— CAPÍTULO NOVE —
O Duelo À Meia-Noite
HARRY JAMAIS ACREDITARA
que fosse encontrar um garoto que ele detestasse mais do que Duda, mas isto foi
antes de conhecer Draco. Os alunos do primeiro ano da Grifinória, porém, só
tinham uma aula com os da Sonserina, a de Poções, por isso não precisavam
aturar Draco muito tempo. Ou pelo menos, não precisavam até ver um aviso
pregado no Salão Comunal da Grifinória que fez todos gemerem. As aulas de voo começariam
na Quinta-Feira e os alunos das duas casas aprenderiam juntos.
—
Típico — disse Harry desanimado — É o que eu sempre quis, fazer papel de
palhaço montado numa vassoura na frente do Draco.
Ele
estivera ansioso para aprender a voar, mais do que qualquer outra coisa.
—
Você não sabe se vai fazer papel de palhaço — disse Rony sensato — Em todo o
caso, sei que Draco vive falando que é bom em Quadribol, mas aposto que é
conversa fiada.
Draco
sem dúvida falava muito de voos. Queixava-se em voz alta que os alunos do
primeiro ano nunca entravam para o
time de Quadribol e se gabava em longas histórias, que sempre pareciam terminar
com ele escapando por um triz dos trouxas de helicóptero. Mas ele não era o
único, pelo que Simas Finnigan contava, ele passara a maior parte da infância
voando pelo campo montado numa vassoura. Até Rony contava para quem quisesse
ouvir sobre a vez em que ele quase batera numa asa delta montado na velha
vassoura de Carlinhos.
Todos
os garotos de famílias de bruxos falavam o tempo todo de Quadribol. Rony já
tivera uma grande discussão sobre futebol com Dino Thomas, que também usava o
dormitório deles. Rony não via nada excitante em um jogo em que ninguém podia
voar e só tinha uma bola. Harry surpreendera Rony cutucando o pôster em que
Dino aparecia com o time de futebol de West Ham, tentando fazer os jogadores se
mexerem.
Neville
nunca andara de vassoura na vida, porque a avó nunca o deixara chegar perto de
uma. No fundo, Harry achava que ela estava certíssima, porque Neville
conseguira sofrer um número impressionante de acidentes mesmo com os dois pés
no chão.
Hermione
Granger estava quase tão nervosa quanto Neville com a ideia de voar. Isto não
era coisa que se aprendesse de cor em um livro, não que ela não tivesse
tentado. No café da manhã de Quinta-Feira, deu um cansaço neles falando sobre
macetes de voo que lera em um livro da biblioteca chamado Quadribol Através dos Séculos. Neville praticamente se pendurava em
cada palavra que ela dizia, desesperado para aprender qualquer coisa que o
ajudasse a se segurar na vassoura mais tarde, mas todos os outros ficaram muito
felizes quando a conferência de Hermione foi interrompida pela chegada do
correio.
Harry
não recebera nenhuma carta desde o bilhete de Hagrid, uma coisa que Draco não
demorara nada a notar, é claro. A coruja de Draco estava sempre lhe trazendo de
casa pacotes de doces, que ele abria fazendo farol na mesa da Sonserina.
Uma
coruja de curral trouxe para Neville um pacotinho da avó. Ele o abriu excitado
e mostrou a todos uma bolinha de vidro do tamanho de uma bola de gude grande,
que parecia cheia de fumaça branca.
— É
um Lembrol! — explicou ele — Vovó
sabe que sou esquecido. Isto serve para avisar que a gente esqueceu de fazer
alguma coisa. Olhe, aperte assim e se ele fica vermelho, ah... — e ficou sem
graça, porque o Lembrol de repente emitiu uma luz escarlate —... Você esqueceu alguma coisa...
Neville
estava tentando se lembrar do que esquecera quando Draco, que ia passando pela
mesa da Grifinória, arrancou o Lembrol de sua mão.
Harry
e Rony puseram-se imediatamente de pé. Andavam querendo um motivo para brigar
com Draco, mas a Profª. McGonagall, que era capaz de identificar uma confusão
mais depressa do que qualquer outro professor da escola, num segundo estava lá.
— Que
é que está acontecendo?
—
Draco tirou o meu Lembrol, professora.
Mal-Humorado,
Draco mais do que depressa largou o Lembrol na mesa.
— Só
estava olhando — falou, e saiu de fininho com Crabbe e Goyle na esteira.
Às
três e meia, aquela tarde, Harry, Rony e os outros garotos da Grifinória
desceram correndo as escadas que levavam para fora do castelo para a primeira
aula de voo. Era um dia claro, com uma brisa fresca e a grama ondeava pelas
encostas sob seus pés ao caminharem em direção a um gramado plano que havia do
lado oposto à Floresta Proibida, cujas árvores balançavam sinistramente a
distância.
Os
garotos da Sonserina já estavam lá, bem como as vinte vassouras arrumadas em
fileiras no chão. Harry ouvira Fred e Jorge Weasley se queixarem das vassouras
da escola, dizendo que havia umas que começavam a vibrar quando voavam muito
alto, ou sempre repuxavam ligeiramente para a esquerda. A professora, Madame
Hooch, chegou. Tinhas cabelos curtos e grisalhos e olhos amarelos como os de um
falcão.
—
Vamos, o que é que estão esperando? — perguntou com rispidez — Cada um ao lado
de uma vassoura. Vamos, andem logo.
Harry
olhou para a vassoura. Era velha e tinha algumas palhas espetadas para fora em
ângulos estranhos.
—
Estiquem a mão direita sobre a vassoura — mandou Madame Hooch diante deles — E
digam “Em pé!”.
— EM
PÉ! —— gritaram todos.
A
vassoura de Harry pulou imediatamente para sua mão, mas foi uma das poucas que
fez isso. A de Hermione Granger simplesmente se virou no chão e a de Neville
nem se mexeu. Talvez as vassouras como os
cavalos, percebessem quando a pessoa estava com medo, pensou Harry, havia
um tremor na voz de Neville, que dizia com demasiada clareza que ele queria
manter os pés no chão.
Madame
Hooch, em seguida, mostrou-lhes como montar as vassouras sem escorregar pela
outra extremidade, e passou pelas fileiras de alunos corrigindo a maneira de
segurá-la. Harry e Rony ficaram contentes quando ela disse a Draco que ele
segurava a vassoura errado havia anos.
—
Agora, quando eu apitar, deem um impulso forte com os pés — disse a professora
— Mantenham as vassouras firmes, saiam alguns centímetros do chão e voltem a
descer curvando o corpo um pouco para frente. Quando eu apitar... três...
dois...
Mas
Neville, nervoso, assustado, e com medo que a vassoura o largasse no chão, deu
um impulso forte antes mesmo de o apito tocar os lábios de Madame Hooch.
—
Volte, menino! — gritou ela, mas Neville subiu como uma rolha que sai sob
pressão da garrafa, quatro metros, seis metros.
Harry
viu a cara de Neville branca de medo espiando para o chão enquanto ganhava
altura, viu-o exclamar, escorregar de lado para fora da vassoura e...
BUM!
Um
baque surdo, um ruído de fratura e Neville caindo de borco na grama,
estatelado. Sua vassoura continuou a subir cada vez mais alto e começou a
flutuar sem pressa em direção à Floresta Proibida e desapareceu de vista.
Madame
Hooch se debruçou sobre Neville, o rosto tão branco quanto o dele.
—
Pulso quebrado — Harry ouviu-a murmurar — Vamos, menino, levante-se.
Virou-se
para o restante da classe.
—
Nenhum de vocês vai se mexer enquanto levo este menino a Ala Hospitalar! Deixem
as vassouras onde estão ou vão ser expulsos de Hogwarts antes de poderem dizer “Quadribol”. Vamos, querido.
Neville,
o rosto manchado de lágrimas, segurando o pulso, saiu mancando em companhia de
Madame Hooch, que o abraçava pelos ombros. Assim que se distanciaram e ficaram
fora do campo de audição da classe, Draco caiu na gargalhada.
—
Vocês viram a cara dele, o panaca?
Os
outros alunos da Sonserina fizeram coro.
—
Cala a boca, Draco — retrucou Parvati Patil.
—
Uuuu, defendendo o Neville? — disse Pansy Parkinson, uma aluna da Sonserina de
feições duras — Nunca pensei que você gostasse de manteiguinhas derretidas,
Parvati.
—
Olhe! — disse Draco, atirando-se para frente e recolhendo alguma coisa na grama
— É aquela porcaria que a avó do Neville mandou.
O
Lembrol cintilou ao sol quando o garoto o ergueu.
— Me
dá isso aqui, Draco — falou Harry em voz baixa.
Todos
pararam de conversar para espiar, Draco soltou uma risadinha malvada.
—
Acho que vou deixá-la em algum lugar para Neville apanhar, que tal em cima de
uma árvore?
— Me
dá isso aqui — berrou Harry, mas Draco montara na vassoura e saíra voando. Ele
não mentira, sabia voar bem, e planando ao nível dos ramos mais altos de um
carvalho desafiou — Venha buscar, Potter!
Harry
agarrou a vassoura.
—
Não! — gritou Hermione Granger — Madame Hooch disse para a gente não se mexer
Vocês vão nos meter numa enrascada.
Harry
não lhe deu atenção. O sangue palpitava em suas orelhas. Ele montou a vassoura,
deu um impulso com força e subiu, subiu alto, o ar passou veloz pelo seu cabelo
e suas vestes se agitaram com força para trás e numa onda de feroz alegria ele
percebeu que encontrara alguma coisa que era capaz de fazer sem ninguém lhe
ensinar. Isto era fácil, era
maravilhoso. Puxou a vassoura para o alto para subir ainda mais e ouviu gritos
e exclamações das garotas lá no chão e um viva de admiração do Rony. Virou a
vassoura com um gesto brusco ficando de frente para Draco, que planava no ar. O
garoto estava abobalhado.
— Me
dá isso aqui — mandou Harry — Ou vou derrubar você dessa vassoura!
— Ah
é? — retrucou Draco, tentando caçoar, mas parecendo preocupado.
Harry
de alguma maneira sabia o que fazer. Curvou-se para frente, segurou a vassoura
com firmeza com as duas mãos e ela disparou na direção de Draco como uma lança.
Draco só conseguiu escapar por um triz. Harry fez uma curva fechada e manteve a
vassoura firme. Algumas pessoas no chão aplaudiam.
—
Aqui não tem Crabbe nem Goyle para salvarem sua pele, Draco — berrou Harry.
O
mesmo pensamento parecia ter ocorrido a Draco.
—
Apanhe se puder, então! — gritou, e atirou a bolinha de cristal no ar e voltou
para o chão.
Harry
viu, como se fosse em câmara lenta, a bolinha subir no ar e começar a cair. Ele
se curvou para frente e apontou o cabo da vassoura para baixo, no instante
seguinte estava ganhando velocidade num mergulho quase vertical, apostando
corrida com a bolinha. O vento assobiava em suas orelhas, misturado aos gritos
das pessoas que olhavam, ele esticou a mão a uns trinta centímetros do solo
agarrou-a, bem em tempo de levar a vassoura à posição vertical, e caiu
suavemente na grama com o Lembrol salvo e seguro na mão.
—
HARRY POTTER!
Ele
perdeu a animação mais depressa do que quando mergulhara.
A
Profª. McGonagall vinha correndo em direção à turma.
Ele
se levantou tremendo.
—
Nunca... em todo o tempo que estou em Hogwarts... — a Profª. McGonagall quase
perdeu a fala de espanto e seus óculos cintilavam sem parar —... Como é que
você se atreve... podia ter partido o pescoço...
— Não
foi culpa dele, professora...
—
Calada, Srta. Patil...
— Mas
Draco...
—
Chega, Sr. Weasley, Potter me acompanhe, agora.
Harry
viu as caras vitoriosas de Draco, Crabbe e Goyle ao sair acompanhando,
espantado, a Profª. McGonagall, que seguiu para o castelo. Ia ser expulso, sabia. Queria dizer alguma coisa para se defender,
mas parecia ter acontecido alguma coisa com a sua voz.
A
Profª. McGonagall caminhava decidida, sem nem olhar para trás, ele tinha que
correr para acompanhar seu passo. Agora se enrascara. Não tinha durado nem duas
semanas. Estaria fazendo as malas dali a dez minutos. Que iriam dizer os
Dursley quando ele aparecesse à porta da casa? Subiram os degraus da entrada,
subiram a escadaria de mármore, e a Profª. McGonagall continuava a não dizer
nada. Escancarava portas e marchava pelos corredores com Harry trotando infeliz
atrás dela. Talvez ela o levasse a Dumbledore. Pensou em Hagrid, aluno expulso
a quem tinham permitido continuar na escola como guarda-caça. Talvez virasse
assistente de Hagrid. Seu estômago revirava só de pensar, observando Rony e os
outros se tornarem bruxos enquanto ele andava pela propriedade carregando a
bolsa de Hagrid.
A
Profª. McGonagall parou à porta de uma sala de aula. Abriu a porta e meteu a
cabeça para dentro.
— Com
licença, Prof. Flitwick, posso pedir o Wood emprestado por um instante?
“Wood?” pensou Harry, intrigado, Wood seria alguma coisa que ela ia usar
para castigá-lo? Mas Wood afinal era uma pessoa, um menino forte do quinto
ano, que saiu da sala de Flitwick parecendo confuso.
—
Vocês dois me sigam — disse a Profª. McGonagall, e continuaram todos pelo
corredor, Wood examinando Harry com curiosidade — Entrem.
A
Profª. McGonagall indicou uma sala de aula que estava vazia exceto por Pirraça,
que se ocupava em escrever palavrões no quadro-negro.
—
Fora, Pirraça! — ordenou ela.
Pirraça
atirou o giz em uma cesta, produzindo um eco metálico e alto, e saiu xingando.
A Profª. McGonagall bateu a porta atrás dele e virou-se para encarar os dois
garotos.
—
Harry Potter, este é Olívio Wood. Olívio... encontrei um apanhador para você.
A
expressão de Olívio mudou de confusão para prazer.
—
Está falando sério, professora?
—
Seríssimo — resumiu a Profª. McGonagall — O menino tem um talento natural.
Nunca vi nada parecido. Foi a primeira vez que montou numa vassoura, Harry?
Harry
confirmou com a cabeça. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, mas
parecia que não estava sendo expulso, e começou a recuperar um pouco da
sensibilidade nas pernas.
— Ele
apanhou aquela coisa com a mão depois de um mergulho de mais de 15 metros — a
Profª. McGonagall contou a Wood.
— Não
sofreu um único arranhão. Nem Carlinhos Weasley seria capaz de fazer igual.
Olívio
parecia agora alguém cujos sonhos tinham virado realidade, todos ao mesmo
tempo.
—
Você já assistiu a um jogo de Quadribol, Potter? — perguntou excitado.
—
Wood é o capitão do time da Grifinória — explicou a Profª. McGonagall.
— E
tem o físico perfeito para um apanhador — acrescentou Olívio agora andando a
volta de Harry, examinando-o — Leve, veloz, vamos ter de arranjar uma vassoura
decente para ele, professora, uma Nimbus 2000 ou uma Cleansweep 7, na minha
opinião.
— Vou
conversar com o Prof. Dumbledore e ver se podemos contornar o regulamento para
o primeiro ano. Deus sabe que precisamos de um time melhor do que o do ano
passado. Esmagado naquele último jogo contra os sonserinos. Mal consegui
encarar Severo Snape no rosto durante semanas...
A
Profª. McGonagall espiou Harry com severidade por cima dos óculos.
—
Quero ouvir falar que você está treinando com vontade, Potter, ou posso mudar
de ideia quanto ao castigo que merece.
Então,
inesperadamente, ela sorriu.
— Seu
pai teria ficado orgulhoso. Era um excelente jogador de Quadribol.
* * *
—
Você está brincando!
Era
hora do jantar. Harry acabara de contar a Rony o que acontecera quando deixara
os jardins da propriedade com a Profª. McGonagall. Rony tinha um pedaço de bife
e pastelão de rins a meio caminho da boca, mas esqueceu o que estava fazendo.
—
Apanhador? — exclamou — Mas os alunos do primeiro ano nunca... você vai ser o
jogador da Casa mais novo do último...
—
Século — completou Harry, enfiando o pastelão na boca. Sentia-se
particularmente faminto depois da agitação da tarde — Olívio me disse.
Rony
estava tão admirado, tão impressionado, que ficou ali sentado de boca aberta
para Harry.
— Vou
começar a treinar na próxima semana — anunciou Harry — Só não conte a ninguém,
Olívio quer fazer segredo.
Fred
e Jorge Weasley entraram nesse momento no salão, viram Harry e foram depressa
falar com ele.
—
Grande lance — falou Jorge em voz baixa — Olívio nos contou. Estamos no time
também... Batedores.
—
Sabe de uma coisa, tenho certeza de que vamos ganhar a Taça de Quadribol deste
ano — disse Fred — Não ganhamos desde que Carlinhos terminou a escola, mas o
time deste ano vai ser brilhante. Você deve ser bom, Harry, Olívio estava quase
dando pulinhos quando nos contou.
— Em
todo o caso, temos de ir, Lino Jordan acha que encontrou uma nova passagem
secreta para sair da escola.
Fred
e Jorge mal tinham desaparecido quando alguém menos bem-vindo apareceu: Draco,
ladeado por Crabbe e Goyle.
—
Comendo a última refeição, Potter? Quando vai pegar o trem de volta para a
terra dos trouxas?
—
Você está bem mais corajoso agora que voltou ao chão e está acompanhado por
seus amiguinhos — disse Harry tranquilo.
Não
havia nada “inho” em Crabbe nem em
Goyle, mas como a Mesa Principal estava repleta de professores, os garotos só
podiam estalar as juntas e fazer cara feia.
—
Enfrento você a qualquer hora sozinho — disse Draco — Hoje à noite, se você
quiser. Duelo de bruxos. Só varinhas, sem contato. Que foi? Nunca ouviu falar
de duelo de bruxos, suponho?
—
Claro que já — respondeu Rony virando-se — Vou ser o padrinho dele, quem vai
ser o seu?
Draco
mirou Crabbe e Goyle medindo-os.
—
Crabbe, meia-noite está bem? Nos encontramos na Sala de Troféus, está sempre
destrancada.
Quando
Draco foi embora, Rony e Harry se entreolharam.
— O
que é um duelo de bruxos? — perguntou Harry — E o que você quis dizer quando se
ofereceu para ser meu padrinho?
—
Bom, o padrinho fica lá para tomar o seu lugar se você morrer — disse Rony com
displicência, começando finalmente a comer o pastelão frio. Surpreendido com a
expressão no rosto de Harry, acrescentou bem depressa — Mas as pessoas só
morrem em duelos de verdade, sabe, com bruxos de verdade. O máximo que você e
Draco conseguirão fazer será atirar fagulhas um no outro. Nenhum dos dois
conhece magia suficiente para fazer estragos. Mas aposto que ele esperava que
você recusasse.
— E
se eu agitar minha varinha e nada acontecer?
—
Jogue a varinha fora e meta-lhe um soco na cara — sugeriu Rony.
— Com
licença.
Os
dois ergueram os olhos.
Era
Hermione Granger.
—
Será que a pessoa não pode comer sossegada neste lugar? — exclamou Rony.
Hermione
não ligou para ele e se dirigiu a Harry.
— Não
pude deixar de ouvir o que você e Draco estavam dizendo...
—
Aposto que podia — resmungou Rony.
— E
você não deve andar pela escola à noite, pense nos pontos que vai perder para a
Grifinória se for pego, vai ser muito egoísmo da sua parte.
— É,
para falar a verdade, não é da sua conta — respondeu Harry.
—
Tchau — disse Rony.
Em
todo o caso, não era o que se poderia chamar de um final perfeito para o dia,
pensou Harry, muito mais tarde, deitado na cama sem dormir, percebendo Dino e
Simas adormecerem. Neville não voltara do hospital.
Rony
passou a noite toda lhe dando conselhos do tipo “Se ele tentar lançar um feitiço, é melhor você tirar o corpo fora,
porque não consigo me lembrar como se fecha o corpo”. Havia uma boa chance
de serem pegos por Filch ou por Madame Nor-r-ra, e Harry sentiu que estava
abusando da sorte, desrespeitando mais um regulamento da escola no mesmo dia.
Por outro lado, a cara de deboche de Draco não parava de lhe aparecer no
escuro. Essa era sua grande oportunidade de vencer Draco cara a cara. Não podia
perdê-la.
—
Onze e trinta — Rony cochichou finalmente — É melhor irmos.
Eles
vestiram os robes, apanharam as varinhas e atravessaram sorrateiros o quarto da
Torre, desceram a escada em espiral e entraram na Sala Comunal da Grifinória.
Algumas brasas ainda rutilavam na lareira, transformando todas as poltronas em
sombras corcundas. Tinham quase chegado à abertura no retrato quando uma voz
falou da poltrona mais próxima.
— Não
posso acreditar que você vai fazer isso, Harry.
Uma
lâmpada se acendeu.
Era
Hermione Granger, de robe cor-de-rosa e cara fechada.
—
Você! — exclamou Rony furioso — Volte para a cama!
—
Quase contei ao seu irmão — retorquiu Hermione — Percy, ele é monitor, ia
acabar com essa história.
Harry
não conseguiu acreditar que alguém pudesse ser tão metido.
—
Vamos — chamou Rony.
Afastou
o retrato da Mulher Gorda com um empurrão e passou pela abertura. Hermione não
ia desistir com tanta facilidade. Seguiu Rony pela abertura do retrato,
sibilando para os dois como um ganso raivoso.
—
Vocês não se importam com a Grifinória, vocês só se importam com vocês mesmos,
eu não quero que a Sonserina ganhe a Taça das Casas e vocês vão perder todos os
pontos que ganhei com a Profª. McGonagall por saber a Troca de Feitiços.
— Vai
embora.
—
Tudo bem, mas eu preveni vocês, lembrem-se do que eu disse quando estiverem
amanhã no trem voltando para casa, vocês são tão...
Mas o
que eram, eles não chegaram saber. Hermione se virara para o retrato da Mulher
Gorda para tornar a entrar e se viu diante de um quadro vazio. A Mulher Gorda
tinha saído para fazer uma visita noturna e Hermione ficou trancada do lado de
fora da Torre da Grifinória.
—
Agora o que é que eu vou fazer? — perguntou com a voz esganiçada.
— O
problema é seu — disse Rony — Nós temos de ir, se não vamos nos atrasar.
Nem
tinham chegado ao fim do corredor quando Hermione os alcançou.
— Vou
com vocês.
— Não
vai, não.
—
Vocês acham que vou ficar parada aqui, esperando o Filch me pegar? Se ele
encontrar os três, conto a verdade, que eu estava tentando impedir vocês de
saírem e vocês podem confirmar.
— Mas
que cara-de-pau — disse Rony bem alto.
—
Calem a boca, vocês dois — disse Harry bruscamente — Ouvi uma coisa.
Era
como se alguém estivesse farejando.
—
Madame Nor-r-ra? — murmurou Rony, apertando os olhos para enxergar no escuro.
Não
era Madame Nor-r-ra. Era Nevil1e. Estava enroscado no chão, dormindo a sono
solto, mas acordou repentinamente assustado quando eles se aproximaram.
—
Graças a Deus que vocês me encontraram! Estou aqui há horas, não consegui me
lembrar da nova senha para entrar no quarto.
—
Fale baixo, Neville. A senha é “focinho de porco”, mas não vai lhe adiantar
nada agora, a Mulher Gorda saiu.
—
Como está o braço? — perguntou Harry.
—
Ótimo — disse Neville mostrando — Madame Pomfrey consertou-o na hora.
— Que
bom, olhe, Neville, temos que estar em um lugar, vemos você depois.
— Não
me deixem aqui! — pediu Neville pondo-se de pé — Não quero ficar sozinho, o
Barão Sangrento já passou por aqui duas vezes.
Rony
consultou o relógio e em seguida fez uma cara furiosa para Hermione e Neville.
— Se
formos pegos por causa de vocês, não vou sossegar até aprender aquela Poção do
Morto-Vivo que Snape falou e vou usá-la contra vocês.
Hermione
abriu a boca, talvez para dizer a Rony exatamente como usar a Poção do
Morto-Vivo, mas Harry mandou-a ficar quieta e fez sinal para prosseguirem.
Passaram quase voando pelos corredores listrados pelo luar que entrava pelas
grades das janelas altas.
A
cada curva Harry esperava topar com Filch ou com Madame Nor-r-ra, mas tiveram
sorte. Subiram correndo uma escada até o terceiro andar e, nas pontas dos pés,
dirigiu-se à Sala dos Troféus.
Draco
e Crabbe ainda não tinham chegado. As vitrines de cristal onde estavam
guardados os troféus refulgiam quando tocadas pelo luar. Taças, escudos, pratos
e estátuas piscavam no escuro com lampejos prateados e dourados. Eles
caminharam rente às paredes, mantendo os olhos nas portas de cada lado da sala.
Harry
tirou a varinha da caixa para o caso de Draco aparecer de repente e começar a
duelar. Os minutos passaram vagarosos.
— Ele
está atrasado, quem sabe se acovardou — Rony sussurrou.
Então
uma batida na sala ao lado os sobressaltou, acabara de erguer a varinha quando
ouviram alguém falar e não era Draco.
— Vá
farejando, minha querida, eles podem estar escondidos em algum canto.
Era
Filch falando com Madame Nor-r-ra. Horrorizado, Harry fez sinais frenéticos
para os outros três o seguirem o mais depressa possível, e fugiram silenciosos
em direção à porta mais distante da voz de Filch. As vestes de Neville mal
tinham acabado de passar a curva quando ouviram Filch entrar na Sala dos
Troféus.
—
Eles estão por aqui — ouviram-no resmungar — Provavelmente escondidos.
— Por
aqui! — disse Harry, apenas mexendo a boca, para os outros e, petrificados,
eles começaram a descer uma longa galeria cheia de armaduras. Podiam ouvir
Filch se aproximando.
Neville
de repente, soltou um guincho assustado e saiu correndo. Tropeçou, agarrou Rony
pela cintura e os dois desabaram em cima de uma armadura. A queda e o estrépito
foram suficientes para acordar o castelo inteiro.
—
CORRAM! — gritou Harry e os quatro desembestaram pela galeria, sem virar a
cabeça para ver se Filch os seguia.
Fizeram
a curva firmando-se no alisar da porta e saíram galopando por um corredor atrás
do outro, Harry na liderança, sem a menor idéia de onde estavam nem que direção
tomava. Atravessaram uma tapeçaria, rasgando-a e encontraram uma passagem
secreta, precipitaram-se por ela e foram sair perto da sala de aula de Feitiços,
que sabiam estar a quilômetros da Sala dos Troféus.
—
Acho que o despistamos — ofegou Harry, apoiando-se na parede fria e enxugando a
testa. Neville estava dobrado em dois, chiava e falava desconexamente.
—
Eu... disse... a vocês — Hermione falou sem fôlego, agarrando o bordado no
peito — Eu... disse... a vocês.
—
Temos de voltar à Torre de Grifinória — lembrou Rony — O mais rápido possível.
—
Draco enganou você — disse Hermione a Harry — Já percebeu isso, não? Não ia
enfrentar você. Filch sabia que alguém ia estar na Sala dos Troféus. Draco deve
ter contado a ele.
Harry
achou que ela provavelmente tinha razão, mas não ia dar o braço a torcer.
—
Vamos.
Não
ia ser tão simples. Não tinham caminhado nem dez passos quando ouviram o
barulho de uma maçaneta e alguma coisa disparou da sala de aula à frente deles.
Era
Pirraça. Avistou os garotos e soltou um guincho de prazer.
—
Cale a boca, Pirraça, por favor, você vai fazer a gente ser expulso.
Pirraça
soltou uma gargalhada.
—
Passeando por aí à meia-noite, aluninhos? Tsk, tsk, que feinhos, vão ser
apanhadinhos.
—
Não, se você não nos denunciar, Pirraça, por favor.
—
Devia contar ao Filch, devia — disse Pirraça bem comportado, mas seus olhos
cintilaram de maldade — É para o seu próprio bem, sabem?
—
Saia da frente — disse Rony com rispidez, baixando o braço em Pirraça.
Foi
um grande erro.
—
ALUNOS FORA DA CAMA! — berrou Pirraça — ALUNOS FORA DA CAMA NO CORREDOR DO
FEITIÇO!
Passando
por baixo de Pirraça eles saíram desembalados até o final do corredor onde depararam
com uma porta... Fechada.
—
Acabou-se! — gemeu Rony, empurrando inutilmente a porta — Estamos ferrados! É o
fim!
Ouviram
passos, Filch correndo a toda em direção aos gritos de Pirraça.
— Ah,
sai da frente — Hermione resmungou aborrecida.
Agarrando
a varinha de Harry, bateu na fechadura e murmurou:
— Alorromora!
A
fechadura deu um estalo e a porta se abriu, eles se atropelaram por ela,
fecharam-na e apuraram os ouvidos, à escuta.
—
Para que lado eles foram, Pirraça? — era Filch perguntando — Depressa, me diga.
—
Peça “por favor”.
— Não
me enrole, Pirraça, vamos, para que lado eles foram?
— Não
digo nada se você não pedir “por favor” — disse Pirraça na cantilena irritante
com que falava.
—
Está bem, “por favor”.
—
NADA! Nada haaa! Eu disse a você que não dizia nada se você não pedisse por
favor! Ha ha! Haaaaaa! — e ouviram Pirraça voar rápido para longe e Filch
xingar com raiva.
— Ele
acha que a porta está trancada! — Harry falou — Acho que escapamos. Sai para
lá, Neville! — Neville puxava a manga do robe de Harry fazia um minuto — Que
foi?
Harry
se virou e viu, muito claramente, o que foi. Por um instante teve a certeza de
que entrara num pesadelo, era demais depois de tudo o que já acontecera.
Não
estavam numa sala, conforme ele supusera.
Achavam-se
num corredor.
O
corredor proibido do terceiro andar e agora sabiam por que era proibido.
Estavam encarando os olhos de um cachorro monstruoso, um cachorro que ocupava
todo o espaço entre o teto e o piso. Tinha três cabeças. Três pares de olhos
que giravam enlouquecidos. Três narizes, que franziam e estremeciam
farejando-os. Três bocas babosas, a saliva escorrendo em cordões viscosos das
presas amarelas. Estava muito firme, os olhos a observá-los, e Harry sabia que
a única razão por que ainda estavam vivos era que o seu repentino aparecimento
apanhara o cachorro de surpresa, mas ele já estava se recuperando e depressa,
não havia dúvida quanto ao significado daqueles rosnados de ensurdecer.
Harry
tateou a procura da maçaneta.
Entre
Filch e a morte, ficava com o Filch. Retrocederam. Harry bateu a porta e eles
correram, quase voaram pelo corredor, Filch devia ter tido pressa para
procurá-los em outro lugar porque não o viram em parte alguma, mas nem se
importaram. A única coisa que queriam era abrir a maior distância possível
entre eles e o monstro. Não pararam de correr até chegarem ao retrato da Mulher
Gorda no sétimo andar.
—
Onde foi que vocês andaram? — perguntou ela, olhando para os robes que caiam
soltos dos ombros e os rostos vermelhos e suados.
— Não
interessa. Focinho de porco, focinho de
porco — ofegou Harry, e o quadro girou para frente. Eles entraram de
qualquer jeito na Sala Comunal e desmontaram, trêmulos, nas poltronas. Levou
algum tempo até um deles falar alguma coisa.
Neville,
então, parecia que nunca mais voltaria a falar.
— Que
é que vocês acham que eles estão querendo, com uma coisa daquelas trancada numa
escola? — perguntou Rony finalmente — Se existe um cachorro que precisa de
exercícios é aquele.
Hermione
tinha recuperado tanto o fôlego quanto o mau humor.
—
Vocês não usam os olhos, vocês todos, usam? — perguntou com rispidez — Vocês
não viram em cima do que ele estava?
— No
chão? — arriscou Harry — Eu não fiquei olhando para as patas, estava ocupado
demais com as cabeças.
—
Não, não estou falando do chão. Ele estava em cima de um alçapão. É claro que
está guardando alguma coisa.
Ela
se levantou olhando feio para ele.
—
Espero que estejam satisfeitos com o que fizeram. Podíamos ter sido mortos, ou
pior, expulsos. Agora, se vocês não se importam, eu vou me deitar.
Rony
ficou olhando para ela, de boca aberta.
—
Não, não nos importamos. Qualquer um pensaria que nós a arrastamos conosco, não
é mesmo?
Mas
Hermione tinha dado a Harry algo em que pensar quando voltou para a cama.
O
cachorro estava guardando alguma coisa...
Que
era que Hagrid tinha dito? Gringotes era o lugar mais seguro do mundo quando se
queria esconder alguma coisa, com exceção talvez de Hogwarts. Parecia que Harry
descobrira onde o pacotinho encalombado do cofre setecentos e treze tinha ido
parar.
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