CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
CAPÍTULO
22
L
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ucy
mancini, um ano após a morte de Santino, ainda sentia muita falta dele,
sofrendo a sua ausência mais do que qualquer amante em um romance. Seus sonhos
não eram tão insípidos como os de uma colegial, e seus anseios não eram os de
uma esposa dedicada. Não estava desolada pela perda do “companheiro de sua
vida”, nem sentia falta dele pelo seu caráter destemido. Não tinha lembranças
ternas de natureza sentimental, de adoração juvenil de um herói, de seu
sorriso, ou do brilho engraçado dos seus olhos quando ela dizia alguma coisa carinhosa
ou espirituosa.
Não. Sentia a falta
dele por um motivo mais importante. É que ele fora o único homem no mundo que
conseguira fazer seu corpo sentir o ato de amor. Em sua juventude e
ingenuidade, ainda acreditava que fora o único homem capaz de fazer isso.
Agora, um ano depois,
tomava seu banho de sol no refrescante clima de Nevada. Em sua companhia, um
jovem franzino e louro brincava com os dedos dos seus pés. Estavam ao lado da
piscina do hotel naquela tarde de domingo e, apesar de tanta gente ali presente,
a mão do rapaz acariciava sua coxa nua.
— Ó Jules, pare —
pediu Lucy — Pelo menos, pensei que os médicos não fossem tão bobos assim.
— Eu sou um médico de
Las Vegas.
Coçou-lhe a parte
interna da coxa e admirou-se como aquilo podia excitá-la tão fortemente.
Demonstrava isso no rosto, embora procurasse ocultá-lo. Realmente, era uma
garota muito primitiva, ingênua. Por que ele não podia fazê-la entregar-se? Ele
tinha de agir logo, não se importando absolutamente com um amor perdido que
jamais poderia ser substituído. Aqui, ele sentia o calor da pele dela que
estava exigindo o calor de outro corpo. O Dr. Jules Segal decidiu que daria a
grande investida naquela noite, no seu apartamento. Desejava que ela se
entregasse sem qualquer artimanha, mas, se houvesse alguma, ele seria o homem
indicado para isso. Tudo no interesse da ciência, é claro. E, além disso, essa
pobre garota estava morrendo de desejo.
— Jules, pare, por
favor, pare — pediu Lucy novamente, com a voz trêmula.
Jules atendeu
imediatamente.
— Está bem, querida —
respondeu ele.
Pôs a cabeça no colo
dela, e usando-lhe as coxas macias como travesseiro, tirou uma soneca.
Divertiu-se com suas contorções, com o calor que emanava de seu corpo, e quando
ela pôs a mão na cabeça dele para alisar-lhe o cabelo, Jules agarrou-lhe o
pulso brincando e segurou-o amorosa mas firmemente, para sentir-lhe a pulsação.
Estava aos galopes. Conquista-la-ia naquela noite e resolveria o mistério,
fosse qual fosse. Cheio de confiança, o Dr. Jules Segal caiu no sono.
Lucy observava o
pessoal em torno da piscina. Jamais poderia ter imaginado que sua vida se
modificasse tanto, em menos de dois anos. Nunca se arrependera de sua
“bobagem”, no casamento de Connie Corleone. Era a coisa mais admirável que lhe
tinha acontecido, e ela sentira aquilo inúmeras vezes em seus sonhos. Como
sentira vezes sem conta nos meses que se seguiram.
Sonny visitava-a uma
vez por semana; às vezes duas. Nos dias que precediam a visita dele, seu corpo
ficava num verdadeiro tormento. A paixão que um nutria pelo outro era da
maneira mais elementar, desprovida de poesia ou de intelectualismo. Era o amor
na forma mais grosseira, amor puramente carnal.
Quando Sonny
telefonava para avisar-lhe que ia lá, ela se certificava se havia bastante
bebida no apartamento e bastante comida para a ceia e para o breakfast, porque, geralmente, ele só
iria embora numa hora adiantada da manhã seguinte. Tanto Sonny como Lucy
buscavam sentir o máximo prazer em suas relações. Sonny tinha a sua própria
chave, e quando ele entrava, ela se atirava nos seus braços robustos. Eles eram
brutalmente primitivos. Durante o primeiro beijo, apalpavam-se reciprocamente,
ele a erguia no ar e ela envolvia suas pernas em torno das coxas grossas dele.
Amavam-se em pé mesmo, no vestíbulo do apartamento, como recordação do primeiro
ato de amor que realizaram juntos, e depois, ele a carregava para o quarto.
Ficavam amando-se na
cama. Permaneciam juntos no apartamento, durante dezesseis horas, completamente
nus. Ela preparava-lhe grandes pratos. Às vezes, Sonny recebia telefonemas
sobre negócios, mas ela nunca prestava atenção às palavras. Estava sempre
ocupada, brincando com o corpo dele, acariciando-o, beijando-o, mordendo-o.
Quando se levantava para apanhar uma bebida e andava ao lado dela, Lucy não
podia deixar de esticar a mão para tocar-lhe o corpo nu, segurá-lo, amá-lo,
como se o sexo dele fosse um brinquedo especialmente fabricado, estranho mas
inocente, e que provocava os êxtases conhecidos e surpreendentes. A princípio,
Lucy se sentia envergonhada desses excessos de sua parte, mas logo verificou
que agradavam seu amante, que a sua completa escravização à vontade dele o
lisonjeava. Em tudo isso, havia uma inocência animal e, reciprocamente, eram
felizes.
Quando o pai de Sonny
foi baleado na rua, ela compreendeu, pela primeira vez, que o seu amante podia
estar em perigo. Sozinha, em seu apartamento, Lucy não chorou, mas gemeu em voz
alta. Não tendo vindo vê-la, por quase três semanas, ela passou a tomar pílulas
para dormir, a beber, curtindo a própria angústia. Sentia uma dor física, e seu
corpo doía. Quando finalmente Sonny apareceu, ela ficou agarrada ao corpo dele
durante quase todo o tempo. Depois, vinha pelo menos uma vez por semana, até
ser assassinado.
Lucy soube de sua
morte através dos relatos dos jornais e, naquela mesma noite, tomou uma dose
maciça de pílulas para dormir. Por algum motivo, as pílulas, em lugar de a
matarem, deixaram-na tão doente, que ela saiu cambaleando pelo vestíbulo de seu
apartamento e caiu desmaiada em frente à porta do elevador, onde foi encontrada
e levada para o hospital. Sua ligação com Sonny não era conhecida por muita
gente, assim seu romance mereceu apenas algumas linhas nos tablóides.
Durante sua
permanência no hospital, Tom Hagen foi visitá-la e consolá-la. Tom Hagen foi
quem lhe arranjou emprego no hotel dirigido por Freddie, irmão de Sonny. Tom
também lhe informou que ela receberia uma mesada da Família Corleone, pois
Sonny estabelecera isso em seu testamento. Perguntou-lhe se estava grávida,
julgando ter sido esse o motivo por que ela tomara as pílulas. Lucy respondeu
negativamente. Inquiriu-lhe se Sonny viera vê-la naquela noite fatal, ou
telefonara para dizer que iria vê-la. Ela ainda lhe respondeu que não. Sonny
não lhe telefonara. Ela sempre esperava por ele, quando acabava de trabalhar. E
contou toda a verdade a Hagen.
— Ele foi o único
homem que amei realmente — confessara — Não posso amar mais ninguém.
Ela o viu sorrir,
embora também estivesse surpreso.
— Você acha isso tão
inacreditável? — perguntou ela — Não foi ele quem o levou para casa, quando
você era menino?
— Sonny era um ser
diferente — respondeu Hagen — Quando cresceu isso ainda mais se acentuou.
— Não para mim —
retrucou Lucy — Talvez fosse para as outras pessoas.
Sentia-se ainda muito
fraca para explicar como Sonny havia sido apenas gentil com ela. Jamais se
mostrava zangado, nem mesmo irritado ou nervoso.
Hagen tomou todas as
providências para que ela se mudasse para Las Vegas. Um apartamento alugado a
estava esperando. Ele mesmo a levou ao aeroporto e fê-la prometer que, se
alguma vez se sentisse solitária, ou se as coisas não corressem bem,
telefonaria para ele a fim de ajudá-la como lhe fosse possível.
— Será que o pai de
Sonny sabe o que você está fazendo? — perguntou-lhe Lucy hesitante, antes de
subir no avião.
— Estou agindo por ele
— respondeu Hagen sorrindo — E também por mim mesmo. Ele é antiquado nesse
assunto e jamais se colocaria contra a mulher legal do filho. Mas sente que
você era apenas uma moça e Sonny devia saber melhor o que estava fazendo. Esse
seu negócio de tomar pílulas abalou muita gente.
Ele não explicou por
que um homem como Don Corleone achava incrível que uma pessoa pudesse tentar o
suicídio.
Agora, após quase 18
meses em Las Vegas, Lucy estava surpresa de ver-se quase feliz. Algumas noites,
sonhava com Sonny e, acordando antes do amanhecer, continuava pensando em suas
próprias recordações, até adormecer novamente. Desde então não tivera outro
homem. A vida em L.as Vegas era boa. Nadava nas piscinas do hotel, velejava no
lago Mead e percorria de automóvel o deserto no seu dia de folga. Emagrecera e
isso lhe melhorara a silhueta. Ainda era voluptuosa, porém mais americanizada
do que no antigo estilo italiano. Trabalhava como recepcionista na seção de
relações públicas do hotel e nada tinha a ver com Freddie, embora, quando ele a
via, parasse para bater um papinho. Ficou surpresa com a transformação que
Freddie sofrera. Tornara-se um conquistador de mulheres, elegantemente vestido,
e parecia ter verdadeira vocação para dirigir uma estância de jogo. Controlava
a parte do hotel, coisa que geralmente não é feita pelos donos de cassino. Com
o verão longo e muito quente, ou talvez em virtude da sua vida sexual mais
ativa, emagrecera, e o trajar à moda de Hollywood fê-lo parecer muito jovial.
Seis meses depois, Tom
Hagen veio ver como ia indo ela. Lucy recebia um cheque de seiscentos dólares
todos os meses, além do seu salário. Hagen explicou que se devia provar que
esse dinheiro provinha de alguma fonte; por isso, pediu-lhe que assinasse um
documento, outorgando-lhe procuração total, a fim de que ele pudesse
encaminhar-lhe a importância adequadamente. Informou-lhe ainda que, por uma
questão de formalidade, ela seria possuidora de 5% das ações do hotel em que
trabalhava. Ela teria de satisfazer todas as formalidades exigidas pelas leis
de Nevada. Todas essas providências seriam tomadas por outras pessoas, a fim de
que ela tivesse o mínimo trabalho. Contudo, não deveria discutir com qualquer
pessoa nada do que ficara combinado entre eles, sem o consentimento dele. Lucy
estaria protegida por todos os meios legais, e o seu dinheiro todo mês estaria
garantido. Se as autoridades ou qual quer órgão de fiscalização do governo a
interrogassem, simplesmente deveria encaminhá-los para o seu advogado e ninguém
a incomodaria mais.
Lucy concordou.
Compreendeu o que estava acontecendo, mas não tinha objeções a fazer contra
aquilo para que estava sendo usada. Parecia um favor razoável. Mas quando Hagen
lhe pediu que mantivesse os olhos abertos com respeito ao hotel, e vigiasse
Freddie e o patrão dele, o homem que possuía e dirigia o hotel, como o maior
acionista, ela respondeu:
— Ó Tom, você não vai
querer que eu espione Freddie, vai?
Hagen sorriu.
— Don Corleone está
preocupado com ele. Freddie está sendo companheiro constante de Moe Green e
queremos apenas garantir que ele não se envolva em complicações.
Não se interessou em
explicar a ela que Don Corleone financiara a construção desse hotel no deserto
de Las Vegas não somente para proporcionar um abrigo para o filho, mas também
para fincar o pé na porta a fim de realizar operações maiores.
Foi pouco depois dessa
entrevista que o Dr. Jules Segal veio trabalhar como médico do hotel. Ele era
muito magro, muito bonito e encantador, parecendo muito moço para ser médico,
pelo menos para Lucy. Conheceu-o quando lhe nasceu um calombo acima do pulso.
Ficou preocupada com isso alguns dias; então uma manhã foi ao conjunto de salas
do médico no hotel. Duas coristas estavam na sala de espera, conversando. Elas tinham
a beleza loura cor de pêssego que Lucy sempre invejara. Pareciam angelicais.
— Juro que se eu tomar
outra dose deixo de dançar — falava uma das garotas.
Quando o Dr. Jules
Segal abriu a porta do consultório para fazer entrar uma das garotas, Lucy teve
vontade de ir embora, e se fosse alguma coisa mais pessoal e mais séria, ela o
teria feito. O Dr. Segal usava calças e camisa esporte. Os óculos de aro de
tartaruga melhoravam-lhe o aspecto, o mesmo acontecendo com seu tranqüilo modo
reservado, mas a impressão que ele dava era informal, e como muita gente
basicamente antiquada, Lucy não acreditava que medicina e informalidade se
combinassem.
Quando finalmente
entrou no consultório, notou que havia algo tão reconfortante no jeito do
médico que todas as suas apreensões desapareceram. Falava muito pouco, mas não
era brusco, e tinha muita calma. Quando lhe perguntou o que era aquele calombo,
ele explicou pacientemente que aquilo era uma excrescência fibrosa bastante
comum, que de forma alguma podia ser maligno, nem causar preocupação séria.
— Estique o braço —
falou ele, apanhando um pesado livro de medicina.
Lucy esticou os braços
com receio. O médico sorriu-lhe pela primeira vez.
— Vou lesar a mim
mesmo do dinheiro de uma operação — disse ele — Vou amassá-lo com este livro e
ele se achatará. Poderá inchar novamente, mas se eu o arrancar com uma operação
você ficará sem dinheiro e terá de usar ataduras e outras coisas mais.
Entendeu?
Ela sorriu. De algum
modo, começou a ter confiança absoluta nele.
— Entendi — respondeu
Lucy.
Em seguida, deixou
escapar um grito, quando ele deixou cair o pesado volume de medicina no
antebraço dela. O calombo se achatou ou quase todo.
— Doeu tanto assim? —
perguntou ele.
— Não — respondeu ela.
Lucy observava-o,
enquanto ele enchia sua ficha.
— É só isso?
O doutor balançou com
a cabeça afirmativamente, não lhe dando mais atenção.
Lucy retirou-se.
Uma semana depois, ele
a viu no café e sentou-se ao seu lado, no balcão.
— Como vai o braço? —
perguntou ele.
Ela sorriu.
— Bem — respondeu —
Você é bem sem-cerimônia, mas isso é bom.
O médico deu uma
risada.
— Você não sabe como
sou sem-cerimônia. E eu não sabia que você era tão rica. O Sun de Las Vegas
publicou a lista dos acionistas do hotel e Lucy Mancini tem cerca de 10% das
ações. Eu podia ter feito uma fortuna com aquele calombinho.
Lucy não respondeu,
lembrando-se logo das advertências de Hagen.
— Não se preocupe —
disse ele, rindo de novo para ela — Já conheço isso. Você é apenas um dos
acionistas-fantasmas. Las Vegas está cheia deles.
Que tal ver um dos shows comigo esta noite? Eu lhe pagarei o jantar. E poderei
comprar algumas fichas de roleta para você.
Lucy estava em dúvida.
Ele insistiu.
— Eu gostaria de ir —
respondeu ela, finalmente — Mas receio que você ficará decepcionado com a
maneira como a noite vai terminar. Não sou, na verdade, do tipo da maioria das
garotas daqui.
— É por isso que estou
convidando você — retrucou Jules cordialmente — Receitei uma noite de descanso
para mim.
— Está claro? — falou
Lucy um tanto triste e sorriu para ele.
Ele balançou a cabeça.
— Está bem —
acrescentou Lucy — Cearemos então, mas eu comprarei as minhas próprias fichas
da roleta.
Foram ao show da ceia
e Jules procurou diverti-Ia, descrevendo diferentes tipos de coxas e seios nus
em linguagem médica, mas sem zombaria, e tudo com muito humor. Depois jogaram
roleta juntos na mesma mesa e ganharam mais de cem dólares. Mais tarde, ainda
foram de automóvel até a represa de Boulder ao luar e ele procurou fazer-lhe
amor, mas, quando ela resistiu após alguns beijos, Jules compreendeu que ela
realmente não queria e desistiu. Mais uma vez, ele encarou a sua derrota com
enorme bom humor.
— Eu lhe avisei que
não faria isso — disse ela com uma recriminação de quem tinha alguma culpa.
— Você se sentiria extremamente
insultada se eu, pelo menos, nem tentasse — retrucou Jules.
E Lucy teve de dar uma
gargalhada, porque era verdade.
Nos meses seguintes,
tornaram-se bons amigos. Não faziam amor, por que Lucy não permitia. Ela viu
que Jules estava intrigado com sua recusa, mas não se magoara, como acontece
com a maioria dos homens. Isso fê-la confiar ainda mais nele. Lucy descobriu
que, por trás de seu aspecto profissional de médico, ele era brincalhão ao
extremo e despreocupado. Nos fins de semana, Jules dirigia um carro adaptado
nas corridas da Califórnia. Quando tirava férias, ia para o interior do México,
um país selvagem, dizia ele, onde os estrangeiros eram assassinados por causa
de seus sapatos e a vida era tão primitiva como há mil anos passados. Por simples
casualidade, Lucy soube que Jules era cirurgião e tivera ligação com um famoso
hospital de Nova York.
Tudo isso e o fato de ele ter aceitado o emprego
no hotel a intrigavam grandemente. Quando ela lhe perguntou acerca disso,
respondeu:
— Você me conta o seu
segredo profundo e lhe contarei o meu.
Lucy corou e nunca
mais tocou no assunto. Jules tampouco insistiu nele. Essa amizade continuou
fervorosa e leal como jamais ela poderia imaginar.
Agora, sentada ao lado
da piscina com a cabeça loura de Jules no colo, Lucy sentia um irresistível
ternura por ele. Suas costas doíam e, sem perceber, seus dedos friccionavam
sensualmente a pele do pescoço dele. Jules parecia estar dormindo, não
percebendo aquilo, e ela se excitava, justamente por senti-lo em contato com ela.
De repente, ele ergueu a cabeça do seu colo e pôs-se de pé. Tomou-a pela mão e
levou-a por cima da grama até a calçada de cimento. Seguiu-o docilmente, mesmo
quando Jules a fez entrar numa das casas onde ficava o seu apartamento
particular. Entraram e ele serviu enormes doses de bebidas para ambos. Depois
do sol abrasador e dos seus próprios pensamentos sensuais, e bebida subiu-lhe à
cabeça e fê-la tonta. Jules passou os braços em torno dela e os seus corpos,
nus exceto pelas escassas roupas de banho que usavam, apertaram-se fortemente
um de encontro ao outro. Lucy murmurava “não”, sem qualquer convicção em sua
voz, e Jules não lhe dava atenção. Prontamente, ele arrancou-lhe o soutien para
poder acariciar os enormes seios e beijá-los; depois, tirou-lhe as calças de
banho e, enquanto o fazia, beijava-lhe o corpo, sua barriga redonda e as partes
internas de suas coxas. Pôs-se de pé, procurando tirar o seu próprio calção de
banho, abraçando-a. Já nus e abraçados fortemente, deitaram-se na cama, e ela o
sentiu penetrar-lhe. Isso foi o bastante, apenas o leve toque, para que ela
atingisse o clímax e, então, no segundo seguinte, pôde ver os movimentos de seu
corpo, para surpresa sua. Sentiu a tremenda vergonha que tivera antes de
conhecer Sonny, mas Jules puxava seu corpo para a borda da cama, pondo suas
pernas numa certa posição e ela o deixava controlar os seus membros; então, ele
estava penetrando-lhe novamente e beijando-a; desta vez, Lucy pôde senti-lo e
perceber que Jules também caminhava para o clímax.
Quando ele saiu de seu
corpo, Lucy encolheu-se num canto da cama e começou a chorar. Sentia-se
extremamente envergonhada. Ficou surpresa, quando ouviu Jules rir suavemente.
— Você, sua bárbara
carcamana, por que você levou esses meses todos me recusando? Sua boba! —
murmurou Jules.
Dissera “sua boba” com
tanto afeto, que Lucy se voltou para ele.
— Você é medieval,
você é positivamente medieval — falou ele, apertando-a contra o seu corpo.
Sua voz era suavemente
confortante, enquanto ela continuava a chorar.
Jules acendeu um
cigarro e colocou-o na boca de Lucy, para que ela se engasgasse com a fumaça e
parasse de chorar.
— Agora, ouça-me —
pediu ele — Se você tivesse tido uma educação moderna decente, com uma cultura
familiar que fizesse parte do século XX, seu problema teria sido resolvido há
anos. Agora deixe-me dizer qual é o seu problema: não é ser feia, nem ter uma
pele ruim e nem ser estrábica, de modo que a cirurgia plástica de fato não
resolva. Seu problema é como se você tivesse uma verruga ou sinal no queixo, ou
uma orelha de forma defeituosa. Pare de pensar nisso em termos sexuais. Tire da
cabeça a idéia de que você tem uma boceta larga, da qual nenhum homem pode
gostar, porque não dá ao seu pênis a fricção necessária, O que você tem é uma
deformação pélvica a que nós cirurgiões chamamos de fraqueza da bacia pélvica.
Geralmente vem depois do parto, mas pode ser simplesmente má estrutura óssea. Ë
uma anormalidade comum, e muitas mulheres levam uma vida miserável por causa
dela, quando uma operação poderia corrigi-la. Algumas mulheres chegam ao
suicídio por causa disso. Nunca imaginei que você tivesse essa anormalidade,
porque tem um corpo muito bonito. Pensei que fosse um caso psicológico, já que
conheço a sua história com Sonny e você me contou bastantes vezes. Deixe-me
submeter você a um exame físico completo e lhe direi exatamente o trabalho que
terá de ser feito. Agora vá tomar um banho de chuveiro.
Lucy foi tomar seu
banho de chuveiro. Pacientemente, sob os protestos dela, Jules fê-la deitar-se
na cama, com as pernas escarrapachadas. Em seu apartamento, ele tinha uma bolsa
de médico, a qual estava aberta. Havia também uma pequena mesa com tampo de
vidro, ao lado da cama, sobre a qual se encontravam outros instrumentos. Agora,
era exclusivamente médico, examinando-a, enfiando-lhe os dedos na vagina e
movendo-os em torno. Lucy estava começando a sentir-se humilhada, quando ele a
beijou no umbigo.
— Foi a primeira vez
que fiz meu trabalho com prazer — disse Jules distraído.
Em seguida, virou-a de
bruços e introduziu-lhe um dedo no reto, apalpando em torno, e com a outra mão,
acariciava-lhe meigamente o pescoço. Quando acabou, virou-a novamente de
barriga para cima e beijou-a carinhosamente na boca.
— Meu bem — falou ele
— Vou construir uma coisa inteiramente nova lá embaixo, e depois vou prová-la
pessoalmente. Será um trabalho médico. Espero poder escrever um estudo sobre
ele para as revistas especializadas.
Jules fez tudo com uma
afeição bem-humorada, gostava tanto dela, que Lucy perdeu o acanhamento e o
embaraço. Ele tirou um compêndio de medicina da estante, para mostrar-lhe um
caso igual ao seu e o processo operatório para corrigi-lo. Lucy demonstrou
bastante interesse pelo assunto.
— É um caso de saúde
também — disse Jules — Se você não o corrigir agora, mais tarde vai ter um
bocado de complicação com todo o seu sistema de tubulação. A estrutura vai-se
tomando cada vez mais fraca, a menos que seja corrigida por meio de operação. Ë
uma vergonha inominável que a pudicícia antiquada impeça que muitos médicos diagnostiquem
e corrijam adequadamente a situação, e que inúmeras mulheres se queixem disso.
— Não fale mais no
assunto, por favor, não fale mais nisso — pediu Lucy.
Jules compreendeu que
ela ainda estava, até certo ponto, envergonhada do seu segredo, embaraçada pelo
seu “feio defeito”. Embora para a sua mente afeiçoada à medicina isso parecesse
o cúmulo da idiotice, ele foi bastante sensível para identificar tal coisa
nela. Também o pôs no caminho certo para fazê-la sentir-se melhor.
— Está bem, conheço o
seu segredo, assim vou agora contar o meu — disse ele — Você sempre me pergunta
o que estou fazendo aqui nesta cidade, um dos mais jovens e mais brilhantes
cirurgiões do Leste.
Ele zombou de algumas
reportagens jornalísticas sobre a sua pessoa. E continuou:
— A verdade é que sou
um especialista em abortos, o que em si mesmo não é tão mau, pois faz parte da
profissão médica; mas fui apanhado. Eu tinha um amigo, um médico chamado
Kennedy, fomos internos juntos, e ele é um sujeito realmente direito, mas disse
que me ajudaria. Sei que Tom Hagen disse a ele que, se precisasse de ajuda
alguma vez em qualquer coisa, a Família Corleone se sentia devedora dele.
Assim, ele falou com Hagen. O que sei é que as acusações foram retiradas, mas a
Associação Médica e a sociedade do Leste me puseram na lista negra. Assim, a
Família Corleone conseguiu-me este emprego aqui. Tiro uma boa “nota”. Faço um
trabalho que tem de ser feito. Essas garotas do show estão sempre sendo
emprenhadas, e fazê-las abortar é a coisa mais fácil do mundo quando elas me
procuram imediatamente. Faço-lhes uma curetagem como qualquer mulher raspa uma
frigideira. Freddie Corleone é um verdadeiro terror. Pela minha conta, ele já
emprenhou umas quinze garotas desde que estou aqui. Estou pensando seriamente em
manter com ele uma conversa de pai para filho sobre sexo. Especialmente porque
já tive de tratá-lo três vezes de gonorréia e uma de sífilis. Freddie é do tipo
que não gosta de usar qualquer preventivo ou proteção.
Jules parou de falar.
Havia sido deliberadamente indiscreto, coisa que ele nunca fora, para que Lucy
soubesse que outras pessoas, inclusive alguém que ela conhecia e temia como
Freddie Corleone, tinham também segredos vergonhosos.
— Pense nisso como um
pedaço de elástico no seu corpo que perdeu a elasticidade — disse Jules —
Cortando um pedacinho, ele se torna mais apertado, mais vigoroso.
— Vou pensar nisso —
respondeu Lucy, mas tinha certeza de que realizaria aquilo, tinha confiança em
Jules. Depois ela pensou em outra coisa — Quanto custará?
Jules franziu as
sobrancelhas.
— Não tenho aqui a
aparelhagem necessária para uma operação como essa e não sou especialista no
assunto. Mas tenho um amigo em Los Angeles que é um bamba no assunto e tem a
aparelhagem do melhor hospital. De fato, ele aperta todas as estrelas do
cinema, quando essas senhoras descobrem que ter o rosto e os seios erguidos não
é o suficiente para fazer um homem amá-las. Ele me deve alguns favores, de modo
que não custará nada. Eu faço os abortos das clientes dele. Escute, se não fosse
contra a ética eu lhe daria o nome de algumas artistas extremamente sensuais do
cinema que fizeram a operação.
Ela ficou
imediatamente curiosa.
— Oh, vamos, diga —
pediu ela — Diga.
Seria um delicioso
assunto de conversação e uma das coisas que agradavam a Jules era que assim ela
pudesse mostrar seu pendor feminino pelo mexerico sem que ele risse daquilo.
— Eu lhe contarei se
você jantar comigo e passar a noite em minha companhia — respondeu Jules —
Temos um bocado de tempo perdido para recuperar por causa de sua idiotice.
Lucy sentiu uma imensa
satisfação por ele ser assim tão generoso e re trucou:
— Você não precisa
dormir comigo, sabe que não sentirá prazer da maneira como estou agora.
Jules explodiu na
gargalhada.
— Sua boba, sua grande
boba. Você nunca ouviu falar em outro modo de fazer amor, muito mais antigo,
muito mais civilizado? Será que você é assim tão inocente?
— Oh, isso? —
respondeu ela.
— Oh, isso? — remedou
ele — Garotas distintas não fazem isso, homens viris não fazem isso. Mesmo no
ano de 1948. Bem, querida, posso levar você à casa de uma velhinha exatamente
aqui em Lãs Vegas que era a caftina mais moça do bordel mais popular nos velhos
tempos do Oeste, lá por 1880, penso eu. Ela gosta de falar nos velhos tempos.
Você sabe o que ela me disse? Que aqueles pistoleiros, aqueles cowboys
másculos, viris, de tiro certeiro pediam às garotas que lhes proporcionassem um
“gozo à francesa”, o que nós médicos chamamos felação, o que você chama, “oh,
isso?” Você pensou alguma vez em fazer “oh, isso?” com o seu querido Sonny?
Pela primeira vez, ela
realmente o surpreendeu. Virou-se para Jules com o que ele poderia pensar
apenas que fosse o sorriso da Mona Lisa (seu espírito científico imediatamente
voando até a tangente, poderia ser essa a solução desse mistério que já dura
séculos?) e respondeu calmamente:
— Eu fazia tudo com
Sonny.
Era a primeira vez que
ela admitia uma coisa como essa para alguém.
Duas semanas depois,
Jules Segal estava na sala de operações do hospital de Los Angeles observando o
seu amigo Dr. Frederick Kellner executar a sua especialidade. Antes de Lucy ser
anestesiada, Jules inclinou-se sobre ela e murmurou-lhe no ouvido:
— Eu disse a ele que
você era a minha garota particular, assim ele vai pôr umas paredes reais bem
apertadas.
Mas a pílula
preliminar já a fizera ficar apática e ela não riu nem sorriu. A observação
irritante dele tirou uma parte do terror da operação.
O Dr. Kellner fez a
incisão com a confiança de um campeão de bilhar dando uma tacada fácil. A
técnica de qualquer operação para reforçar a bacia pélvica requeria a
consecução de dois objetivos. A funda pélvica músculo-fibrosa tinha de ser
encurtada de modo que a folga desaparecesse. E naturalmente a abertura vaginal,
o próprio ponto fraco da bacia pélvica, tinha de ser trazida para a frente,
trazida para baixo do arco púbico e assim livrar-se da linha da pressão direta
acima. A reparação da funda pélvica era chamada perincorrafia. A sutura da
parede vaginal era chamada colporrafia.
Jules percebeu que o
Dr. Kellner estava trabalhando agora com cuidado; havia perigo de que a incisão
fosse multo profunda e atingisse o reto. Era um caso evidentemente sem
complicação, Jules estudara todas as radiografias e outros exames. Nada podia
sair errado, exceto que em cirurgia algo podia sempre sair errado.
Kellner estava
trabalhando na funda do diafragma, a pinça em T segurava a aba vaginal, e
expondo os músculos e as fáscias que formavam sua bainha. Os dedos de Kellner
cobertos de gaze empurravam para o lado o tecido conjuntivo solto. Jules
mantinha os olhos fixos na parede vaginal para ver se apareciam as veias, o
sinal de perigo que indicava ter ofendido o reto. Mas o velho Kellner conhecia
o seu trabalho. Estava construindo uma nova prega com a facilidade com que um
carpinteiro prega certos pinos.
Kellner estava
aparando a parede vaginal em excesso usando o ponto de filmar embaixo para
fechar o “pedaço” tirado do tecido do ângulo redundante, a fim de que não se
formassem projeções complicadas. Tentava introduzir três dedos na abertura
estreita do lume, depois dois. Procurou enfiar dois dedos, explorando
profundamente, e por um momento olhou para Jules e seus olhos azuis por cima da
máscara de gaze piscaram como que perguntando se estava bastante estreito. Em
seguida passou a ocupar-se novamente de suas suturas.
Tudo estava terminado.
Empurraram Lucy para a sala de recuperação e Jules falou a Kellner, que se
mostrava radiante, o melhor sinal de que tudo saíra bem.
— Absolutamente
nenhuma complicação, meu rapaz — disse ele a Jules — Não houve nada de anormal,
um caso muito simples. Ela tem um tono corporal maravilhoso, raro nesses casos,
e agora está em plena forma para o que der e vier. Invejo você, meu rapaz. É
claro que você terá de esperar um pouco, mas depois garanto que você gostará do
meu trabalho.
— Você é um verdadeiro
Pigmalião, doutor. De fato, você esteve formidável — disse Jules, dando uma
gargalhada.
— Tudo isso é
brincadeira de criança, como os abortos — retrucou o Dr. Kellner — Se a
sociedade fosse apenas realista, gente como eu e você, gente realmente
talentosa, poderia fazer trabalho importante e deixar isso para os charlatães.
A propósito, vou-lhe mandar uma garota na próxima semana, uma garota muito
distinta, parece que elas estão sempre arranjando complicações. Isso vai-nos
tornar quites pelo trabalho que fiz hoje.
Jules balançou a
cabeça.
— Obrigado, doutor.
Apareça lá pessoalmente um dia e eu procurarei oferecer-lhe todas as cortesias
da casa.
Kellner retribuiu-lhe
com um riso torto e respondeu:
— Jogo todos os dias,
não preciso das suas roletas e das suas mesas de dados. Enfrento o destino
muito freqüentemente como ele é. Você vai-se estragar ali, Jules. Uns dois anos
mais e você poderá esquecer a cirurgia séria. Você não estará à altura dela.
Kellner virou as
costas e afastou-se.-
Jules sabia que isso
não significava uma censura, mas uma advertência. Contudo, isso o impressionou
bastante. Como Lucy não sairia da sala de recuperação senão pelo menos daí a 12
horas, ele foi até a cidade e embriagou-se. Parte de sua embriaguez se deveu ao
fato de sentir-se aliviado por tudo ter saído muito bem com Lucy.
Na manhã seguinte,
quando foi ao hospital visitá-la, ficou surpreso por encontrar dois homens ao
lado da cama dela e flores espalhadas por todo o quarto. Lucy estava com a cabeça
suspensa e apoiada em travesseiros, o seu rosto se mostrava radiante. Jules se
sentiu surpreso porque Lucy rompera com a família e pedira-lhe para não
notificá-la a não ser que algo saísse errado. Naturalmente Freddie Corleone
sabia que ela estava no hospital para uma pequena operação; que tinha sido
necessário informá-lo para que ambos tivessem folga, e Freddie dissera a Jules
que o hotel pagaria todas as contas de Lucy.
Lucy apresentou-os e
Jules reconheceu prontamente um deles. O famoso Johnny Fontane. O outro era um
rapaz italiano grande, musculoso, com cara de poucos amigos, cujo nome era Nino
Valenti. Ambos apertaram a mão de Jules e depois não lhe deram mais atenção.
Estavam brincando com Lucy, falando sobre a zona em que moraram em Nova York, sobre
gente e acontecimentos de que Jules de forma alguma podia participar. Por
conseguinte, ele disse a Lucy:
— Eu passo aqui mais
tarde, tenho de ver o Dr. Kellner.
Mas Johnny Fontane
mostrou-lhe logo o seu encanto pessoal.
— Olhe aqui,
companheiro, nós é que temos de ir embora, você fica fazendo companhia a Lucy.
Tome conta dela, doutor.
Jules notou uma
rouquidão peculiar na voz de Johnny Fontane e lembrou-se de repente de que há
mais de um ano que ele não cantava em público, e que ganhara o prêmio da Academia
pelo seu desempenho artístico. Podia a voz do homem ter mudado tão tarde assim
na vida e os jornais manterem isso em segredo, todo mundo manteve isso em
segredo? Jules gostava de um mexerico e continuou a ouvir a voz de Fontane numa
tentativa de diagnosticar a complicação gutural. Podia ser simples esforço, ou
bebida e cigarros em demasia ou até mulheres em excesso. A voz tinha um timbre
feio, ele não podia mais ser chamado de “o cantor da voz macia”.
— Você parece que está
resfriado — disse Jules a Johnny Fontane.
— Apenas esforço,
tentei cantar ontem à noite — respondeu Johnny delicadamente — Acho que não
posso aceitar o fato de que minha voz mudou, estou envelhecendo, como você sabe
— arreganhou os dentes sarcasticamente para Jules.
— Você não procurou um
médico para examinar isso? — perguntou Jules casualmente — Talvez seja uma
coisa que tenha cura.
Johnny não estava tão
encantador agora. Lançou a Jules um olhar frio.
— Isso foi a primeira
coisa que fiz há dois anos passados. Procurei os melhores especialistas. O meu
próprio médico, que é considerado como a maior sumidade aqui na Califórnia.
Disseram-me que descansasse um bocado. Não há nada de mau, apenas estou
envelhecendo. A voz do homem muda quando ele envelhece.
Johnny passou a
ignorá-lo depois disso, dando atenção a Lucy, agradando-a como ele agradava
todas as mulheres. Jules continuou a prestar atenção à voz do ator. Devia ter
nascido algum corpo estranho naquelas cordas vocais. Mas, então, por que diabo
os especialistas não o localizaram? Seria maligno e inoperável? Então devia
haver outra coisa.
Ele interrompeu Johnny
para perguntar:
— Quando foi a última
vez que você foi examinado por um especialista?
Johnny estava
obviamente irritado, mas procurava ser cortês em atenção a Lucy.
— Há cerca de dezoito
meses — respondeu.
— O seu médico tem
examinado isso de vez em quando? — insistiu Jules.
— Certamente, tem —
respondeu Johnny Fontane irritado — Ele me dá um borrifo de codeína e me faz um
exame cuidadoso. Ele disse que é apenas porque a minha voz está envelhecendo,
que isso é devido à bebida, ao fumo e a outras coisas. Talvez você saiba mais
do que ele?
— Como é o nome dele?
— perguntou Jules.
Fontane respondeu com
um fraco tremor de orgulho:
— Tucker, Dr. James
Tucker. Que pensa você dele?
O nome lhe era
familiar, estando ligado a famosos artistas de cinema, mulheres e a uma
caríssima casa de saúde.
— Ele é um homem que
se veste muito bem — respondeu Jules arreganhando os dentes.
Johnny agora ficou
zangado.
— Você pensa que é
melhor médico do que ele?
Jules deu uma
gargalhada.
— Você é melhor cantor
do que Carmem Lombardo?
Ficou surpreso ao ver
Nino Valenti explodir numa gargalhada, batendo a cabeça na cadeira. A piada não
fora assim tão boa. Então nas asas dessa gargalhada ele sentiu o cheiro de uísque
e compreendeu que já tão cedo da manhã Nino Valenti, fosse lá quem fosse,
estava pelo menos meio embriagado.
Johnny arreganhou os
dentes para o amigo.
— Ei, você deve rir
das minhas piadas, não das dele.
Entrementes, Lucy
esticou a mão para Jules e puxou-o para a beira da cama.
— Ele parece um
vagabundo, mas é um brilhante cirurgião — afirmou Lucy — Se ele diz que é
melhor do que o Dr. Tucker, então é melhor do que o Dr. Tucker. Ouça-o, Johnny.
A enfermeira entrou e
avisou que eles tinham de sair. O médico residente ia fazer certo trabalho em
Lucy e precisava ficar a sós com a paciente. Jules achou graça ao ver Lucy
virar o rosto de forma que, quando Johnny Fontane e Nino Valenti a beijaram, o
fizeram na face e não na boca, embora parecesse que eles esperavam isso. Ela
deixou Jules beijá-la na boca e sussurrou-lhe no ouvido:
— Volte esta tarde,
por favor.
Ele acenou com a
cabeça.
Lá fora no corredor,
Nino perguntou-lhe:
— Foi operação de quê?
Alguma coisa séria?
Jules balançou a
cabeça.
— Apenas um pequeno
arranjo nos órgãos femininos. Um caso exclusivamente de rotina, por favor,
creia-me. Estou mais interessado do que vocês, pretendo casar com ela.
Eles olharam para
Jules com admiração e então este perguntou:
— Como vocês
descobriram que ela estava no hospital?
— Freddie nos
telefonou e pediu para visitá-la — respondeu Johnny — Todos nós crescemos no
mesmo bairro. Lucy foi dama de honra quando a irmã de Freddie casou.
— Oh! — exclamou
Jules.
Ele não contou que
conhecia toda a história, talvez porque eles estivessem tão preocupados em
proteger Lucy e seu caso de amor com Sonny.
Enquanto caminhavam
pelo corredor, Jules disse a Johnny:
— Tenho privilégio
aqui de médico visitante, por que você não me deixa examinar a sua garganta?
— Estou com pressa.
— Essa garganta vale
um milhão de dólares — explicou Nino Valenti — Ele não pode deixar que médicos
baratos a examinem.
Jules viu que Nino
estava rindo para ele, obviamente o apoiava.
— Não sou um médico
barato — respondeu Jules cordialmente — Eu era o mais brilhante cirurgião jovem
e diagnosticador da Costa Leste até que me pegaram num casinho de aborto.
Como ele sabia que
aconteceria, isso os fez levarem-no a sério. Admitindo o seu crime, ele
inspirou a crença em sua alegação de grande
competência. Valenti foi o primeiro a externar a sua confiança.
— Se Johnny não quer
utilizá-lo, tenho uma amiga que deseja que você cuidasse dela, contudo não é um
caso de garganta.
— Quanto tempo você
levará para me examinar? — perguntou Johnny nervoso.
— Dez minutos —
respondeu Jules.
Era mentira, mas ele
acreditava no processo de dizer mentiras às pessoas. Dizer a verdade e medicina
eram coisas que não combinavam, a não ser em extremas emergências, assim mesmo
nem sempre.
— Está bem — respondeu
Johnny atemorizado e com a voz mais sombria e mais rouca.
Jules requisitou uma
enfermeira e um consultório. Não tinha tudo o que ele precisava, mas havia o
bastante. Em menos de dez minutos, notou que havia uma excrescência nas cordas
vocais, isso foi fácil. Tucker, aquele incompetente filho da puta elegantemente
trajado, de uma Hollywood artificial, podia tê-la localizado. Deus meu, talvez
o sujeito nem mesmo tivesse licença para clinicar, e se a tivesse devia ser-lhe
cassada. Jules não prestava agora qualquer atenção aos dois homens. Pegou o
telefone e pediu que o otorrinolaringologista do hospital viesse até a sala em
que se encontravam. Depois virou-se e disse para Nino Valenti:
— Acho que você vai
ter de esperar muito, é melhor ir embora.
Fontane olhou para ele
com absoluta descrença.
— Seu filho da puta,
você acha que vai me prender aqui? Você acha que vai se divertir com a minha
garganta?
Jules, com um prazer
maior do que ele pensaria ser possível, respondeu-lhe olhando-o diretamente
entre os olhos.
— Você pode fazer o
que bem entender. Você tem uma excrescência nas cordas vocais, na laringe. Se
ficar aqui algumas horas, poderemos chegar a uma conclusão, quer ela seja
maligna ou não-maligna. Podemos tomar uma decisão quanto a operação ou
tratamento. Posso fornecer-lhe toda a história. Posso dar-lhe o nome do maior
especialista da América e podemos fazê-lo vir aqui de avião esta noite, à sua
custa, sem dúvida, se eu achar que é necessário. Mas você pode sair daqui e
procurar o seu amigo charlatão ou suar enquanto resolve consultar outro médico,
ou então ser mandado para alguém incompetente. Então, se for maligna e crescer
muito, eles arrancarão toda a sua laringe ou você morrerá. Ou você pode apenas
suar. Fique aqui comigo e resolveremos toda a questão em poucas horas. Você tem
alguma coisa importante a fazer?
— Vamos ficar aqui,
Johnny, que diabo! — interveio Nino — Vou até o vestíbulo e telefono para o
estúdio. Não contarei nada a eles, apenas que permaneceremos aqui. Depois volto
para cá e fico em sua companhia.
Pareceu ser uma tarde
muito longa, mas foi compensadora. O diagnóstico do especialista da equipe do
hospital foi perfeitamente correto como Jules pôde ver após os exames de raios
X e análise de laboratório.
No meio dos exames,
Johnny Fontane, com a boca embebida de iodo, vomitando o rolo de gaze colocado
em sua boca, tentou escapulir. Nino Valenti agarrou-o pelos ombros e obrigou-o
a sentar-se novamente na cadeira. Quando estava tudo terminado, Jules
arreganhou os dentes para Johnny e disse:
— Verrugas — Fontane
não entendeu. Jules falou novamente — Apenas algumas verrugas. Nós as
arrancaremos exatamente como pele de salsicha. Em poucos meses você estará bom.
Nino deixou escapar um
grito, mas Johnny ainda estava de cara feia.
— Será que poderei
cantar depois disso, será que afetará o meu canto?
Jules deu de ombros.
— Sobre isso não há
garantia. Mas como você não pode cantar agora, que diferença faz?
Johnny olhou para ele
com revolta.
— Menino, você não
sabe que diabo está dizendo. Você age como se tivesse dando boas notícias a
mim, quando o que está falando é que não vou
cantar mais. Isso é certo, talvez eu não possa mais cantar?
Finalmente, Jules
ficou realmente aborrecido. Procedera como um verdadeiro médico e isso tinha
sido um prazer. Fizera um grande favor a esse salafrário e Johnny estava se
comportando como se ele tivesse agido erradamente.
Jules disse friamente:
— Escute, Sr. Fontane,
sou formado em medicina, e você pode muito bem me chamar de médico e não de
menino. E eu lhe dei notícias muito boas. Quando eu o trouxe aqui, estava certo
de que você tinha uma excrescência maligna na laringe que poderia resultar na
extirpação de todo o seu aparelho vocal. Ou que o mataria. Estava preocupado
com o fato de que talvez tivesse de lhe dizer que você era um homem morto. E
senti-me muito feliz quando tive de dizer apenas “verrugas”. Porque a sua voz
de cantor me deu tanto prazer, me ajudou a seduzir garotas quando eu era mais
moço e você era um verdadeiro artista. Mas você também é um sujeito muito
mimado. Pensa que porque é Johnny Fontane não pode ter câncer? Ou um tumor
cerebral que não se pode operar? Ou um colapso cardíaco? Você pensa que não vai
morrer nunca? Bem, tudo na vida não é doce música, e se você quer ver uma
verdadeira complicação dê uma volta neste hospital e você cantará uma canção de
amor sobre verrugas. Assim, deixe de palhaçada e continue a fazer o que
realmente deve. O seu Adolphe Menjou médico pode arranjar-lhe o cirurgião
indicado, mas se ele tentar entrar na sala de operações, sugiro que você deve
mandar prendê-lo por tentativa de homicídio.
Jules começava a sair
do quarto, quando Nino exclamou:
— Aí, doutor, isso
mesmo é o que ele merece que se diga.
Jules virou-se para
ele e perguntou:
— Você sempre fica “na
água” antes do meio-dia?
— Sem dúvida —
respondeu Nino.
Arreganhou os dentes
com tão bom humor que Jules disse mais gentilmente do que pretendia:
— Você precisa pensar
que pode morrer dentro de cinco anos, se continuar assim.
Nino arrastou-se com
dificuldade até Jules, dando uns passos curtos de dança. Pôs os braços em volta
do médico, exalando um forte cheiro de uísque. e deu uma gostosa gargalhada,
perguntando:
— Cinco anos? Ainda
vou durar tanto tempo assim?
Um mês depois da
operação, Lucy Mancini estava sentada à beira da piscina do hotel de Las Vegas,
com uma mão segurando um coquetel e com a outra afagando a cabeça de Jules, que
repousava em seu colo.
— Você não precisa
reunir coragem assim — disse Jules irritado — Tenho champanha esperando por nós
no apartamento.
— Você tem certeza de
que já está bom tão cedo? — perguntou Lucy.
— Eu sou o médico —
respondeu Jules — Hoje é a grande noite. Você sabe que serei o primeiro
cirurgião na história da medicina que vai provar os resultados de sua operação
cirúrgica? Você sabe, conheço o antes e conhecerei agora o depois. Vou gostar
de escrever isso para as revistas especializadas. Vejamos, “enquanto o antes
era distintamente agradável por motivos psicológicos e refinamento do
cirurgião-instrutor, o coito pós-operatório era extremamente recompensador
rigorosamente por motivo neurológico” — ele parou de falar porque Lucy lhe
puxara o cabelo com bastante força para fazê-lo gritar de dor.
Ela sorriu para ele e
disse:
— Se você não ficar
satisfeito esta noite, posso realmente dizer que a culpa é sua.
— Garanto o meu
trabalho. Eu o planejei, embora tenha deixado o velho Kellner fazer o labor
manual — acentuou Jules — Agora descansemos
um pouco, temos uma longa noite de pesquisa pela frente.
Quando subiram para o
apartamento deles — estavam agora vivendo juntos — Lucy encontrou uma surpresa
à sua espera: uma saborosa ceia, e perto de sua taça de champanha um estojo
contendo um enorme anel de noivado de brilhantes.
— Isto mostra quanta
confiança tenho no meu trabalho — disse Jules — Agora quero ver você fazer por
merecê-lo.
Ele foi muito
carinhoso, muito gentil com ela. Lucy estava um pouco temerosa a princípio, a
sua carne como que fugindo ao tato dele, mas depois, tranqüilizada, sentiu o
corpo atingir uma paixão que ela jamais conhecera. Quando terminaram de fazer a
primeira vez, Jules sussurrou-lhe no ouvido:
— Fiz um bom trabalho.
Ela respondeu-lhe
também sussurrando:
— Oh, sim, você fez;
sim, você fez.
E riram um para o
outro quando começaram a fazer amor novamente.
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Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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