sexta-feira, 30 de março de 2012

Harry Potter e a Pedra Filosofal - Capítulo 10







— CAPÍTULO DEZ —
O Dia Das Bruxas



DRACO NÃO CONSEGUIA acreditar em seus olhos quando viu que Harry e Rony continuavam em Hogwarts no dia seguinte, parecendo cansados, mas absolutamente felizes. De fato, na manhã seguinte Harry e Rony começaram a achar que o encontro com o cachorro de três cabeças fora uma excelente aventura e estavam prontos para outra.
Entrementes, Harry contou a Rony sobre o pacotinho que parecia ter sido levado de Gringotes para Hogwarts, e passaram muito tempo pensando no que poderia precisar de tanta proteção.
— Ou é uma coisa realmente valiosa ou realmente perigosa — falou Rony.
— Ou as duas — acrescentou Harry.
Mas como só o que sabiam com certeza sobre o misterioso objeto era que media uns cinco centímetros de comprimento, não tinham muita possibilidade de adivinhar o seu conteúdo sem outras pistas. Nem Neville nem Hermione mostraram o menor interesse pelo que estava sob os pés do cachorro e do alçapão. Neville só estava interessado em quando iria chegar perto do cachorro outra vez. Hermione agora se recusava a falar com Harry e Rony, mas era uma menina tão mandona e metida a saber de tudo que eles encararam sua atitude como um prêmio. Agora só o que realmente queriam era descobrir um jeito de se vingar do Draco, e para sua grande satisfação, a oportunidade chegou pelo correio mais ou menos uma semana depois.
Quando as corujas invadiram o Salão como de costume, a atenção de todos foi atraída por um longo pacote carregado por seis corujonas.
Harry sentiu tanta curiosidade quanto os outros para ver o que havia no pacote e se surpreendeu quando as corujas desceram planando e o largaram bem diante dele, derrubando o seu bacon no chão. Mal tinham se afastado quando outra coruja deixou cair uma carta em cima do pacote. Harry abriu a carta primeiro, o que foi uma sorte, porque ela dizia:

NÃO ABRA O PACOTE À MESA. Ele contém a sua nova Nimbus 2000, mas não quero que todo o mundo saiba que você ganhou uma vassoura ou todos vão querer uma. Olívio Wood vai esperá-lo hoje à noite às sete horas no campo de Quadribol para a sua primeira sessão de treinamento.

Profª. Minerva McGonagall.

Harry teve dificuldade em esconder a alegria quando passou o bilhete para Rony ler.
— Uma Nimbus 2000! — Rony gemeu de inveja — Eu nunca nem pus a mão em uma.
Os dois saíram depressa do salão, querendo desembrulhar a vassoura sozinhos antes da primeira aula, mas no meio do Saguão de Entrada encontraram o caminho barrado por Crabbe e Goyle.
Draco tirou o pacote de Harry e apalpou-o.
— É uma vassoura — falou, atirando-o de volta a Harry com uma expressão de inveja e despeito no rosto — Você vai se ferrar desta vez, Potter, alunos do primeiro ano não podem ter vassouras.
Rony não conseguiu resistir.
— Não é uma vassoura velha qualquer, é uma Nimbus 2000. Que foi que você disse que tem em casa, Draco, uma Comet 260? — Rony riu para Harry — A Comet enche os olhos, mas não tem a mesma classe da Nimbus.
— Que é que você entende disso Weasley? Você não poderia comprar nem a metade do cabo. Vai ver você e seus irmãos têm que economizar para comprar palha por palha.
Antes que Rony pudesse responder, o Prof. Flitwick apareceu ao lado de Draco.
— Não estão brigando, meninos, espero — falou com voz esganiçada.
— Potter recebeu uma vassoura, professor — disse Draco, depressa.
— Eu sei — respondeu o Prof. Flitwick, abrindo um grande sorriso para Harry — A Profª. McGonagall me falou das circunstâncias especiais, Potter. E qual é o modelo?
— Uma Nimbus 2000, professor — informou Harry, lutando para não rir da expressão horrorizada no rosto de Draco — E, para falar a verdade, foi graças ao Draco aqui que ganhei a vassoura — acrescentou.
Harry e Rony subiram as escadas sufocando o riso diante da raiva e confusões visíveis de Draco.
— É verdade — disse Harry, caindo na gargalhada, quando chegaram ao alto da escadaria de mármore — Se ele não tivesse roubado o Lembrol do Neville, eu não estaria no time.
— Então suponho que você ache que ganhou um prêmio por desobedecer ao regulamento? — ouviu-se uma voz zangada logo atrás deles. Hermione subia com passos decididos a escadaria, olhando com desaprovação para o pacote nas mãos de Harry.
— Pensei que você não estava falando com a gente — comentou Harry.
— E continue a não falar — falou Rony — Está fazendo tanto bem a gente.
Hermione se afastou com o nariz empinado.
Harry teve muita dificuldade em se concentrar nas aulas daquele dia. Seus pensamentos não paravam de vagar até o dormitório onde guardara a vassoura debaixo da cama, ou de se desviarem para o campo de Quadribol onde iria aprender a jogar. Jantou depressa à noite, sem ao menos reparar no que estava comendo e, em seguida, correu até o quarto com Rony para finalmente desembrulhar a Nimbus 2000.
— Uau! — suspirou Rony, quando a vassoura apareceu na cama de Harry.
Até Harry, que não entendia nada de vassouras e suas diferenças, achou que a Nimbus tinha uma aparência fantástica. Aerodinâmica e reluzente com um cabo de mogno, a vassoura tinha uma longa cauda de palhas limpas e retas e a marca Nimbus 2000 escrita a ouro próximo ao punho.
Quando eram quase sete horas, Harry saiu do castelo e se dirigiu ao campo de Quadribol no lusco-fusco. Nunca estivera no estádio antes. Havia centenas de lugares em uma arquibancada em volta do campo de modo que os espectadores viam o que acontecia do alto. Em cada ponta do campo havia três balizas douradas com aros no topo, lembraram a Harry os canudinhos de plástico que as crianças trouxas usavam para soprar bolinhas de sabão, só que tinham mais de 15 metros de altura.
Ansioso demais para esperar Olívio sem voar, Harry montou a vassoura e deu um impulso. Que sensação, ele mergulhou pelas balizas, subiu e desceu pelo campo. A Nimbus 2000 ia aonde ele queria ao menor toque.
— Ei, Potter, desça!
Olívio Wood chegara. Carregava uma grande caixa de madeira debaixo do braço.
Harry pousou ao lado dele.
— Muito bom — comentou Olívio, os olhos brilhando — Estou vendo o que foi que McGonagall quis dizer... você realmente tem um talento natural. Hoje à noite só vou lhe ensinar as regras do jogo, depois você vem aos treinos do time três vezes por semana.
Ele abriu a caixa. Dentro havia quatro bolas de tamanhos diferentes.
— Certo — disse Olívio — O Quadribol é muito fácil de entender, mesmo que não seja fácil de jogar. Tem sete jogadores de cada lado. Três deles são artilheiros.
— Três artilheiros — Harry repetiu, enquanto Olívio apanhava uma bola muito vermelha do tamanho aproximado de uma bola de futebol.
— Esta bola se chama goles — explicou Olívio — Os artilheiros atiram a goles um para o outro e tentam metê-la em um dos aros para marcar um gol. Dez pontos todas as vezes que a goles passa por um dos aros. Está me acompanhando?
— Os artilheiros atiram a goles pelos aros para marcar pontos — repetiu Harry — Então é como um basquete com seis cestas e vassouras, não é?
— O que é basquete? — perguntou Olívio curioso.
— Deixa pra lá — disse Harry na mesma hora.
— Agora, tem outro jogador, um para cada lado, que é chamado goleiro. Eu sou o goleiro da Grifinória. Tenho que voar em volta dos aros para impedir que o outro time marque pontos.
— Três artilheiros, um goleiro — disse Harry, que estava decidido a decorar tudo — E jogam uma goles, Ok, entendi. E essas para que servem? — apontou para as três bolas restantes na caixa.
— Vou lhe mostrar agora. Segure aqui.
Ele entregou um pequeno bastão a Harry, meio parecido com um bastão de beisebol.
— Vou lhe mostrar o que os balaços fazem. Essas duas aqui são os balaços.
E mostrou a Harry duas bolas iguais, pretas e ligeiramente menores do que a goles vermelha. Harry reparou que elas pareciam estar fazendo força para se livrar das correntes que as prendiam na caixa.
— Fique longe — Olívio preveniu Harry. Ele se curvou e soltou um dos balaços.
Na mesma hora, a bola preta saiu voando e em seguida desceu direto contra o rosto de Harry. Harry golpeou-a como bastão para impedi-la de quebrar o seu nariz e mandou-a ziguezagueando para longe, ela passou veloz pelas cabeças deles e, em seguida, atirou-se contra Olívio, que mergulhou sobre ela e conseguiu imobilizá-la no chão.
— Está vendo? — Olívio ofegou, forçando o balaço indócil de volta à caixa e passando a correia para prendê-lo — Os balaços voam pelo ar tentando derrubar os jogadores das vassouras. É por isso que tem dois batedores em cada time. Os gêmeos Weasley são os nossos. A função deles é proteger o time dos balaços e tentar rebatê-los para o outro time. Então, acha que guardou tudo?
— Três artilheiros tentam marcar pontos com a goles, o goleiro guarda as balizas, os batedores afastam os balaços do seu time — Harry repetiu como um gravador.
— Muito bem.
— Hum... os balaços já mataram alguém? — perguntou Harry, esperando parecer displicente.
— Nunca em Hogwarts. Já tivemos uns queixos quebrados, mas nada mais sério. Agora, o último membro da equipe é o apanhador: você. E você não tem que se preocupar com a goles nem com os balaços.
— A não ser que rachem a minha cabeça.
— Não se preocupe, os Weasley são uma parada para os balaços, quero dizer, eles parecem uns balaços humanos.
Olívio meteu a mão no caixote e tirou a quarta e última bola. Comparada com a goles e os balaços, era pequenininha, mais ou menos do tamanho de uma noz. Era de ouro polido e tinha asinhas de prata que se agitavam.
— Este é o Pomo de Ouro, e é a bola mais importante de todas. É muito difícil de se apanhar porque é veloz e pouco visível. A função dos apanhadores é agarrá-la. Eles têm que se meter entre os artilheiros, batedores, balaços e a goles para agarrá-lo antes do apanhador do time contrário, porque o apanhador que agarra o Pomo ganha para o seu time mais cento e cinquenta pontos, o que praticamente lhe dá a vitória. É por isso que os apanhadores levam tantas faltas. Um jogo de Quadribol só termina quando o Pomo é apanhado, o que pode demorar uma eternidade. Acho que o recorde é três meses e precisaram arranjar substitutos para os jogadores poderem dormir um pouco — explicou Olívio — É isso aí, alguma pergunta?
Harry sacudiu a cabeça. Compreendeu muito bem o que tinha de fazer. Fazer é que ia ser o problema.
— Não vamos praticar com o pomo — disse Olívio, guardando-o cuidadosamente de volta na caixa — Está escuro demais e poderíamos perdê-lo. Vamos experimentar com outras bolas.
E tirou do bolso um saco de bolas comuns de golfe e alguns minutos depois ele e Harry estavam no ar, Olívio atirando as bolas com toda a força para todos os lados e Harry apanhando-as. Harry não perdeu nenhuma, e Olívio ficou encantado. Passou-se meia hora, a noite chegou e eles não puderam continuar.
— Aquela Taça de Quadribol terá o nosso nome este ano — disse Olívio feliz quando voltavam cansados ao castelo — Eu não me espantaria se você se saísse melhor que Carlinhos, e ele poderia ter jogado na seleção da Inglaterra se não tivesse ido embora caçar dragões.

* * *

Talvez fosse porque agora andava muito ocupado com o treino de Quadribol três noites por semana além dos deveres de casa, mas Harry nem acreditou quando se deu conta de que já estava em Hogwarts havia dois meses. O castelo parecia mais sua casa do que a casa da tia na Rua dos Alfeneiros. As aulas, também, estavam se tornando cada dia mais interessantes, agora que dominara os conhecimentos básicos.
Na manhã do Dia das Bruxas eles acordaram com um delicioso cheiro de abóbora assada que se espalhava pelos corredores.
E, o que era ainda melhor, o Prof. Flitwick anunciou na aula de Feitiços que, em sua opinião, os alunos estavam prontos para começar a fazer objetos voarem, uma coisa que andavam morrendo de vontade de experimentar desde que viram o professor fazer o sapo de Neville sair voando pela sala.
O Prof. Flitwick dividiu a turma em pares para praticar. O parceiro de Harry foi Simas Finnigan (um alívio, porque Neville tinha tentado atrair sua atenção). Mas Rony teria que trabalhar com Hermione Granger. Era difícil dizer se era Rony ou Hermione que estava mais aborrecido com isso. Ela não falava com nenhum dos dois desde o dia em que a vassoura de Harry chegara.
— Agora, não se esqueçam daquele movimento com o pulso que praticamos! — falou esganiçado o Prof. Flitwick, como sempre empoleirado no alto da pilha de livros — Gira e sacode, lembrem-se, gira e sacode. E digam as palavras mágicas corretamente, é muito importante, também, lembrem-se do bruxo Barrufo, que disse “s” em vez de “f” e quando viu estava no chão com um búfalo em cima do peito.
Era muito difícil. Harry e Simas giraram e sacudiram o pulso, mas a pena que deviam mandar para o alto continuava parada em cima da mesa. Simas ficou tão impaciente que a empurrou com a varinha e tocou fogo nela. Harry teve que apagar o fogo com o chapéu.
Rony na mesa ao lado, não estava tendo muita sorte.
— Vingardium lenviosa! — ordenou, sacudindo os braços compridos como pás de moinho.
— Você está dizendo o feitiço errado — Harry ouviu Hermione corrigir aborrecida — É vin-gar-dium levi-o-sa. É bem pronunciado e longo.
— Diz você então, que é tão sabichona — retrucou Rony.
Hermione enrolou as mangas das vestes, bateu a varinha e disse:
Vingardium leviosa!
A pena se ergueu da mesa e pairou a mais de um metro acima da cabeça deles.
— Ah, muito bem! — exclamou o Prof. Flitwick, batendo palmas — Pessoal, olhe aqui, a Hermione Granger conseguiu!
Rony estava de muito mau humor na altura em que a aula terminou.
— Não admira que ninguém suporte ela — disse a Harry quando procuravam chegar ao corredor — Francamente, ela é um pesadelo.
Alguém deu um esbarrão em Harry ao passar.
Era Hermione.
Harry viu seu rosto de relance e ficou assustado ao ver que ela estava chorando.
— Acho que ela ouviu o que você disse.
— E daí! — mas pareceu meio sem graça — Ela já deve ter reparado que não tem amigos.
Hermione não apareceu na aula seguinte e ninguém a viu a tarde inteira. Ao descerem ao Salão Principal para a Festa das Bruxas, Harry e Rony ouviram Parvati contar à amiga Lilá que Hermione estava chorando no banheiro das meninas e queria que a deixassem em paz. Rony ficou ainda mais sem graça ao ouvir isso, mas no momento seguinte entraram no Salão Principal, onde as decorações do Dia das Bruxas tiraram Hermione de suas cabeças.
Mil morcegos vivos esvoaçavam nas paredes e no teto e outros mil mergulhavam sobre as mesas em nuvens negras e baixas, fazendo dançarem as velas dentro das abóboras. A comida apareceu de repente nos pratos de ouro, como acontecera no banquete de abertura das aulas.
Harry estava se servindo de uma batata assada em casca quando o Prof. Quirrell entrou correndo no Salão, o turbante torto na cabeça e o terror estampado no rosto. Todos olharam quando ele se aproximou da cadeira de Dumbledore, escorou-se na mesa e ofegou.
Trasgo... nas masmorras... achei que devia lhe dizer — em seguida desabou no chão desmaiado.
Houve um alvoroço. Foi preciso explodirem várias bombinhas da ponta da varinha do Prof. Dumbledore para as pessoas fazerem silêncio.
— Monitores — disse ele com voz grave e retumbante — Levem os alunos de suas casas de volta aos dormitórios, imediatamente!
Era com Percy mesmo.
— Me acompanhem! Fiquem juntos, alunos do primeiro ano! Não precisam ter medo do trasgo se seguirem as minhas ordens! Agora fiquem bem atrás de mim. Abram caminho para os alunos do primeiro ano passarem! Com licença, sou o monitor!
— Como é que um trasgo pode entrar? — perguntou Harry enquanto subiam a escadaria.
— Não me pergunte, dizem que eles são bem burros — respondeu Rony — Vai ver o Pirraça deixou ele entrar para pregar uma peça no Dia das Bruxas.
Eles passaram por diferentes grupos de pessoas que se apressavam em diferentes direções. Enquanto lutavam para passar por um bolinho de alunos de Lufa-Lufa, Harry de repente agarrou o braço de Rony.
— Acabei de me lembrar da Hermione.
— O que tem ela?
— Ela não sabe que tem um trasgo aqui.
Rony mordeu o lábio.
— Ah, está bem — falou ríspido — Mas é melhor Percy não ver a gente.
Abaixando-se, eles se misturaram aos alunos da Lufa-Lufa que iam à direção contrária, escapuliram por um lado deserto do corredor e correram para os banheiros das meninas. Tinham acabado de virar um canto quando ouviram passos apressados atrás deles.
— Percy! — sibilou Rony, puxando Harry para trás de um enorme grifo de pedra.
Espiando para os lados, no entanto, viram não Percy, mas Snape. Ele atravessou o corredor e desapareceu de vista.
— Que é que ele está fazendo? — cochichou Harry — Por que não está lá embaixo com os outros professores?
— Não me pergunte.
O mais silenciosamente possível, eles se esgueiraram pelo próximo corredor nas pegadas de Snape.
— Ele está indo para o terceiro andar — disse Harry, mas Rony levantou a mão.
— Você está sentindo um cheiro?
Harry fungou e um fedor horrível invadiu suas narinas, uma mistura de meias velhas e banheiro público que parece que nunca é limpo. E em seguida ouviram um grunhido baixo e passadas de pés gigantescos.
Rony apontou no fim do corredor, à esquerda, alguma coisa enorme estava vindo em sentido contrário. Eles se encolheram no escuro e procuraram ver o que era quando a coisa passou por um trecho iluminado pelo luar.
Era uma visão medonha. Quase quatro metros de altura, a pele cinzenta e baça, o corpanzil cheio de calombos como um pedregulho e uma cabecinha no alto, que mais parecia um coco. Tinha pernas curtas, grossas como um tronco de árvore e pés chatos e calosos. Segurava um enorme bastão de madeira, que arrastava pelo chão, porque seus braços eram compridíssimos.
O trasgo parou próximo a uma porta e espiou para dentro. Abanou as longas orelhas, tentando fazer a cabeça minúscula pensar, depois entrou devagar na sala.
— A chave está na porta — murmurou Harry — Podíamos trancá-lo lá dentro.
— Boa ideia — concordou Rony, nervoso.
Eles se esgueiraram até a porta aberta, as bocas secas, rezando para o trasgo não resolver sair naquele instante. Com um grande salto, Harry conseguiu agarrar a chave, bater a porta e trancá-la seguramente.
— Pronto!
Afogueados com a vitória, começaram a correr de volta pelo corredor, mas ao chegarem num canto ouviram uma coisa que fez seus corações pararem, um grito alto e enregelante, e vinha da sala que tinham acabado de trancar.
— Ah, não — exclamou Rony, pálido como o Barão Sangrento.
— Vêm do banheiro das meninas.
— Hermione!— disseram os dois juntos.
Era a última coisa que queriam fazer, mas que escolha tinham? Dando meia-volta, correram até a porta e giraram a chave, atrapalhados de tanto pânico. Harry escancarou aporta e entraram correndo.
Hermione estava encolhida contra a parede oposta, parecendo prestes a desmaiar. O trasgo avançava para ela, derrubando as pias que estavam na parede em seu caminho.
— Distraia ele!— Harry pediu desesperado a Rony, e, agarrando uma torneira, atirou-a com toda a força contra a parede.
O trasgo parou a um metro de Hermione. Virou-se com lentidão, piscando sem entender, procurou ver que barulho era aquele. Seus olhinhos malvados viram Harry. Ele hesitou, em seguida partiu para cima de Harry, erguendo o bastão.
— Oi cabeça de ervilha! — berrou Rony do outro lado do banheiro, e atirou contra ele um cano de metal.
O trasgo nem pareceu sentir o cano bater no seu ombro, mas ouviu o berro e parou outra vez, virando o focinho feio para Rony, e dando a Harry tempo para correr em volta dele.
— Vamos, corra, corra! — Harry gritou para Hermione, tentando puxá-la na direção da porta, mas ela não conseguia se mexer continuava achatada contra a parede, a boca aberta de terror.
Os gritos e os ecos pareciam estar deixando o trasgo enlouquecido. Ele rugiu de novo e avançou para Rony que estava mais perto e não tinha jeito de escapar.
Harry então fez uma coisa que era ao mesmo tempo muito corajosa e muito idiota, tomou impulso e deu um salto conseguindo abraçar o pescoço do trasgo pelas costas. O trasgo não sentiu Harry pendurar-se ali, mas até um trasgo percebe quando se espeta um pedaço comprido de pau dentro da narina, e a varinha de Harry ainda estava na mão quando ele saltou e entrou direto na narina do trasgo.
Urrando de dor, o trasgo se virou e brandiu o bastão, enquanto Harry continuava agarrado nele tentando escapar da morte, a qualquer instante, o trasgo ia arrancá-lo do pescoço ou dar-lhe uma tremenda porretada.
Hermione afundara no chão de tanto medo, Rony puxou a própria varinha sem saber o que ia fazer, ouviu-se gritando o primeiro feitiço que e veio a cabeça:
Vingardium leviosa!
Na mesma hora o bastão voou da mão do trasgo, ergueu-se no ar, foi subindo, subindo, virou-se lentamente e caiu, com um barulho feio, na cabeça do seu dono. O trasgo cambaleou e, em seguida, caiu de cara no chão, com um baque que fez o banheiro todo sacudir.
Harry se levantou. Tremia sem fôlego. Rony continuava parado com a varinha no ar, espantado como que fizera.
Foi Hermione quem falou primeiro.
— Ele está... morto?
— Acho que não — respondeu Harry — Acho que só perdeu os sentidos.
Ele se abaixou e puxou a varinha da narina do trasgo. Estava suja de uma coisa que parecia uma cola grumosa.
— Eca... meleca de trasgo.
E limpou a varinha nas calças do trasgo.
De repente o barulho de portas batendo e passos pesados fizeram os três erguerem a cabeça. Não haviam percebido a confusão que tinham aprontado, mas com certeza alguém lá embaixo ouvira a pancadaria e os urros do trasgo. Um instante depois a Profª. McGonagall adentrou o banheiro, seguida de perto por Filch e Quirrell, que fechava a fila. Quirrell deu uma espiada no trasgo, soltou um gemidinho e sentou-se depressa em um vaso sanitário, apertando o peito.
Filch debruçou-se sobre o trasgo. A Profª. McGonagall ficou olhando para Rony e Harry. Harry nunca a vira tão zangada. Seus lábios estavam brancos. A esperança de ganhar cinqüenta pontos para Grifinória desapareceu logo da cabeça de Harry.
— O que é que vocês estavam pensando? — perguntou a Profª. McGonagall, com uma fúria reprimida na voz, Harry olhou para Rony, que continuava parado com a varinha no ar — Vocês tiveram sorte de não serem mortos. Por que é que não estão no dormitório?
Filch lançou a Harry um olhar rápido e penetrante. Harry olhou para o chão. Desejou que Rony baixasse a varinha. Então se ouviu uma vozinha que veio das sombras.
— Por favor, Profª. McGonagall, eles vieram me procurar.
— Srta. Granger!
Hermione conseguira finalmente se levantar.
— Sai procurando o trasgo porque achei que podia enfrentá-lo sozinha. Sabe, já li tudo sobre trasgos.
Rony deixou a varinha cair. Hermione Granger, contando uma mentira deslavada a um professor?
— Se eles não tivessem me encontrado eu estaria morta agora. Harry enfiou a varinha na narina do trasgo e Rony derrubou ele com o próprio bastão. Não tiveram tempo de chamar ninguém. O trasgo ia acabar comigo quando eles chegaram.
Harry e Rony tentaram fingir que a história não era novidade para eles.
— Bem... nesse caso... — disse a Profª. McGonagall encarando os três — Srta. Granger, que bobagem, como pôde pensar em enfrentar um trasgo montanhês sozinha?
Hermione baixou a cabeça.
Harry perdera a fala. Hermione era a última pessoa do mundo que desobedeceria ao regulamento e ali estava fingindo que desobedecera, para tirá-los de uma enrascada. Era o mesmo que o Snape começar a distribuir balinhas.
— Hermione Granger, Grifinória vai perder cinco pontos por isso — disse a Profª. McGonagall — Estou muito desapontada. Se não estiver machucada é melhor ir embora para a Torre da Grifinória. Os alunos estão acabando de festejar o Dia das Bruxas em suas Casas.
Hermione se retirou.
A Profª. McGonagall virou-se para Harry e Rony.
— Bem, eu continuo achando que vocês tiveram sorte, mas não há muitos alunos do primeiro ano que pudessem enfrentar um trasgo montanhês adulto. Cada um de vocês ganha cinco pontos para Grifinória. O Prof. Dumbledore será informado. Podem ir.
Eles saíram depressa do banheiro e não falaram nada até subirem dois andares. Foi um alivio se afastarem do fedor do trasgo, para não falar do resto.
— Devíamos ter ganho mais de dez pontos — resmungou Rony.
— Cinco, você quer dizer, depois de descontar os pontos que Hermione perdeu.
— Foi legal ela ter-nos tirado do aperto — admitiu Rony — Mas não se esqueça, salvamos a vida dela.
— Talvez ela não precisasse ser salva se não tivéssemos trancado a coisa com ela — lembrou Harry.
Tinham chegado ao retrato da Mulher Gorda.
Focinho de porco — disseram e entraram.
A Sala Comunal estava cheia e barulhenta. Todo o mundo estava comendo o jantar que fora mandado para lá.
Hermione, porém, estava parada sozinha do lado da porta, esperando por eles. Houve um silêncio constrangido. Depois, sem se olharem, todos disseram “Obrigado!” e correram para apanhar os pratos. Mas daquele momento em diante, Hermione Granger tornou-se amiga dos dois.
Há coisas que não se pode fazer junto sem acabar gostando um do outro, e derrubar um trasgo montanhês de quase quatro metros de altura é uma dessas coisas.









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quinta-feira, 29 de março de 2012

Harry Potter e a Pedra Filosofal - Capítulo 9







— CAPÍTULO NOVE —
O Duelo À Meia-Noite



HARRY JAMAIS ACREDITARA que fosse encontrar um garoto que ele detestasse mais do que Duda, mas isto foi antes de conhecer Draco. Os alunos do primeiro ano da Grifinória, porém, só tinham uma aula com os da Sonserina, a de Poções, por isso não precisavam aturar Draco muito tempo. Ou pelo menos, não precisavam até ver um aviso pregado no Salão Comunal da Grifinória que fez todos gemerem. As aulas de voo começariam na Quinta-Feira e os alunos das duas casas aprenderiam juntos.
— Típico — disse Harry desanimado — É o que eu sempre quis, fazer papel de palhaço montado numa vassoura na frente do Draco.
Ele estivera ansioso para aprender a voar, mais do que qualquer outra coisa.
— Você não sabe se vai fazer papel de palhaço — disse Rony sensato — Em todo o caso, sei que Draco vive falando que é bom em Quadribol, mas aposto que é conversa fiada.
Draco sem dúvida falava muito de voos. Queixava-se em voz alta que os alunos do primeiro ano nunca entravam para o time de Quadribol e se gabava em longas histórias, que sempre pareciam terminar com ele escapando por um triz dos trouxas de helicóptero. Mas ele não era o único, pelo que Simas Finnigan contava, ele passara a maior parte da infância voando pelo campo montado numa vassoura. Até Rony contava para quem quisesse ouvir sobre a vez em que ele quase batera numa asa delta montado na velha vassoura de Carlinhos.
Todos os garotos de famílias de bruxos falavam o tempo todo de Quadribol. Rony já tivera uma grande discussão sobre futebol com Dino Thomas, que também usava o dormitório deles. Rony não via nada excitante em um jogo em que ninguém podia voar e só tinha uma bola. Harry surpreendera Rony cutucando o pôster em que Dino aparecia com o time de futebol de West Ham, tentando fazer os jogadores se mexerem.
Neville nunca andara de vassoura na vida, porque a avó nunca o deixara chegar perto de uma. No fundo, Harry achava que ela estava certíssima, porque Neville conseguira sofrer um número impressionante de acidentes mesmo com os dois pés no chão.
Hermione Granger estava quase tão nervosa quanto Neville com a ideia de voar. Isto não era coisa que se aprendesse de cor em um livro, não que ela não tivesse tentado. No café da manhã de Quinta-Feira, deu um cansaço neles falando sobre macetes de voo que lera em um livro da biblioteca chamado Quadribol Através dos Séculos. Neville praticamente se pendurava em cada palavra que ela dizia, desesperado para aprender qualquer coisa que o ajudasse a se segurar na vassoura mais tarde, mas todos os outros ficaram muito felizes quando a conferência de Hermione foi interrompida pela chegada do correio.
Harry não recebera nenhuma carta desde o bilhete de Hagrid, uma coisa que Draco não demorara nada a notar, é claro. A coruja de Draco estava sempre lhe trazendo de casa pacotes de doces, que ele abria fazendo farol na mesa da Sonserina.
Uma coruja de curral trouxe para Neville um pacotinho da avó. Ele o abriu excitado e mostrou a todos uma bolinha de vidro do tamanho de uma bola de gude grande, que parecia cheia de fumaça branca.
— É um Lembrol! — explicou ele — Vovó sabe que sou esquecido. Isto serve para avisar que a gente esqueceu de fazer alguma coisa. Olhe, aperte assim e se ele fica vermelho, ah... — e ficou sem graça, porque o Lembrol de repente emitiu uma luz escarlate —... Você esqueceu alguma coisa...
Neville estava tentando se lembrar do que esquecera quando Draco, que ia passando pela mesa da Grifinória, arrancou o Lembrol de sua mão.
Harry e Rony puseram-se imediatamente de pé. Andavam querendo um motivo para brigar com Draco, mas a Profª. McGonagall, que era capaz de identificar uma confusão mais depressa do que qualquer outro professor da escola, num segundo estava lá.
— Que é que está acontecendo?
— Draco tirou o meu Lembrol, professora.
Mal-Humorado, Draco mais do que depressa largou o Lembrol na mesa.
— Só estava olhando — falou, e saiu de fininho com Crabbe e Goyle na esteira.
Às três e meia, aquela tarde, Harry, Rony e os outros garotos da Grifinória desceram correndo as escadas que levavam para fora do castelo para a primeira aula de voo. Era um dia claro, com uma brisa fresca e a grama ondeava pelas encostas sob seus pés ao caminharem em direção a um gramado plano que havia do lado oposto à Floresta Proibida, cujas árvores balançavam sinistramente a distância.
Os garotos da Sonserina já estavam lá, bem como as vinte vassouras arrumadas em fileiras no chão. Harry ouvira Fred e Jorge Weasley se queixarem das vassouras da escola, dizendo que havia umas que começavam a vibrar quando voavam muito alto, ou sempre repuxavam ligeiramente para a esquerda. A professora, Madame Hooch, chegou. Tinhas cabelos curtos e grisalhos e olhos amarelos como os de um falcão.
— Vamos, o que é que estão esperando? — perguntou com rispidez — Cada um ao lado de uma vassoura. Vamos, andem logo.
Harry olhou para a vassoura. Era velha e tinha algumas palhas espetadas para fora em ângulos estranhos.
— Estiquem a mão direita sobre a vassoura — mandou Madame Hooch diante deles — E digam “Em pé!”.
— EM PÉ! —— gritaram todos.
A vassoura de Harry pulou imediatamente para sua mão, mas foi uma das poucas que fez isso. A de Hermione Granger simplesmente se virou no chão e a de Neville nem se mexeu. Talvez as vassouras como os cavalos, percebessem quando a pessoa estava com medo, pensou Harry, havia um tremor na voz de Neville, que dizia com demasiada clareza que ele queria manter os pés no chão.
Madame Hooch, em seguida, mostrou-lhes como montar as vassouras sem escorregar pela outra extremidade, e passou pelas fileiras de alunos corrigindo a maneira de segurá-la. Harry e Rony ficaram contentes quando ela disse a Draco que ele segurava a vassoura errado havia anos.
— Agora, quando eu apitar, deem um impulso forte com os pés — disse a professora — Mantenham as vassouras firmes, saiam alguns centímetros do chão e voltem a descer curvando o corpo um pouco para frente. Quando eu apitar... três... dois...
Mas Neville, nervoso, assustado, e com medo que a vassoura o largasse no chão, deu um impulso forte antes mesmo de o apito tocar os lábios de Madame Hooch.
— Volte, menino! — gritou ela, mas Neville subiu como uma rolha que sai sob pressão da garrafa, quatro metros, seis metros.
Harry viu a cara de Neville branca de medo espiando para o chão enquanto ganhava altura, viu-o exclamar, escorregar de lado para fora da vassoura e...
BUM!
Um baque surdo, um ruído de fratura e Neville caindo de borco na grama, estatelado. Sua vassoura continuou a subir cada vez mais alto e começou a flutuar sem pressa em direção à Floresta Proibida e desapareceu de vista.
Madame Hooch se debruçou sobre Neville, o rosto tão branco quanto o dele.
— Pulso quebrado — Harry ouviu-a murmurar — Vamos, menino, levante-se.
Virou-se para o restante da classe.
— Nenhum de vocês vai se mexer enquanto levo este menino a Ala Hospitalar! Deixem as vassouras onde estão ou vão ser expulsos de Hogwarts antes de poderem dizer “Quadribol”. Vamos, querido.
Neville, o rosto manchado de lágrimas, segurando o pulso, saiu mancando em companhia de Madame Hooch, que o abraçava pelos ombros. Assim que se distanciaram e ficaram fora do campo de audição da classe, Draco caiu na gargalhada.
— Vocês viram a cara dele, o panaca?
Os outros alunos da Sonserina fizeram coro.
— Cala a boca, Draco — retrucou Parvati Patil.
— Uuuu, defendendo o Neville? — disse Pansy Parkinson, uma aluna da Sonserina de feições duras — Nunca pensei que você gostasse de manteiguinhas derretidas, Parvati.
— Olhe! — disse Draco, atirando-se para frente e recolhendo alguma coisa na grama — É aquela porcaria que a avó do Neville mandou.
O Lembrol cintilou ao sol quando o garoto o ergueu.
— Me dá isso aqui, Draco — falou Harry em voz baixa.
Todos pararam de conversar para espiar, Draco soltou uma risadinha malvada.
— Acho que vou deixá-la em algum lugar para Neville apanhar, que tal em cima de uma árvore?
— Me dá isso aqui — berrou Harry, mas Draco montara na vassoura e saíra voando. Ele não mentira, sabia voar bem, e planando ao nível dos ramos mais altos de um carvalho desafiou — Venha buscar, Potter!
Harry agarrou a vassoura.
— Não! — gritou Hermione Granger — Madame Hooch disse para a gente não se mexer Vocês vão nos meter numa enrascada.
Harry não lhe deu atenção. O sangue palpitava em suas orelhas. Ele montou a vassoura, deu um impulso com força e subiu, subiu alto, o ar passou veloz pelo seu cabelo e suas vestes se agitaram com força para trás e numa onda de feroz alegria ele percebeu que encontrara alguma coisa que era capaz de fazer sem ninguém lhe ensinar. Isto era fácil, era maravilhoso. Puxou a vassoura para o alto para subir ainda mais e ouviu gritos e exclamações das garotas lá no chão e um viva de admiração do Rony. Virou a vassoura com um gesto brusco ficando de frente para Draco, que planava no ar. O garoto estava abobalhado.
— Me dá isso aqui — mandou Harry — Ou vou derrubar você dessa vassoura!
— Ah é? — retrucou Draco, tentando caçoar, mas parecendo preocupado.
Harry de alguma maneira sabia o que fazer. Curvou-se para frente, segurou a vassoura com firmeza com as duas mãos e ela disparou na direção de Draco como uma lança. Draco só conseguiu escapar por um triz. Harry fez uma curva fechada e manteve a vassoura firme. Algumas pessoas no chão aplaudiam.
— Aqui não tem Crabbe nem Goyle para salvarem sua pele, Draco — berrou Harry.
O mesmo pensamento parecia ter ocorrido a Draco.
— Apanhe se puder, então! — gritou, e atirou a bolinha de cristal no ar e voltou para o chão.
Harry viu, como se fosse em câmara lenta, a bolinha subir no ar e começar a cair. Ele se curvou para frente e apontou o cabo da vassoura para baixo, no instante seguinte estava ganhando velocidade num mergulho quase vertical, apostando corrida com a bolinha. O vento assobiava em suas orelhas, misturado aos gritos das pessoas que olhavam, ele esticou a mão a uns trinta centímetros do solo agarrou-a, bem em tempo de levar a vassoura à posição vertical, e caiu suavemente na grama com o Lembrol salvo e seguro na mão.
— HARRY POTTER!
Ele perdeu a animação mais depressa do que quando mergulhara.
A Profª. McGonagall vinha correndo em direção à turma.
Ele se levantou tremendo.
— Nunca... em todo o tempo que estou em Hogwarts... — a Profª. McGonagall quase perdeu a fala de espanto e seus óculos cintilavam sem parar —... Como é que você se atreve... podia ter partido o pescoço...
— Não foi culpa dele, professora...
— Calada, Srta. Patil...
— Mas Draco...
— Chega, Sr. Weasley, Potter me acompanhe, agora.
Harry viu as caras vitoriosas de Draco, Crabbe e Goyle ao sair acompanhando, espantado, a Profª. McGonagall, que seguiu para o castelo. Ia ser expulso, sabia. Queria dizer alguma coisa para se defender, mas parecia ter acontecido alguma coisa com a sua voz.
A Profª. McGonagall caminhava decidida, sem nem olhar para trás, ele tinha que correr para acompanhar seu passo. Agora se enrascara. Não tinha durado nem duas semanas. Estaria fazendo as malas dali a dez minutos. Que iriam dizer os Dursley quando ele aparecesse à porta da casa? Subiram os degraus da entrada, subiram a escadaria de mármore, e a Profª. McGonagall continuava a não dizer nada. Escancarava portas e marchava pelos corredores com Harry trotando infeliz atrás dela. Talvez ela o levasse a Dumbledore. Pensou em Hagrid, aluno expulso a quem tinham permitido continuar na escola como guarda-caça. Talvez virasse assistente de Hagrid. Seu estômago revirava só de pensar, observando Rony e os outros se tornarem bruxos enquanto ele andava pela propriedade carregando a bolsa de Hagrid.
A Profª. McGonagall parou à porta de uma sala de aula. Abriu a porta e meteu a cabeça para dentro.
— Com licença, Prof. Flitwick, posso pedir o Wood emprestado por um instante?
“Wood?” pensou Harry, intrigado, Wood seria alguma coisa que ela ia usar para castigá-lo? Mas Wood afinal era uma pessoa, um menino forte do quinto ano, que saiu da sala de Flitwick parecendo confuso.
— Vocês dois me sigam — disse a Profª. McGonagall, e continuaram todos pelo corredor, Wood examinando Harry com curiosidade — Entrem.
A Profª. McGonagall indicou uma sala de aula que estava vazia exceto por Pirraça, que se ocupava em escrever palavrões no quadro-negro.
— Fora, Pirraça! — ordenou ela.
Pirraça atirou o giz em uma cesta, produzindo um eco metálico e alto, e saiu xingando. A Profª. McGonagall bateu a porta atrás dele e virou-se para encarar os dois garotos.
— Harry Potter, este é Olívio Wood. Olívio... encontrei um apanhador para você.
A expressão de Olívio mudou de confusão para prazer.
— Está falando sério, professora?
— Seríssimo — resumiu a Profª. McGonagall — O menino tem um talento natural. Nunca vi nada parecido. Foi a primeira vez que montou numa vassoura, Harry?
Harry confirmou com a cabeça. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, mas parecia que não estava sendo expulso, e começou a recuperar um pouco da sensibilidade nas pernas.
— Ele apanhou aquela coisa com a mão depois de um mergulho de mais de 15 metros — a Profª. McGonagall contou a Wood.
— Não sofreu um único arranhão. Nem Carlinhos Weasley seria capaz de fazer igual.
Olívio parecia agora alguém cujos sonhos tinham virado realidade, todos ao mesmo tempo.
— Você já assistiu a um jogo de Quadribol, Potter? — perguntou excitado.
— Wood é o capitão do time da Grifinória — explicou a Profª. McGonagall.
— E tem o físico perfeito para um apanhador — acrescentou Olívio agora andando a volta de Harry, examinando-o — Leve, veloz, vamos ter de arranjar uma vassoura decente para ele, professora, uma Nimbus 2000 ou uma Cleansweep 7, na minha opinião.
— Vou conversar com o Prof. Dumbledore e ver se podemos contornar o regulamento para o primeiro ano. Deus sabe que precisamos de um time melhor do que o do ano passado. Esmagado naquele último jogo contra os sonserinos. Mal consegui encarar Severo Snape no rosto durante semanas...
A Profª. McGonagall espiou Harry com severidade por cima dos óculos.
— Quero ouvir falar que você está treinando com vontade, Potter, ou posso mudar de ideia quanto ao castigo que merece.
Então, inesperadamente, ela sorriu.
— Seu pai teria ficado orgulhoso. Era um excelente jogador de Quadribol.

* * *

— Você está brincando!
Era hora do jantar. Harry acabara de contar a Rony o que acontecera quando deixara os jardins da propriedade com a Profª. McGonagall. Rony tinha um pedaço de bife e pastelão de rins a meio caminho da boca, mas esqueceu o que estava fazendo.
— Apanhador? — exclamou — Mas os alunos do primeiro ano nunca... você vai ser o jogador da Casa mais novo do último...
— Século — completou Harry, enfiando o pastelão na boca. Sentia-se particularmente faminto depois da agitação da tarde — Olívio me disse.
Rony estava tão admirado, tão impressionado, que ficou ali sentado de boca aberta para Harry.
— Vou começar a treinar na próxima semana — anunciou Harry — Só não conte a ninguém, Olívio quer fazer segredo.
Fred e Jorge Weasley entraram nesse momento no salão, viram Harry e foram depressa falar com ele.
— Grande lance — falou Jorge em voz baixa — Olívio nos contou. Estamos no time também... Batedores.
— Sabe de uma coisa, tenho certeza de que vamos ganhar a Taça de Quadribol deste ano — disse Fred — Não ganhamos desde que Carlinhos terminou a escola, mas o time deste ano vai ser brilhante. Você deve ser bom, Harry, Olívio estava quase dando pulinhos quando nos contou.
— Em todo o caso, temos de ir, Lino Jordan acha que encontrou uma nova passagem secreta para sair da escola.
Fred e Jorge mal tinham desaparecido quando alguém menos bem-vindo apareceu: Draco, ladeado por Crabbe e Goyle.
— Comendo a última refeição, Potter? Quando vai pegar o trem de volta para a terra dos trouxas?
— Você está bem mais corajoso agora que voltou ao chão e está acompanhado por seus amiguinhos — disse Harry tranquilo.
Não havia nada “inho” em Crabbe nem em Goyle, mas como a Mesa Principal estava repleta de professores, os garotos só podiam estalar as juntas e fazer cara feia.
— Enfrento você a qualquer hora sozinho — disse Draco — Hoje à noite, se você quiser. Duelo de bruxos. Só varinhas, sem contato. Que foi? Nunca ouviu falar de duelo de bruxos, suponho?
— Claro que já — respondeu Rony virando-se — Vou ser o padrinho dele, quem vai ser o seu?
Draco mirou Crabbe e Goyle medindo-os.
— Crabbe, meia-noite está bem? Nos encontramos na Sala de Troféus, está sempre destrancada.
Quando Draco foi embora, Rony e Harry se entreolharam.
— O que é um duelo de bruxos? — perguntou Harry — E o que você quis dizer quando se ofereceu para ser meu padrinho?
— Bom, o padrinho fica lá para tomar o seu lugar se você morrer — disse Rony com displicência, começando finalmente a comer o pastelão frio. Surpreendido com a expressão no rosto de Harry, acrescentou bem depressa — Mas as pessoas só morrem em duelos de verdade, sabe, com bruxos de verdade. O máximo que você e Draco conseguirão fazer será atirar fagulhas um no outro. Nenhum dos dois conhece magia suficiente para fazer estragos. Mas aposto que ele esperava que você recusasse.
— E se eu agitar minha varinha e nada acontecer?
— Jogue a varinha fora e meta-lhe um soco na cara — sugeriu Rony.
— Com licença.
Os dois ergueram os olhos.
Era Hermione Granger.
— Será que a pessoa não pode comer sossegada neste lugar? — exclamou Rony.
Hermione não ligou para ele e se dirigiu a Harry.
— Não pude deixar de ouvir o que você e Draco estavam dizendo...
— Aposto que podia — resmungou Rony.
— E você não deve andar pela escola à noite, pense nos pontos que vai perder para a Grifinória se for pego, vai ser muito egoísmo da sua parte.
— É, para falar a verdade, não é da sua conta — respondeu Harry.
— Tchau — disse Rony.
Em todo o caso, não era o que se poderia chamar de um final perfeito para o dia, pensou Harry, muito mais tarde, deitado na cama sem dormir, percebendo Dino e Simas adormecerem. Neville não voltara do hospital.
Rony passou a noite toda lhe dando conselhos do tipo “Se ele tentar lançar um feitiço, é melhor você tirar o corpo fora, porque não consigo me lembrar como se fecha o corpo”. Havia uma boa chance de serem pegos por Filch ou por Madame Nor-r-ra, e Harry sentiu que estava abusando da sorte, desrespeitando mais um regulamento da escola no mesmo dia. Por outro lado, a cara de deboche de Draco não parava de lhe aparecer no escuro. Essa era sua grande oportunidade de vencer Draco cara a cara. Não podia perdê-la.
— Onze e trinta — Rony cochichou finalmente — É melhor irmos.
Eles vestiram os robes, apanharam as varinhas e atravessaram sorrateiros o quarto da Torre, desceram a escada em espiral e entraram na Sala Comunal da Grifinória. Algumas brasas ainda rutilavam na lareira, transformando todas as poltronas em sombras corcundas. Tinham quase chegado à abertura no retrato quando uma voz falou da poltrona mais próxima.
— Não posso acreditar que você vai fazer isso, Harry.
Uma lâmpada se acendeu.
Era Hermione Granger, de robe cor-de-rosa e cara fechada.
— Você! — exclamou Rony furioso — Volte para a cama!
— Quase contei ao seu irmão — retorquiu Hermione — Percy, ele é monitor, ia acabar com essa história.
Harry não conseguiu acreditar que alguém pudesse ser tão metido.
— Vamos — chamou Rony.
Afastou o retrato da Mulher Gorda com um empurrão e passou pela abertura. Hermione não ia desistir com tanta facilidade. Seguiu Rony pela abertura do retrato, sibilando para os dois como um ganso raivoso.
— Vocês não se importam com a Grifinória, vocês só se importam com vocês mesmos, eu não quero que a Sonserina ganhe a Taça das Casas e vocês vão perder todos os pontos que ganhei com a Profª. McGonagall por saber a Troca de Feitiços.
— Vai embora.
— Tudo bem, mas eu preveni vocês, lembrem-se do que eu disse quando estiverem amanhã no trem voltando para casa, vocês são tão...
Mas o que eram, eles não chegaram saber. Hermione se virara para o retrato da Mulher Gorda para tornar a entrar e se viu diante de um quadro vazio. A Mulher Gorda tinha saído para fazer uma visita noturna e Hermione ficou trancada do lado de fora da Torre da Grifinória.
— Agora o que é que eu vou fazer? — perguntou com a voz esganiçada.
— O problema é seu — disse Rony — Nós temos de ir, se não vamos nos atrasar.
Nem tinham chegado ao fim do corredor quando Hermione os alcançou.
— Vou com vocês.
— Não vai, não.
— Vocês acham que vou ficar parada aqui, esperando o Filch me pegar? Se ele encontrar os três, conto a verdade, que eu estava tentando impedir vocês de saírem e vocês podem confirmar.
— Mas que cara-de-pau — disse Rony bem alto.
— Calem a boca, vocês dois — disse Harry bruscamente — Ouvi uma coisa.
Era como se alguém estivesse farejando.
— Madame Nor-r-ra? — murmurou Rony, apertando os olhos para enxergar no escuro.
Não era Madame Nor-r-ra. Era Nevil1e. Estava enroscado no chão, dormindo a sono solto, mas acordou repentinamente assustado quando eles se aproximaram.
— Graças a Deus que vocês me encontraram! Estou aqui há horas, não consegui me lembrar da nova senha para entrar no quarto.
— Fale baixo, Neville. A senha é “focinho de porco”, mas não vai lhe adiantar nada agora, a Mulher Gorda saiu.
— Como está o braço? — perguntou Harry.
— Ótimo — disse Neville mostrando — Madame Pomfrey consertou-o na hora.
— Que bom, olhe, Neville, temos que estar em um lugar, vemos você depois.
— Não me deixem aqui! — pediu Neville pondo-se de pé — Não quero ficar sozinho, o Barão Sangrento já passou por aqui duas vezes.
Rony consultou o relógio e em seguida fez uma cara furiosa para Hermione e Neville.
— Se formos pegos por causa de vocês, não vou sossegar até aprender aquela Poção do Morto-Vivo que Snape falou e vou usá-la contra vocês.
Hermione abriu a boca, talvez para dizer a Rony exatamente como usar a Poção do Morto-Vivo, mas Harry mandou-a ficar quieta e fez sinal para prosseguirem. Passaram quase voando pelos corredores listrados pelo luar que entrava pelas grades das janelas altas.
A cada curva Harry esperava topar com Filch ou com Madame Nor-r-ra, mas tiveram sorte. Subiram correndo uma escada até o terceiro andar e, nas pontas dos pés, dirigiu-se à Sala dos Troféus.
Draco e Crabbe ainda não tinham chegado. As vitrines de cristal onde estavam guardados os troféus refulgiam quando tocadas pelo luar. Taças, escudos, pratos e estátuas piscavam no escuro com lampejos prateados e dourados. Eles caminharam rente às paredes, mantendo os olhos nas portas de cada lado da sala.
Harry tirou a varinha da caixa para o caso de Draco aparecer de repente e começar a duelar. Os minutos passaram vagarosos.
— Ele está atrasado, quem sabe se acovardou — Rony sussurrou.
Então uma batida na sala ao lado os sobressaltou, acabara de erguer a varinha quando ouviram alguém falar e não era Draco.
— Vá farejando, minha querida, eles podem estar escondidos em algum canto.
Era Filch falando com Madame Nor-r-ra. Horrorizado, Harry fez sinais frenéticos para os outros três o seguirem o mais depressa possível, e fugiram silenciosos em direção à porta mais distante da voz de Filch. As vestes de Neville mal tinham acabado de passar a curva quando ouviram Filch entrar na Sala dos Troféus.
— Eles estão por aqui — ouviram-no resmungar — Provavelmente escondidos.
— Por aqui! — disse Harry, apenas mexendo a boca, para os outros e, petrificados, eles começaram a descer uma longa galeria cheia de armaduras. Podiam ouvir Filch se aproximando.
Neville de repente, soltou um guincho assustado e saiu correndo. Tropeçou, agarrou Rony pela cintura e os dois desabaram em cima de uma armadura. A queda e o estrépito foram suficientes para acordar o castelo inteiro.
— CORRAM! — gritou Harry e os quatro desembestaram pela galeria, sem virar a cabeça para ver se Filch os seguia.
Fizeram a curva firmando-se no alisar da porta e saíram galopando por um corredor atrás do outro, Harry na liderança, sem a menor idéia de onde estavam nem que direção tomava. Atravessaram uma tapeçaria, rasgando-a e encontraram uma passagem secreta, precipitaram-se por ela e foram sair perto da sala de aula de Feitiços, que sabiam estar a quilômetros da Sala dos Troféus.
— Acho que o despistamos — ofegou Harry, apoiando-se na parede fria e enxugando a testa. Neville estava dobrado em dois, chiava e falava desconexamente.
— Eu... disse... a vocês — Hermione falou sem fôlego, agarrando o bordado no peito — Eu... disse... a vocês.
— Temos de voltar à Torre de Grifinória — lembrou Rony — O mais rápido possível.
— Draco enganou você — disse Hermione a Harry — Já percebeu isso, não? Não ia enfrentar você. Filch sabia que alguém ia estar na Sala dos Troféus. Draco deve ter contado a ele.
Harry achou que ela provavelmente tinha razão, mas não ia dar o braço a torcer.
— Vamos.
Não ia ser tão simples. Não tinham caminhado nem dez passos quando ouviram o barulho de uma maçaneta e alguma coisa disparou da sala de aula à frente deles.
Era Pirraça. Avistou os garotos e soltou um guincho de prazer.
— Cale a boca, Pirraça, por favor, você vai fazer a gente ser expulso.
Pirraça soltou uma gargalhada.
— Passeando por aí à meia-noite, aluninhos? Tsk, tsk, que feinhos, vão ser apanhadinhos.
— Não, se você não nos denunciar, Pirraça, por favor.
— Devia contar ao Filch, devia — disse Pirraça bem comportado, mas seus olhos cintilaram de maldade — É para o seu próprio bem, sabem?
— Saia da frente — disse Rony com rispidez, baixando o braço em Pirraça.
Foi um grande erro.
— ALUNOS FORA DA CAMA! — berrou Pirraça — ALUNOS FORA DA CAMA NO CORREDOR DO FEITIÇO!
Passando por baixo de Pirraça eles saíram desembalados até o final do corredor onde depararam com uma porta... Fechada.
— Acabou-se! — gemeu Rony, empurrando inutilmente a porta — Estamos ferrados! É o fim!
Ouviram passos, Filch correndo a toda em direção aos gritos de Pirraça.
— Ah, sai da frente — Hermione resmungou aborrecida.
Agarrando a varinha de Harry, bateu na fechadura e murmurou:
Alorromora!
A fechadura deu um estalo e a porta se abriu, eles se atropelaram por ela, fecharam-na e apuraram os ouvidos, à escuta.
— Para que lado eles foram, Pirraça? — era Filch perguntando — Depressa, me diga.
— Peça “por favor”.
— Não me enrole, Pirraça, vamos, para que lado eles foram?
— Não digo nada se você não pedir “por favor” — disse Pirraça na cantilena irritante com que falava.
— Está bem, “por favor”.
— NADA! Nada haaa! Eu disse a você que não dizia nada se você não pedisse por favor! Ha ha! Haaaaaa! — e ouviram Pirraça voar rápido para longe e Filch xingar com raiva.
— Ele acha que a porta está trancada! — Harry falou — Acho que escapamos. Sai para lá, Neville! — Neville puxava a manga do robe de Harry fazia um minuto — Que foi?
Harry se virou e viu, muito claramente, o que foi. Por um instante teve a certeza de que entrara num pesadelo, era demais depois de tudo o que já acontecera.
Não estavam numa sala, conforme ele supusera.
Achavam-se num corredor.
O corredor proibido do terceiro andar e agora sabiam por que era proibido. Estavam encarando os olhos de um cachorro monstruoso, um cachorro que ocupava todo o espaço entre o teto e o piso. Tinha três cabeças. Três pares de olhos que giravam enlouquecidos. Três narizes, que franziam e estremeciam farejando-os. Três bocas babosas, a saliva escorrendo em cordões viscosos das presas amarelas. Estava muito firme, os olhos a observá-los, e Harry sabia que a única razão por que ainda estavam vivos era que o seu repentino aparecimento apanhara o cachorro de surpresa, mas ele já estava se recuperando e depressa, não havia dúvida quanto ao significado daqueles rosnados de ensurdecer.
Harry tateou a procura da maçaneta.
Entre Filch e a morte, ficava com o Filch. Retrocederam. Harry bateu a porta e eles correram, quase voaram pelo corredor, Filch devia ter tido pressa para procurá-los em outro lugar porque não o viram em parte alguma, mas nem se importaram. A única coisa que queriam era abrir a maior distância possível entre eles e o monstro. Não pararam de correr até chegarem ao retrato da Mulher Gorda no sétimo andar.
— Onde foi que vocês andaram? — perguntou ela, olhando para os robes que caiam soltos dos ombros e os rostos vermelhos e suados.
— Não interessa. Focinho de porco, focinho de porco — ofegou Harry, e o quadro girou para frente. Eles entraram de qualquer jeito na Sala Comunal e desmontaram, trêmulos, nas poltronas. Levou algum tempo até um deles falar alguma coisa.
Neville, então, parecia que nunca mais voltaria a falar.
— Que é que vocês acham que eles estão querendo, com uma coisa daquelas trancada numa escola? — perguntou Rony finalmente — Se existe um cachorro que precisa de exercícios é aquele.
Hermione tinha recuperado tanto o fôlego quanto o mau humor.
— Vocês não usam os olhos, vocês todos, usam? — perguntou com rispidez — Vocês não viram em cima do que ele estava?
— No chão? — arriscou Harry — Eu não fiquei olhando para as patas, estava ocupado demais com as cabeças.
— Não, não estou falando do chão. Ele estava em cima de um alçapão. É claro que está guardando alguma coisa.
Ela se levantou olhando feio para ele.
— Espero que estejam satisfeitos com o que fizeram. Podíamos ter sido mortos, ou pior, expulsos. Agora, se vocês não se importam, eu vou me deitar.
Rony ficou olhando para ela, de boca aberta.
— Não, não nos importamos. Qualquer um pensaria que nós a arrastamos conosco, não é mesmo?
Mas Hermione tinha dado a Harry algo em que pensar quando voltou para a cama.
O cachorro estava guardando alguma coisa...
Que era que Hagrid tinha dito? Gringotes era o lugar mais seguro do mundo quando se queria esconder alguma coisa, com exceção talvez de Hogwarts. Parecia que Harry descobrira onde o pacotinho encalombado do cofre setecentos e treze tinha ido parar.










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