CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
CAPÍTULO
28
N
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A
VIAGEM DE VOLTA de avião para Nova York, Michael Corleone recostou-se à
vontade no assento e tentou dormir. Foi inútil. O período mais terrível de sua
vida estava se aproximando, talvez mesmo a hora fatal. Não podia mais ser
adiado. Tudo estava pronto, todas as precauções tinham sido tomadas, dois anos
de precauções. Não podia mais haver prorrogação. Na semana anterior, quando o
Don anunciara formalmente o seu afastamento definitivo aos caporegimes e outros
membros da Família Corleone, Michael sabia que isso era o meio escolhido por
seu pai para dizer-lhe que a hora tinha chegado.
Já fazia agora quase
três anos que ele voltara para casa e mais de dois que casara com Kay. Ele
levara esses três anos aprendendo o negócio da Família. Passava longas horas
com Tom Hagen, longas horas com o Don. Ficou espantado ao ver como era
verdadeiramente rica e poderosa a Família Corleone. Possuía imóveis imensamente
valiosos no centro de Nova York, edifícios inteiros de escritórios. Tinha,
através de testas-de-ferro, sociedade em duas casas de corretagem de Wall
Street, partes de bancos em Long lsland, sociedade em algumas firmas centrais
de roupas feitas, além das operações ilegais no jogo.
A coisa mais
interessante que Michael Corleone soube, ao ser informado sobre as transações
retrospectivas da Família Corleone, foi que a Família recebera certa renda de
proteção, logo depois da guerra, de um grupo de falsificadores de discos. Os
falsificadores reproduziam e vendiam discos de artistas famosos, fazendo tudo
com tanta habilidade que nunca foram apanhados. Naturalmente, nos discos que
eles vendiam às lojas, os artistas e a companhia da produção original não
recebiam um níquel sequer. Michael Corleone notou que Johnny Fontane perdera um
bocado de dinheiro devido a essa falsificação porque, na época, exatamente
antes de ele perder a voz, os seus discos eram os mais populares do país.
Michael perguntou a
Tom Hagen como podia ter acontecido aquilo. Por que é que o Don permitira que
os falsificadores tapeassem a seu afilhado? Hagen deu de ombros. Negócio era
negócio. Além disso, Johnny não estava nas boas graças do Don, Johnny tinha-se
divorciado de sua namorada de infância para casar com Margot Ashton. Isso
desgostara imensamente o Don.
— Como é que esses
sujeitos pararam com o negócio? — perguntou Michael — A polícia os apanhou?
Hagen balançou a
cabeça.
— O Don retirou a sua
proteção. Isso foi logo depois do casamento de Connie.
Era uma dessas coisas
que ele passaria a ver freqüentemente, o Don ajudando àqueles que tinham caído
em desgraça, desgraça esta que ele em parte criara. Talvez não por astúcia ou
premeditação, mas devido á sua variedade de interesses ou talvez devido à
natureza do universo, o entrelaçamento do bem e do mal, coisa natural nesse
mesmo universo.
Michael casara com Kay
lá na Nova Inglaterra, um casamento tranqüilo, com a presença apenas dos
parentes e de algumas amigas da noiva. Depois se mudaram para uma das casas da
alameda em Long Beach. Michael ficou surpreso com a facilidade com que Kay fez
amizade com seus pais e as outras pessoas que moravam na alameda. E
naturalmente ela ficou logo grávida, como se podia esperar de uma boa esposa
italiana à moda antiga, e isso ajudou. O segundo filho a caminho, em dois anos,
era também uma ótima coisa.
Kay estaria esperando
por ele no aeroporto, ela sempre vinha encontrá-lo, ficava contente de verdade
quando Michael regressava de uma viagem. E ele também. Mas não agora. Pois o
fim dessa viagem significava que.afinal teria de assumir o encargo para o qual
ele vinha sendo preparado nos últimos três anos. O Don estaria esperando por
ele. Os caporegimes estariam
esperando por ele. E ele, Michael Corleone, teria de dar as ordens, tomar as
decisões que determinariam o seu destino e também o destino da Família.
Diariamente, quando
Kay Adams Corleone se levantava para preparar a primeira alimentação do bebê,
via a mamãe Corleone, a mulher do Don, ser levada de carro para fora da
alameda, por um dos seus guarda-costas, para retornar uma hora depois. Kay logo
soube que a sogra ia à igreja toda manhã. Às vezes, ao regressar, a velha
senhora dava uma paradinha ali para tomar o café da manhã e ver o seu novo
neto.
A Sra. Corleone sempre
perguntava por que Kay não pensava em se tornar católica, ignorando o fato de
que o filho de Kay já tinha sido batizado como protestante. Assim, Kay sentia
ser apropriado perguntar à velha senhora se ela ia à igreja todas as manhãs,
por ser uma parte necessária do credo católico. Pensando que isso pudesse
impedir Kay de se converter ao catolicismo, a Sra. Corleone respondeu:
— Oh, não, não, alguns
católicos só vão à igreja na Páscoa e no Natal. A pessoa vai quando tem vontade
de ir.
Kay deu uma gargalhada
e perguntou:
— Então por que a
senhora vai toda manhã?
De um modo completamente natural, mamãe Corleone
respondeu:
— Eu vou por meu
marido — ela apontou para o chão — Para que ele não vá para lá — fez uma pausa
e acrescentou — Faço orações pela alma dele todo dia para que ele vá lá para
cima — e apontou o céu.
Ela disse isso com um
sorriso meio malicioso, como se estivesse contrariando de alguma forma a
vontade do marido, ou como se fosse uma coisa perdida. Disse-o quase brincando,
à maneira horrível de velha italiana. E, como sempre, quando o marido não
estava presente, havia uma atitude de desrespeito para com o grande Don.
— Como tem passado o
seu marido? — perguntou Kay delicadamente.
A Sra. Corleone deu de
ombros.
— Ele não é mais o
mesmo homem desde que o balearam. Deixa Michael fazer todo o trabalho, apenas
perde tempo com seu jardim, seus pimentões, seus tomates. Como se ainda fosse
camponês. Mas os homens são sempre assim.
Mais tarde, naquela
manhã, Connie atravessaria a alameda com seus dois filhos para fazer uma visita
a Kay e bater um papo. Kay gostava de Connie, de sua vivacidade, de seu amor
evidente pelo irmão Michael. Connie ensinara Kay a cozinhar alguns pratos
italianos, mas às vezes trazia os seus próprios preparados, mais bem-feitos,
para Michael saborear.
Agora, naquela manhã,
como sempre fazia, ela perguntava a Kay o que Michael pensava de seu marido,
Carlo. Será que Michael realmente gostava de Carlo, como dava a entender? Carlo
sempre tivera um pouco de complicação com a Família, mas agora nos últimos anos
ele se corrigira. Estava realmente indo muito bem com o sindicato trabalhista,
mas tinha de trabalhar arduamente, durante muitas horas. Carlo realmente
gostava de Michael, Connie sempre dizia. Mas então, todos gostavam de Michael,
como gostavam de seu pai. Michael era exatamente igual ao Don em tudo. A melhor
coisa mesmo era que Michael ia dirigir o negócio de azeite da Família.
Kay observara antes
que quando Connie falava a respeito do marido em relação com a Família, ficava
sempre ansiosa por ouvir alguma palavra de aprovação a Carlo. Kay seria
estúpida se não tivesse notado o interesse quase aterrador que Connie tinha em
saber se Michael gostava de Carlo ou não. Uma noite ela falou com Michael sobre
isso e mencionou o fato de que ninguém jamais falava em Sonny Corleone, ninguém
nem mesmo se referia a ele, pelo menos não na presença dela. Kay tentara uma
vez expressar suas condolências ao Don e sua mulher, e eles a ouviram com um
silêncio quase rude e depois não falaram no assunto. Ela tentara fazer Connie
falar sobre o irmão mais velho, mas não tivera êxito.
A mulher de Sonny,
Sandra, mudara-se com os filhos para a Flórida, onde os seus pais moravam
agora. Fizeram-se certos arranjos financeiros para que ela e os filhos ficassem
bem, mas Sonny não deixara imóveis.
Michael relutantemente
explicou o que acontecera na noite em que Sonny foi assassinado. Que Carlo batera
na mulher e que Connie telefonara para a alameda, Sonny atendera ao telefonema
e correra para a casa dela numa fúria cega. Assim, naturalmente, Connie e Carlo
estavam sempre nervosos, receando que o resto da Família a culpasse por ter
indiretamente causado a morte de Sonny. Ou culpasse o marido dela, Carlo. Mas
não era esse o caso. A prova era que deram a Connie e Carlo uma casa na própria
alameda e promoveram Carlo a uma função importante na organização dos
sindicatos trabalhistas. E Carlo se corrigira, parara de beber, parara de andar
com prostitutas, parara de querer bancar o espertinho. A Família se sentia
satisfeita com o trabalho e a atitude dele durante os últimos dois anos.
Ninguém o culpava pelo que tinha acontecido.
— Então, por que você não os convida para vir aqui
uma noite e tranqüiliza a sua irmã? — perguntou Kay a Michael — A pobrezinha
anda sempre tão nervosa a respeito do que você pensa do marido dela. Diga
a ela. E diga também para tirar da cabeça essas preocupações bobas.
— Não posso fazer isso — respondeu ele — Não
falamos nessas coisas na nossa família.
— Você quer que eu
diga a ela o que você acaba de me contar? — perguntou Kay.
Ela ficou embaraçada
porque Michael levou um tempo enorme pensando numa sugestão que era obviamente
a coisa apropriada a ser feita. Finalmente, ele respondeu:
— Acho que você não
deve fazer isso, Kay. Acho que isso não adiantará nada. Ela ficará preocupada,
de qualquer modo. É uma coisa pela qual ninguém pode fazer nada.
Kay ficou espantada.
Ela percebera que Michael era sempre um pouco mais frio para a sua irmã Connie
do que para qualquer outra pessoa, apesar da afeição demonstrada por Connie.
— Certamente você não
culpa Connie pelo assassinato de Sonny, não é verdade? — perguntou ela.
— Naturalmente não —
respondeu ele — Ela é minha irmã caçula e eu gosto muito dela. Tenho pena dela.
Carlo se corrigiu, mas continua a ser o tipo do marido errado. É uma dessas
coisas. Vamos esquecer o assunto.
Não era da natureza de
Kay insistir num tema desagradável; deu o assunto por encerrado. Também ela
aprendera que Michael não era um homem fácil de se convencer, que ele poderia
se tornar frio e irritado. Ela sabia que era a única pessoa no mundo que podia
dobrar a vontade dele, mas sabia também que fazer isso freqüentemente seria
destruir esse poder. E viver com ele aqueles dois últimos anos fizera-a amá-lo
ainda mais.
Kay amava o marido
porque ele era sempre cordato. Uma coisa rara. Mas era sempre cordato com todas
as pessoas que o cercavam, nunca era arbitrário nem nas menores coisas. Ela
observara que ele agora era um homem muito poderoso, pessoas vinham à sua casa
conferenciar com ele e pedir favores, tratando-o com deferência e respeito, mas
uma coisa o elevara no conceito dela mais do que tudo.
Desde que Michael
regressara da Sicília com a cara quebrada, todo mundo na Família procurara
fazê-lo submeter-se à cirurgia corretiva. A Sra. Corleone dava em cima dele
constantemente; num jantar de domingo, quando todos os Corleone estavam
reunidos na alameda, ela gritou para Michael:
— Você parece um
gangster do cinema, mande consertar a sua cara pelo amor de Jesus Cristo e de
sua pobre mulher. E assim o seu nariz deixará de correr como acontece com um
irlandês bêbedo.
O Don, sentado na
cabeceira da mesa, observando tudo, perguntou a Kay:
— Isso a incomoda?
Kay balançou a cabeça.
O Don falou para a sua mulher.
— Ele não está mais sob o seu domínio, isso
não lhe diz respeito.
A Sra. Corleone
imediatamente se calou. Não que tivesse medo do marido, mas porque seria
realmente desrespeitoso discutir tal assunto perante os outros.
Mas Connie, a
preferida do Don, veio da cozinha, onde estivera preparando o jantar de
domingo, com o rosto vermelho do fogão, e disse:
— Acho que ele deve
consertar a cara. Ele era o mais bonito da família antes de sofrer aquilo.
Vamos, Mike, diga que você vai consertá-la.
Michael olhou para a
irmã de maneira distraída. Parecia que não tinha ouvido coisa alguma. Ele não
respondeu.
Connie veio postar-se
ao lado do pai.
— Faça-o consertar a
cara — pediu ela ao Don,
Depois Connie pousou
as duas mãos carinhosamente nos ombros do pai e friccionou-lhe o pescoço. Ela
era a única pessoa que podia tomar tal liberdade com o Don. O amor dela pelo
pai era comovente. Era sincero, como o de uma menina pequena. O Don bateu numa
das mãos dela e disse:
— Todos nós estamos
aqui morrendo de fome. Ponha o espaguete em cima da mesa e depois tagarele.
Connie virou-se para o
marido e pediu:
— Carlo, diga a Mike para consertar a cara. Talvez
ele ouça você.
A sua voz insinuava
que Michael e Carlo Rizzi tinham alguma relação amistosa acima de quaisquer
outras pessoas.
Carlo, bastante
queimado do sol, o cabelo louro apuradamente cortado e penteado, tomou um gole
do seu copo de vinho caseiro e disse:
— Ninguém pode dizer a
Mike o que ele deve fazer.
Carlo se tornara um
homem diferente desde que se mudara para a alameda. Conhecia seu lugar na
Família e se mantinha nele.
Havia alguma coisa que
Kay não entendia em tudo isso, alguma coisa que não se podia realmente
perceber. Como mulher, ela notava que Connie estava deliberadamente agradando o
pai, embora fizesse isso decentemente e com sinceridade. Contudo, não era uma
coisa espontânea. A resposta de Carlo fora uma saída masculina delicada e sem
compromisso. Michael não tomou absolutamente conhecimento de nada.
Kay não se importava
com a desfiguração do marido, mas se preocupava com a sua complicação do nariz
que decorria disso. A correção cirúrgica resolveria o problema. Por esse
motivo, ela queria que Michael se submetesse à necessária operação. Mas
compreendia que, de modo curioso, ele desejava essa desfiguração. Ela tinha
certeza de que o Don compreendia isso também,
Mas, depois que Kay
deu à luz o primeiro filho, ficou surpresa quando Michael lhe perguntou:
— Você quer que eu
endireite a cara?
Kay acenou com a
cabeça.
— Você sabe como são
as crianças, o seu filho se sentirá mal com a sua cara quando crescer o
bastante para compreender que isso não é normal. Apenas não quero que nosso
filho veja isso. Francamente, Michael, não ligo para isso.
— Está bem — retrucou
ele sorrindo — Eu a consertarei.
Michael esperou que
ela saísse da maternidade e fosse para casa, e então tomou as necessárias
providências. A operação teve êxito. O amassamento da face era agora quase
imperceptível.
Todos na Família ficaram
satisfeitos, mas Connie mais do que qualquer outra pessoa. Ela visitava Michael
todo dia no hospital, arrastando Carlo consigo. Quando Michael voltou para
casa, ela deu-lhe um grande abraço, beijou-o, olhou para ele com admiração e
disse:
— Agora você é meu
irmão bonito novamente.
Somente o Don não se
impressionou, dando de ombros, e observando:
— Qual é a diferença?
Mas Kay ficou grata.
Ela sabia que Michael fizera isso contra todas as suas inclinações. Fizera
porque ela lhe pedira, e porque ela sabia que era a única pessoa no mundo que
podia fazê-lo realizar uma coisa contra a sua própria natureza.
Na tarde do regresso
de Michael de Las Vegas, Rocco Lampone levou a limusine para a alameda, a fim
de apanhar Kay para que ela pudesse
encontrar o marido no aeroporto. Ela sempre ia ao encontro do marido quando ele
voltava de alguma viagem, principalmente porque se sentia solitária sem
ele, vivendo como vivia na alameda fortificada.
Ela o viu sair do
avião com Tom Hagen e o novo homem que trabalhava para ele, Albert Neri. Kay
não simpatizava muito com Neri, ele lembrava-lhe Luca Brasi em sua tranqüila
ferocidade. Viu Néri saltar atrás de Michael e depois afastar-se para o lado,
observando seu rápido olhar penetrante, enquanto seus olhos esquadrinhavam
todas as pessoas nas proximidades. Foi Neri quem primeiro avistou Kay e tocou
no ombro de Michael para fazê-lo olhar na direção apropriada.
Kay correu para os
braços do marido e ele beijou-a rapidamente. Michael, Tom Hagen e Kay entraram
na limusine e Albert Neri sumiu, Kay não percebeu que Neri entrara noutro carro
com mais dois homens, seguindo-os até a alameda de Long Beach.
Kay nunca perguntava a
Michael como se saía nos negócios. Até essas perguntas eram compreendidas como
esquisitas, não que ele não lhe desse uma resposta igualmente delicada, mas
isso lembraria a ambos o território proibido no qual o casamento deles jamais
podia permitir que ela entrasse. Kay não se importava mais. Porém, quando
Michael lhe disse que teria de passar a noite com o pai, a fim de relatar-lhe
os resultados da viagem a Las Vegas, ela não pôde deixar de fazer uma cara de
decepção.
— Lamento muito —
disse Michael — Amanhã à noite iremos a Nova York assistir a um espetáculo e
jantar. Está bem?
Ele bateu-lhe no ventre, ela já estava grávida há
quase sete meses.
— Depois que a criança
nascer — continuou ele — Você ficará presa nova mente. Diabo, você é mais
italiana do que ianque. Dois filhos em dois anos.
— E você é mais ianque
do que italiano — retrucou Kay mordazmente — É sua primeira noite em casa e
você vai passá-la tratando de negócios.
Mas ela sorriu para
ele quando disse aquilo.
— Você não vai chegar
tarde em casa, vai? — perguntou ela.
— Antes de meia-noite
— respondeu Michael — Não me espere acordada se você se sentir cansada.
— Esperarei acordada —
retorquiu ela.
Na reunião daquela
noite, na biblioteca da sala do canto da casa de Don Corleone, estavam
presentes o próprio Don, Michael, Tom Hagen, Casio Rizzi e os dois caporegimes, Clemenza e Tessio.
A atmosfera da reunião
não era, de forma alguma, tão cordial como nos velhos tempos. Desde que Don
Corleone anunciara sua semi-aposentaria e a elevação de Michael à direção do
negócio da Família, havia certa tensão. A sucessão no controle de um
empreendimento como a Família não era, de forma alguma, hereditária. Em
qualquer outra Família, caporegimes
poderosos, tais como Clemenza e Tessio, teriam ascendido à posição do Don. Ou
pelo menos teriam tido permissão para separar-se e formar a sua própria
Família.
Então, também, desde
que Don Corleone fizera a paz com as cinco Famílias, a força da Família
Corleone declinara. A Família Barzini era agora indiscutivelmente a mais
poderosa na área de Nova York; aliada como estava aos Tattaglia, ela agora
mantinha a posição que a Família Corleone mantivera outrora. Também ela reduzia
ardilosa e gradualmente o poder da Família Corleone, invadindo as suas áreas de
jogo, experimentando as reações dos Corleone e, achando-os fracos,
estabelecendo os seus próprios bookmakers.
Os Barzini e Tattaglia
estavam exultantes com a aposentadoria de Don Corleone. Michael, por mais
poderoso que pudesse ser, jamais esperaria ser igual a Don Corleone em astúcia
e influência, pelo menos antes de decorrida uma década. A Família Corleone
estava definitivamente em decadência.
Ela havia,
evidentemente, sofrido sérios infortúnios. Freddie provara não ser nada mais do
que um hoteleiro e conquistador de mulheres, sendo que a expressão
“conquistador de mulheres” era intraduzível, mas sugeria uma criança voraz
sempre agarrada ao seio da mãe — em suma, um homem fraco. A morte de Sonny fora
também um desastre. Ele era um homem a ser temido, não a ser tomado
levianamente. De fato, cometera um erro ao mandar seu irmão mais moço, Michael,
matar o turco e o capitão da polícia. Embora fosse necessário num sentido
tático, numa estratégia a longo prazo isso provou ser um erro calamitoso.
Forçara finalmente Don Corleone a se levantar de sua cama de enfermo. Privara
Michael de dois anos de valiosa experiência e rigoroso treinamento sob a orientação
do pai. E evidentemente escolher um irlandês para consigliori fora a única tolice que Don Corleone perpetrou em toda
a sua carreira. Nenhum irlandês podia igualar um siciliano em astúcia. Esta era
a opinião de todas as Famílias, e elas naturalmente mostravam-se mais
respeitosas para com a aliança Barzini-Tattaglia
do que para com os Corleone. A opinião delas a respeito de Michael era que ele
não era igual a Sonny em força, embora certamente fosse mais inteligente, porém
não mais inteligente do que o pai. Um sucessor medíocre e um homem que não
devia ser muito temido.
Além disso, embora Don
Corleone fosse geralmente admirado por sua habilidade diplomática em fazer a
paz, o fato de não ter ele vingado a morte de Sonny contribuiu para que a
Família perdesse grande parte de seu prestígio. Reconhecia-se que tal
habilidade diplomática proviera unicamente de fraqueza.
Tudo isso era sabido
pelos homens que se achavam reunidos naquela sala, e talvez até acreditado por
alguns. Carlo Rizzo gostava de Michael, mas não o temia como temera Sonny.
Clemenza também, embora concedesse a Michael um crédito de bravura por ter
assassinado o turco e o capitão da polícia, não podia deixar de achar que
Michael era muito mole para ser Don. Clemenza esperara ter permissão para formar sua própria Família, para ter seu
próprio império, separado dos Corleone. Mas o Don respondera que não concedia
licença para isso, e Clemenza respeitava muito o Don e não ousava desobedecer
tal decisão. A menos que a situação se tornasse de todo intolerável.
Tessio tinha uma
opinião melhor de Michael. Percebia algo mais no jovem: uma força habilmente
mantida oculta, um homem que procurava
manter ciosamente resguardada a sua verdadeira força, seguindo o preceito de
Don Corleone de que um amigo deve
sempre subestimar as nossas virtudes e um inimigo sobrestimar os nossos
defeitos.
O próprio Don Corleone
e Tom Hagen evidentemente confiavam bastante em Michael. O Don jamais teria se
aposentado, se não acreditasse inteiramente na habilidade do filho em recuperar
o prestígio da Família. Hagen fora o professor de Michael durante os últimos
dois anos e estava espantado com a facilidade com que Michael apreendera toda a
complexidade do negócio da Família. Ele era verdadeiramente filho do pai.
Clemenza e Tessio estavam
aborrecidos com Michael porque ele reduzira a força dos regimes deles e nunca
reconstituíra o regime de Sonny. A Família Corleone, com efeito, tinha agora
apenas duas divisões de combate com menos pessoal do que antes. Clemenza e
Tessio consideravam isso um suicídio, especialmente quando os Barzini e
Tattaglia invadiam vários setores do império dos Corleone. Assim esperavam
agora que tais erros fossem corrigidos naquela reunião extraordinária convocada
pelo Don.
Michael começou a
contar-lhes a viagem a Las Vegas e a recusa de Moe Greene à proposta para
vender a sua parte.
— Mas lhe faremos uma
oferta que ele não poderá recusar — acrescentou ele — Vocês já sabem do projeto
da Família Corleone para transferir as suas operações para o Oeste. Teremos
quatro dos hotéis-cassinos na Faixa. Mas não podemos realizá-lo agora.
Precisamos de tempo para acertar as coisas.
Dirigindo-se
diretamente a Clemenza, falou:
— Pete, você e Tessio,
quero que fiquem a meu lado durante um ano sem perguntas e sem reservas. No fim
desse ano, vocês dois podem separar-se da Família Corleone e tornarem-se seus
próprios chefes, ter suas próprias Famílias. Evidentemente, não preciso dizer
que manteremos nossa amizade. Eu não desapontaria vocês, pois o respeito de
vocês por meu pai não esqueço um instante sequer. Mas até o término desse
tempo, quero que sigam a minha liderança e não se preocupem. Há negociações em
andamento sobre isso que resolverão problemas que vocês consideram insolúveis.
Portanto, peço apenas que sejam um pouco pacientes.
— Se Moe Greene deseja
falar com o seu pai, por que não deixá-lo fazer isso? — perguntou Tessio — Don
Corleone sempre conseguiu convencer qualquer pessoa, nunca houve alguém que
pudesse resistir à sua argumentação.
— Estou aposentado —
atalhou Don Corleone — Michael perderia o respeito de vocês, se eu interviesse
no assunto. Além disso, ele é um homem com quem eu não gostaria de falar.
Tessio lembrou-se das
histórias que ouvira sobre Moe Greene, que esbofeteara Freddie Corleone uma
noite no hotel de Las Vegas. Começou a desconfiar de algo. Recostou-se na
cadeira. Moe Greene era um homem morto,
pensou ele. A Família Corleone não desejava convencê-lo.
Carlo Rizzi perguntou:
— A Família Corleone
vai deixar totalmente de operar em Nova York?
Michael acenou com a
cabeça afirmativamente.
— Venderemos o negócio
de azeite. Tudo o que pudermos passaremos para Tessio e Clemenza. Mas, Carlo,
não quero que você se preocupe com o seu emprego. Você foi criado em Nevada,
você conhece o Estado, conhece o povo. Estou contando com você para ser meu
braço direito quando a gente se mudar para lá.
Carlo recostou-se na
sua cadeira, com o rosto vermelho de satisfação. A sua hora estava chegando,
ele se empolgava com o aceno do poder.
—Tom Hagen não é mais
o consigliori — prosseguiu Michael —
Vai ser nosso advogado em Las Vegas. Daqui a uns dois meses, ele se mudará para
lá, em caráter permanente, com a família. Exclusivamente como advogado. Ninguém
lhe apresentará qualquer outro assunto a partir de agora, deste instante. Ele é
advogado, e só isso. Nada tenho de desabonador contra Tom, apenas quero a coisa
assim. Além disso, se precisar de conselho, alguma vez, quem pode ser melhor
conselheiro do que meu pai?
Todos riram. Mas
compreenderam bem a mensagem, apesar da piada. Tom Hagen estava fora do
negócio, não mais exercia qualquer poder. Todos relancearam um olhar para
Hagen, a fim de ver a sua reação, mas o seu rosto se mantinha impassível.
Clemenza perguntou com
a sua voz ofegante de homem gordo:
— Então, daqui a um
ano estaremos por nossa própria conta, não é isso?
— Talvez até em menos
tempo — respondeu Michael amavelmente — Evidentemente, vocês podem continuar
sempre a fazer parte da Família, cabe a vocês mesmos escolher. Mas a maior
parte de nossa força estará lá no Oeste e talvez vocês prefiram organizar-se
por sua própria conta.
— Nesse caso — atalhou
Tessio — Penso que devemos ter permissão para arranjar mais homens para nossos
regimes. Esses salafrários dos Barzini continuam a se meter em meu território.
Acho que seria aconselhável dar-lhes uma pequena lição de boas maneiras.
Michael balançou a
cabeça.
— Não. Não é bom.
Continue quieto. Tudo isso vai ser negociado, tudo vai ser arranjado antes de
irmos embora.
Tessio não se satisfez
tão facilmente. Falou com o Don diretamente, arriscando-se a contrariar a
vontade de Michael.
— Perdoe-me, Padrinho,
que os nossos anos de amizade me sirvam de desculpa. Mas acho que você e seu
filho estão completamente enganados a respeito do negócio de Nevada. Como podem
vocês esperar ter êxito lá sem a sua força aqui para apoiá-los? As duas coisas
andam de braços dados. E, estando vocês longe daqui, os Barzini e os Tattaglia
serão muito fortes para nós. Eu e Pete teremos complicações, ficaremos sob o
domínio deles mais cedo ou mais tarde. E Barzini é um homem que não me agrada.
O que digo é que a Família Corleone deve dar um passo com base em sua força,
não em sua fraqueza. Devemos reforçar os nossos regimes e retomar os nossos
territórios perdidos em Staten Island pelo menos.
Don Corleone balançou
a cabeça.
— Fiz a paz, lembre-se, não posso deixar de cumprir
a minha palavra.
Tessio se recusou a
calar.
— Todos sabem que
Barzini tem provocado você desde então. E, além disso, se Michael é o novo
chefe da Família Corleone, por que impedir que ele tome qualquer atitude que
achar conveniente? Ele não é obrigado a cumprir rigorosamente a sua palavra.
Michael interrompeu-o
abruptamente. Disse a Tessio, bem compenetrado de que era o chefe agora:
— Há coisas que estão
sendo negociadas que responderão às suas perguntas e acabarão com as suas
dúvidas. Se a minha palavra não basta para você, pergunte ao Don.
Mas Tessio compreendeu
finalmente que tinha ido muito longe. Se ele se atrevesse a perguntar ao Don,
tornaria Michael seu inimigo. Assim deu de ombros e arrematou:
— Falei para o bem da
Família, não para o meu próprio. Posso cuidar de mim.
Michael riu
amavelmente para ele.
— Tessio, nunca
duvidei de você de forma alguma. Nunca. Mas confie em mim. Evidentemente não
sou igual a você e a Pete nessas coisas, mas afinal de contas meu pai me
orientou. Não agirei tão mal assim, todos nos sairemos muito bem.
A reunião estava
terminada. A grande notícia fora que Clemenza e Tessio teriam permissão para
formar suas próprias Famílias com base em seus regimes. Tessio controlaria o
jogo e as docas no Brooklyn, e Clemenza ficaria com o jogo em Manhattan e os
contatos da Família nos hipódromos de Long Island.
Os dois caporegimes partiram não muito
satisfeitos, ainda um pouco inquietos. Carlo Rizzi continuou por uns momentos a
pensar que tinha chegado a hora de ser finalmente tratado como um membro da
Família, mas logo percebeu que Michael não tinha isso em mente. Deixou o Don,
Tom Hagen e Michael a sós na sala da biblioteca. Albert Neri acompanhou-o até a
porta da casa e Carlo notou que Neri ficou no vão da porta observando-o
atravessar a alameda iluminada.
Na biblioteca, os três
homens ficaram à vontade como somente podem ficar as pessoas que viveram anos
juntas na mesma casa, na mesma família. Michael serviu um pouco de anisete a
Don Corleone e uísque a Tom Hagen. Ele mesmo tomou um trago, o que raramente
acontecia.
Tom Hagen falou
primeiro:
— Mike, por que você
está me cortando do negócio?
Michael pareceu
surpreender-se.
— Você será o meu
homem número um em Las Vegas. Nós estaremos cem por cento legalizados e você
será o nosso elemento jurídico. Que é que pode ser mais importante do que isso?
Hagen deu um sorriso
um pouco triste.
— Não estou falando
nisso. Estou falando no fato de Rocco Lampone organizar um regime secreto sem o
meu conhecimento. Estou falando no fato de você tratar diretamente com Neri e
não por meu intermédio ou através de um caporegime.
A menos que você não saiba o que Lampone está fazendo.
— Como você descobriu
esse negócio do regime de Lampone? — perguntou Michael brandamente.
Hagen deu de ombros.
— Não se preocupe,
nada transpirou, ninguém mais sabe. Mas na minha posição posso ver o que
acontece. Você deu a Lampone um meio de vida
próprio, você deu a ele um bocado de liberdade. Portanto, ele precisa de
gente para ajudá-lo no seu pequeno império. Mas todo sujeito que ele arranja tem de ser comunicado a mim. E noto que todo
sujeito que ele põe na folha de pagamento é um pouco bom demais para
essa determinada função, ganha um pouco mais de dinheiro do que vale a
atividade que ele exerce. A propósito, você pegou o homem certo quando escolheu
Lampone. Ele está agindo com toda a perfeição.
Michael fez uma
careta.
— Não com tanta
perfeição se você chegou a perceber. De qualquer modo, o Don escolheu Lampone.
— Muito bem — anuiu
Tom — Então, estou cortado do negócio?
Michael olhou
fixamente para ele e, sem vacilar, respondeu-lhe diretamente:
— Tom, você não é um consigliori para o tempo de guerra. As
coisas podem tornar-se duras com esse passo que pretendemos dar e talvez
tenhamos de brigar. E quero manter você fora da linha de fogo também, para
qualquer eventualidade.
O rosto de Hagen ficou
vermelho. Se Don Corleone lhe tivesse dito a mesma coisa, ele a aceitaria
humildemente Mas de onde diabo tinha saído Mike para fazer aquele julgamento
inesperado?
— Muito bem —
respondeu ele — Mas acontece que tenho de concordar com Tessio. Acho que você
está procedendo nisso de maneira inteiramente errada. Você está querendo dar
esse passo movido pela fraqueza, não pela força. Isso é sempre mau. Barzini é
como um lobo, e se ele o estraçalhar totalmente, as outras Famílias não virão
correndo ajudar os Corleone.
Don Corleone falou
finalmente:
— Tom, a decisão não é
bem de Michael. Eu o aconselhei nessas questões. Há coisas que talvez tenham de
ser feitas pelas quais não quero, de forma alguma, ser responsabilizado. Isso é
meu desejo, não de Michael. Nunca pensei que você fosse mau consigliori, considerei Santino um mau
Don, que sua alma repouse em paz. Ele tinha um bom coração, mas não era o homem
certo para dirigir a Família quando sofri a minha pequena desgraça. E quem
pensaria que Fredo se tornaria um lacaio de mulheres? Portanto, não se sinta
desprestigiado. Michael tem toda a minha confiança como você também tem. Por
motivos que você não pode saber, você não deve tomar parte no que poderá
acontecer. A propósito, eu disse a Michael que o regime secreto de Lampone não
escaparia ao seu olho. Portanto, isso mostra que tenho fé em você.
Michael deu uma
gargalhada.
— Sinceramente, eu não
acreditava que você descobrisse isso, Tom.
Hagen compreendeu que
estava sendo amolecido.
— Talvez eu possa
ajudar — disse ele.
Michael balançou a
cabeça decididamente.
— Você está fora do
negócio, Tom.
Hagen terminou a sua
bebida e antes de ir embora fez uma censura branda a Michael.
— Você é quase tão bom
quanto seu pai, mas há ainda uma coisa que precisa aprender.
— Que é? — perguntou
Michael delicadamente.
— A dizer “não” —
respondeu Hagen.
Michael acenou com a
cabeça gravemente.
— Você tem razão. Eu
me lembrarei disso.
Quando Hagen partiu,
Michael disse brincando para o pai:
— Assim, você me
ensinou tudo o mais. Diga-me como dizer “não” às pessoas de um modo que elas
gostem.
Don Corleone andou um
pouco e foi sentar-se atrás da escrivaninha.
— A gente não pode
dizer “não” a pessoas de quem gosta, nem sempre. Este é o segredo. E então
quando a gente diz, esse “não” tem de soar como um “sim”. Ou a gente tem de
fazê-las dizer “não”. Você ainda precisa de muito tempo e muito aborrecimento
para aprender isso. Mas eu sou um velho antiquado, você é a geração moderna,
não preste atenção ao que estou dizendo.
Michael deu uma
gargalhada.
— Certo. Você concorda
que Tom deve ficar de fora, entretanto, não é verdade?
O Don acenou com a
cabeça.
— Ele não pode ser
envolvido nisso.
— Acho que é hora de
eu lhe revelar — disse Michael calmamente — Que o que vou fazer não é puramente
uma vingança por Apollonia e Sonny. E a coisa certa a fazer. Tessio e Tom têm
razão a respeito de Barzini.
Don Corleone acenou
com a cabeça.
— A vingança é um
prato que sabe melhor quando frio — comentou — Eu não teria feito essa paz, se
não soubesse que de outro modo você jamais voltaria vivo para casa. Estou
surpreso, entretanto, que Barzini tenha ainda feito uma última tentativa para
matar você. Talvez isso tivesse sido combinado antes da conversação de paz e
ele não pudesse mais impedir a tentativa. Você tem certeza de que eles não
estavam atrás de Don Tommasino?
— Era isso o que eles
queriam que parecesse — respondeu Michael — E teria sido perfeito, mesmo que
você nunca tivesse suspeitado. Exceto que eu saí vivo. Vi Fabrizzio sair pelo
portão correndo. E evidentemente eu averigüei tudo desde que voltei.
— Encontraram aquele
pastor? — indagou Don Corleone.
— Eu o encontrei —
respondeu Michael — Eu o encontrei há coisa de um ano. Ele tem uma pequena
pizzaria lá em Buffalo. Nome trocado, passaporte e identificação falsos. Ele
está representando muito bem, mas é Fabrizzio, o pastor.
O Don acenou com a
cabeça.
— Então não adianta
nada esperar mais. Quando você vai começar?
— Assim que Kay tiver
o filho — respondeu Michael — Apenas para a eventualidade de que algo corra
mal. E quero Tom instalado em Las Vegas para que ele não se preocupe com o
caso. Penso que daqui a um ano.
— Você preparou tudo? — perguntou o Don sem olhar
para Michael.
— Você não toma parte
nisso — respondeu Michael calmamente — Você não é responsável. Assumo toda a
responsabilidade. Eu recusaria até que você vetasse isso. Se você tentasse isso
agora, eu deixaria a Família e seguiria meu próprio caminho. Você não é
responsável.
O Don permaneceu
calado por muito tempo e depois suspirou. Finalmente, falou:
— Assim seja. Talvez
por isso estou aposentado, talvez seja por isso que transferi tudo para você.
Já cumpri minha tarefa na vida, não tenho mais coragem. E há certos deveres que
o melhor dos homens não pode cumprir. Este é o caso, no momento.
Durante aquele ano,
Kay Adams Corleone deu à luz o seu segundo filho, outro menino. O parto
transcorreu facilmente, sem qualquer complicação, e ela, quando voltou da
maternidade, foi recebida na alameda como uma princesa. Connie Corleone
presenteou a criança com um enxoval de seda feito a mão na Itália,
extraordinariamente caro e bonito.
— Carlo achou-o —
disse ela a Kay — Ele percorreu todas as lojas de Nova York para arranjar algo
especial depois que eu não consegui encontrar nada que realmente me agradasse.
Kay agradeceu
sorrindo, compreendendo imediatamente que devia contar essa bela história a
Michael. Ela estava a caminho de se tornar siciliana.
Também durante aquele
ano, Nino Valenti morreu de hemorragia cerebral. A sua morte foi noticiada com
destaque na imprensa porque o filme que Johnny Fontane tinha feito com ele
estreara algumas semanas antes e estava alcançando um estupendo sucesso, consagrando
Nino como um astro de primeira grandeza. Os jornais mencionavam que Johnny
Fontanne estava providenciando pessoalmente as cerimônias fúnebres, que o
enterro seria discreto, só comparecendo pessoas da família e amigos íntimos.
Uma história sensacionalista chegava a contar que Johnny Fontane, numa
entrevista, se considerava culpado pela morte do amigo, que ele o deveria ter
obrigado a submeter-se a tratamento médico, mas o repórter fazia isso parecer
como se fosse a auto-recriminação de um espectador sensível, mas inocente, de
uma tragédia. Johnny Fontane fizera do seu amigo de infância, Nino Valenti, um
astro de cinema, e que mais poderia um amigo fazer?
Nenhum membro da
Família Corleone compareceu ao enterro na Califórnia a não ser Freddie. Lucy e
Jules Segal estiveram presentes. O próprio Don Corleone pretendia ir à
Califórnia, mas sofreu um pequeno ataque do coração que o manteve no leito por
um mês. Mandou então uma enorme coroa de flores. Albert Neri foi enviado ao
Oeste como o representante oficial da Família.
Dois dias depois do
enterro de Nino, Moe Greene foi morto a tiros na casa de sua amante, uma
artista de cinema, em Hollywood; Albert Neri só reapareceu em Nova York quase
um mês depois. Tinha passado sua férias nas Antilhas e voltara ao trabalho
bastante queimado de sol. Michael Corleone recebeu-o com um sorriso e algumas
palavras de elogio, que incluíam a informação de que Neri receberia dali em
diante uma “gratificação” extra, a renda da Família proveniente de um bookmaker
da Zona Leste considerado bastante rico. Neri sentiu-se contente, satisfeito
por viver num mundo que recompensava dignamente o homem que cumpria o seu
dever.
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Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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