CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
CAPÍTULO
31
N
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AQUELE
MESMO DIA, duas limusines achavam-se estacionadas na alameda de Long Beach. Um
dos carros grandes esperava para levar Connie Corleone, sua mãe, seu marido e
seus dois filhos ao aeroporto. A família de Carlo Rizzi ia passar umas férias
em Las Vegas, a fim de se preparar para mudar-se definitivamente para aquela
cidade. Michael dera a ordem a Carlo, sob protestos de Connie. Michael não quis
explicar que queria todo mundo fora da alameda antes do encontro das Famílias
Corleone e Barzini. Na verdade, o próprio encontro era um grande segredo. As
únicas pessoas que estavam informadas sobre ele eram os capos da Família.
A outra limusine era
para Kay e seus filhos, que seriam levados para New Hampshire em visita aos
pais dela. Michael teria de ficar na alameda; tinha assuntos muito importantes
para resolver e não podia viajar.
Na noite anterior,
Michael mandara avisar a Carlo Rizzi que precisava da sua presença na alameda
por alguns dias, que ele iria juntar-se à mulher e aos filhos depois, lá para o
fim. Connie ficou furiosa. Tentou falar com Michael pelo telefone, mas ele fora
à cidade. Agora ela percorria com os olhos toda a alameda em busca de Michael,
mas ele estava fechado na sala com Tom Hagen e não podia ser perturbado. Connie
deu um beijo de despedida em Carlo quando ele a pôs na limusine.
— Se você não aparecer
lá dentro de dois dias, eu volto para apanhar você — ameaçou ela.
Ele sorriu malicioso,
na linguagem muda de marido para mulher.
— Estarei lá —
retrucou.
Ela meteu a cabeça
para fora da janela e perguntou:
— Para que você acha
que Michael lhe quer aqui?
Sua fisionomia
preocupada fê-la parecer velha e feia.
Carlo deu de ombros.
— Ele vem-me prometendo um grande negócio. Talvez
seja sobre isso que queira falar. De qualquer maneira, foi o que ele deu a entender.
Carlo nada sabia a
respeito da reunião marcada para aquela noite com a Família Barzini.
— É verdade, Carlo? — insistiu Connie
ansiosamente.
Carlo acenou a cabeça
de modo afirmativo. A limusine atravessou os portões da alameda e foi embora.
Somente depois que a
primeira limusine partiu foi que Michael apareceu para despedir-se de Kay e de
seus próprios filhos. Carlo também veio apresentar a Kay seus votos de boa
viagem e boas férias. Finalmente, a segunda limusine arrancou e atravessou o
portão.
— Lamento ter sido
obrigado a mantê-lo aqui, Carlo — disse Michael — Será apenas por uns dois dias.
— Não tem importância
alguma — respondeu Carlo.
— Ótimo — tornou
Michael — Apenas fique perto do telefone que eu o chamarei quando precisar de
você. Tenho de obter mais algumas informações antes. Está bem?
— Certamente, Mike, certamente — concordou
Carlo.
Em seguida, Carlo foi
para a sua própria casa, deu um telefonema para a amante que ele mantinha discretamente
em Westbury, prometendo que tentaria visitá-la mais tarde, naquela noite.
Depois acomodou-se com uma garrafa de uísque do lado e esperou. Esperou um
tempão. Carros começaram a chegar e a atravessar o portão logo depois do
meio.dia. Ele viu Clemenza saltar de um, e um pouco mais tarde Tessio saiu de
outro. Ambos foram introduzidos na casa de Michael por um dos guarda-costas.
Clemenza partiu algumas horas depois, mas Tessio não reapareceu.
Carlo deu um passeio
pela alameda, para tomar um pouco de ar fresco, que não durou mais de dez
minutos. Conhecia todos os guardas que davam serviço na alameda, era até quase
amigo de alguns deles. Pensou que pudesse bater um papo para passar o tempo.
Mas para sua surpresa, nenhum dos guardas daquele dia era algum dos homens que
ele conhecia. Todos eram estranhos para ele. Mais surpreendente ainda era que o
homem encarregado do portão era Rocco Lampone, e Carlo sabia que Rocco ocupava
uma posição muito alta na Família para exercer uma tarefa tão servil, a não ser
que algo extraordinário estivesse ocorrendo.
Rocco deu-lhe um
sorriso amistoso e cumprimentou-o. Carlo estava desconfiado. Rocco exclamou:
— Ué, pensei que você tivesse ido gozar férias com
a sua família.
Carlo deu de ombros.
— Mike quis que eu
ficasse aqui alguns dias. Ele tem alguma coisa para eu fazer.
— É verdade — retrucou
Rocco Lampone — Eu também. Então ele me pediu para ficar de olho aqui no
portão. Bem, que diabo, ele é o chefe.
O tom de sua voz
insinuava que Michael não era um homem igual ao que tinha sido o pai, falou um
pouco depreciativamente.
Carlo fingiu não
perceber aquele tom.
— Mike sabe o que está
fazendo — disse ele.
Rocco aceitou a
reprimenda em silêncio. Carlo se despediu e voltou para a sua casa. Alguma
coisa estava no ar, mas Rocco não sabia o que era.
Michael estava postado
na janela de sua sala de estar e viu Carlo passear pela alameda. Hagen
trouxe-lhe uma bebida, um conhaque forte. Michael bebeu-a prazerosamente. Por
trás dele, Hagen disse, gentilmente:
— Mike, você precisa
começar a se movimentar. Está na hora.
Michael deu um
suspiro.
— Eu queria que não
fosse tão cedo. Esperava que o velho tivesse durado um pouco mais.
— Nada sairá errado —
afirmou Hagen — Se eu não entendi, então ninguém entendeu. Você armou a coisa
muito bem.
Michael afastou-se da
janela.
— O velho planejou uma
boa parte dela. Nunca cheguei a compreender bem quão esperto ele era. Acho que
você sabe.
— Ninguém como ele —
retrucou Hagen — Mas isso está lindo. Isso é a melhor coisa que já vi.
Portanto, você não pode ser assim tão ruim.
— Vamos ver o que
acontece — disse Michael — Tessio e Clemenza estão na alameda?
Hagen acenou com a
cabeça afirmativamente, Michael terminou de beber o seu conhaque.
— Mande Clemenza falar
aqui comigo. Vou instruí-lo pessoalmente. Não quero ver Tessio. Diga-lhe apenas
que estarei pronto para ir com ele à reunião com Barzini dentro de meia hora. O
pessoal de Clemenza cuidará dele depois disso.
— Não há meio de se
deixar Tessio escapar? — perguntou Hagen numa voz cautelosa.
— Não —
respondeu Michael.
Enquanto isso, na
cidade de Buffalo, uma pequena pizzaria numa rua lateral estava fazendo um
negócio movimentado. Quando passou a hora do almoço, o movimento caiu e o
balconista tirou da janela a bandeja redonda com os pedaços que haviam sobrado e
pôs na prateleira do enorme forno de tijolos. Em. seguida, deu uma espiada
dentro do forno para ver como ia uma pizza que estava assando ali. A mozzarela
ainda não começara a fazer bolhas. Quando voltou para o balcão que lhe permitia
atender o pessoal da rua, encontrou ali de pé um rapaz mal-encarado, que lhe
falou:
— Me dê um pedaço de
pizza.
O balconista pegou a
sua pá de madeira e apanhou um dos pedaços frios da pizza para metê-lo no forno
a fim de esquentá-lo. O freguês, em vez de esperar lá fora, resolveu atravessar
a porta para ser atendido. A casa agora estava vazia. O balconista abriu o
forno e tirou o pedaço de pizza quente e serviu-o num prato de papel. Mas o
freguês, em vez de dar-lhe o dinheiro da pizza, estava olhando fixamente para
ele.
— Ouvi dizer que você
tem uma tatuagem grande no peito — disse o freguês — Estou vendo a parte
superior dela por cima de sua camisa, quer-me deixar ver o resto dela?
O balconista ficou
gelado. Parecia paralisado.
— Abra a camisa —
ordenou o freguês.
O balconista balançou
a cabeça.
— Não tenho tatuagem —
respondeu, num inglês carregadamente acentuado — O homem que trabalha de noite
é que tem.
O freguês deu uma
gargalhada soturna, forçada.
— Vamos, desabotoe a
camisa, deixe-me ver..
O balconista começou a
recuar para o fundo da casa, procurando contornar o enorme forno. Mas o freguês
ergueu a mão acima do balcão. Havia um revólver nela. Ele atirou. A bala
atingiu o balconista no peito e jogou-o contra o forno. O freguês atirou
novamente no corpo do balconista e este tombou no chão. O freguês deu a volta
pelo balcão, abaixou-se e abriu violentamente a camisa, arrancando-lhe os
botões. O peito do balconista estava coberto de sangue, mas a tatuagem se
mostrava bem visível: os amantes entrelaçados e a faca transfixando-os. O
balconista levantou debilmente um dos braços como que para se proteger.
O pistoleiro falou
então:
— Fabrizzio, Michael
Corleone manda-lhe lembranças.
Estendeu o braço de
forma que o revólver ficasse a poucos centímetros do crânio do balconista e
puxou o gatilho. Depois saiu da pizzaria. A poucos metros, um carro esperava
por ele com a porta aberta. Ele saltou para dentro e o carro arrancou
velozmente.
Rocco Lampone atendeu
ao telefone instalado numa das colunas de ferro do portão e ouviu alguém dizer:
— A sua encomenda está
pronta — e em seguida desligou.
Rocco entrou no seu
carro e saiu da alameda. Atravessou a pista elevada de Jones Beach, a mesma na
qual Sonny fora assassinado, e seguiu até a estaçâo ferroviária de Wantagh.
Estacionou seu carro ali. Outro carro estava esperando por ele com dois homens
no seu interior. Foram até a um motel situado a dez minutos de distância na
Estrada Sunrise e estacionaram em seu pátio. Rocco Lampone, deixando os dois
homens no carro, dirigiu-se para um dos pequenos bangalôs tipo chalé. Um só
pontapé fez a porta saltar das dobradiças e Rocco pulou dentro do quarto.
Phillip Tattaglia, com
70 anos de idade e nu como um bebê, estava em pé numa cama na qual se achava
deitada uma mulher jovem. A basta cabeleira de Philhip Tattaglia estava
completamente preta, mas o pêlo de seu púbis era totalmente branco. O seu corpo
tinha a suave forma roliça de uma ave. Rocco despejou-lhe quatro balas, todas
na barriga. Depois virou-se e voltou correndo para o carro. Os dois homens deixaram-no
na estação de Wantagh. Ele apanhou o seu carro e retornou à alameda. Foi lá
dentro falar com Michael Corleone por um momento e depois saiu e reassumiu seu
posto no portão.
Albert Neri, sozinho
em seu apartamento, terminou de aprontar seu uniforme. Vagarosamente começou a
se vestir: calças, camisa, gravata, paletó, coldre e cinturão. Ele devolveu o
seu revólver quando foi suspenso da polícia, mas, por qualquer negligência
administrativa, não o fizeram devolver o escudo. Clemenza fornecera-lhe um revólver
regulamentar da polícia, de calibre 38, cuja origem não podia ser identificada.
Neri desmontou-o, lubrificou-o, examinou o canhão, montou-o novamente,
experimentou o gatilho. Carregou o tambor e a arma estava pronta para
funcionar.
Neri meteu o boné de polícia
num saco de papel grosso e vestiu um sobretudo civil por cima de seu uniforme.
Olhou as horas no seu relógio. Faltavam quinze minutos para que o carro viesse
apanhá-lo lá embaixo. Passou os quinze minutos examinando-se no espelho. Não
havia dúvida. Ele parecia um verdadeiro policial.
O carro o aguardava
com dois homens de Rocco Lampone na frente. Neri entrou no assento traseiro.
Quando o carro partiu para o centro da cidade, depois que eles deixaram as
proximidades do seu apartamento, Neri tirou o sobretudo e colocou-o no piso do
carro. Rasgou o saco de papel e pôs o boné de oficial da polícia na cabeça.
Na esquina na Rua 55,
na Quinta Avenida, o carro parou no meio-fio e Neri saltou. Começou a descer a
pé a avenida. Tinha um sentimento estranho ao ver-se novamente uniformizado,
patrulhando as ruas como tinha feito tantas vezes, O movimento de pedestres era
intenso àquela hora. Foi caminhando até chegar em frente ao Rockefeller Center, no lado oposto a
quem vem da Catedral de Saint Patrick. No seu lado da Quinta Avenida, ele
localizou a limusine que procurava. Estava estacionada, completamente isolada
entre uma série enorme de sinais vermelhos indicando ESTACIONAMENTO PROIBIDO e
PARADA PROIBIDA.
Neri diminuiu o passo.
Ainda era muito cedo. Parou para escrever alguma coisa em seu caderninho e
depois continuou a andar. Estava à frente da limusine. Bateu no pára-lama com o
seu cassetete. O motorista olhou surpreso para ele. Neri apontou com o
cassetete para o sinal de PARADA PROIBIDA e acenou para o motorista que
movimentasse o carro. O motorista virou a cabeça para o outro lado.
Neri desceu para a rua
e se postou ao lado da janela aberta do motorista. O sujeito era mal-encarado,
exatamente o tipo que ele gostava de enfrentar. Neri falou de modo deliberadamente
insultuoso:
— Como é, seu
espertinho, você vai querer que eu lhe pregue um talão de multa na bunda ou
prefere andar?
O motorista respondeu
impassivelmente:
— É melhor você
perguntar aos seus superiores. Me dê o talão de multa se isso vai-lhe fazer sentir-se
feliz.
— Vai caindo fora
daqui — gritou Neri — Ou o arranco desse carro e lhe arrebento a bunda a
pontapés!
O motorista fez
aparecer uma nota de dez dólares como que por um passe de mágica, dobrou-a,
formando um pequeno quadrado, com uma das mãos, e tentou enfiá-la na blusa de
Neri. Este voltou para a calçada e chamou o motorista com o dedo. O motorista
saiu do carro
— Deixe-me ver os
documentos do carro — disse Neri.
Ele esperava poder
levar o motorista a contornar o quarteirão, mas isso já não era possível. Com o
canto do olho, Neri viu três homens baixos, fortes, descendo a escada do
edifício Plaza e vindo na direção da rua. Era o próprio Barzini e seus dois
guarda-costas a caminho para encontrar-se com Michael Corleone. Imediatamente,
um dos guarda-costas destacou-se do grupo e veio ver o que é que havia com o
carro de Barzini. O homem perguntou ao motorista:
— Que é que há?
— Estou sendo multado,
não há problema. Esse sujeito deve ser novo aqui na zona.
Nesse momento, Barzini
aproximou-se, acompanhado do outro guarda-costas, e gritou:
— Que diabo há agora?
Neri acabou de
escrever no seu caderninho e devolveu os documentos ao motorista. Depois enfiou
o caderninho no bolso traseiro da calça e quando trouxe a mão para a frente
tinha o revólver de calibre 38 na mão.
Ele meteu três balas
no peito de Barzini antes que os outros dois homens se recuperassem do choque
para poder defendê-lo. Nessa altura, Neri já saíra correndo por entre a
multidão e dobrara a esquina onde o carro estava esperando por ele. O veículo
saiu velozmente pela Quinta Avenida e virou para o centro da cidade. Perto do
Chelsea Park, Neri, que já havia tirado o boné, vestido o sobretudo e mudado a
roupa, transferiu-se para outro carro que o aguardava. Deixara o revólver e o
uniforme de polícia no outro carro. Eles dariam sumiço a essas coisas. Uma hora
depois, estava são e salvo na alameda de Long Beach falando com Michael
Corleone.
Tessio esperava na
cozinha da casa do velho Don, bebendo uma xícara de café, quando Tom Hagen veio
procurá-lo.
— Mike está à sua
disposição agora — disse Hagen — É melhor você telefonar para Barzini e dizer
que ele pode começar a se dirigir para o encontro.
Tessio levantou-se e
foi até o telefone da parede. Discou o número do escritório de Barzini em Nova
York e disse laconicamente:
— Estamos a caminho do
Brooklyn — desligou e sorriu para Hagen dizendo — Espero que Mike possa
arranjar um bom negócio para nós esta noite
— Estou certo de que
ele arranjará — respondeu Hagen com gravidade. Ele acompanhou Tessio para fora
da cozinha e através da alameda. Foram caminhando até a casa de Michael.
Na porta, foram
detidos por uns dos guarda-costas.
— O chefe diz que vai
num carro separado. Mandou vocês dois irem andando.
Tessio franziu as
sobrancelhas, virou-se para Hagen e exclamou:
— Diabo, ele não pode
fazer isso; isso vai atrapalhar toda a minha combinação.
Naquele momento,
outros três guarda-costas o cercaram. Hagen disse cortesmente:
— Eu tampouco posso ir
com você, Tessio.
O caporegime compreendeu tudo numa fração de segundo. E aceitou a
situação. Houve um momento de fraqueza física, depois ele se recuperou e disse
a Hagen:
— Diga a Mike que isso
era apenas negócio, sempre gostei dele.
Hagen acenou com a
cabeça.
— Ele compreenderá.
Tessio fez uma pausa
rápida e depois perguntou suavemente:
— Tom, você pode me
tirar dessa situação? Em homenagem aos velhos tempos?
Hagen balançou com a
cabeça.
— Não — respondeu.
Tom viu os
guarda-costas cercarem Tessio e o conduzirem para um carro que estava
esperando. Sentiu-se um pouco triste. Tessio fora o melhor soldado da Família
Corleone; o velho Don confiara nele mais do que em qualquer outro homem com
exceção de Luca Brasi. Era lamentável que um homem tão inteligente cometesse
tal erro fatal de julgamento tão tarde na vida.
Carlo Rizzi, ainda
esperando pela entrevista com Michael, ficou nervoso com todas aquelas chegadas
e partidas. Obviamente algum grande acontecimento estava ocorrendo e parecia
que ele ia ficar de fora. Impacientemente, chamou Michael ao telefone. Um dos
guarda-costas da casa atendeu, foi buscar Michael e voltou com o recado de que
Michael queria que ele ficasse de sobreaviso, que ele o chamaria dali a pouco.
Carlo telefonou para a
amante novamente e disse-lhe que tinha a certeza de que poderia levá-la para
cear mais tarde e passar a noite com ela. Michael dissera que o mandaria chamar
dali a pouco, o que quer que ele planejasse não podia levar mais que uma ou
duas horas. Depois gastaria cerca de 40 minutos para chegar a Westbury. Isso
poderia ser feito. Ele prometeu-lhe que faria isso e conversou-a maciamente,
pedindo que ela não se zangasse. Quando desligou, resolveu vestir-se
convenientemente para ganhar tempo depois. Tinha acabado de enfiar uma camisa
limpa quando bateram na porta. Ele raciocinou rapidamente que Mike tentara
falar com ele pelo telefone e encontrara a linha ocupada, assim resolvera
simplesmente mandar um mensageiro chamá-lo.
Carlo foi até a porta
e abriu-a. Sentiu o corpo todo enfraquecer invadido por um terrível medo.
Postado no vão da porta estava Michael Corleone, com a cara que parecia
exatamente a daquela morte que Carlo Rizzi via freqüentemente em seus sonhos.
Por trás de Michael
Corleone estavam Hagen e Rocco Lampone. Eles pareciam solenes, como pessoas que
tinham vindo com a maior relutância dar más notícias a um amigo. Os três homens
entraram na casa e Carlo Rizzi levou-os para a sala de estar. Restabelecido do
primeiro choque, ele pensou que tivesse sofrido um ataque de nervos. As palavras de Michael fizeram-no sentir-se realmente
doente, fisicamente enjoado.
— Você tem de responder pela morte de Santino —
disse Michael.
Carlo não respondeu,
fingindo não entender. Hagen e Lampone separaram-se, indo para paredes opostas
da sala. Carlo e Michael encararam-se.
— Você entregou Sonny
ao pessoal de Barzini — disse Michael categoricamente — Aquela pequena farsa
que você desempenhou com minha irmã, será que Barzini o enganou dizendo que
isso tapearia um Corleone?
Canto Rizzi respondeu
apavorado, sem dignidade, sem qualquer vestígio de orgulho:
— Juro que sou inocente. Juro pela cabeça de meus
filhos que sou inocente. Mike, não me faça isso, por favor, Mike, não me faça
isso.
— Barzini está morto —
retrucou Michael tranqüilamente — Phillip Tattaglia também. Quero ajustar todas
as contas da Família esta noite. Portanto, não me diga que você é inocente.
Seria melhor que você admitisse que é culpado.
Hagen e Lampone
olharam para Michael com espanto. Estavam pensando que Michael ainda não era o
homem que o pai fora. Por que tentar fazer esse traidor confessar-se culpado?
Tal culpa já estava tão provada quanto uma coisa como essa podia sê-lo, A
resposta era evidente. Michael ainda não tinha tanta confiança em sua razão,
ainda receava ser injusto, ainda se preocupava com aquela fração de incerteza
que apenas uma confissão de Carlo Rizzi podia apagar.
Ainda não houve
resposta. Michael disse quase bondosamente:
— Não fique tão
assustado. Você pensa que vou tornar minha irmã viúva? Você pensa que vou
tornar meus sobrinhos órfãos de pai? Afinal de, contas, sou padrinho de um dos
seus filhos. Não, o seu castigo será que você não poderá trabalhar com a
Família. Vou-lhe pôr num avião para Las Vegas para você se unir á sua mulher e
filhos e quero que você fique por lá. Mandarei uma mesada para Connie. Só isso.
Mas não diga que você é inocente, não insulte minha inteligência e não me
irrite. Quem o procurou,Tattaglia ou Barzini?
Carlo Rizzi em sua
angustiosa esperança de salvar a vida, em seu suave alívio de que não iria ser
morto, murmurou:
— Barzini.
— Ótimo, ótimo — disse
Michael brandamente. Fez um sinal com a mão direita dizendo — Quero que você
parta agora. Há um carro esperando para levar você ao aeroporto.
Carlo saiu pela porta,
seguido de perto pelos três homens. Era noite agora, mas a alameda como de
costume estava iluminada pelos holofotes. Um carro parou. Carlo viu que era o
seu próprio carro. Não reconheceu o motorista. Havia alguém sentado atrás, mas
do lado oposto. Lampone abriu a porta da frente e fez sinal para Carlo entrar.
Michael disse:
— Vou telefonar para sua mulher e dizer que você
está a caminho.
Carlo entrou no carro. A sua camisa de seda estava
ensopada de suor.
O veículo partiu,
movendo-se rapidamente na direção do portão.
Carlo começou a virar
a cabeça para ver se conhecia o homem que estava sentado atrás dele. Naquele
momento, Clemenza, tão ardilosa e graciosamente como uma menina colocando uma
fita na cabeça de um gatinho, lançou o garrote em volta do pescoço de Carlo
Rizzi. A corda lisa começou a cortar-lhe penetrantemente a pele à medida que Clemenza
o estrangulava puxando a corda com toda a força; o corpo de Rizzi saltou no ar
como um peixe numa linha de pesca, mas Clemenza segurava-o firme, apertando o
garrote até que o corpo ficou mole. De repente, sentiu um mau cheiro no
interior do carro. O corpo de Carlo, com o esfíncter solto pela morte que se
aproximava, descarregou os excrementos. Clemenza continuou a apertar o garrote
por mais alguns minutos por medida de segurança, depois soltou a corda e
enfiou-a no bolso. Recostou-se no assento acolchoado, enquanto o corpo de Carlo
tombava de encontro à porta. Após alguns momentos, Clemenza abaixou o vidro da
janela para deixar sair o fedor.
* * *
A vitória da Família Corleone foi
completa.
Durante esse mesmo
período de 24 horas, Clemenza e Lampone soltaram os seus regimes e puniram os
infiltradores dos domínios dos Corleone. Neri foi enviado para assumir o
comando do regime de Tessio. Os bookmakers de Barzini foram postos fora de
ação; dois dos maiores valentões dos Barzini foram assassinados a tiros quando
jantavam tranqüilamente num restaurante italiano da Mulberry Street. Um famoso
amolecedor de páreos das corridas de trote foi abatido ao voltar para casa
depois de uma noite em que ganhou bastante nas corridas. Dois dos maiores
agiotas do cais do porto desapareceram, sendo encontrados meses depois nos
pântanos de Nova Jersey.
Com esse único ataque
selvagem, Michael Corleone fez a sua reputação e repôs a Família Corleone no
seu lugar de destaque entre as Famílias de Nova York. Tornou-se respeitado não
somente pelo seu brilhantismo tático, mas porque alguns dos mais importantes caporegimes das Famílias Barzini e
Tattaglia imediatamente se passaram para o seu lado.
Foi um triunfo
perfeito para Michael Corleone, com exceção da demonstração de histeria dada
por sua irmã.
Connie voltou de avião
para casa em companhia da mãe, deixando as crianças em Las Vegas. Ela conteve a
sua dor de viúva até a limusine entrar na alameda. Então, antes de poder ser
contida pela mãe, ela saiu correndo pela rua calçada da alameda em direção à
casa de Michael Corleone. Atravessou furiosamente a porta e encontrou Michael e
Kay na sala de estar.
Kay partiu para ir de
encontro a ela, para confortá-la e tomá-la nos braços num amplexo de irmã, mas
parou logo quando Connie começou a gritar pragas e insultos para o irmão.
— Seu patife nojento!
— gritou ela — Você matou meu marido! Você esperou que nosso pai morresse, para
que ninguém pudesse detê-lo, e matou meu marido! Você o matou! Você o culpou
pela morte de Sonny, você sempre o culpou, todo mundo o culpou. Mas nunca
pensou em mim. Você nunca ligou para mim. Que é que vou fazer agora, que é que
vou fazer?
Ela estava gemendo.
Dois dos guarda-costas de Michael tinham vindo atrás dela e esperavam ordens
dele.
Mas Michael permaneceu
ali impassível, esperando que a irmã terminasse o seu desabafo.
— Connie, você está
perturbada, não diga essas coisas — atalhou Kay com voz emocionada.
Connie recuperou-se da
histeria. Com a voz cheia de veneno, falou:
— Por que você pensa
que ele sempre estava tão frio comigo? Por que você pensa que ele conservou
Carlo aqui na alameda? Durante todo o tempo, ele sabia que ia matar meu marido.
Mas não se atreveu, enquanto meu pai estava vivo. Meu pai o teria detido. Ele
sabia disso. Estava apenas esperando. Então serviu de padrinho para o nosso
filho só para nos despistar. O patife sem coração! Você pensa que conhece seu
marido? Você sabe quantos homens ele matou como meu Carlo? Basta ler os
jornais. Barzini e Tattaglia e os outros. Meu irmão matou todos eles.
Ela teve novo ataque
de histeria.
Tentou cuspir no rosto
de Michael, mas não tinha saliva.
— Leve-a para casa e
consiga um médico para ela — disse Michael.
Os dois guarda-costas
imediatamente agarraram os braços de Connie e puxaram-na para fora de casa.
Kay ainda estava
chocada, sentia-se horrorizada. Perguntou ao marido:
— Que foi que fez
Connie dizer todas aquelas coisas, Michael, que é que a faz acreditar naquilo?
Michael deu de ombros
e respondeu:
— Ela é histérica.
Kay olhou dentro dos
olhos dele.
— Michael, não é
verdade, por favor diga que não é verdade!
Michael balançou a
cabeça com um ar cansativo.
— Claro que não é
verdade. Acredite em mim, desta vez estou deixando você me fazer perguntas
sobre meus negócios, e estou respondendo. Não é verdade.
Ele nunca foi mais
convincente. Olhou diretamente dentro dos olhos da mulher. Estava usando toda a
confiança mútua que haviam criado em sua vida conjugal para fazê-la acreditar
nele. E ela não podia duvidar mais. Kay sorriu para ele pesarosamente e atirou-se
em seus braços para beijá-lo.
— Nós dois precisamos
de um trago — disse ela.
Kay foi para a cozinha
buscar gelo e enquanto estava lá ouviu a porta da frente se abrir. Saiu da
cozinha e viu Clemenza, Neri e Rocco Lampone entrarem com os guarda-costas.
Michael estava de costas para ela, mas ela se moveu para poder vê-lo de perfil.
Naquele momento Clemenza dirigiu-se ao marido dela, saudando-o formalmente.
— Don Michael — disse
Clemenza.
Kay pôde ver como
Michael estava ali pronto para receber a homenagem daqueles homens. Ele lembrou
a ela as estátuas de Roma, estátuas daqueles imperadores da antiguidade, que,
por direito divino, mantinham o poder de vida e morte sobre os seus
semelhantes.
Michael estava com a
mão na cintura, o perfil de seu rosto mostrava um poder orgulhoso, frio, seu
corpo estava descuidadamente, arrogantemente, à vontade, o peso repousando num
pé levemente por trás do outro. Os caporegimes
postados diante dele.
Naquele momento Kay
compreendeu que aquilo tudo de que Connie acusara Michael era verdade. Ela
voltou para a cozinha e chorou.
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