quarta-feira, 14 de março de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 31



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS


 


CAPÍTULO
31




N
AQUELE MESMO DIA, duas limusines achavam-se estacionadas na alameda de Long Beach. Um dos carros grandes esperava para levar Connie Corleone, sua mãe, seu marido e seus dois filhos ao aeroporto. A família de Carlo Rizzi ia passar umas férias em Las Vegas, a fim de se preparar para mudar-se definitivamente para aquela cidade. Michael dera a ordem a Carlo, sob protestos de Connie. Michael não quis explicar que queria todo mundo fora da alameda antes do encontro das Famílias Corleone e Barzini. Na verdade, o próprio encontro era um grande segredo. As únicas pessoas que estavam informadas sobre ele eram os capos da Família.
A outra limusine era para Kay e seus filhos, que seriam levados para New Hampshire em visita aos pais dela. Michael teria de ficar na alameda; tinha assuntos muito importantes para resolver e não podia viajar.
Na noite anterior, Michael mandara avisar a Carlo Rizzi que precisava da sua presença na alameda por alguns dias, que ele iria juntar-se à mulher e aos filhos depois, lá para o fim. Connie ficou furiosa. Tentou falar com Michael pelo telefone, mas ele fora à cidade. Agora ela percorria com os olhos toda a alameda em busca de Michael, mas ele estava fechado na sala com Tom Hagen e não podia ser perturbado. Connie deu um beijo de despedida em Carlo quando ele a pôs na limusine.
— Se você não aparecer lá dentro de dois dias, eu volto para apanhar você — ameaçou ela.
Ele sorriu malicioso, na linguagem muda de marido para mulher.
— Estarei lá — retrucou.
Ela meteu a cabeça para fora da janela e perguntou:
— Para que você acha que Michael lhe quer aqui?
Sua fisionomia preocupada fê-la parecer velha e feia.
Carlo deu de ombros.
— Ele vem-me prometendo um grande negócio. Talvez seja sobre isso que queira falar. De qualquer maneira, foi o que ele deu a entender.
Carlo nada sabia a respeito da reunião marcada para aquela noite com a Família Barzini.
— É verdade, Carlo? — insistiu Connie ansiosamente.
Carlo acenou a cabeça de modo afirmativo. A limusine atravessou os portões da alameda e foi embora.
Somente depois que a primeira limusine partiu foi que Michael apareceu para despedir-se de Kay e de seus próprios filhos. Carlo também veio apresentar a Kay seus votos de boa viagem e boas férias. Finalmente, a segunda limusine arrancou e atravessou o portão.
— Lamento ter sido obrigado a mantê-lo aqui, Carlo — disse Michael Será apenas por uns dois dias.
— Não tem importância alguma — respondeu Carlo.
— Ótimo — tornou Michael — Apenas fique perto do telefone que eu o chamarei quando precisar de você. Tenho de obter mais algumas informações antes. Está bem?
Certamente, Mike, certamente — concordou Carlo.
Em seguida, Carlo foi para a sua própria casa, deu um telefonema para a amante que ele mantinha discretamente em Westbury, prometendo que tentaria visitá-la mais tarde, naquela noite. Depois acomodou-se com uma garrafa de uísque do lado e esperou. Esperou um tempão. Carros começaram a chegar e a atravessar o portão logo depois do meio.dia. Ele viu Clemenza saltar de um, e um pouco mais tarde Tessio saiu de outro. Ambos foram introduzidos na casa de Michael por um dos guarda-costas. Clemenza partiu algumas horas depois, mas Tessio não reapareceu.
Carlo deu um passeio pela alameda, para tomar um pouco de ar fresco, que não durou mais de dez minutos. Conhecia todos os guardas que davam serviço na alameda, era até quase amigo de alguns deles. Pensou que pudesse bater um papo para passar o tempo. Mas para sua surpresa, nenhum dos guardas daquele dia era algum dos homens que ele conhecia. Todos eram estranhos para ele. Mais surpreendente ainda era que o homem encarregado do portão era Rocco Lampone, e Carlo sabia que Rocco ocupava uma posição muito alta na Família para exercer uma tarefa tão servil, a não ser que algo extraordinário estivesse ocorrendo.
Rocco deu-lhe um sorriso amistoso e cumprimentou-o. Carlo estava desconfiado. Rocco exclamou:
— Ué, pensei que você tivesse ido gozar férias com a sua família.
Carlo deu de ombros.
— Mike quis que eu ficasse aqui alguns dias. Ele tem alguma coisa para eu fazer.
— É verdade — retrucou Rocco Lampone — Eu também. Então ele me pediu para ficar de olho aqui no portão. Bem, que diabo, ele é o chefe.
O tom de sua voz insinuava que Michael não era um homem igual ao que tinha sido o pai, falou um pouco depreciativamente.
Carlo fingiu não perceber aquele tom.
— Mike sabe o que está fazendo — disse ele.
Rocco aceitou a reprimenda em silêncio. Carlo se despediu e voltou para a sua casa. Alguma coisa estava no ar, mas Rocco não sabia o que era.
Michael estava postado na janela de sua sala de estar e viu Carlo passear pela alameda. Hagen trouxe-lhe uma bebida, um conhaque forte. Michael bebeu-a prazerosamente. Por trás dele, Hagen disse, gentilmente:
— Mike, você precisa começar a se movimentar. Está na hora.
Michael deu um suspiro.
— Eu queria que não fosse tão cedo. Esperava que o velho tivesse durado um pouco mais.
— Nada sairá errado — afirmou Hagen — Se eu não entendi, então ninguém entendeu. Você armou a coisa muito bem.
Michael afastou-se da janela.
— O velho planejou uma boa parte dela. Nunca cheguei a compreender bem quão esperto ele era. Acho que você sabe.
— Ninguém como ele — retrucou Hagen — Mas isso está lindo. Isso é a melhor coisa que já vi. Portanto, você não pode ser assim tão ruim.
— Vamos ver o que acontece — disse Michael — Tessio e Clemenza estão na alameda?
Hagen acenou com a cabeça afirmativamente, Michael terminou de beber o seu conhaque.
— Mande Clemenza falar aqui comigo. Vou instruí-lo pessoalmente. Não quero ver Tessio. Diga-lhe apenas que estarei pronto para ir com ele à reunião com Barzini dentro de meia hora. O pessoal de Clemenza cuidará dele depois disso.
— Não há meio de se deixar Tessio escapar? — perguntou Hagen numa voz cautelosa.
Não respondeu Michael.
Enquanto isso, na cidade de Buffalo, uma pequena pizzaria numa rua lateral estava fazendo um negócio movimentado. Quando passou a hora do almoço, o movimento caiu e o balconista tirou da janela a bandeja redonda com os pedaços que haviam sobrado e pôs na prateleira do enorme forno de tijolos. Em. seguida, deu uma espiada dentro do forno para ver como ia uma pizza que estava assando ali. A mozzarela ainda não começara a fazer bolhas. Quando voltou para o balcão que lhe permitia atender o pessoal da rua, encontrou ali de pé um rapaz mal-encarado, que lhe falou:
— Me dê um pedaço de pizza.
O balconista pegou a sua pá de madeira e apanhou um dos pedaços frios da pizza para metê-lo no forno a fim de esquentá-lo. O freguês, em vez de esperar lá fora, resolveu atravessar a porta para ser atendido. A casa agora estava vazia. O balconista abriu o forno e tirou o pedaço de pizza quente e serviu-o num prato de papel. Mas o freguês, em vez de dar-lhe o dinheiro da pizza, estava olhando fixamente para ele.
— Ouvi dizer que você tem uma tatuagem grande no peito — disse o freguês — Estou vendo a parte superior dela por cima de sua camisa, quer-me deixar ver o resto dela?
O balconista ficou gelado. Parecia paralisado.
— Abra a camisa — ordenou o freguês.
O balconista balançou a cabeça.
— Não tenho tatuagem — respondeu, num inglês carregadamente acentuado — O homem que trabalha de noite é que tem.
O freguês deu uma gargalhada soturna, forçada.
— Vamos, desabotoe a camisa, deixe-me ver..
O balconista começou a recuar para o fundo da casa, procurando contornar o enorme forno. Mas o freguês ergueu a mão acima do balcão. Havia um revólver nela. Ele atirou. A bala atingiu o balconista no peito e jogou-o contra o forno. O freguês atirou novamente no corpo do balconista e este tombou no chão. O freguês deu a volta pelo balcão, abaixou-se e abriu violentamente a camisa, arrancando-lhe os botões. O peito do balconista estava coberto de sangue, mas a tatuagem se mostrava bem visível: os amantes entrelaçados e a faca transfixando-os. O balconista levantou debilmente um dos braços como que para se proteger.
O pistoleiro falou então:
— Fabrizzio, Michael Corleone manda-lhe lembranças.
Estendeu o braço de forma que o revólver ficasse a poucos centímetros do crânio do balconista e puxou o gatilho. Depois saiu da pizzaria. A poucos metros, um carro esperava por ele com a porta aberta. Ele saltou para dentro e o carro arrancou velozmente.
Rocco Lampone atendeu ao telefone instalado numa das colunas de ferro do portão e ouviu alguém dizer:
— A sua encomenda está pronta — e em seguida desligou.
Rocco entrou no seu carro e saiu da alameda. Atravessou a pista elevada de Jones Beach, a mesma na qual Sonny fora assassinado, e seguiu até a estaçâo ferroviária de Wantagh. Estacionou seu carro ali. Outro carro estava esperando por ele com dois homens no seu interior. Foram até a um motel situado a dez minutos de distância na Estrada Sunrise e estacionaram em seu pátio. Rocco Lampone, deixando os dois homens no carro, dirigiu-se para um dos pequenos bangalôs tipo chalé. Um só pontapé fez a porta saltar das dobradiças e Rocco pulou dentro do quarto.
Phillip Tattaglia, com 70 anos de idade e nu como um bebê, estava em pé numa cama na qual se achava deitada uma mulher jovem. A basta cabeleira de Philhip Tattaglia estava completamente preta, mas o pêlo de seu púbis era totalmente branco. O seu corpo tinha a suave forma roliça de uma ave. Rocco despejou-lhe quatro balas, todas na barriga. Depois virou-se e voltou correndo para o carro. Os dois homens deixaram-no na estação de Wantagh. Ele apanhou o seu carro e retornou à alameda. Foi lá dentro falar com Michael Corleone por um momento e depois saiu e reassumiu seu posto no portão.
Albert Neri, sozinho em seu apartamento, terminou de aprontar seu uniforme. Vagarosamente começou a se vestir: calças, camisa, gravata, paletó, coldre e cinturão. Ele devolveu o seu revólver quando foi suspenso da polícia, mas, por qualquer negligência administrativa, não o fizeram devolver o escudo. Clemenza fornecera-lhe um revólver regulamentar da polícia, de calibre 38, cuja origem não podia ser identificada. Neri desmontou-o, lubrificou-o, examinou o canhão, montou-o novamente, experimentou o gatilho. Carregou o tambor e a arma estava pronta para funcionar.
Neri meteu o boné de polícia num saco de papel grosso e vestiu um sobretudo civil por cima de seu uniforme. Olhou as horas no seu relógio. Faltavam quinze minutos para que o carro viesse apanhá-lo lá embaixo. Passou os quinze minutos examinando-se no espelho. Não havia dúvida. Ele parecia um verdadeiro policial.
O carro o aguardava com dois homens de Rocco Lampone na frente. Neri entrou no assento traseiro. Quando o carro partiu para o centro da cidade, depois que eles deixaram as proximidades do seu apartamento, Neri tirou o sobretudo e colocou-o no piso do carro. Rasgou o saco de papel e pôs o boné de oficial da polícia na cabeça.
Na esquina na Rua 55, na Quinta Avenida, o carro parou no meio-fio e Neri saltou. Começou a descer a pé a avenida. Tinha um sentimento estranho ao ver-se novamente uniformizado, patrulhando as ruas como tinha feito tantas vezes, O movimento de pedestres era intenso àquela hora. Foi caminhando até chegar em frente ao Rockefeller Center, no lado oposto a quem vem da Catedral de Saint Patrick. No seu lado da Quinta Avenida, ele localizou a limusine que procurava. Estava estacionada, completamente isolada entre uma série enorme de sinais vermelhos indicando ESTACIONAMENTO PROIBIDO e PARADA PROIBIDA.
Neri diminuiu o passo. Ainda era muito cedo. Parou para escrever alguma coisa em seu caderninho e depois continuou a andar. Estava à frente da limusine. Bateu no pára-lama com o seu cassetete. O motorista olhou surpreso para ele. Neri apontou com o cassetete para o sinal de PARADA PROIBIDA e acenou para o motorista que movimentasse o carro. O motorista virou a cabeça para o outro lado.
Neri desceu para a rua e se postou ao lado da janela aberta do motorista. O sujeito era mal-encarado, exatamente o tipo que ele gostava de enfrentar. Neri falou de modo deliberadamente insultuoso:
— Como é, seu espertinho, você vai querer que eu lhe pregue um talão de multa na bunda ou prefere andar?
O motorista respondeu impassivelmente:
— É melhor você perguntar aos seus superiores. Me dê o talão de multa se isso vai-lhe fazer sentir-se feliz.
— Vai caindo fora daqui — gritou Neri — Ou o arranco desse carro e lhe arrebento a bunda a pontapés!
O motorista fez aparecer uma nota de dez dólares como que por um passe de mágica, dobrou-a, formando um pequeno quadrado, com uma das mãos, e tentou enfiá-la na blusa de Neri. Este voltou para a calçada e chamou o motorista com o dedo. O motorista saiu do carro
— Deixe-me ver os documentos do carro — disse Neri.
Ele esperava poder levar o motorista a contornar o quarteirão, mas isso já não era possível. Com o canto do olho, Neri viu três homens baixos, fortes, descendo a escada do edifício Plaza e vindo na direção da rua. Era o próprio Barzini e seus dois guarda-costas a caminho para encontrar-se com Michael Corleone. Imediatamente, um dos guarda-costas destacou-se do grupo e veio ver o que é que havia com o carro de Barzini. O homem perguntou ao motorista:
— Que é que há?
— Estou sendo multado, não há problema. Esse sujeito deve ser novo aqui na zona.
Nesse momento, Barzini aproximou-se, acompanhado do outro guarda-costas, e gritou:
— Que diabo há agora?
Neri acabou de escrever no seu caderninho e devolveu os documentos ao motorista. Depois enfiou o caderninho no bolso traseiro da calça e quando trouxe a mão para a frente tinha o revólver de calibre 38 na mão.
Ele meteu três balas no peito de Barzini antes que os outros dois homens se recuperassem do choque para poder defendê-lo. Nessa altura, Neri já saíra correndo por entre a multidão e dobrara a esquina onde o carro estava esperando por ele. O veículo saiu velozmente pela Quinta Avenida e virou para o centro da cidade. Perto do Chelsea Park, Neri, que já havia tirado o boné, vestido o sobretudo e mudado a roupa, transferiu-se para outro carro que o aguardava. Deixara o revólver e o uniforme de polícia no outro carro. Eles dariam sumiço a essas coisas. Uma hora depois, estava são e salvo na alameda de Long Beach falando com Michael Corleone.
Tessio esperava na cozinha da casa do velho Don, bebendo uma xícara de café, quando Tom Hagen veio procurá-lo.
— Mike está à sua disposição agora — disse Hagen — É melhor você telefonar para Barzini e dizer que ele pode começar a se dirigir para o encontro.
Tessio levantou-se e foi até o telefone da parede. Discou o número do escritório de Barzini em Nova York e disse laconicamente:
— Estamos a caminho do Brooklyn — desligou e sorriu para Hagen dizendo — Espero que Mike possa arranjar um bom negócio para nós esta noite
— Estou certo de que ele arranjará — respondeu Hagen com gravidade. Ele acompanhou Tessio para fora da cozinha e através da alameda. Foram caminhando até a casa de Michael.
Na porta, foram detidos por uns dos guarda-costas.
— O chefe diz que vai num carro separado. Mandou vocês dois irem andando.
Tessio franziu as sobrancelhas, virou-se para Hagen e exclamou:
— Diabo, ele não pode fazer isso; isso vai atrapalhar toda a minha combinação.
Naquele momento, outros três guarda-costas o cercaram. Hagen disse cortesmente:
— Eu tampouco posso ir com você, Tessio.
O caporegime compreendeu tudo numa fração de segundo. E aceitou a situação. Houve um momento de fraqueza física, depois ele se recuperou e disse a Hagen:
— Diga a Mike que isso era apenas negócio, sempre gostei dele.
Hagen acenou com a cabeça.
— Ele compreenderá.
Tessio fez uma pausa rápida e depois perguntou suavemente:
— Tom, você pode me tirar dessa situação? Em homenagem aos velhos tempos?
Hagen balançou com a cabeça.
— Não — respondeu.
Tom viu os guarda-costas cercarem Tessio e o conduzirem para um carro que estava esperando. Sentiu-se um pouco triste. Tessio fora o melhor soldado da Família Corleone; o velho Don confiara nele mais do que em qualquer outro homem com exceção de Luca Brasi. Era lamentável que um homem tão inteligente cometesse tal erro fatal de julgamento tão tarde na vida.
Carlo Rizzi, ainda esperando pela entrevista com Michael, ficou nervoso com todas aquelas chegadas e partidas. Obviamente algum grande acontecimento estava ocorrendo e parecia que ele ia ficar de fora. Impacientemente, chamou Michael ao telefone. Um dos guarda-costas da casa atendeu, foi buscar Michael e voltou com o recado de que Michael queria que ele ficasse de sobreaviso, que ele o chamaria dali a pouco.
Carlo telefonou para a amante novamente e disse-lhe que tinha a certeza de que poderia levá-la para cear mais tarde e passar a noite com ela. Michael dissera que o mandaria chamar dali a pouco, o que quer que ele planejasse não podia levar mais que uma ou duas horas. Depois gastaria cerca de 40 minutos para chegar a Westbury. Isso poderia ser feito. Ele prometeu-lhe que faria isso e conversou-a maciamente, pedindo que ela não se zangasse. Quando desligou, resolveu vestir-se convenientemente para ganhar tempo depois. Tinha acabado de enfiar uma camisa limpa quando bateram na porta. Ele raciocinou rapidamente que Mike tentara falar com ele pelo telefone e encontrara a linha ocupada, assim resolvera simplesmente mandar um mensageiro chamá-lo.
Carlo foi até a porta e abriu-a. Sentiu o corpo todo enfraquecer invadido por um terrível medo. Postado no vão da porta estava Michael Corleone, com a cara que parecia exatamente a daquela morte que Carlo Rizzi via freqüentemente em seus sonhos.
Por trás de Michael Corleone estavam Hagen e Rocco Lampone. Eles pareciam solenes, como pessoas que tinham vindo com a maior relutância dar más notícias a um amigo. Os três homens entraram na casa e Carlo Rizzi levou-os para a sala de estar. Restabelecido do primeiro choque, ele pensou que tivesse sofrido um ataque de nervos. As palavras de Michael fizeram-no sentir-se realmente doente, fisicamente enjoado.
— Você tem de responder pela morte de Santino — disse Michael.
Carlo não respondeu, fingindo não entender. Hagen e Lampone separaram-se, indo para paredes opostas da sala. Carlo e Michael encararam-se.
— Você entregou Sonny ao pessoal de Barzini — disse Michael categoricamente — Aquela pequena farsa que você desempenhou com minha irmã, será que Barzini o enganou dizendo que isso tapearia um Corleone?
Canto Rizzi respondeu apavorado, sem dignidade, sem qualquer vestígio de orgulho:
— Juro que sou inocente. Juro pela cabeça de meus filhos que sou inocente. Mike, não me faça isso, por favor, Mike, não me faça isso.
— Barzini está morto — retrucou Michael tranqüilamente — Phillip Tattaglia também. Quero ajustar todas as contas da Família esta noite. Portanto, não me diga que você é inocente. Seria melhor que você admitisse que é culpado.
Hagen e Lampone olharam para Michael com espanto. Estavam pensando que Michael ainda não era o homem que o pai fora. Por que tentar fazer esse traidor confessar-se culpado? Tal culpa já estava tão provada quanto uma coisa como essa podia sê-lo, A resposta era evidente. Michael ainda não tinha tanta confiança em sua razão, ainda receava ser injusto, ainda se preocupava com aquela fração de incerteza que apenas uma confissão de Carlo Rizzi podia apagar.
Ainda não houve resposta. Michael disse quase bondosamente:
— Não fique tão assustado. Você pensa que vou tornar minha irmã viúva? Você pensa que vou tornar meus sobrinhos órfãos de pai? Afinal de, contas, sou padrinho de um dos seus filhos. Não, o seu castigo será que você não poderá trabalhar com a Família. Vou-lhe pôr num avião para Las Vegas para você se unir á sua mulher e filhos e quero que você fique por lá. Mandarei uma mesada para Connie. Só isso. Mas não diga que você é inocente, não insulte minha inteligência e não me irrite. Quem o procurou,Tattaglia ou Barzini?
Carlo Rizzi em sua angustiosa esperança de salvar a vida, em seu suave alívio de que não iria ser morto, murmurou:
— Barzini.
— Ótimo, ótimo — disse Michael brandamente. Fez um sinal com a mão direita dizendo — Quero que você parta agora. Há um carro esperando para levar você ao aeroporto.
Carlo saiu pela porta, seguido de perto pelos três homens. Era noite agora, mas a alameda como de costume estava iluminada pelos holofotes. Um carro parou. Carlo viu que era o seu próprio carro. Não reconheceu o motorista. Havia alguém sentado atrás, mas do lado oposto. Lampone abriu a porta da frente e fez sinal para Carlo entrar. Michael disse:
— Vou telefonar para sua mulher e dizer que você está a caminho.
Carlo entrou no carro. A sua camisa de seda estava ensopada de suor.
O veículo partiu, movendo-se rapidamente na direção do portão.
Carlo começou a virar a cabeça para ver se conhecia o homem que estava sentado atrás dele. Naquele momento, Clemenza, tão ardilosa e graciosamente como uma menina colocando uma fita na cabeça de um gatinho, lançou o garrote em volta do pescoço de Carlo Rizzi. A corda lisa começou a cortar-lhe penetrantemente a pele à medida que Clemenza o estrangulava puxando a corda com toda a força; o corpo de Rizzi saltou no ar como um peixe numa linha de pesca, mas Clemenza segurava-o firme, apertando o garrote até que o corpo ficou mole. De repente, sentiu um mau cheiro no interior do carro. O corpo de Carlo, com o esfíncter solto pela morte que se aproximava, descarregou os excrementos. Clemenza continuou a apertar o garrote por mais alguns minutos por medida de segurança, depois soltou a corda e enfiou-a no bolso. Recostou-se no assento acolchoado, enquanto o corpo de Carlo tombava de encontro à porta. Após alguns momentos, Clemenza abaixou o vidro da janela para deixar sair o fedor.


* * *

A vitória da Família Corleone foi completa.
Durante esse mesmo período de 24 horas, Clemenza e Lampone soltaram os seus regimes e puniram os infiltradores dos domínios dos Corleone. Neri foi enviado para assumir o comando do regime de Tessio. Os bookmakers de Barzini foram postos fora de ação; dois dos maiores valentões dos Barzini foram assassinados a tiros quando jantavam tranqüilamente num restaurante italiano da Mulberry Street. Um famoso amolecedor de páreos das corridas de trote foi abatido ao voltar para casa depois de uma noite em que ganhou bastante nas corridas. Dois dos maiores agiotas do cais do porto desapareceram, sendo encontrados meses depois nos pântanos de Nova Jersey.
Com esse único ataque selvagem, Michael Corleone fez a sua reputação e repôs a Família Corleone no seu lugar de destaque entre as Famílias de Nova York. Tornou-se respeitado não somente pelo seu brilhantismo tático, mas porque alguns dos mais importantes caporegimes das Famílias Barzini e Tattaglia imediatamente se passaram para o seu lado.
Foi um triunfo perfeito para Michael Corleone, com exceção da demonstração de histeria dada por sua irmã.
Connie voltou de avião para casa em companhia da mãe, deixando as crianças em Las Vegas. Ela conteve a sua dor de viúva até a limusine entrar na alameda. Então, antes de poder ser contida pela mãe, ela saiu correndo pela rua calçada da alameda em direção à casa de Michael Corleone. Atravessou furiosamente a porta e encontrou Michael e Kay na sala de estar.
Kay partiu para ir de encontro a ela, para confortá-la e tomá-la nos braços num amplexo de irmã, mas parou logo quando Connie começou a gritar pragas e insultos para o irmão.
— Seu patife nojento! — gritou ela — Você matou meu marido! Você esperou que nosso pai morresse, para que ninguém pudesse detê-lo, e matou meu marido! Você o matou! Você o culpou pela morte de Sonny, você sempre o culpou, todo mundo o culpou. Mas nunca pensou em mim. Você nunca ligou para mim. Que é que vou fazer agora, que é que vou fazer?
Ela estava gemendo. Dois dos guarda-costas de Michael tinham vindo atrás dela e esperavam ordens dele.
Mas Michael permaneceu ali impassível, esperando que a irmã terminasse o seu desabafo.
— Connie, você está perturbada, não diga essas coisas — atalhou Kay com voz emocionada.
Connie recuperou-se da histeria. Com a voz cheia de veneno, falou:
— Por que você pensa que ele sempre estava tão frio comigo? Por que você pensa que ele conservou Carlo aqui na alameda? Durante todo o tempo, ele sabia que ia matar meu marido. Mas não se atreveu, enquanto meu pai estava vivo. Meu pai o teria detido. Ele sabia disso. Estava apenas esperando. Então serviu de padrinho para o nosso filho só para nos despistar. O patife sem coração! Você pensa que conhece seu marido? Você sabe quantos homens ele matou como meu Carlo? Basta ler os jornais. Barzini e Tattaglia e os outros. Meu irmão matou todos eles.
Ela teve novo ataque de histeria.
Tentou cuspir no rosto de Michael, mas não tinha saliva.
— Leve-a para casa e consiga um médico para ela — disse Michael.
Os dois guarda-costas imediatamente agarraram os braços de Connie e puxaram-na para fora de casa.
Kay ainda estava chocada, sentia-se horrorizada. Perguntou ao marido:
— Que foi que fez Connie dizer todas aquelas coisas, Michael, que é que a faz acreditar naquilo?
Michael deu de ombros e respondeu:
— Ela é histérica.
Kay olhou dentro dos olhos dele.
— Michael, não é verdade, por favor diga que não é verdade!
Michael balançou a cabeça com um ar cansativo.
— Claro que não é verdade. Acredite em mim, desta vez estou deixando você me fazer perguntas sobre meus negócios, e estou respondendo. Não é verdade.
Ele nunca foi mais convincente. Olhou diretamente dentro dos olhos da mulher. Estava usando toda a confiança mútua que haviam criado em sua vida conjugal para fazê-la acreditar nele. E ela não podia duvidar mais. Kay sorriu para ele pesarosamente e atirou-se em seus braços para beijá-lo.
— Nós dois precisamos de um trago — disse ela.
Kay foi para a cozinha buscar gelo e enquanto estava lá ouviu a porta da frente se abrir. Saiu da cozinha e viu Clemenza, Neri e Rocco Lampone entrarem com os guarda-costas. Michael estava de costas para ela, mas ela se moveu para poder vê-lo de perfil. Naquele momento Clemenza dirigiu-se ao marido dela, saudando-o formalmente.
— Don Michael — disse Clemenza.
Kay pôde ver como Michael estava ali pronto para receber a homenagem daqueles homens. Ele lembrou a ela as estátuas de Roma, estátuas daqueles imperadores da antiguidade, que, por direito divino, mantinham o poder de vida e morte sobre os seus semelhantes.
Michael estava com a mão na cintura, o perfil de seu rosto mostrava um poder orgulhoso, frio, seu corpo estava descuidadamente, arrogantemente, à vontade, o peso repousando num pé levemente por trás do outro. Os caporegimes postados diante dele.
Naquele momento Kay compreendeu que aquilo tudo de que Connie acusara Michael era verdade. Ela voltou para a cozinha e chorou.

  



 Continua...





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