sexta-feira, 2 de março de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 22



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
22




L
ucy mancini, um ano após a morte de Santino, ainda sentia muita falta dele, sofrendo a sua ausência mais do que qualquer amante em um romance. Seus sonhos não eram tão insípidos como os de uma colegial, e seus anseios não eram os de uma esposa dedicada. Não estava desolada pela perda do “companheiro de sua vida”, nem sentia falta dele pelo seu caráter destemido. Não tinha lembranças ternas de natureza sentimental, de adoração juvenil de um herói, de seu sorriso, ou do brilho engraçado dos seus olhos quando ela dizia alguma coisa carinhosa ou espirituosa.
Não. Sentia a falta dele por um motivo mais importante. É que ele fora o único homem no mundo que conseguira fazer seu corpo sentir o ato de amor. Em sua juventude e ingenuidade, ainda acreditava que fora o único homem capaz de fazer isso.
Agora, um ano depois, tomava seu banho de sol no refrescante clima de Nevada. Em sua companhia, um jovem franzino e louro brincava com os dedos dos seus pés. Estavam ao lado da piscina do hotel naquela tarde de domingo e, apesar de tanta gente ali presente, a mão do rapaz acariciava sua coxa nua.
— Ó Jules, pare — pediu Lucy — Pelo menos, pensei que os médicos não fossem tão bobos assim.
— Eu sou um médico de Las Vegas.
Coçou-lhe a parte interna da coxa e admirou-se como aquilo podia excitá-la tão fortemente. Demonstrava isso no rosto, embora procurasse ocultá-lo. Realmente, era uma garota muito primitiva, ingênua. Por que ele não podia fazê-la entregar-se? Ele tinha de agir logo, não se importando absolutamente com um amor perdido que jamais poderia ser substituído. Aqui, ele sentia o calor da pele dela que estava exigindo o calor de outro corpo. O Dr. Jules Segal decidiu que daria a grande investida naquela noite, no seu apartamento. Desejava que ela se entregasse sem qualquer artimanha, mas, se houvesse alguma, ele seria o homem indicado para isso. Tudo no interesse da ciência, é claro. E, além disso, essa pobre garota estava morrendo de desejo.
— Jules, pare, por favor, pare — pediu Lucy novamente, com a voz trêmula.
Jules atendeu imediatamente.
— Está bem, querida — respondeu ele.
Pôs a cabeça no colo dela, e usando-lhe as coxas macias como travesseiro, tirou uma soneca. Divertiu-se com suas contorções, com o calor que emanava de seu corpo, e quando ela pôs a mão na cabeça dele para alisar-lhe o cabelo, Jules agarrou-lhe o pulso brincando e segurou-o amorosa mas firmemente, para sentir-lhe a pulsação. Estava aos galopes. Conquista-la-ia naquela noite e resolveria o mistério, fosse qual fosse. Cheio de confiança, o Dr. Jules Segal caiu no sono.
Lucy observava o pessoal em torno da piscina. Jamais poderia ter imaginado que sua vida se modificasse tanto, em menos de dois anos. Nunca se arrependera de sua “bobagem”, no casamento de Connie Corleone. Era a coisa mais admirável que lhe tinha acontecido, e ela sentira aquilo inúmeras vezes em seus sonhos. Como sentira vezes sem conta nos meses que se seguiram.
Sonny visitava-a uma vez por semana; às vezes duas. Nos dias que precediam a visita dele, seu corpo ficava num verdadeiro tormento. A paixão que um nutria pelo outro era da maneira mais elementar, desprovida de poesia ou de intelectualismo. Era o amor na forma mais grosseira, amor puramente carnal.
Quando Sonny telefonava para avisar-lhe que ia lá, ela se certificava se havia bastante bebida no apartamento e bastante comida para a ceia e para o breakfast, porque, geralmente, ele só iria embora numa hora adiantada da manhã seguinte. Tanto Sonny como Lucy buscavam sentir o máximo prazer em suas relações. Sonny tinha a sua própria chave, e quando ele entrava, ela se atirava nos seus braços robustos. Eles eram brutalmente primitivos. Durante o primeiro beijo, apalpavam-se reciprocamente, ele a erguia no ar e ela envolvia suas pernas em torno das coxas grossas dele. Amavam-se em pé mesmo, no vestíbulo do apartamento, como recordação do primeiro ato de amor que realizaram juntos, e depois, ele a carregava para o quarto.
Ficavam amando-se na cama. Permaneciam juntos no apartamento, durante dezesseis horas, completamente nus. Ela preparava-lhe grandes pratos. Às vezes, Sonny recebia telefonemas sobre negócios, mas ela nunca prestava atenção às palavras. Estava sempre ocupada, brincando com o corpo dele, acariciando-o, beijando-o, mordendo-o. Quando se levantava para apanhar uma bebida e andava ao lado dela, Lucy não podia deixar de esticar a mão para tocar-lhe o corpo nu, segurá-lo, amá-lo, como se o sexo dele fosse um brinquedo especialmente fabricado, estranho mas inocente, e que provocava os êxtases conhecidos e surpreendentes. A princípio, Lucy se sentia envergonhada desses excessos de sua parte, mas logo verificou que agradavam seu amante, que a sua completa escravização à vontade dele o lisonjeava. Em tudo isso, havia uma inocência animal e, reciprocamente, eram felizes.
Quando o pai de Sonny foi baleado na rua, ela compreendeu, pela primeira vez, que o seu amante podia estar em perigo. Sozinha, em seu apartamento, Lucy não chorou, mas gemeu em voz alta. Não tendo vindo vê-la, por quase três semanas, ela passou a tomar pílulas para dormir, a beber, curtindo a própria angústia. Sentia uma dor física, e seu corpo doía. Quando finalmente Sonny apareceu, ela ficou agarrada ao corpo dele durante quase todo o tempo. Depois, vinha pelo menos uma vez por semana, até ser assassinado.
Lucy soube de sua morte através dos relatos dos jornais e, naquela mesma noite, tomou uma dose maciça de pílulas para dormir. Por algum motivo, as pílulas, em lugar de a matarem, deixaram-na tão doente, que ela saiu cambaleando pelo vestíbulo de seu apartamento e caiu desmaiada em frente à porta do elevador, onde foi encontrada e levada para o hospital. Sua ligação com Sonny não era conhecida por muita gente, assim seu romance mereceu apenas algumas linhas nos tablóides.
Durante sua permanência no hospital, Tom Hagen foi visitá-la e consolá-la. Tom Hagen foi quem lhe arranjou emprego no hotel dirigido por Freddie, irmão de Sonny. Tom também lhe informou que ela receberia uma mesada da Família Corleone, pois Sonny estabelecera isso em seu testamento. Perguntou-lhe se estava grávida, julgando ter sido esse o motivo por que ela tomara as pílulas. Lucy respondeu negativamente. Inquiriu-lhe se Sonny viera vê-la naquela noite fatal, ou telefonara para dizer que iria vê-la. Ela ainda lhe respondeu que não. Sonny não lhe telefonara. Ela sempre esperava por ele, quando acabava de trabalhar. E contou toda a verdade a Hagen.
— Ele foi o único homem que amei realmente — confessara — Não posso amar mais ninguém.
Ela o viu sorrir, embora também estivesse surpreso.
— Você acha isso tão inacreditável? — perguntou ela — Não foi ele quem o levou para casa, quando você era menino?
— Sonny era um ser diferente — respondeu Hagen — Quando cresceu isso ainda mais se acentuou.
— Não para mim — retrucou Lucy — Talvez fosse para as outras pessoas.
Sentia-se ainda muito fraca para explicar como Sonny havia sido apenas gentil com ela. Jamais se mostrava zangado, nem mesmo irritado ou nervoso.
Hagen tomou todas as providências para que ela se mudasse para Las Vegas. Um apartamento alugado a estava esperando. Ele mesmo a levou ao aeroporto e fê-la prometer que, se alguma vez se sentisse solitária, ou se as coisas não corressem bem, telefonaria para ele a fim de ajudá-la como lhe fosse possível.
— Será que o pai de Sonny sabe o que você está fazendo? — perguntou-lhe Lucy hesitante, antes de subir no avião.
— Estou agindo por ele — respondeu Hagen sorrindo — E também por mim mesmo. Ele é antiquado nesse assunto e jamais se colocaria contra a mulher legal do filho. Mas sente que você era apenas uma moça e Sonny devia saber melhor o que estava fazendo. Esse seu negócio de tomar pílulas abalou muita gente.
Ele não explicou por que um homem como Don Corleone achava incrível que uma pessoa pudesse tentar o suicídio.
Agora, após quase 18 meses em Las Vegas, Lucy estava surpresa de ver-se quase feliz. Algumas noites, sonhava com Sonny e, acordando antes do amanhecer, continuava pensando em suas próprias recordações, até adormecer novamente. Desde então não tivera outro homem. A vida em L.as Vegas era boa. Nadava nas piscinas do hotel, velejava no lago Mead e percorria de automóvel o deserto no seu dia de folga. Emagrecera e isso lhe melhorara a silhueta. Ainda era voluptuosa, porém mais americanizada do que no antigo estilo italiano. Trabalhava como recepcionista na seção de relações públicas do hotel e nada tinha a ver com Freddie, embora, quando ele a via, parasse para bater um papinho. Ficou surpresa com a transformação que Freddie sofrera. Tornara-se um conquistador de mulheres, elegantemente vestido, e parecia ter verdadeira vocação para dirigir uma estância de jogo. Controlava a parte do hotel, coisa que geralmente não é feita pelos donos de cassino. Com o verão longo e muito quente, ou talvez em virtude da sua vida sexual mais ativa, emagrecera, e o trajar à moda de Hollywood fê-lo parecer muito jovial.
Seis meses depois, Tom Hagen veio ver como ia indo ela. Lucy recebia um cheque de seiscentos dólares todos os meses, além do seu salário. Hagen explicou que se devia provar que esse dinheiro provinha de alguma fonte; por isso, pediu-lhe que assinasse um documento, outorgando-lhe procuração total, a fim de que ele pudesse encaminhar-lhe a importância adequadamente. Informou-lhe ainda que, por uma questão de formalidade, ela seria possuidora de 5% das ações do hotel em que trabalhava. Ela teria de satisfazer todas as formalidades exigidas pelas leis de Nevada. Todas essas providências seriam tomadas por outras pessoas, a fim de que ela tivesse o mínimo trabalho. Contudo, não deveria discutir com qualquer pessoa nada do que ficara combinado entre eles, sem o consentimento dele. Lucy estaria protegida por todos os meios legais, e o seu dinheiro todo mês estaria garantido. Se as autoridades ou qual quer órgão de fiscalização do governo a interrogassem, simplesmente deveria encaminhá-los para o seu advogado e ninguém a incomodaria mais.
Lucy concordou. Compreendeu o que estava acontecendo, mas não tinha objeções a fazer contra aquilo para que estava sendo usada. Parecia um favor razoável. Mas quando Hagen lhe pediu que mantivesse os olhos abertos com respeito ao hotel, e vigiasse Freddie e o patrão dele, o homem que possuía e dirigia o hotel, como o maior acionista, ela respondeu:
— Ó Tom, você não vai querer que eu espione Freddie, vai?
Hagen sorriu.
— Don Corleone está preocupado com ele. Freddie está sendo companheiro constante de Moe Green e queremos apenas garantir que ele não se envolva em complicações.
Não se interessou em explicar a ela que Don Corleone financiara a construção desse hotel no deserto de Las Vegas não somente para proporcionar um abrigo para o filho, mas também para fincar o pé na porta a fim de realizar operações maiores.
Foi pouco depois dessa entrevista que o Dr. Jules Segal veio trabalhar como médico do hotel. Ele era muito magro, muito bonito e encantador, parecendo muito moço para ser médico, pelo menos para Lucy. Conheceu-o quando lhe nasceu um calombo acima do pulso. Ficou preocupada com isso alguns dias; então uma manhã foi ao conjunto de salas do médico no hotel. Duas coristas estavam na sala de espera, conversando. Elas tinham a beleza loura cor de pêssego que Lucy sempre invejara. Pareciam angelicais.
— Juro que se eu tomar outra dose deixo de dançar — falava uma das garotas.
Quando o Dr. Jules Segal abriu a porta do consultório para fazer entrar uma das garotas, Lucy teve vontade de ir embora, e se fosse alguma coisa mais pessoal e mais séria, ela o teria feito. O Dr. Segal usava calças e camisa esporte. Os óculos de aro de tartaruga melhoravam-lhe o aspecto, o mesmo acontecendo com seu tranqüilo modo reservado, mas a impressão que ele dava era informal, e como muita gente basicamente antiquada, Lucy não acreditava que medicina e informalidade se combinassem.
Quando finalmente entrou no consultório, notou que havia algo tão reconfortante no jeito do médico que todas as suas apreensões desapareceram. Falava muito pouco, mas não era brusco, e tinha muita calma. Quando lhe perguntou o que era aquele calombo, ele explicou pacientemente que aquilo era uma excrescência fibrosa bastante comum, que de forma alguma podia ser maligno, nem causar preocupação séria.
— Estique o braço — falou ele, apanhando um pesado livro de medicina.
Lucy esticou os braços com receio. O médico sorriu-lhe pela primeira vez.
— Vou lesar a mim mesmo do dinheiro de uma operação — disse ele — Vou amassá-lo com este livro e ele se achatará. Poderá inchar novamente, mas se eu o arrancar com uma operação você ficará sem dinheiro e terá de usar ataduras e outras coisas mais. Entendeu?
Ela sorriu. De algum modo, começou a ter confiança absoluta nele.
— Entendi — respondeu Lucy.
Em seguida, deixou escapar um grito, quando ele deixou cair o pesado volume de medicina no antebraço dela. O calombo se achatou ou quase todo.
— Doeu tanto assim? — perguntou ele.
— Não — respondeu ela.
Lucy observava-o, enquanto ele enchia sua ficha.
— É só isso?
O doutor balançou com a cabeça afirmativamente, não lhe dando mais atenção.
Lucy retirou-se.
Uma semana depois, ele a viu no café e sentou-se ao seu lado, no balcão.
— Como vai o braço? — perguntou ele.
Ela sorriu.
— Bem — respondeu — Você é bem sem-cerimônia, mas isso é bom.
O médico deu uma risada.
— Você não sabe como sou sem-cerimônia. E eu não sabia que você era tão rica. O Sun de Las Vegas publicou a lista dos acionistas do hotel e Lucy Mancini tem cerca de 10% das ações. Eu podia ter feito uma fortuna com aquele calombinho.
Lucy não respondeu, lembrando-se logo das advertências de Hagen.
— Não se preocupe — disse ele, rindo de novo para ela — Já conheço isso. Você é apenas um dos acionistas-fantasmas. Las Vegas está cheia deles. Que tal ver um dos shows comigo esta noite? Eu lhe pagarei o jantar. E poderei comprar algumas fichas de roleta para você.
Lucy estava em dúvida. Ele insistiu.
— Eu gostaria de ir — respondeu ela, finalmente — Mas receio que você ficará decepcionado com a maneira como a noite vai terminar. Não sou, na verdade, do tipo da maioria das garotas daqui.
— É por isso que estou convidando você — retrucou Jules cordialmente — Receitei uma noite de descanso para mim.
— Está claro? — falou Lucy um tanto triste e sorriu para ele.
Ele balançou a cabeça.
— Está bem — acrescentou Lucy — Cearemos então, mas eu comprarei as minhas próprias fichas da roleta.
Foram ao show da ceia e Jules procurou diverti-Ia, descrevendo diferentes tipos de coxas e seios nus em linguagem médica, mas sem zombaria, e tudo com muito humor. Depois jogaram roleta juntos na mesma mesa e ganharam mais de cem dólares. Mais tarde, ainda foram de automóvel até a represa de Boulder ao luar e ele procurou fazer-lhe amor, mas, quando ela resistiu após alguns beijos, Jules compreendeu que ela realmente não queria e desistiu. Mais uma vez, ele encarou a sua derrota com enorme bom humor.
— Eu lhe avisei que não faria isso — disse ela com uma recriminação de quem tinha alguma culpa.
— Você se sentiria extremamente insultada se eu, pelo menos, nem tentasse — retrucou Jules.
E Lucy teve de dar uma gargalhada, porque era verdade.
Nos meses seguintes, tornaram-se bons amigos. Não faziam amor, por que Lucy não permitia. Ela viu que Jules estava intrigado com sua recusa, mas não se magoara, como acontece com a maioria dos homens. Isso fê-la confiar ainda mais nele. Lucy descobriu que, por trás de seu aspecto profissional de médico, ele era brincalhão ao extremo e despreocupado. Nos fins de semana, Jules dirigia um carro adaptado nas corridas da Califórnia. Quando tirava férias, ia para o interior do México, um país selvagem, dizia ele, onde os estrangeiros eram assassinados por causa de seus sapatos e a vida era tão primitiva como há mil anos passados. Por simples casualidade, Lucy soube que Jules era cirurgião e tivera ligação com um famoso hospital de Nova York.
Tudo isso e o fato de ele ter aceitado o emprego no hotel a intrigavam grandemente. Quando ela lhe perguntou acerca disso, respondeu:
— Você me conta o seu segredo profundo e lhe contarei o meu.
Lucy corou e nunca mais tocou no assunto. Jules tampouco insistiu nele. Essa amizade continuou fervorosa e leal como jamais ela poderia imaginar.
Agora, sentada ao lado da piscina com a cabeça loura de Jules no colo, Lucy sentia um irresistível ternura por ele. Suas costas doíam e, sem perceber, seus dedos friccionavam sensualmente a pele do pescoço dele. Jules parecia estar dormindo, não percebendo aquilo, e ela se excitava, justamente por senti-lo em contato com ela. De repente, ele ergueu a cabeça do seu colo e pôs-se de pé. Tomou-a pela mão e levou-a por cima da grama até a calçada de cimento. Seguiu-o docilmente, mesmo quando Jules a fez entrar numa das casas onde ficava o seu apartamento particular. Entraram e ele serviu enormes doses de bebidas para ambos. Depois do sol abrasador e dos seus próprios pensamentos sensuais, e bebida subiu-lhe à cabeça e fê-la tonta. Jules passou os braços em torno dela e os seus corpos, nus exceto pelas escassas roupas de banho que usavam, apertaram-se fortemente um de encontro ao outro. Lucy murmurava “não”, sem qualquer convicção em sua voz, e Jules não lhe dava atenção. Prontamente, ele arrancou-lhe o soutien para poder acariciar os enormes seios e beijá-los; depois, tirou-lhe as calças de banho e, enquanto o fazia, beijava-lhe o corpo, sua barriga redonda e as partes internas de suas coxas. Pôs-se de pé, procurando tirar o seu próprio calção de banho, abraçando-a. Já nus e abraçados fortemente, deitaram-se na cama, e ela o sentiu penetrar-lhe. Isso foi o bastante, apenas o leve toque, para que ela atingisse o clímax e, então, no segundo seguinte, pôde ver os movimentos de seu corpo, para surpresa sua. Sentiu a tremenda vergonha que tivera antes de conhecer Sonny, mas Jules puxava seu corpo para a borda da cama, pondo suas pernas numa certa posição e ela o deixava controlar os seus membros; então, ele estava penetrando-lhe novamente e beijando-a; desta vez, Lucy pôde senti-lo e perceber que Jules também caminhava para o clímax.
Quando ele saiu de seu corpo, Lucy encolheu-se num canto da cama e começou a chorar. Sentia-se extremamente envergonhada. Ficou surpresa, quando ouviu Jules rir suavemente.
— Você, sua bárbara carcamana, por que você levou esses meses todos me recusando? Sua boba! — murmurou Jules.
Dissera “sua boba” com tanto afeto, que Lucy se voltou para ele.
— Você é medieval, você é positivamente medieval — falou ele, apertando-a contra o seu corpo.
Sua voz era suavemente confortante, enquanto ela continuava a chorar.
Jules acendeu um cigarro e colocou-o na boca de Lucy, para que ela se engasgasse com a fumaça e parasse de chorar.
— Agora, ouça-me — pediu ele — Se você tivesse tido uma educação moderna decente, com uma cultura familiar que fizesse parte do século XX, seu problema teria sido resolvido há anos. Agora deixe-me dizer qual é o seu problema: não é ser feia, nem ter uma pele ruim e nem ser estrábica, de modo que a cirurgia plástica de fato não resolva. Seu problema é como se você tivesse uma verruga ou sinal no queixo, ou uma orelha de forma defeituosa. Pare de pensar nisso em termos sexuais. Tire da cabeça a idéia de que você tem uma boceta larga, da qual nenhum homem pode gostar, porque não dá ao seu pênis a fricção necessária, O que você tem é uma deformação pélvica a que nós cirurgiões chamamos de fraqueza da bacia pélvica. Geralmente vem depois do parto, mas pode ser simplesmente má estrutura óssea. Ë uma anormalidade comum, e muitas mulheres levam uma vida miserável por causa dela, quando uma operação poderia corrigi-la. Algumas mulheres chegam ao suicídio por causa disso. Nunca imaginei que você tivesse essa anormalidade, porque tem um corpo muito bonito. Pensei que fosse um caso psicológico, já que conheço a sua história com Sonny e você me contou bastantes vezes. Deixe-me submeter você a um exame físico completo e lhe direi exatamente o trabalho que terá de ser feito. Agora vá tomar um banho de chuveiro.
Lucy foi tomar seu banho de chuveiro. Pacientemente, sob os protestos dela, Jules fê-la deitar-se na cama, com as pernas escarrapachadas. Em seu apartamento, ele tinha uma bolsa de médico, a qual estava aberta. Havia também uma pequena mesa com tampo de vidro, ao lado da cama, sobre a qual se encontravam outros instrumentos. Agora, era exclusivamente médico, examinando-a, enfiando-lhe os dedos na vagina e movendo-os em torno. Lucy estava começando a sentir-se humilhada, quando ele a beijou no umbigo.
— Foi a primeira vez que fiz meu trabalho com prazer — disse Jules distraído.
Em seguida, virou-a de bruços e introduziu-lhe um dedo no reto, apalpando em torno, e com a outra mão, acariciava-lhe meigamente o pescoço. Quando acabou, virou-a novamente de barriga para cima e beijou-a carinhosamente na boca.
— Meu bem — falou ele — Vou construir uma coisa inteiramente nova lá embaixo, e depois vou prová-la pessoalmente. Será um trabalho médico. Espero poder escrever um estudo sobre ele para as revistas especializadas.
Jules fez tudo com uma afeição bem-humorada, gostava tanto dela, que Lucy perdeu o acanhamento e o embaraço. Ele tirou um compêndio de medicina da estante, para mostrar-lhe um caso igual ao seu e o processo operatório para corrigi-lo. Lucy demonstrou bastante interesse pelo assunto.
— É um caso de saúde também — disse Jules — Se você não o corrigir agora, mais tarde vai ter um bocado de complicação com todo o seu sistema de tubulação. A estrutura vai-se tomando cada vez mais fraca, a menos que seja corrigida por meio de operação. Ë uma vergonha inominável que a pudicícia antiquada impeça que muitos médicos diagnostiquem e corrijam adequadamente a situação, e que inúmeras mulheres se queixem disso.
— Não fale mais no assunto, por favor, não fale mais nisso — pediu Lucy.
Jules compreendeu que ela ainda estava, até certo ponto, envergonhada do seu segredo, embaraçada pelo seu “feio defeito”. Embora para a sua mente afeiçoada à medicina isso parecesse o cúmulo da idiotice, ele foi bastante sensível para identificar tal coisa nela. Também o pôs no caminho certo para fazê-la sentir-se melhor.
— Está bem, conheço o seu segredo, assim vou agora contar o meu — disse ele — Você sempre me pergunta o que estou fazendo aqui nesta cidade, um dos mais jovens e mais brilhantes cirurgiões do Leste.
Ele zombou de algumas reportagens jornalísticas sobre a sua pessoa. E continuou:
— A verdade é que sou um especialista em abortos, o que em si mesmo não é tão mau, pois faz parte da profissão médica; mas fui apanhado. Eu tinha um amigo, um médico chamado Kennedy, fomos internos juntos, e ele é um sujeito realmente direito, mas disse que me ajudaria. Sei que Tom Hagen disse a ele que, se precisasse de ajuda alguma vez em qualquer coisa, a Família Corleone se sentia devedora dele. Assim, ele falou com Hagen. O que sei é que as acusações foram retiradas, mas a Associação Médica e a sociedade do Leste me puseram na lista negra. Assim, a Família Corleone conseguiu-me este emprego aqui. Tiro uma boa “nota”. Faço um trabalho que tem de ser feito. Essas garotas do show estão sempre sendo emprenhadas, e fazê-las abortar é a coisa mais fácil do mundo quando elas me procuram imediatamente. Faço-lhes uma curetagem como qualquer mulher raspa uma frigideira. Freddie Corleone é um verdadeiro terror. Pela minha conta, ele já emprenhou umas quinze garotas desde que estou aqui. Estou pensando seriamente em manter com ele uma conversa de pai para filho sobre sexo. Especialmente porque já tive de tratá-lo três vezes de gonorréia e uma de sífilis. Freddie é do tipo que não gosta de usar qualquer preventivo ou proteção.
Jules parou de falar. Havia sido deliberadamente indiscreto, coisa que ele nunca fora, para que Lucy soubesse que outras pessoas, inclusive alguém que ela conhecia e temia como Freddie Corleone, tinham também segredos vergonhosos.
— Pense nisso como um pedaço de elástico no seu corpo que perdeu a elasticidade — disse Jules — Cortando um pedacinho, ele se torna mais apertado, mais vigoroso.
— Vou pensar nisso — respondeu Lucy, mas tinha certeza de que realizaria aquilo, tinha confiança em Jules. Depois ela pensou em outra coisa — Quanto custará?
Jules franziu as sobrancelhas.
— Não tenho aqui a aparelhagem necessária para uma operação como essa e não sou especialista no assunto. Mas tenho um amigo em Los Angeles que é um bamba no assunto e tem a aparelhagem do melhor hospital. De fato, ele aperta todas as estrelas do cinema, quando essas senhoras descobrem que ter o rosto e os seios erguidos não é o suficiente para fazer um homem amá-las. Ele me deve alguns favores, de modo que não custará nada. Eu faço os abortos das clientes dele. Escute, se não fosse contra a ética eu lhe daria o nome de algumas artistas extremamente sensuais do cinema que fizeram a operação.
Ela ficou imediatamente curiosa.
— Oh, vamos, diga — pediu ela — Diga.
Seria um delicioso assunto de conversação e uma das coisas que agradavam a Jules era que assim ela pudesse mostrar seu pendor feminino pelo mexerico sem que ele risse daquilo.
— Eu lhe contarei se você jantar comigo e passar a noite em minha companhia — respondeu Jules — Temos um bocado de tempo perdido para recuperar por causa de sua idiotice.
Lucy sentiu uma imensa satisfação por ele ser assim tão generoso e re trucou:
— Você não precisa dormir comigo, sabe que não sentirá prazer da maneira como estou agora.
Jules explodiu na gargalhada.
— Sua boba, sua grande boba. Você nunca ouviu falar em outro modo de fazer amor, muito mais antigo, muito mais civilizado? Será que você é assim tão inocente?
— Oh, isso? — respondeu ela.
— Oh, isso? — remedou ele — Garotas distintas não fazem isso, homens viris não fazem isso. Mesmo no ano de 1948. Bem, querida, posso levar você à casa de uma velhinha exatamente aqui em Lãs Vegas que era a caftina mais moça do bordel mais popular nos velhos tempos do Oeste, lá por 1880, penso eu. Ela gosta de falar nos velhos tempos. Você sabe o que ela me disse? Que aqueles pistoleiros, aqueles cowboys másculos, viris, de tiro certeiro pediam às garotas que lhes proporcionassem um “gozo à francesa”, o que nós médicos chamamos felação, o que você chama, “oh, isso?” Você pensou alguma vez em fazer “oh, isso?” com o seu querido Sonny?
Pela primeira vez, ela realmente o surpreendeu. Virou-se para Jules com o que ele poderia pensar apenas que fosse o sorriso da Mona Lisa (seu espírito científico imediatamente voando até a tangente, poderia ser essa a solução desse mistério que já dura séculos?) e respondeu calmamente:
— Eu fazia tudo com Sonny.
Era a primeira vez que ela admitia uma coisa como essa para alguém.
Duas semanas depois, Jules Segal estava na sala de operações do hospital de Los Angeles observando o seu amigo Dr. Frederick Kellner executar a sua especialidade. Antes de Lucy ser anestesiada, Jules inclinou-se sobre ela e murmurou-lhe no ouvido:
— Eu disse a ele que você era a minha garota particular, assim ele vai pôr umas paredes reais bem apertadas.
Mas a pílula preliminar já a fizera ficar apática e ela não riu nem sorriu. A observação irritante dele tirou uma parte do terror da operação.
O Dr. Kellner fez a incisão com a confiança de um campeão de bilhar dando uma tacada fácil. A técnica de qualquer operação para reforçar a bacia pélvica requeria a consecução de dois objetivos. A funda pélvica músculo-fibrosa tinha de ser encurtada de modo que a folga desaparecesse. E naturalmente a abertura vaginal, o próprio ponto fraco da bacia pélvica, tinha de ser trazida para a frente, trazida para baixo do arco púbico e assim livrar-se da linha da pressão direta acima. A reparação da funda pélvica era chamada perincorrafia. A sutura da parede vaginal era chamada colporrafia.
Jules percebeu que o Dr. Kellner estava trabalhando agora com cuidado; havia perigo de que a incisão fosse multo profunda e atingisse o reto. Era um caso evidentemente sem complicação, Jules estudara todas as radiografias e outros exames. Nada podia sair errado, exceto que em cirurgia algo podia sempre sair errado.
Kellner estava trabalhando na funda do diafragma, a pinça em T segurava a aba vaginal, e expondo os músculos e as fáscias que formavam sua bainha. Os dedos de Kellner cobertos de gaze empurravam para o lado o tecido conjuntivo solto. Jules mantinha os olhos fixos na parede vaginal para ver se apareciam as veias, o sinal de perigo que indicava ter ofendido o reto. Mas o velho Kellner conhecia o seu trabalho. Estava construindo uma nova prega com a facilidade com que um carpinteiro prega certos pinos.
Kellner estava aparando a parede vaginal em excesso usando o ponto de filmar embaixo para fechar o “pedaço” tirado do tecido do ângulo redundante, a fim de que não se formassem projeções complicadas. Tentava introduzir três dedos na abertura estreita do lume, depois dois. Procurou enfiar dois dedos, explorando profundamente, e por um momento olhou para Jules e seus olhos azuis por cima da máscara de gaze piscaram como que perguntando se estava bastante estreito. Em seguida passou a ocupar-se novamente de suas suturas.
Tudo estava terminado. Empurraram Lucy para a sala de recuperação e Jules falou a Kellner, que se mostrava radiante, o melhor sinal de que tudo saíra bem.
— Absolutamente nenhuma complicação, meu rapaz — disse ele a Jules — Não houve nada de anormal, um caso muito simples. Ela tem um tono corporal maravilhoso, raro nesses casos, e agora está em plena forma para o que der e vier. Invejo você, meu rapaz. É claro que você terá de esperar um pouco, mas depois garanto que você gostará do meu trabalho.
— Você é um verdadeiro Pigmalião, doutor. De fato, você esteve formidável — disse Jules, dando uma gargalhada.
— Tudo isso é brincadeira de criança, como os abortos — retrucou o Dr. Kellner — Se a sociedade fosse apenas realista, gente como eu e você, gente realmente talentosa, poderia fazer trabalho importante e deixar isso para os charlatães. A propósito, vou-lhe mandar uma garota na próxima semana, uma garota muito distinta, parece que elas estão sempre arranjando complicações. Isso vai-nos tornar quites pelo trabalho que fiz hoje.
Jules balançou a cabeça.
— Obrigado, doutor. Apareça lá pessoalmente um dia e eu procurarei oferecer-lhe todas as cortesias da casa.
Kellner retribuiu-lhe com um riso torto e respondeu:
— Jogo todos os dias, não preciso das suas roletas e das suas mesas de dados. Enfrento o destino muito freqüentemente como ele é. Você vai-se estragar ali, Jules. Uns dois anos mais e você poderá esquecer a cirurgia séria. Você não estará à altura dela.
Kellner virou as costas e afastou-se.-
Jules sabia que isso não significava uma censura, mas uma advertência. Contudo, isso o impressionou bastante. Como Lucy não sairia da sala de recuperação senão pelo menos daí a 12 horas, ele foi até a cidade e embriagou-se. Parte de sua embriaguez se deveu ao fato de sentir-se aliviado por tudo ter saído muito bem com Lucy.
Na manhã seguinte, quando foi ao hospital visitá-la, ficou surpreso por encontrar dois homens ao lado da cama dela e flores espalhadas por todo o quarto. Lucy estava com a cabeça suspensa e apoiada em travesseiros, o seu rosto se mostrava radiante. Jules se sentiu surpreso porque Lucy rompera com a família e pedira-lhe para não notificá-la a não ser que algo saísse errado. Naturalmente Freddie Corleone sabia que ela estava no hospital para uma pequena operação; que tinha sido necessário informá-lo para que ambos tivessem folga, e Freddie dissera a Jules que o hotel pagaria todas as contas de Lucy.
Lucy apresentou-os e Jules reconheceu prontamente um deles. O famoso Johnny Fontane. O outro era um rapaz italiano grande, musculoso, com cara de poucos amigos, cujo nome era Nino Valenti. Ambos apertaram a mão de Jules e depois não lhe deram mais atenção. Estavam brincando com Lucy, falando sobre a zona em que moraram em Nova York, sobre gente e acontecimentos de que Jules de forma alguma podia participar. Por conseguinte, ele disse a Lucy:
— Eu passo aqui mais tarde, tenho de ver o Dr. Kellner.
Mas Johnny Fontane mostrou-lhe logo o seu encanto pessoal.
— Olhe aqui, companheiro, nós é que temos de ir embora, você fica fazendo companhia a Lucy. Tome conta dela, doutor.
Jules notou uma rouquidão peculiar na voz de Johnny Fontane e lembrou-se de repente de que há mais de um ano que ele não cantava em público, e que ganhara o prêmio da Academia pelo seu desempenho artístico. Podia a voz do homem ter mudado tão tarde assim na vida e os jornais manterem isso em segredo, todo mundo manteve isso em segredo? Jules gostava de um mexerico e continuou a ouvir a voz de Fontane numa tentativa de diagnosticar a complicação gutural. Podia ser simples esforço, ou bebida e cigarros em demasia ou até mulheres em excesso. A voz tinha um timbre feio, ele não podia mais ser chamado de “o cantor da voz macia”.
— Você parece que está resfriado — disse Jules a Johnny Fontane.
— Apenas esforço, tentei cantar ontem à noite — respondeu Johnny delicadamente — Acho que não posso aceitar o fato de que minha voz mudou, estou envelhecendo, como você sabe — arreganhou os dentes sarcasticamente para Jules.
— Você não procurou um médico para examinar isso? — perguntou Jules casualmente — Talvez seja uma coisa que tenha cura.
Johnny não estava tão encantador agora. Lançou a Jules um olhar frio.
— Isso foi a primeira coisa que fiz há dois anos passados. Procurei os melhores especialistas. O meu próprio médico, que é considerado como a maior sumidade aqui na Califórnia. Disseram-me que descansasse um bocado. Não há nada de mau, apenas estou envelhecendo. A voz do homem muda quando ele envelhece.
Johnny passou a ignorá-lo depois disso, dando atenção a Lucy, agradando-a como ele agradava todas as mulheres. Jules continuou a prestar atenção à voz do ator. Devia ter nascido algum corpo estranho naquelas cordas vocais. Mas, então, por que diabo os especialistas não o localizaram? Seria maligno e inoperável? Então devia haver outra coisa.
Ele interrompeu Johnny para perguntar:
— Quando foi a última vez que você foi examinado por um especialista?
Johnny estava obviamente irritado, mas procurava ser cortês em atenção a Lucy.
— Há cerca de dezoito meses — respondeu.
— O seu médico tem examinado isso de vez em quando? — insistiu Jules.
— Certamente, tem — respondeu Johnny Fontane irritado — Ele me dá um borrifo de codeína e me faz um exame cuidadoso. Ele disse que é apenas porque a minha voz está envelhecendo, que isso é devido à bebida, ao fumo e a outras coisas. Talvez você saiba mais do que ele?
— Como é o nome dele? — perguntou Jules.
Fontane respondeu com um fraco tremor de orgulho:
— Tucker, Dr. James Tucker. Que pensa você dele?
O nome lhe era familiar, estando ligado a famosos artistas de cinema, mulheres e a uma caríssima casa de saúde.
— Ele é um homem que se veste muito bem — respondeu Jules arreganhando os dentes.
Johnny agora ficou zangado.
— Você pensa que é melhor médico do que ele?
Jules deu uma gargalhada.
— Você é melhor cantor do que Carmem Lombardo?
Ficou surpreso ao ver Nino Valenti explodir numa gargalhada, batendo a cabeça na cadeira. A piada não fora assim tão boa. Então nas asas dessa gargalhada ele sentiu o cheiro de uísque e compreendeu que já tão cedo da manhã Nino Valenti, fosse lá quem fosse, estava pelo menos meio embriagado.
Johnny arreganhou os dentes para o amigo.
— Ei, você deve rir das minhas piadas, não das dele.
Entrementes, Lucy esticou a mão para Jules e puxou-o para a beira da cama.
— Ele parece um vagabundo, mas é um brilhante cirurgião — afirmou Lucy — Se ele diz que é melhor do que o Dr. Tucker, então é melhor do que o Dr. Tucker. Ouça-o, Johnny.
A enfermeira entrou e avisou que eles tinham de sair. O médico residente ia fazer certo trabalho em Lucy e precisava ficar a sós com a paciente. Jules achou graça ao ver Lucy virar o rosto de forma que, quando Johnny Fontane e Nino Valenti a beijaram, o fizeram na face e não na boca, embora parecesse que eles esperavam isso. Ela deixou Jules beijá-la na boca e sussurrou-lhe no ouvido:
— Volte esta tarde, por favor.
Ele acenou com a cabeça.
Lá fora no corredor, Nino perguntou-lhe:
— Foi operação de quê? Alguma coisa séria?
Jules balançou a cabeça.
— Apenas um pequeno arranjo nos órgãos femininos. Um caso exclusivamente de rotina, por favor, creia-me. Estou mais interessado do que vocês, pretendo casar com ela.
Eles olharam para Jules com admiração e então este perguntou:
— Como vocês descobriram que ela estava no hospital?
— Freddie nos telefonou e pediu para visitá-la — respondeu Johnny — Todos nós crescemos no mesmo bairro. Lucy foi dama de honra quando a irmã de Freddie casou.
— Oh! — exclamou Jules.
Ele não contou que conhecia toda a história, talvez porque eles estivessem tão preocupados em proteger Lucy e seu caso de amor com Sonny.
Enquanto caminhavam pelo corredor, Jules disse a Johnny:
— Tenho privilégio aqui de médico visitante, por que você não me deixa examinar a sua garganta?
— Estou com pressa.
— Essa garganta vale um milhão de dólares — explicou Nino Valenti — Ele não pode deixar que médicos baratos a examinem.
Jules viu que Nino estava rindo para ele, obviamente o apoiava.
— Não sou um médico barato — respondeu Jules cordialmente — Eu era o mais brilhante cirurgião jovem e diagnosticador da Costa Leste até que me pegaram num casinho de aborto.
Como ele sabia que aconteceria, isso os fez levarem-no a sério. Admitindo o seu crime, ele inspirou a crença em sua alegação de grande competência. Valenti foi o primeiro a externar a sua confiança.
— Se Johnny não quer utilizá-lo, tenho uma amiga que deseja que você cuidasse dela, contudo não é um caso de garganta.
— Quanto tempo você levará para me examinar? — perguntou Johnny nervoso.
— Dez minutos — respondeu Jules.
Era mentira, mas ele acreditava no processo de dizer mentiras às pessoas. Dizer a verdade e medicina eram coisas que não combinavam, a não ser em extremas emergências, assim mesmo nem sempre.
— Está bem — respondeu Johnny atemorizado e com a voz mais sombria e mais rouca.
Jules requisitou uma enfermeira e um consultório. Não tinha tudo o que ele precisava, mas havia o bastante. Em menos de dez minutos, notou que havia uma excrescência nas cordas vocais, isso foi fácil. Tucker, aquele incompetente filho da puta elegantemente trajado, de uma Hollywood artificial, podia tê-la localizado. Deus meu, talvez o sujeito nem mesmo tivesse licença para clinicar, e se a tivesse devia ser-lhe cassada. Jules não prestava agora qualquer atenção aos dois homens. Pegou o telefone e pediu que o otorrinolaringologista do hospital viesse até a sala em que se encontravam. Depois virou-se e disse para Nino Valenti:
— Acho que você vai ter de esperar muito, é melhor ir embora.
Fontane olhou para ele com absoluta descrença.
— Seu filho da puta, você acha que vai me prender aqui? Você acha que vai se divertir com a minha garganta?
Jules, com um prazer maior do que ele pensaria ser possível, respondeu-lhe olhando-o diretamente entre os olhos.
— Você pode fazer o que bem entender. Você tem uma excrescência nas cordas vocais, na laringe. Se ficar aqui algumas horas, poderemos chegar a uma conclusão, quer ela seja maligna ou não-maligna. Podemos tomar uma decisão quanto a operação ou tratamento. Posso fornecer-lhe toda a história. Posso dar-lhe o nome do maior especialista da América e podemos fazê-lo vir aqui de avião esta noite, à sua custa, sem dúvida, se eu achar que é necessário. Mas você pode sair daqui e procurar o seu amigo charlatão ou suar enquanto resolve consultar outro médico, ou então ser mandado para alguém incompetente. Então, se for maligna e crescer muito, eles arrancarão toda a sua laringe ou você morrerá. Ou você pode apenas suar. Fique aqui comigo e resolveremos toda a questão em poucas horas. Você tem alguma coisa importante a fazer?
— Vamos ficar aqui, Johnny, que diabo! — interveio Nino — Vou até o vestíbulo e telefono para o estúdio. Não contarei nada a eles, apenas que permaneceremos aqui. Depois volto para cá e fico em sua companhia.
Pareceu ser uma tarde muito longa, mas foi compensadora. O diagnóstico do especialista da equipe do hospital foi perfeitamente correto como Jules pôde ver após os exames de raios X e análise de laboratório.
No meio dos exames, Johnny Fontane, com a boca embebida de iodo, vomitando o rolo de gaze colocado em sua boca, tentou escapulir. Nino Valenti agarrou-o pelos ombros e obrigou-o a sentar-se novamente na cadeira. Quando estava tudo terminado, Jules arreganhou os dentes para Johnny e disse:
— Verrugas — Fontane não entendeu. Jules falou novamente — Apenas algumas verrugas. Nós as arrancaremos exatamente como pele de salsicha. Em poucos meses você estará bom.
Nino deixou escapar um grito, mas Johnny ainda estava de cara feia.
— Será que poderei cantar depois disso, será que afetará o meu canto?
Jules deu de ombros.
— Sobre isso não há garantia. Mas como você não pode cantar agora, que diferença faz?
Johnny olhou para ele com revolta.
— Menino, você não sabe que diabo está dizendo. Você age como se tivesse dando boas notícias a mim, quando o que está falando é que não vou cantar mais. Isso é certo, talvez eu não possa mais cantar?
Finalmente, Jules ficou realmente aborrecido. Procedera como um verdadeiro médico e isso tinha sido um prazer. Fizera um grande favor a esse salafrário e Johnny estava se comportando como se ele tivesse agido erradamente.
Jules disse friamente:
— Escute, Sr. Fontane, sou formado em medicina, e você pode muito bem me chamar de médico e não de menino. E eu lhe dei notícias muito boas. Quando eu o trouxe aqui, estava certo de que você tinha uma excrescência maligna na laringe que poderia resultar na extirpação de todo o seu aparelho vocal. Ou que o mataria. Estava preocupado com o fato de que talvez tivesse de lhe dizer que você era um homem morto. E senti-me muito feliz quando tive de dizer apenas “verrugas”. Porque a sua voz de cantor me deu tanto prazer, me ajudou a seduzir garotas quando eu era mais moço e você era um verdadeiro artista. Mas você também é um sujeito muito mimado. Pensa que porque é Johnny Fontane não pode ter câncer? Ou um tumor cerebral que não se pode operar? Ou um colapso cardíaco? Você pensa que não vai morrer nunca? Bem, tudo na vida não é doce música, e se você quer ver uma verdadeira complicação dê uma volta neste hospital e você cantará uma canção de amor sobre verrugas. Assim, deixe de palhaçada e continue a fazer o que realmente deve. O seu Adolphe Menjou médico pode arranjar-lhe o cirurgião indicado, mas se ele tentar entrar na sala de operações, sugiro que você deve mandar prendê-lo por tentativa de homicídio.
Jules começava a sair do quarto, quando Nino exclamou:
— Aí, doutor, isso mesmo é o que ele merece que se diga.
Jules virou-se para ele e perguntou:
— Você sempre fica “na água” antes do meio-dia?
— Sem dúvida — respondeu Nino.
Arreganhou os dentes com tão bom humor que Jules disse mais gentilmente do que pretendia:
— Você precisa pensar que pode morrer dentro de cinco anos, se continuar assim.
Nino arrastou-se com dificuldade até Jules, dando uns passos curtos de dança. Pôs os braços em volta do médico, exalando um forte cheiro de uísque. e deu uma gostosa gargalhada, perguntando:
— Cinco anos? Ainda vou durar tanto tempo assim?
Um mês depois da operação, Lucy Mancini estava sentada à beira da piscina do hotel de Las Vegas, com uma mão segurando um coquetel e com a outra afagando a cabeça de Jules, que repousava em seu colo.
— Você não precisa reunir coragem assim — disse Jules irritado — Tenho champanha esperando por nós no apartamento.
— Você tem certeza de que já está bom tão cedo? — perguntou Lucy.
— Eu sou o médico — respondeu Jules — Hoje é a grande noite. Você sabe que serei o primeiro cirurgião na história da medicina que vai provar os resultados de sua operação cirúrgica? Você sabe, conheço o antes e conhecerei agora o depois. Vou gostar de escrever isso para as revistas especializadas. Vejamos, “enquanto o antes era distintamente agradável por motivos psicológicos e refinamento do cirurgião-instrutor, o coito pós-operatório era extremamente recompensador rigorosamente por motivo neurológico” — ele parou de falar porque Lucy lhe puxara o cabelo com bastante força para fazê-lo gritar de dor.
Ela sorriu para ele e disse:
— Se você não ficar satisfeito esta noite, posso realmente dizer que a culpa é sua.
— Garanto o meu trabalho. Eu o planejei, embora tenha deixado o velho Kellner fazer o labor manual — acentuou Jules — Agora descansemos um pouco, temos uma longa noite de pesquisa pela frente.
Quando subiram para o apartamento deles — estavam agora vivendo juntos — Lucy encontrou uma surpresa à sua espera: uma saborosa ceia, e perto de sua taça de champanha um estojo contendo um enorme anel de noivado de brilhantes.
— Isto mostra quanta confiança tenho no meu trabalho — disse Jules — Agora quero ver você fazer por merecê-lo.
Ele foi muito carinhoso, muito gentil com ela. Lucy estava um pouco temerosa a princípio, a sua carne como que fugindo ao tato dele, mas depois, tranqüilizada, sentiu o corpo atingir uma paixão que ela jamais conhecera. Quando terminaram de fazer a primeira vez, Jules sussurrou-lhe no ouvido:
— Fiz um bom trabalho.
Ela respondeu-lhe também sussurrando:
— Oh, sim, você fez; sim, você fez.
E riram um para o outro quando começaram a fazer amor novamente.




 Continua...






______________________________

Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário para elogiar ou criticar o T.World. Somente com seu apoio e ajuda, o T.World pode se tornar ainda melhor.