CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
LIVRO
VII
CAPÍTULO
25
Q
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UANDO
KAY ADAMS se formou, aceitou um emprego de professora primária na sua
cidadezinha em New Hampshire. Nos primeiros seis meses após o desaparecimento
de Michael, ela dava telefonemas semanalmente para a mãe dele perguntando se
tinha notícias do filho. A Sra. Corleone mostrava-se muito amável e sempre
desligava o telefone dizendo:
— Você é uma moça
muito distinta mesmo. Esqueça Mikey e procure um bom marido.
Kay não se ofendia com essa insistência e
compreendia que a Sra. Corleone falasse assim porque estava preocupada e
achava que ela era uma moça que se encontrava numa situação impossível.
Quando terminou o seu primeiro período escolar
como professora, ela resolveu ir a Nova York comprar algumas roupas boas e ver
algumas antigas colegas da faculdade. Pensou também em procurar um emprego
interessante naquela cidade. Vivera como uma solteirona por quase dois anos,
lendo e ensinando, recusando encontros amorosos, furtando-se mesmo a sair a passeio,
embora já tivesse desistido de telefonar para Long Beach. Sabia que não podia
continuar assim, que estava ficando irritadiça e infeliz. Mas acreditara que
Michael lhe escreveria ou lhe enviaria algum recado. O fato de ele não ter
feito isso a humilhava profundamente; sentia-se triste por ele não ter confiado
nela.
Kay pegou um trem
cedinho e alugou um quarto no hotel pelo meio da tarde. As suas amigas estavam
trabalhando e ela não queria incomodá-las nos respectivos empregos, pretendia
visitá-las à noite. E ela não tinha realmente vontade de fazer compras depois
da cansativa viagem de trem. Ficou sozinha no quarto do hotel e, ao se recordar
de todas as vezes que ela e Michael haviam usado quartos de hotel para
encontros amorosos, foi tomada por um sentimento de desolação. Foi isso, mais
do que qualquer outra coisa, que lhe deu a idéia de telefonar para a mãe de
Michael em Long Beach.
O telefone foi
atendido por uma voz masculina grossa com um sotaque tipicamente nova-iorquino,
para ela. Kay pediu para falar com a Sra. Corleone. Houve um silêncio de alguns
minutos e depois Kay ouviu a voz de sotaque italiano carregado perguntar quem
era.
Kay ficou um pouco
embaraçada agora.
— É Kay Adams, Sra.
Corleone — respondeu ela — Lembra-se de mim?
— Certamente, certamente,
eu me lembro — retrucou a Sra. Corleone — Por que você deixou de telefonar?
Casou-se?
— Oh, não — respondeu
Kay — Tenho andado ocupada.
Ficou surpresa ao ver
que a Sra. Corleone estava obviamente aborrecida por ela ter parado de
telefonar.
— A senhora tem alguma
notícia de Michael? Ele está bem?
Houve um silêncio do
outro lado da linha e depois a voz da Sra. Corleone veio forte.
— Mikey está em casa.
Ele não telefonou para você? Não viu você?
Kay sentiu uma
fraqueza no estômago em conseqüência do choque e um desejo humilhante de
chorar. Sua voz desafinou um pouco quando ela perguntou:
— Há quanto tempo ele
está em casa?
— Seis meses —
respondeu a Sra. Corleone.
— Oh, compreendo —
retrucou Kay.
E realmente
compreendia. Sentiu ondas quentes de vergonha ao ver que a mãe de Michael sabia
que ele a estava tratando com tamanha desconsideração. E depois ficou zangada.
Zangada com Michael, com a mãe dele, zangada com todos os estrangeiros
italianos que não tinham sequer a cortesia de demonstrar um interesse de
simples amizade, mesmo que um caso de amor estivesse terminado. Não sabia
Michael que ela ainda se interessava por ele como uma pessoa amiga, mesmo que
ele não a quisesse mais para companheira de cama, mesmo que não quisesse mais
casar com ela? Pensava Michael que ela era uma dessas pobres e ignorantes moças
italianas que cometeriam suicídio ou fariam uma cena após terem perdido a
virgindade e serem abandonadas? Mas ela manteve a voz tão fria quanto possível.
— Eu compreendo, muito
obrigada — disse ela — Estou contente por que Michael se encontra novamente em
casa e está bem. Queria apenas saber. Não telefonarei mais para a senhora.
A voz da Sra. Corleone
veio impacientemente através do fio, como se ela não tivesse ouvido nada do que
Kay dissera.
— Você precisa ver
Mikey, venha aqui agora mesmo. Faça-lhe uma boa surpresa. Tome um táxi, vou
dizer ao homem do portão para pagar o táxi para você. Diga ao motorista que ele
vai receber o dobro do que marcar o relógio, do contrário não vai querer vir a
Long Beach. Mas não pague. O empregado de meu marido que está no portão pagará
a corrida.
— Não posso fazer
isso, Sra. Corleone — respondeu Kay friamente — Se Michael quisesse me ver,
teria telefonado para minha casa antes disso. Certamente ele não quer reatar
amizade comigo.
A voz da Sra. Corleone
veio energicamente pelo fio.
— Você é uma moça
muito distinta, tem pernas bonitas, mas não tem muita cabeça.
Kay conteve o riso.
— Você vem ver a mim,
não Mikey — acrescentou — Quero falar com você. Venha agora mesmo. E não pague
o táxi. Estou esperando você.
O telefone deu um
estalido. A Sra. Corleone desligara.
Kay podia chamar
novamente e dizer que não ia, mas sabia que precisava ver Michael, falar com
ele, mesmo que fosse apenas uma conversa formal. Se ele estava em casa agora,
abertamente, isso queria dizer que não havia mais dificuldades, que podia viver
normalmente. Ela pulou da cama e começou a se aprontar para ir vê-lo. Caprichou
bastante na maquilagem e no modo de vestir-se. Quando já estava pronta para
sair, olhou para sua imagem no espelho. Estaria ela com melhor aparência do que
quando Michael desaparecera? Ou será que ele a acharia desgraciosamente mais
velha? Sua figura se tornara mais feminina, suas cadeiras mais redondas, seus
seios maiores; os italianos aparentemente gostavam disso, embora Michael sempre
dissesse que gostava dela magra mesmo. Isso realmente não importava, Michael
evidentemente não queria mais nada com ela, do contrário teria certamente
telefonado nos seis meses em que já estava em casa.
O motorista do táxi,
para o qual ela fez sinal, recusou-se a levá-la a Long Beach até que ela deu um
belo sorriso, dizendo-lhe que pagaria o dobro do que marcasse o taxímetro. A
viagem durou quase uma hora e a alameda de Long Beach estava mudada desde que
ela a vira pela última vez. Havia grades de ferro em toda a volta e um portão
de ferro obstruía a entrada da alameda. Um homem usando calças largas e um
paletó branco sobre uma camisa vermelha abriu o portão, meteu a cabeça no táxi
para ver quanto marcava o taxímetro e deu ao motorista algumas notas. Depois,
quando Kay viu que o motorista não estava protestando e ficou satisfeito com o
dinheiro que recebeu, ela saltou e caminhou pela alameda na direção da casa do
centro.
A própria Sra.
Corleone abriu a porta e recebeu Kay com um abraço caloroso que a surpreendeu.
Depois examinou Kay, medindo-a de alto a baixo.
— Você é uma moça
bonita — disse ela diretamente — Tenho filhos estúpidos.
Ela puxou Kay para
dentro da porta e levou-a para a cozinha, onde um prato de comida já estava
posto na mesa e um bule de café se achava sobre o fogo.
— Michael vai chegar
daqui a pouco — disse ela — Você vai surpreendê-lo.
Sentaram-se juntas e a
velha forçou Kay a comer, enquanto fazia perguntas com grande curiosidade.
Estava encantada por saber que Kay era professora e que viera a Nova York
visitar umas amigas e que tivesse apenas 24 anos de idade. Ela continuava a
acenar com a cabeça como se todos os fatos concordassem com certas
especificações particulares que ela tinha na mente. Kay estava tão nervosa que
apenas respondia às perguntas, não dizendo mais nada.
Kay o viu primeiro
pela janela da cozinha. Um carro parou na frente da casa, dele saltaram dois
homens seguidos de Michael. Ele endireitou-se para falar com um dos outros
homens. O seu perfil esquerdo ficou exposto à vista dela. Estava quebrado,
amassado, era como o rosto de uma boneca que uma criança tivesse pisado de
propósito. De modo curioso, para os olhos de Kay, isso não tirava a beleza
dele, mas comovia-a até às lágrimas. Ela o viu levar um lenço branco á boca e
ao nariz por um momento, enquanto se virava para entrar na casa.
Kay ouviu a porta se
abrir e os passos dele no corredor virando para entrar na cozinha e de repente
Michael estava no espaço aberto, olhando para ela e sua mãe. Michael parecia
impassível e depois sorriu, sendo que a parte quebrada do seu rosto impedia a
abertura normal de sua boca. E Kay, que pretendia apenas dizer: “Alô, como vai você?” da maneira mais
fria possível, levantou-se bruscamente da cadeira para correr para os seus
braços e enterrou o rosto no ombro dele. Michael beijou a face molhada de Kay e
segurou-a até que ela terminou de chorar, e então a levou até o seu carro,
enquanto ela com um lenço limpava o que restava da maquilagem de seu rosto.
— Eu não pretendia
fazer aquilo — disse Kay — Apenas é que ninguém me disse como eles o haviam
machucado.
Michael riu e tocou no
lado quebrado de seu rosto.
— Você quer dizer
isso? Não é nada. Apenas me traz alguma complicação no nariz. Agora que estou
em casa, provavelmente vou tratar disso. Eu não podia escrever para você nem
dar notícias — declarou Michael — Você precisa compreender isso antes de tudo.
— Está bem — respondeu
ela.
— Tenho um cantinho na
cidade — disse Michael — Você acha que devemos ir lá ou prefere jantar e beber
num restaurante?
— Não estou com fome —
respondeu Kay.
Foram de carro para
Nova York, em silêncio durante algum tempo.
— Você se formou? —
perguntou Michael.
— Sim — respondeu Kay — Estou agora lecionando
numa escola primária na minha cidadezinha. Acharam o homem que realmente
matou o capitão da polícia, e foi por isso
que você pôde voltar para casa?
— Sim, acharam —
respondeu afinal — Saiu em todos os jornais de Nova York. Você não leu sobre o
caso?
Kay riu com o alívio
dele ao negar que fosse um assassino.
— Só recebemos o Times
de Nova York em nossa cidade — disse ela — Acho que a noticia estava escondida
lá na página 39. Se eu a tivesse lido teria telefonado para sua mãe.
Ela fez uma pausa,
depois acrescentou:
— É engraçado o modo
como sua mãe falava, quase acreditei que você o tivesse cometido. E justamente
antes de você chegar, enquanto tomávamos café, ela me contou a respeito daquele
homem louco que confessou o crime.
— Talvez minha mãe
acreditasse naquilo a pricípio — justificou Michael.
— A sua própria mãe? —
perguntou Kay.
Michael respondeu
arreganhando os dentes:
— As mães são como os
polícias. Acreditam sempre no pior.
Michael estacionou o
carro numa garagem da Mulberry Street, onde o dono parecia conhecê-lo. Levou
Kay até a esquina para o que parecia ser uma casa de arenito pardo bastante
velha e bem adequada ao bairro em decadência. Michael tinha a chave da porta da
frente, e quando entraram, Kay viu que era uma residência de milionário
guarnecida de móveis caros e confortáveis. Michael conduziu-a ao apartamento do
pavimento superior, que consistia numa enorme sala de estar, uma ampla cozinha
e uma porta que dava para o quarto. Num canto da sala de estar, havia um bar,
para o qual Michael se dirigiu, a fim de preparar uma bebida para os dois. Em
seguida, sentaram-se juntos num sofá, e Michael disse calmamente:
— É melhor irmos para
o quarto.
Kay tomou um longo
trago da bebida e sorriu para ele.
— É mesmo — concordou
ela.
Para Kay, o amor entre
eles era quase como antes, exceto que Michael parecia mais grosseiro, mais
objetivo, não tão carinhoso quanto costumava ser. Como se estivesse em guarda
contra ela. Mas ela não queria lamentar-se. Isso passaria. De um modo engraçado, os homens eram mais sensíveis numa situação como essa,
pensou ela. Kay achou que ir para a cama com Michael após uma ausência de dois
anos era a coisa mais natural do mundo. Era como se ambos nunca se tivessem
separado.
— Você podia ter-me
escrito, podia ter confiado em mim — disse ela, aconchegando-se ao corpo dele —
Eu teria praticado a omertá da Nova Inglaterra. Os ianques são também bastante
reservados, você sabe.
Michael riu
brandamente no escuro.
— Nunca imaginei que
você esperasse — disse ele — Nunca imaginei que você esperasse depois do que
aconteceu.
— Nunca acreditei que
você tivesse matado aqueles dois homens — retrucou Kay prontamente — A não ser,
talvez, quando a sua mãe parecia pensar isso. Mas nunca acreditei nisso
intimamente. Conheço você muito bem.
Ela ouviu Michael dar
um suspiro.
— Não importa se eu
matei ou não — disse ele — Você precisa compreender isso.
Kay ficou um pouco
assombrada com a frieza da voz dele. Então perguntou.
— Portanto, diga-me
agora, você matou ou não?
Michael sentou-se
recostado no seu travesseiro, e no escuro via-se uma luz brilhar enquanto ele
fumava um cigarro.
— Se eu pedisse a você
que se casasse comigo, eu teria de responder primeiro a essa pergunta para que
você desse uma resposta à minha?
— Não me importo —
respondeu Kay — Eu gosto de você, não me importo mesmo. Se você gostasse de
mim, não teria medo de me contar a verdade. Não teria medo de que eu pudesse
contar à polícia. Este é o caso, não é? Você é de fato um gangster então, não é
assim? Mas realmente não me importo. Eu me importo é com o fato de que você
evidentemente não gosta de mim. Você nem me telefonou quando voltou para casa.
Michael continuou a
fumar o seu cigarro e um pouco da cinza quente caiu nas costas de Kay. Ela
encolheu-se um pouco e disse brincando:
— Pare de me torturar,
eu não falarei.
Michael não riu. A sua
voz parecia distraída.
— Você sabe, quando
voltei para casa não fiquei contente quando vi minha família, meu pai, minha
mãe, minha irmã Connie e Tom. Foi agradável, mas realmente não me importei nem
um pouco. Então voltei esta noite para casa e vi você na cozinha e fiquei
contente. É isso o que você chama amor?
— Isso já é o bastante
para mim — respondeu Kay.
Troçaram carícias e
amaram-se novamente por algum tempo. Michael foi mais carinhoso desta vez. Em
seguida, levantou-se e foi apanhar mais bebida para eles. Quando voltou,
sentou-se numa poltrona em frente à cama.
— Vamos falar sério —
disse ele — Que tal você acha de casar comigo?
Kay sorriu para ele e
fez-lhe sinal para vir para a cama. Michael retribuiu o sorriso e continuou a
falar:
— Responda sério. Não
posso contar a você nada do que aconteceu. Trabalho agora para o meu pai. Estou
sendo treinado para assumir o negócio de azeite da família. Mas você sabe que
minha família tem inimigos, meu pai tem inimigos. Você pode ficar viúva muito
cedo, há uma possibilidade, não muito grande, mas pode acontecer. E não lhe
contarei o que acontecer todo dia no escritório. Não lhe contarei nada sobre o
meu negócio. Você será minha esposa, mas não será minha sócia na vida, se é
assim que devo dizer. Não uma sócia em igualdade de condições. Isso não pode
ser.
Kay sentou-se na cama.
Ligou a lâmpada enorme da mesinha-de-cabeceira e depois acendeu um cigarro.
Recostou-se nos travesseiros e falou calmamente:
— Você está dizendo a
mim que é um gangster, não é verdade? Está dizendo que é responsável por gente
que é assassinada e por vários outros crimes relacionados com homicídio. E que
jamais devo fazer perguntas sobre esta parte de sua vida, nem mesmo pensar
nela. Tal como nos filmes de terror em que o monstro pergunta à moça bonita se
quer casar com ele.
Michael arreganhou os
dentes, com a parte deformada do seu rosto virada para ela, e Kay disse como
que arrependida:
— Oh, Mike, nem notei
essa coisa estúpida, juro que não...
— Eu sei — retrucou
Michael rindo — Gosto de ter isso agora, só que faz a coriza escorrer-me
constantemente do nariz.
— Você pediu para
falarmos sério — disse Kay — Se a gente se casar, que espécie de vida vou
levar? Como a sua mãe, como uma dona-de-casa italiana que deve cuidar apenas
dos filhos e da casa? E se acontecer alguma coisa? Penso que você pode acabar
um dia na cadeia.
— Não, isso não é
possível — retrucou Michael — Assassinado, sim; na cadeia, não.
Kay riu dessa
declaração de autoconfiança, era um riso com um misto engraçado de orgulho e
diversão.
— Mas como pode você
dizer isso? — perguntou ela — Francamente.
Michael deu um
suspiro.
— Estas são justamente
as coisas sobre as quais não posso falar a você, sobre as quais não quero falar
a você.
Kay permaneceu calada
por muito tempo.
— Por que você quer
casar comigo depois de não ter-me telefonado por todos esses meses? Sou tão boa
assim na cama?
Michael acenou com a
cabeça gravemente.
— Exatamente —
respondeu ele — Mas estou fazendo isso de graça, logo, por que não devo casar com
você por isso? Olhe, não quero a resposta agora. Vamos continuar a nos
encontrar. Você pode falar com os seus pais. Ouvi dizer que o seu pai é um
homem duro à moda dele. Ouça o conselho dele.
— Você não respondeu
por que quer casar comigo — insistiu Kay.
Michael tirou um lenço
da gaveta da mesinha-de-cabeceira. Assoou-se nele, depois limpou o nariz.
— Você tem o melhor
motivo para não casar comigo — disse ele — Que tal ter um sujeito ao lado que
está sem o nariz?
Kay voltou a insistir
com impaciência:
— Vamos, falemos
sério, eu lhe fiz uma pergunta.
Michael segurou o
lenço na mão.
— Está bem — concordou
ele — Agora mesmo. Você é a única pessoa por quem sinto alguma afeição, de quem
eu gosto. Não telefonei para você porque jamais me ocorreu que pudesse ainda
estar interessada em mim depois de tudo o que aconteceu. É verdade, eu podia
ter perseguido você, podia ter confiado em você, mas não quis fazer isso. Agora
eis uma coisa que vou confidenciar a você e não quero que repita isso nem mesmo
a seu pai. Se tudo correr bem, a Família Corleone ficará completamente legal
daqui a cinco anos. Algumas coisas complicadas têm de ser feitas para tornar
isso possível. Este o motivo por que talvez você se tome uma viúva rica. Agora,
para que quero você? Bem, porque gosto de você e quero ter uma família. Quero
filhos; já é tempo. E não quero que meus filhos sejam influenciados por mim da
maneira que eu fui por meu pai. Não quero dizer que meu pai me influenciou
deliberadamente. Ele nunca fez isso. Nem me queria sequer no negócio da
Família. Ele queria que eu me tornasse professor ou doutor, algo como isso. Mas
as coisas correram mal e eu tive de lutar pela minha família. Tive de lutar
porque amo e admiro meu pai. Jamais conheci um homem mais digno de respeito.
Sempre foi um bom marido, um bom pai e um bom amigo para as pessoas que não
eram muito felizes na vida. Ele tem outro lado, mas isso não me interessa como
seu filho. De qualquer modo, não quero que isso aconteça a meus filhos. Quero
que eles sejam influenciados por você. Quero que cresçam como meninos cem por
cento americanos, realmente cem por cento americanos, todos eles. Talvez eles
ou os netos deles ingressem na política.
Michael arreganhou os
dentes e continuou:
— Talvez um deles seja
presidente dos Estados Unidos. Por que diabo não? Em meu curso de História, em
Dartmouth, fizemos um levantamento dos ancestrais de todos os presidentes e
descobrimos que os pais e avós de alguns tiveram a sorte de não morrer na
forca. Mas arranjarei para que os meus filhos sejam doutores, músicos ou
professores. Jamais entrarão no negócio da Família. Na época em que eles tiverem essa idade, já estarei aposentado. E você
e eu faremos parte do grupo de
membros de um clube campestre, teremos a vida boa dos americanos abastados. Qual a sua impressão sobre
essa minha proposta?
— Maravilhosa —
respondeu Kay — Mas você como que saltou a parte da viúva.
— Não há muita
possibilidade disso. Apenas a mencionei para dar sensação.
Michael bateu-lhe de
leve no nariz com o lenço.
— Não acredito, não
acredito que você seja um homem assim, você exatamente não é — disse Kay.
O rosto dela
apresentava um ar perplexo. E ela continuou:
— Não consigo
compreender a coisa toda, como isso poderia ser.
— Bem, não vou dar
mais explicações — disse Michael delicadamente — Você sabe, não precisa pensar
em nenhuma dessas coisas, isso realmente nada tem a ver com você ou com a nossa
vida juntos, se nos casarmos.
Kay balançou a cabeça.
— Como pode você querer casar comigo, como pode
você insinuar que gosta de mim, você nunca
me disse isso, mas acaba de dizer que gosta
de seu pai, você nunca disse que gostava de mim, como pode gostar de mim, se desconfia tanto de mim que não
pode contar-me as coisas mais
importantes de sua vida? Como pode querer ter uma esposa na qual não
pode confiar? O seu pai confia na sua mãe. Eu sei disso.
— É verdade —
respondeu Michael — Mas isso não quer dizer que ele conta tudo a ela. E, você
sabe, ele tem razão para confiar nela. Não porque eles se casaram e ela é
mulher dele. Mas ela lhe deu quatro filhos nos tempos em que não era tão seguro
ter filhos. Ela cuidou dele e o protegeu quando os outros atiravam nele. Ela
acreditava nele. Ele foi sempre a pessoa a quem ela dedicou a maior lealdade
durante quarenta anos. Depois de você fazer isso, talvez eu lhe conte algumas
coisas que você realmente não quer ouvir.
— Teremos de viver na
alameda? — perguntou Kay.
Michael acenou a
cabeça afirmativamente.
— Teremos a nossa
própria casa, não será assim tão ruim. Meus pais não se meterão. Teremos a
nossa própria vida. Mas até que se acerte tudo, tenho de viver na alameda.
— Porque é perigoso,
para você, viver fora dela — retrucou Kay.
Pela primeira vez
desde que o conhecia, ela viu Michael zangado. Era uma zanga fria que não foi
externada por qualquer gesto ou alteração da voz. Era uma frieza que se
desprendia dele como a morte, e Kay sabia que era essa frieza que a faria
decidir-se a não se casar com ele se ela assim decidisse.
— A complicação toda
vem dessa porcaria que se vê no cinema e nos jornais — afirmou Michael — Você
tem uma idéia errada do meu pai e da Família Corleone. Vou dar a última
explicação e esta será realmente a última. Meu pai é um homem de negócios que
procura ganhar dinheiro para prover a subsistência da mulher e dos filhos ë
daqueles amigos de que ele possa precisar algum dia numa hora de dificuldade.
Ele não aceita as regras da sociedade em que vivemos porque tais regras o
condenariam a uma vida inadequada para um homem como ele, um homem de
extraordinária força de caráter. O que você precisa compreender é que ele se
considera igual a todos esses grandes homens como presidentes,
primeiros-ministros, juizes da Suprema Corte e governadores dos Estados. Ele se
recusa a aceirtar a vontade deles acima da dele própria. Ele se recusa a viver pelas
regras estabelecidas pelos outros, regras que o condenam a uma vida frustrada.
Mas o objetivo supremo de meu pai é entrar nessa sociedade com certo poder, já
que a sociedade não protege realmente os seus próprios membros, que não possuem
poder individual. Enquanto isso, ele opera com base num código de ética que
considera muito superior às estruturas legais da sociedade.
— Mas isso é ridículo
— retrucou Kay, incredulamente — Que aconteceria se todo mundo sentisse a mesma
coisa? Como poderia funcionar a sociedade? Voltaríamos aos tempos dos homens
das cavernas. Mike, você não acredita no que está dizendo, acredita?
Michael arreganhou os
dentes para ela
— Estou apenas lhe
dizendo em que meu pai acredita. Quero apenas que você compreenda que, seja lá
o que ele for, ele não é responsável, ou pelo menos não na sociedade que ele
criou. Meu pai não é um gangster maluco armado de metralhadora como parece que
você pensa. Ele é um homem responsável à sua própria moda.
— E em que você
acredita? — perguntou Kay calmamente.
Michael deu de ombros.
— Acredito em minha
família — respondeu — Acredito em você e na familia que podemos ter. Não confio
que a sociedade nos proteja, não tenho a intenção de colocar o meu destino nas
mãos de homens cuja única qualificação consiste em procurar convencer um grupo
de pessoas a votar neles. Mas isso é por enquanto. A época de meu pai já
passou. As coisas que ele fez não podem mais ser feitas, a menos que se corra
um bocado de risco. Quer gostemos disso ou não, a Família Corleone tem de se
juntar a essa sociedade. Mas quando o fizer, quero que nos juntemos a ela com
uma grande parte de nosso próprio poder; isto é, dinheiro e propriedade de
outros valores. Eu gostaria de garantir meus filhos tanto quanto possível antes
que eles se juntem a esse destino geral.
— Mas você se
apresentou voluntariamente para lutar pelo seu país, você foi um herói de
guerra — disse Kay — Que foi que aconteceu para fazer você mudar?
Michael respondeu:
— Isso realmente não
nos vai levar a lugar algum. Mas talvez eu seja apenas um dos verdadeiros
conservadores antiquados como aqueles que nascem e vivem em sua cidadezinha. Eu
cuido de mim, particularmente. Os governos realmente não fazem muito pelo seu
povo, isso é o que se diz geralmente, mas não é o que acontece na realidade.
Tudo o que posso dizer é que tenho de ajudar meu pai, tenho de estar do lado
dele. E você precisa decidir se quer ficar do meu lado — sorriu para ela e
acrescentou — Acho que casar foi má idéia.
Kay deu uma pancadinha
na cama.
— Nada sei a respeito
de casamento, mas passei dois anos sem homem e não vou largar você assim tão
facilmente. Venha cá.
Quando estavam na cama
juntos, com as luzes apagadas, ela perguntou baixinho:
— Você acredita que
passei sem homem desde que você partiu?
— Eu acredito em você
— respondeu Michael.
— Acredita mesmo? —
murmurou ela com urna voz bastante meiga.
— Acredito sim —
respondeu ele. Michael a sentiu tornar-se mais rija — E eu não estive com outra
mulher.
Era verdade. Kay era a
primeira mulher com quem ele se deitava desde morte de Apollonia.
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Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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