a de alguém com dor de dente. Scrimgeour começou a procurar no bolso o misterioso pó que esverdeava as chamas.
O Primeiro-Ministro observou desalentado os dois bruxos por um momento, então as palavras que lutara para reprimir a noite toda finalmente saíram de sua boca.
— Mas pelo amor de Deus... vocês são bruxos! Podem fazer bruxarias! Com certeza são capazes de resolver... bem... qualquer coisa!
Scrimgeour girou nos calcanhares lentamente e trocou um olhar incrédulo com Fudge, que desta vez conseguiu sorrir ao dizer com bondade:
— O problema é que o outro lado também sabe fazer bruxarias, Primeiro-Ministro.
E, dizendo isso, os dois entraram, um após outro, nas chamas muito verdes e desapareceram.









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