quinta-feira, 8 de março de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 25



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS





LIVRO
VII



CAPÍTULO
25


Q
UANDO KAY ADAMS se formou, aceitou um emprego de professora primária na sua cidadezinha em New Hampshire. Nos primeiros seis meses após o desaparecimento de Michael, ela dava telefonemas semanalmente para a mãe dele perguntando se tinha notícias do filho. A Sra. Corleone mostrava-se muito amável e sempre desligava o telefone dizendo:
— Você é uma moça muito distinta mesmo. Esqueça Mikey e procure um bom marido.
Kay não se ofendia com essa insistência e compreendia que a Sra. Corleone falasse assim porque estava preocupada e achava que ela era uma moça que se encontrava numa situação impossível.
Quando terminou o seu primeiro período escolar como professora, ela resolveu ir a Nova York comprar algumas roupas boas e ver algumas antigas colegas da faculdade. Pensou também em procurar um emprego interessante naquela cidade. Vivera como uma solteirona por quase dois anos, lendo e ensinando, recusando encontros amorosos, furtando-se mesmo a sair a passeio, embora já tivesse desistido de telefonar para Long Beach. Sabia que não podia continuar assim, que estava ficando irritadiça e infeliz. Mas acreditara que Michael lhe escreveria ou lhe enviaria algum recado. O fato de ele não ter feito isso a humilhava profundamente; sentia-se triste por ele não ter confiado nela.
Kay pegou um trem cedinho e alugou um quarto no hotel pelo meio da tarde. As suas amigas estavam trabalhando e ela não queria incomodá-las nos respectivos empregos, pretendia visitá-las à noite. E ela não tinha realmente vontade de fazer compras depois da cansativa viagem de trem. Ficou sozinha no quarto do hotel e, ao se recordar de todas as vezes que ela e Michael haviam usado quartos de hotel para encontros amorosos, foi tomada por um sentimento de desolação. Foi isso, mais do que qualquer outra coisa, que lhe deu a idéia de telefonar para a mãe de Michael em Long Beach.
O telefone foi atendido por uma voz masculina grossa com um sotaque tipicamente nova-iorquino, para ela. Kay pediu para falar com a Sra. Corleone. Houve um silêncio de alguns minutos e depois Kay ouviu a voz de sotaque italiano carregado perguntar quem era.
Kay ficou um pouco embaraçada agora.
— É Kay Adams, Sra. Corleone — respondeu ela — Lembra-se de mim?
— Certamente, certamente, eu me lembro — retrucou a Sra. Corleone — Por que você deixou de telefonar? Casou-se?
— Oh, não — respondeu Kay — Tenho andado ocupada.
Ficou surpresa ao ver que a Sra. Corleone estava obviamente aborrecida por ela ter parado de telefonar.
— A senhora tem alguma notícia de Michael? Ele está bem?
Houve um silêncio do outro lado da linha e depois a voz da Sra. Corleone veio forte.
— Mikey está em casa. Ele não telefonou para você? Não viu você?
Kay sentiu uma fraqueza no estômago em conseqüência do choque e um desejo humilhante de chorar. Sua voz desafinou um pouco quando ela perguntou:
— Há quanto tempo ele está em casa?
— Seis meses — respondeu a Sra. Corleone.
— Oh, compreendo — retrucou Kay.
E realmente compreendia. Sentiu ondas quentes de vergonha ao ver que a mãe de Michael sabia que ele a estava tratando com tamanha desconsideração. E depois ficou zangada. Zangada com Michael, com a mãe dele, zangada com todos os estrangeiros italianos que não tinham sequer a cortesia de demonstrar um interesse de simples amizade, mesmo que um caso de amor estivesse terminado. Não sabia Michael que ela ainda se interessava por ele como uma pessoa amiga, mesmo que ele não a quisesse mais para companheira de cama, mesmo que não quisesse mais casar com ela? Pensava Michael que ela era uma dessas pobres e ignorantes moças italianas que cometeriam suicídio ou fariam uma cena após terem perdido a virgindade e serem abandonadas? Mas ela manteve a voz tão fria quanto possível.
— Eu compreendo, muito obrigada — disse ela — Estou contente por que Michael se encontra novamente em casa e está bem. Queria apenas saber. Não telefonarei mais para a senhora.
A voz da Sra. Corleone veio impacientemente através do fio, como se ela não tivesse ouvido nada do que Kay dissera.
— Você precisa ver Mikey, venha aqui agora mesmo. Faça-lhe uma boa surpresa. Tome um táxi, vou dizer ao homem do portão para pagar o táxi para você. Diga ao motorista que ele vai receber o dobro do que marcar o relógio, do contrário não vai querer vir a Long Beach. Mas não pague. O empregado de meu marido que está no portão pagará a corrida.
— Não posso fazer isso, Sra. Corleone — respondeu Kay friamente — Se Michael quisesse me ver, teria telefonado para minha casa antes disso. Certamente ele não quer reatar amizade comigo.
A voz da Sra. Corleone veio energicamente pelo fio.
— Você é uma moça muito distinta, tem pernas bonitas, mas não tem muita cabeça.
Kay conteve o riso.
— Você vem ver a mim, não Mikey — acrescentou — Quero falar com você. Venha agora mesmo. E não pague o táxi. Estou esperando você.
O telefone deu um estalido. A Sra. Corleone desligara.
Kay podia chamar novamente e dizer que não ia, mas sabia que precisava ver Michael, falar com ele, mesmo que fosse apenas uma conversa formal. Se ele estava em casa agora, abertamente, isso queria dizer que não havia mais dificuldades, que podia viver normalmente. Ela pulou da cama e começou a se aprontar para ir vê-lo. Caprichou bastante na maquilagem e no modo de vestir-se. Quando já estava pronta para sair, olhou para sua imagem no espelho. Estaria ela com melhor aparência do que quando Michael desaparecera? Ou será que ele a acharia desgraciosamente mais velha? Sua figura se tornara mais feminina, suas cadeiras mais redondas, seus seios maiores; os italianos aparentemente gostavam disso, embora Michael sempre dissesse que gostava dela magra mesmo. Isso realmente não importava, Michael evidentemente não queria mais nada com ela, do contrário teria certamente telefonado nos seis meses em que já estava em casa.
O motorista do táxi, para o qual ela fez sinal, recusou-se a levá-la a Long Beach até que ela deu um belo sorriso, dizendo-lhe que pagaria o dobro do que marcasse o taxímetro. A viagem durou quase uma hora e a alameda de Long Beach estava mudada desde que ela a vira pela última vez. Havia grades de ferro em toda a volta e um portão de ferro obstruía a entrada da alameda. Um homem usando calças largas e um paletó branco sobre uma camisa vermelha abriu o portão, meteu a cabeça no táxi para ver quanto marcava o taxímetro e deu ao motorista algumas notas. Depois, quando Kay viu que o motorista não estava protestando e ficou satisfeito com o dinheiro que recebeu, ela saltou e caminhou pela alameda na direção da casa do centro.
A própria Sra. Corleone abriu a porta e recebeu Kay com um abraço caloroso que a surpreendeu. Depois examinou Kay, medindo-a de alto a baixo.
— Você é uma moça bonita — disse ela diretamente — Tenho filhos estúpidos.
Ela puxou Kay para dentro da porta e levou-a para a cozinha, onde um prato de comida já estava posto na mesa e um bule de café se achava sobre o fogo.
— Michael vai chegar daqui a pouco — disse ela — Você vai surpreendê-lo.
Sentaram-se juntas e a velha forçou Kay a comer, enquanto fazia perguntas com grande curiosidade. Estava encantada por saber que Kay era professora e que viera a Nova York visitar umas amigas e que tivesse apenas 24 anos de idade. Ela continuava a acenar com a cabeça como se todos os fatos concordassem com certas especificações particulares que ela tinha na mente. Kay estava tão nervosa que apenas respondia às perguntas, não dizendo mais nada.
Kay o viu primeiro pela janela da cozinha. Um carro parou na frente da casa, dele saltaram dois homens seguidos de Michael. Ele endireitou-se para falar com um dos outros homens. O seu perfil esquerdo ficou exposto à vista dela. Estava quebrado, amassado, era como o rosto de uma boneca que uma criança tivesse pisado de propósito. De modo curioso, para os olhos de Kay, isso não tirava a beleza dele, mas comovia-a até às lágrimas. Ela o viu levar um lenço branco á boca e ao nariz por um momento, enquanto se virava para entrar na casa.
Kay ouviu a porta se abrir e os passos dele no corredor virando para entrar na cozinha e de repente Michael estava no espaço aberto, olhando para ela e sua mãe. Michael parecia impassível e depois sorriu, sendo que a parte quebrada do seu rosto impedia a abertura normal de sua boca. E Kay, que pretendia apenas dizer: “Alô, como vai você?” da maneira mais fria possível, levantou-se bruscamente da cadeira para correr para os seus braços e enterrou o rosto no ombro dele. Michael beijou a face molhada de Kay e segurou-a até que ela terminou de chorar, e então a levou até o seu carro, enquanto ela com um lenço limpava o que restava da maquilagem de seu rosto.
— Eu não pretendia fazer aquilo — disse Kay — Apenas é que ninguém me disse como eles o haviam machucado.
Michael riu e tocou no lado quebrado de seu rosto.
— Você quer dizer isso? Não é nada. Apenas me traz alguma complicação no nariz. Agora que estou em casa, provavelmente vou tratar disso. Eu não podia escrever para você nem dar notícias — declarou Michael — Você precisa compreender isso antes de tudo.
— Está bem — respondeu ela.
— Tenho um cantinho na cidade — disse Michael — Você acha que devemos ir lá ou prefere jantar e beber num restaurante?
— Não estou com fome — respondeu Kay.
Foram de carro para Nova York, em silêncio durante algum tempo.
— Você se formou? — perguntou Michael.
— Sim — respondeu Kay — Estou agora lecionando numa escola primária na minha cidadezinha. Acharam o homem que realmente matou o capitão da polícia, e foi por isso que você pôde voltar para casa?
— Sim, acharam — respondeu afinal — Saiu em todos os jornais de Nova York. Você não leu sobre o caso?
Kay riu com o alívio dele ao negar que fosse um assassino.
— Só recebemos o Times de Nova York em nossa cidade — disse ela — Acho que a noticia estava escondida lá na página 39. Se eu a tivesse lido teria telefonado para sua mãe.
Ela fez uma pausa, depois acrescentou:
— É engraçado o modo como sua mãe falava, quase acreditei que você o tivesse cometido. E justamente antes de você chegar, enquanto tomávamos café, ela me contou a respeito daquele homem louco que confessou o crime.
— Talvez minha mãe acreditasse naquilo a pricípio — justificou Michael.
— A sua própria mãe? — perguntou Kay.
Michael respondeu arreganhando os dentes:
— As mães são como os polícias. Acreditam sempre no pior.
Michael estacionou o carro numa garagem da Mulberry Street, onde o dono parecia conhecê-lo. Levou Kay até a esquina para o que parecia ser uma casa de arenito pardo bastante velha e bem adequada ao bairro em decadência. Michael tinha a chave da porta da frente, e quando entraram, Kay viu que era uma residência de milionário guarnecida de móveis caros e confortáveis. Michael conduziu-a ao apartamento do pavimento superior, que consistia numa enorme sala de estar, uma ampla cozinha e uma porta que dava para o quarto. Num canto da sala de estar, havia um bar, para o qual Michael se dirigiu, a fim de preparar uma bebida para os dois. Em seguida, sentaram-se juntos num sofá, e Michael disse calmamente:
— É melhor irmos para o quarto.
Kay tomou um longo trago da bebida e sorriu para ele.
— É mesmo — concordou ela.
Para Kay, o amor entre eles era quase como antes, exceto que Michael parecia mais grosseiro, mais objetivo, não tão carinhoso quanto costumava ser. Como se estivesse em guarda contra ela. Mas ela não queria lamentar-se. Isso passaria. De um modo engraçado, os homens eram mais sensíveis numa situação como essa, pensou ela. Kay achou que ir para a cama com Michael após uma ausência de dois anos era a coisa mais natural do mundo. Era como se ambos nunca se tivessem separado.
— Você podia ter-me escrito, podia ter confiado em mim — disse ela, aconchegando-se ao corpo dele — Eu teria praticado a omertá da Nova Inglaterra. Os ianques são também bastante reservados, você sabe.
Michael riu brandamente no escuro.
— Nunca imaginei que você esperasse — disse ele — Nunca imaginei que você esperasse depois do que aconteceu.
— Nunca acreditei que você tivesse matado aqueles dois homens — retrucou Kay prontamente — A não ser, talvez, quando a sua mãe parecia pensar isso. Mas nunca acreditei nisso intimamente. Conheço você muito bem.
Ela ouviu Michael dar um suspiro.
— Não importa se eu matei ou não — disse ele — Você precisa compreender isso.
Kay ficou um pouco assombrada com a frieza da voz dele. Então perguntou.
— Portanto, diga-me agora, você matou ou não?
Michael sentou-se recostado no seu travesseiro, e no escuro via-se uma luz brilhar enquanto ele fumava um cigarro.
— Se eu pedisse a você que se casasse comigo, eu teria de responder primeiro a essa pergunta para que você desse uma resposta à minha?
— Não me importo — respondeu Kay — Eu gosto de você, não me importo mesmo. Se você gostasse de mim, não teria medo de me contar a verdade. Não teria medo de que eu pudesse contar à polícia. Este é o caso, não é? Você é de fato um gangster então, não é assim? Mas realmente não me importo. Eu me importo é com o fato de que você evidentemente não gosta de mim. Você nem me telefonou quando voltou para casa.
Michael continuou a fumar o seu cigarro e um pouco da cinza quente caiu nas costas de Kay. Ela encolheu-se um pouco e disse brincando:
— Pare de me torturar, eu não falarei.
Michael não riu. A sua voz parecia distraída.
— Você sabe, quando voltei para casa não fiquei contente quando vi minha família, meu pai, minha mãe, minha irmã Connie e Tom. Foi agradável, mas realmente não me importei nem um pouco. Então voltei esta noite para casa e vi você na cozinha e fiquei contente. É isso o que você chama amor?
— Isso já é o bastante para mim — respondeu Kay.
Troçaram carícias e amaram-se novamente por algum tempo. Michael foi mais carinhoso desta vez. Em seguida, levantou-se e foi apanhar mais bebida para eles. Quando voltou, sentou-se numa poltrona em frente à cama.
— Vamos falar sério — disse ele — Que tal você acha de casar comigo?
Kay sorriu para ele e fez-lhe sinal para vir para a cama. Michael retribuiu o sorriso e continuou a falar:
— Responda sério. Não posso contar a você nada do que aconteceu. Trabalho agora para o meu pai. Estou sendo treinado para assumir o negócio de azeite da família. Mas você sabe que minha família tem inimigos, meu pai tem inimigos. Você pode ficar viúva muito cedo, há uma possibilidade, não muito grande, mas pode acontecer. E não lhe contarei o que acontecer todo dia no escritório. Não lhe contarei nada sobre o meu negócio. Você será minha esposa, mas não será minha sócia na vida, se é assim que devo dizer. Não uma sócia em igualdade de condições. Isso não pode ser.
Kay sentou-se na cama. Ligou a lâmpada enorme da mesinha-de-cabeceira e depois acendeu um cigarro. Recostou-se nos travesseiros e falou calmamente:
— Você está dizendo a mim que é um gangster, não é verdade? Está dizendo que é responsável por gente que é assassinada e por vários outros crimes relacionados com homicídio. E que jamais devo fazer perguntas sobre esta parte de sua vida, nem mesmo pensar nela. Tal como nos filmes de terror em que o monstro pergunta à moça bonita se quer casar com ele.
Michael arreganhou os dentes, com a parte deformada do seu rosto virada para ela, e Kay disse como que arrependida:
— Oh, Mike, nem notei essa coisa estúpida, juro que não...
— Eu sei — retrucou Michael rindo — Gosto de ter isso agora, só que faz a coriza escorrer-me constantemente do nariz.
— Você pediu para falarmos sério — disse Kay — Se a gente se casar, que espécie de vida vou levar? Como a sua mãe, como uma dona-de-casa italiana que deve cuidar apenas dos filhos e da casa? E se acontecer alguma coisa? Penso que você pode acabar um dia na cadeia.
— Não, isso não é possível — retrucou Michael — Assassinado, sim; na cadeia, não.
Kay riu dessa declaração de autoconfiança, era um riso com um misto engraçado de orgulho e diversão.
— Mas como pode você dizer isso? — perguntou ela — Francamente.
Michael deu um suspiro.
— Estas são justamente as coisas sobre as quais não posso falar a você, sobre as quais não quero falar a você.
Kay permaneceu calada por muito tempo.
— Por que você quer casar comigo depois de não ter-me telefonado por todos esses meses? Sou tão boa assim na cama?
Michael acenou com a cabeça gravemente.
— Exatamente — respondeu ele — Mas estou fazendo isso de graça, logo, por que não devo casar com você por isso? Olhe, não quero a resposta agora. Vamos continuar a nos encontrar. Você pode falar com os seus pais. Ouvi dizer que o seu pai é um homem duro à moda dele. Ouça o conselho dele.
— Você não respondeu por que quer casar comigo — insistiu Kay.
Michael tirou um lenço da gaveta da mesinha-de-cabeceira. Assoou-se nele, depois limpou o nariz.
— Você tem o melhor motivo para não casar comigo — disse ele — Que tal ter um sujeito ao lado que está sem o nariz?
Kay voltou a insistir com impaciência:
— Vamos, falemos sério, eu lhe fiz uma pergunta.
Michael segurou o lenço na mão.
— Está bem — concordou ele — Agora mesmo. Você é a única pessoa por quem sinto alguma afeição, de quem eu gosto. Não telefonei para você porque jamais me ocorreu que pudesse ainda estar interessada em mim depois de tudo o que aconteceu. É verdade, eu podia ter perseguido você, podia ter confiado em você, mas não quis fazer isso. Agora eis uma coisa que vou confidenciar a você e não quero que repita isso nem mesmo a seu pai. Se tudo correr bem, a Família Corleone ficará completamente legal daqui a cinco anos. Algumas coisas complicadas têm de ser feitas para tornar isso possível. Este o motivo por que talvez você se tome uma viúva rica. Agora, para que quero você? Bem, porque gosto de você e quero ter uma família. Quero filhos; já é tempo. E não quero que meus filhos sejam influenciados por mim da maneira que eu fui por meu pai. Não quero dizer que meu pai me influenciou deliberadamente. Ele nunca fez isso. Nem me queria sequer no negócio da Família. Ele queria que eu me tornasse professor ou doutor, algo como isso. Mas as coisas correram mal e eu tive de lutar pela minha família. Tive de lutar porque amo e admiro meu pai. Jamais conheci um homem mais digno de respeito. Sempre foi um bom marido, um bom pai e um bom amigo para as pessoas que não eram muito felizes na vida. Ele tem outro lado, mas isso não me interessa como seu filho. De qualquer modo, não quero que isso aconteça a meus filhos. Quero que eles sejam influenciados por você. Quero que cresçam como meninos cem por cento americanos, realmente cem por cento americanos, todos eles. Talvez eles ou os netos deles ingressem na política.
Michael arreganhou os dentes e continuou:
— Talvez um deles seja presidente dos Estados Unidos. Por que diabo não? Em meu curso de História, em Dartmouth, fizemos um levantamento dos ancestrais de todos os presidentes e descobrimos que os pais e avós de alguns tiveram a sorte de não morrer na forca. Mas arranjarei para que os meus filhos sejam doutores, músicos ou professores. Jamais entrarão no negócio da Família. Na época em que eles tiverem essa idade, já estarei aposentado. E você e eu faremos parte do grupo de membros de um clube campestre, teremos a vida boa dos americanos abastados. Qual a sua impressão sobre essa minha proposta?
— Maravilhosa — respondeu Kay — Mas você como que saltou a parte da viúva.
— Não há muita possibilidade disso. Apenas a mencionei para dar sensação.
Michael bateu-lhe de leve no nariz com o lenço.
— Não acredito, não acredito que você seja um homem assim, você exatamente não é — disse Kay.
O rosto dela apresentava um ar perplexo. E ela continuou:
— Não consigo compreender a coisa toda, como isso poderia ser.
— Bem, não vou dar mais explicações — disse Michael delicadamente — Você sabe, não precisa pensar em nenhuma dessas coisas, isso realmente nada tem a ver com você ou com a nossa vida juntos, se nos casarmos.
Kay balançou a cabeça.
— Como pode você querer casar comigo, como pode você insinuar que gosta de mim, você nunca me disse isso, mas acaba de dizer que gosta de seu pai, você nunca disse que gostava de mim, como pode gostar de mim, se desconfia tanto de mim que não pode contar-me as coisas mais importantes de sua vida? Como pode querer ter uma esposa na qual não pode confiar? O seu pai confia na sua mãe. Eu sei disso.
— É verdade — respondeu Michael — Mas isso não quer dizer que ele conta tudo a ela. E, você sabe, ele tem razão para confiar nela. Não porque eles se casaram e ela é mulher dele. Mas ela lhe deu quatro filhos nos tempos em que não era tão seguro ter filhos. Ela cuidou dele e o protegeu quando os outros atiravam nele. Ela acreditava nele. Ele foi sempre a pessoa a quem ela dedicou a maior lealdade durante quarenta anos. Depois de você fazer isso, talvez eu lhe conte algumas coisas que você realmente não quer ouvir.
— Teremos de viver na alameda? — perguntou Kay.
Michael acenou a cabeça afirmativamente.
— Teremos a nossa própria casa, não será assim tão ruim. Meus pais não se meterão. Teremos a nossa própria vida. Mas até que se acerte tudo, tenho de viver na alameda.
— Porque é perigoso, para você, viver fora dela — retrucou Kay.
Pela primeira vez desde que o conhecia, ela viu Michael zangado. Era uma zanga fria que não foi externada por qualquer gesto ou alteração da voz. Era uma frieza que se desprendia dele como a morte, e Kay sabia que era essa frieza que a faria decidir-se a não se casar com ele se ela assim decidisse.
— A complicação toda vem dessa porcaria que se vê no cinema e nos jornais — afirmou Michael — Você tem uma idéia errada do meu pai e da Família Corleone. Vou dar a última explicação e esta será realmente a última. Meu pai é um homem de negócios que procura ganhar dinheiro para prover a subsistência da mulher e dos filhos ë daqueles amigos de que ele possa precisar algum dia numa hora de dificuldade. Ele não aceita as regras da sociedade em que vivemos porque tais regras o condenariam a uma vida inadequada para um homem como ele, um homem de extraordinária força de caráter. O que você precisa compreender é que ele se considera igual a todos esses grandes homens como presidentes, primeiros-ministros, juizes da Suprema Corte e governadores dos Estados. Ele se recusa a aceirtar a vontade deles acima da dele própria. Ele se recusa a viver pelas regras estabelecidas pelos outros, regras que o condenam a uma vida frustrada. Mas o objetivo supremo de meu pai é entrar nessa sociedade com certo poder, já que a sociedade não protege realmente os seus próprios membros, que não possuem poder individual. Enquanto isso, ele opera com base num código de ética que considera muito superior às estruturas legais da sociedade.
— Mas isso é ridículo — retrucou Kay, incredulamente — Que aconteceria se todo mundo sentisse a mesma coisa? Como poderia funcionar a sociedade? Voltaríamos aos tempos dos homens das cavernas. Mike, você não acredita no que está dizendo, acredita?
Michael arreganhou os dentes para ela
— Estou apenas lhe dizendo em que meu pai acredita. Quero apenas que você compreenda que, seja lá o que ele for, ele não é responsável, ou pelo menos não na sociedade que ele criou. Meu pai não é um gangster maluco armado de metralhadora como parece que você pensa. Ele é um homem responsável à sua própria moda.
— E em que você acredita? — perguntou Kay calmamente.
Michael deu de ombros.
— Acredito em minha família — respondeu — Acredito em você e na familia que podemos ter. Não confio que a sociedade nos proteja, não tenho a intenção de colocar o meu destino nas mãos de homens cuja única qualificação consiste em procurar convencer um grupo de pessoas a votar neles. Mas isso é por enquanto. A época de meu pai já passou. As coisas que ele fez não podem mais ser feitas, a menos que se corra um bocado de risco. Quer gostemos disso ou não, a Família Corleone tem de se juntar a essa sociedade. Mas quando o fizer, quero que nos juntemos a ela com uma grande parte de nosso próprio poder; isto é, dinheiro e propriedade de outros valores. Eu gostaria de garantir meus filhos tanto quanto possível antes que eles se juntem a esse destino geral.
— Mas você se apresentou voluntariamente para lutar pelo seu país, você foi um herói de guerra — disse Kay — Que foi que aconteceu para fazer você mudar?
Michael respondeu:
— Isso realmente não nos vai levar a lugar algum. Mas talvez eu seja apenas um dos verdadeiros conservadores antiquados como aqueles que nascem e vivem em sua cidadezinha. Eu cuido de mim, particularmente. Os governos realmente não fazem muito pelo seu povo, isso é o que se diz geralmente, mas não é o que acontece na realidade. Tudo o que posso dizer é que tenho de ajudar meu pai, tenho de estar do lado dele. E você precisa decidir se quer ficar do meu lado — sorriu para ela e acrescentou — Acho que casar foi má idéia.
Kay deu uma pancadinha na cama.
— Nada sei a respeito de casamento, mas passei dois anos sem homem e não vou largar você assim tão facilmente. Venha cá.
Quando estavam na cama juntos, com as luzes apagadas, ela perguntou baixinho:
— Você acredita que passei sem homem desde que você partiu?
— Eu acredito em você — respondeu Michael.
— Acredita mesmo? — murmurou ela com urna voz bastante meiga.
— Acredito sim — respondeu ele. Michael a sentiu tornar-se mais rija — E eu não estive com outra mulher.
Era verdade. Kay era a primeira mulher com quem ele se deitava desde morte de Apollonia.





Continua...






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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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