quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei - Apêndice A - Parte 2




Apendices




— Apêndice A —
Parte II




IV
Gondor e os Herdeiros de Anárion




Houve trinta e um reis em Gondor depois de Anárion, que foi morto diante de Barad-dûr. Embora a guerra nunca cessasse em suas fronteiras, durante mais de mil anos os Dúnedain do Sul cresceram em riqueza e poder, em terra e mar, até o reinado de Atanatar II, que era chamado de Alcarin, o Glorioso.
Apesar disso, os sinais da decadência já tinham começado a aparecer: os homens nobres do Sul casavam-se tarde, e tinham poucos filhos. O primeiro rei sem prole foi Falastur, e o segundo Narmacil I, o filho de Atanatar Alcarin.
Foi Ostoher, o sétimo rei, quem reconstruiu Minas Anor, onde posteriormente os reis passaram a morar no verão, preferindo aquele local a Osgiliath. Em sua época, Gondor foi pela primeira vez atacada pelos homens bárbaros vindos do Leste. Mas Tarostar, seu filho, derrotou-os e os expulsou, assumindo o nome de Rómendacil, “Vencedor do Leste”. Entretanto, ele foi morto depois numa batalha travada contra novas hordas de orientais. Turambar, seu filho, vingou-o, e conquistou um grande território na região Leste.
Com Tarannon, o décimo segundo rei, começou a linhagem dos Reis-Navegantes, que construíram esquadras e estenderam o poder de Gondor ao longo da costa a Oeste e ao Sul da Foz do Anduin. Para comemorar suas vitórias como Capitão dos Exércitos, Tarannon assumiu a coroa com o nome de Falastur, “Senhor das Costas”.
Eãrnil I, seu sobrinho, que o sucedeu, reformou o antigo porto de Pelargir e construiu uma grande esquadra. Sitiou Umbar por terra e mar, conquistando e transformando o lugar num grande porto e numa fortaleza do poder de Gondor[1]. Mas Eãrnil não sobreviveu muito tempo ao próprio triunfo. Perdeu-se, juntamente com muitos navios e homens, numa grande tempestade na costa de Umbar.

[1] Tanto o grande cabo como o porto de Umbar, todo bloqueado por terras, foram propriedade númenoriana desde os Dias Antigos, mas tratava-se de uma fortaleza dos homens do Rei, que posteriormente foram chamados de númenorianos negros, corrompidos por Sauron, e que odiavam acima de tudo os seguidores de Elendil. Depois da queda de Sauron, sua raça minguou depressa, ou misturou-se com a dos homens da Terra-Média, mas eles herdaram com a mesma intensidade o ódio por Gondor. Umbar, portanto, só foi tomada a um alto custo.

Círyandil, seu filho, continuou com a construção de navios, mas os homens de Harad, chefiados pelos senhores que haviam sido expulsos de Umbar, insurgiram-se com muita força contra aquela fortaleza, e Ciryandil caiu na batalha em Haradwaith.
Por muitos anos Umbar foi atacada, mas não podia ser tomada devido ao poder marítimo de Gondor. Ciryaher, filho de Ciryandíi, esperou a hora certa, e por fim, quando tinha reunido forças, desceu do Norte por mar e por terra e, atravessando o Rio Harnen, seus exércitos derrotaram completamente os homens de Harad, e seus reis foram obrigados a reconhecer a soberania de Gondor (1050).
Ciryaher assumiu então o nome de Hyarmendacil, “Vencedor do Sul”. Nenhum inimigo ousou contestar o poder de Hyarmendacíl durante o resto de seu longo reinado. Ele foi rei por cento e trinta e quatro anos, sendo o seu o segundo reinado mais longo de toda a Linhagem de Anárion. Em sua época Gondor atingiu o apogeu de seu poder. O reino se estendeu ao Norte até Celehrant e as fronteiras sudoeste da Floresta das Trevas, a Oeste até o Rio Cinzento, a Leste abarcou o Mar Interno de Rhún, ao Sul chegou até o Rio Harnen, e dali prolongou-se pela costa até a península e o porto de Umbar. Os homens dos Vales do Anduin reconheceram sua autoridade, e os reis de Harad prestaram honras a Gondor, e seus filhos viveram como reféns na corte do Rei.
Mordor estava em abandono, mas era vigiada pela grande fortaleza que guardava as entradas.
Assim terminou a linhagem dos Reis-Navegantes. Atanatar Aicarin, filho de Hyarmendacíl, viveu com grande esplendor, tanto que os homens diziam que em Gondor pedras preciosas são pedregulhos para as crianças brincarem. Mas Atanatar gostava de vida mansa e não fez nada para manter o poder que herdara, e seus dois filhos tinham temperamento semelhante. O declínio de Gondor já havia começado antes de sua morte, e sem dúvida era observado pelos inimigos.
A vigilância sobre Mordor foi negligenciada. Não obstante, foi só nos dias de Valacar que o primeiro grande mal se abateu sobre Gondor: a guerra civil da Contenda das Famílias, na qual houve grande perda e destruição, que nunca foram totalmente reparadas.
Minalcar, filho de Caimacil, era um homem muito vigoroso, e em 1240 Narmacil, para se livrar de todas as suas preocupações, nomeou-o Regente. Depois disso ele governou Gondor em nome dos reis até suceder o pai. Sua maior preocupação eram os homens do Norte. Estes últimos tinham crescido muito durante a paz trazida pelo poder de Gondor. Os reis se mostravam favoráveis a eles, já que eram entre os homens inferiores os parentes mais próximos dos dúnedain (descendendo, em sua maioria, daqueles povos que originaram os antigos Edain), a eles foram concedidas grandes extensões de terra além do Anduin, ao Sul da Grande Floresta Verde, para que se constituíssem numa defesa contra os homens do Leste.
Isso deveu-se ao fato de que, no passado os ataques dos orientais tinham vindo principalmente através da planície que fica entre o Mar Interno e as Montanhas de Cinza.
Nos dias de Narmacil I, os ataques começaram de novo, embora a princípio com pouca força, mas o regente ficou sabendo que os homens do Norte nem sempre permaneciam fiéis a Gondor, e alguns poderiam juntar forças com os orientais, levados pela ganância por espólios ou pelo desejo de alimentar rixas entre seus príncipes. Minalcar, portanto, liderou em 1248 um grande exército, e entre Rhovanion e o Mar Interno derrotou uma grande força dos orientais e destruiu todos os seus acampamentos e povoados a Leste do Mar. Assumiu então o nome de Rómendacil.
Ao retornar, Rómendacil fortificou a margem Oeste do Anduin até a foz do Límclaro, proibindo qualquer forasteiro de descer o rio além das Emyn Muil. Foi ele quem construiu os pilares dos Argonath e a entrada para Nen Hithoei.
Mas, já que precisava de homens e queria fortalecer os laços entre Gondor e os homens do Norte, tomou a seu serviço muitos destes, dando a alguns altos postos em seus exércitos.
Rómendacíl mostrava uma preferência por Vidugavia, que o ajudara durante a guerra. Ele se autodenominava Rei de Rhovanion, e de fato era o mais poderoso dos príncipes do Norte, embora seu reino ficasse entre a Floresta Verde e o Rio Celduin[2]. Em 1250, Rómendacil mandou seu filho Valacar como embaixador para morar um tempo com Vidugavia e se familiarizar com a língua, os costumes e as políticas dos homens do Norte. Mas Valacar excedeu em muito os desígnios de seu pai. Tornou-se um apaixonado pelas terras e pelo povo do Norte, e casou-se com Vidumavi, filha de Vidugavia. Demorou alguns anos para retornar.

[2] Rio Corrente.


Desse casamento originou-se depois a guerra da Contenda das Famílias. Pois os nobres de Gondor não viam com bons olhos a presença dos homens do Norte entre eles, nunca se ouvira falar antes de um herdeiro da coroa, ou qualquer filho do rei, que se tivesse casado com alguém de uma raça inferior e estranha. Já havia rebelião nas províncias do Sul quando o Rei Valacar ficou velho. Sua rainha fora uma senhora bela e nobre, mas de vida curta, conforme era o destino dos homens inferiores, e os dúnedain temiam que com os seus descendentes acontecesse o mesmo e que eles perdessem a majestade dos reis dos homens. Além disso, não estavam dispostos a aceitar como seu senhor o filho dela que, apesar de agora se chamar Eldacar, nascera em terras estrangeiras e em sua infância se chamara Vinitharya, um nome do povo de sua mãe.
Portanto, quando Eldacar sucedeu o pai, houve guerra em Gondor. Mas não foi fácil afastar Eldacar de sua herança.
A linhagem de Gondor ele acrescentara o espírito destemido dos homens do Norte.
Era belo e corajoso, e não mostrava sinais de envelhecer mais depressa que seu pai. Quando os aliados, chefiados pelos descendentes dos reis, insurgiram-se contra ele, opôs-se a eles até o esgotamento de suas forças. Por fim foi cercado em Osgiliath, mas resistiu por muito tempo, até que a fome e os exércitos mais numerosos dos rebeldes o expulsaram, deixando a cidade em chamas. Naquele cerco e naquele incêndio, a Torre da Cúpula de Osgiliath foi destruída, e o Palantír se perdeu nas águas.
Mas Eldacar enganou seus inimigos, veio para o Norte, juntando-se aos seus parentes em Rhovaníon. Muitos ali se juntaram a ele, tanto dentre os homens do Norte a serviço de Gondor quanto dentre os dúnedain das regiões setentrionais do reino. Muitos dos dúnedain tinham aprendido a estimá-lo, e muitos outros vieram a odiar o usurpador. Este era Castamir, neto de Calimehtar, irmão mais novo de Rómendacíl II. Além de ser um dos parentes mais próximos da coroa, ele era entre os rebeldes o que tinha o maior número de seguidores, pois era o Capitão dos Navios, sendo apoiado pelo povo do litoral e dos grandes portos de Pelargir e Umbar.
Não fazia muito tempo que Castamir fora entronizado, e já se mostrava arrogante e mesquinho. Era um homem cruel, como já demonstrara na tomada de Osgiliath. Fez com que Ornendil, filho de Eldacar, que foi capturado, fosse morto, e a matança e a destruição perpetradas na cidade sob suas ordens em muito excederam as necessidades da guerra. Isso foi lembrado em Minas Anor e em Ithilien, onde a estima por Castamir diminuiu ainda mais quando ficou visível que ele pouco se importava com a terra, pensando apenas nas esquadras, quando propôs que o trono do rei fosse levado para Pelargir.
Dessa forma, seu reinado contava com apenas dez anos quando Eldacar, agarrando a sua oportunidade, saiu do Norte com um grande exército, e muitos outros homens de Calenardhon, Anórien e Ithilien juntaram-se a ele. Houve uma grande batalha em Lebennin e nas Travessias do Erui, na qual grande parte do melhor sangue de Gondor foi derramado.
O próprio Eldacar matou Castamir em combate vingando assim a morte de Ornendil, mas os filhos de Castamir escaparam, e com outros de sua família e muita gente das esquadras resistiram por muito tempo em Pelargir.
Quando tinham reunido ali toda a força que conseguiram (pois Eldacar não tinha frota para atacá-los pelo mar), eles partiram em seus navios, e se estabeleceram em Umbar. Ali criaram um refúgio para todos os inimigos do rei, e um governo independente da coroa. Umbar permaneceu em guerra contra Gondor durante muitas vidas de homens, sendo uma ameaça para a sua região litorânea e para todo o tráfego marítimo. Nunca mais foi completamente dominada até os dias de Elessar, e a região de Gondor do Sul tornou-se objeto de disputa entre os Corsários e os Reis.
Gondor lamentou a perda de Umbar, não apenas porque o reino ficou menor no Sul e seu controle sobre os homens de Harad enfraqueceu, mas também porque ali Ar-Pharazôn, o Dourado, último rei de Númenor, desembarcara e humilhara o poder de Sauron.
Embora grandes males tivessem acontecido posteriormente, mesmo os seguidores de Elendil lembravam com orgulho a chegada do grande exército de Ar-Pharazôn, saindo das profundezas do Mar, e no ponto mais alto do promontório que ficava acima do Porto eles tinham erguido um grande pilar branco à guisa de monumento. Em seu topo havia um globo de cristal que captava os raios do Sol e da Lua e brilhava como uma estrela luminosa que se podia avistar, quando o tempo estava bom, mesmo da costa de Gondor ou do mar ocidental, a grande distância. O monumento permaneceu ali até que, depois da segunda ascensão de Sauron, que agora se aproximava, Umbar caiu sob a dominação de seus servidores e o memorial da humilhação que ele sofrera foi derrubado.
Depois do retorno de Eldacar, o sangue da casa real e de outras casas dos dúnedain misturou-se mais ao sangue dos homens inferiores.
Muitos foram mortos na Contenda das Famílias, e Eldacar via com bons olhos os homens do Norte, que o ajudaram a recuperar a coroa, por esses motivos, ao povo de Gondor juntou-se um grande número de gente vinda de Rhovanion.
No princípio, essa miscigenação não apressou o declínio dos dúnedain como se temera, mas mesmo assim o declínio continuou, pouco a pouco, como já acontecia antes. Pois sem dúvida sua razão era acima de tudo a própria Terra-Média, além da lenta retirada das dádivas dos númenorianos após a queda da Terra da Estrela. Eldacar viveu até os duzentos e trinta e cinco anos, e foi rei por cinquenta e oito, dos quais dez foram passados no exílio.
O segundo e maior mal abateu-se sobre Gondor no reinado de Telemnar, o vigésimo sexto rei, cujo pai, Minardil, filho de Eldacar, fora morto em Pelargir pelos Corsários de Umbar (estes foram comandados por Angamaitê e Sangabyando, os bisnetos de Castamir). Logo depois uma peste mortal chegou trazida por ventos escuros do Leste. O rei e todos os seus filhos morreram, assim como muita gente do povo de Gondor, especialmente os moradores de Osgiliath. Então, devido ao cansaço e à escassez de homens, a vigilância sobre as fronteiras de Mordor cessou, e as fortalezas que guardavam as entradas ficaram desguarnecidas.
Mais tarde percebeu-se que essas coisas aconteceram ao mesmo tempo em que a Sombra se adensava na Floresta Verde, e muitos seres malignos reapareceram, sinais da ascensão de Sauron. É bem verdade que os inimigos de Gondor também sofreram, caso contrário poderiam tê-la derrotado em sua fraqueza, mas Sauron podia esperar, e pode muito bem ser que a abertura de Mordor fosse o que ele mais queria.
Quando o Rei Telemnar morreu, as Árvores Brancas de Minas Anor também murcharam e morreram. Mas Tarondor, seu sobrinho e sucessor, replantou uma muda na Cidadela. Foi ele também quem transferiu a casa real definitivamente para Minas Anor, pois Osgiliath estava agora parcialmente abandonada, e começava a cair em ruínas.
Poucos dos que haviam fugido da peste para Ithilien ou para os vales do Leste estavam dispostos a retornar.
Tarondor, assumindo o trono em sua juventude, teve o reinado mais longo de todos os reis de Gondor, mas pouco pode realizar além do reordenamento interno de seu reino e da lenta formação de suas forças. Mas Telumehtar, seu filho, lembrando-se da morte de Minardil, e sentindo-se incomodado pela insolência dos Corsários, que atacavam sua região costeira chegando até Anfalas, reuniu suas forças e em 1810 tomou Umbar de assalto. Nessa guerra os últimos descendentes de Castamir pereceram, e Umbar ficou outra vez sob o controle dos reis por um tempo. Telumehtar acrescentou ao seu nome o titulo de Umbardacil. Mas, com os novos males que logo se abateram sobre Gondor, Umbar foi novamente perdida, caindo nas mãos dos homens de Harad.
O terceiro mal foi a invasão dos Carroceiros, que consumiram as forças já minguadas de Gondor em guerras que duraram quase cem anos. Os Carroceiros eram um povo, ou uma confederação de muitos povos, que vinha do Leste, eram mais fortes e estavam mais bem armados do que qualquer outro exército que aparecera antes. Viajavam em grandes carroças, e seus lideres lutavam em carruagens.
Incitados pelos emissários de Sauron, como se percebeu depois, eles atacaram Gondor de súbito, o Rei Narmacil II foi morto num combate contra eles além do Anduin, em 1856. O povo de Rhovanion do Leste e do Sul foi escravizado, e as fronteiras de Gondor foram naquela época recuadas para o Anduin e as Emyn Muil (considera-se que nessa época os Espectros do Anel reentraram em Mordor).
Calimebtar, filho de Narmacil II, ajudado por uma revolta em Rhovanion, vingou seu pai com uma grande vitória sobre os orientais em Dagorlad em 1899, e por um tempo o perigo ficou afastado. Foi durante o reinado de Araphant, no Norte, e de Ondoher, filho de Calimehtar, no Sul, que os dois reinos passaram a fazer planos juntos, após um longo período de estranhamento e silêncio. Perceberam finalmente que um único poder e uma única vontade estavam, de vários pontos diferentes, dirigindo os ataques contra os sobreviventes de Númenor.
Foi nessa época que Arvedui, herdeiro de Araphant, casou-se com Fíriel, filha de Ondoher (1940). Mas nenhum dos reinos conseguiu enviar auxílio ao outro, pois Angmar renovara seu ataque contra Arthedain ao mesmo tempo em que os Carroceiros reapareceram com grandes exércitos.
Muitos dos Carroceiros agora tinham penetrado no Sul de Mordor e feito aliança com homens de Khand e Harad próximo, e, nesse grande ataque do Norte e do Sul, Gondor quase chegou à ruína. Em 1944, o Rei Ondober e seus dois filhos, Artamir e Faramir, caíram em batalha ao Norte do Morannon, e o inimigo invadiu Ithilien. Mas Eãmil, Capitão do Exército do Sul, obteve uma grande vitória em Ithilien do Sul e destruiu o exército de Harad que tinha cruzado o Rio Poros.
Avançando rapidamente para o Norte, ele arrebanhou todo o restante do Exército do Norte, que batia em retirada, e atacou o principal acampamento dos Carroceiros, enquanto estes se divertiam num banquete, na crença de que Gondor fora derrotada e de que nada restava para saquear. Eãrnil tomou de assalto o acampamento e ateou fogo às carroças, expulsando o inimigo de Ithilien em meio a um grande tumulto. Boa parte daqueles que fugiram de sua perseguição pereceram nos Pântanos Mortos.
Por ocasião da morte de Ondober e seus filhos, Arvedui, do Reino do Norte, reivindicou a coroa de Gondor, como descendente direto de Isildur, e como marido de Fíriel, a única filha sobrevivente de Ondoher. A reivindicação foi rejeitada. Nisto, Pelendur, o regente do Rei Ondoher, desempenhou o principal papel.
O Conselho de Gondor respondeu:
— A coroa e a realeza de Gondor pertencem unicamente aos herdeiros de Meneldil, filho de Anárion, a quem Isildur entregou este reino. Em Gondor essa herança só é considerada através de filhos homens, e não ouvimos falar que a lei em Arnor seja diferente.
A isso Arvedui respondeu:
— Elendil teve dois filhos, dos quais Isildur era o mais velho e herdeiro. Sabemos que o nome de Elendil está até hoje no topo da linhagem dos Reis de Gondor, já que ele foi reconhecido como Alto-Rei de todas as terras dos Dúnedain. Enquanto Elendil ainda vivia, o governo conjunto do Sul ficou a cargo de seus filhos, mas, quando ele morreu, Isildur partiu para tomar posse do alto trono de seu pai, deixando o governo do Sul, de forma semelhante, para o filho de seu irmão. Ele não abdicou do trono em Gondor, nem pretendia que o reino de Elendil ficasse dividido para sempre. Além disso, na antiga Númenor, o cetro era passado ao descendente mais velho do rei, fosse homem ou mulher. É verdade que a lei não foi observada nas terras do exílio, sempre atribuladas pelas guerras, mas esta era a lei de nosso povo, à qual nos referimos agora, tendo em vista que os filhos de Ondoher morreram sem deixar prole[3].

[3] Essa lei foi feita em Númenor (como nos contou o Rei) quando Tar-Aldarion, o sexto rei, deixou apenas um descendente, uma filha. Ela se tornou a primeira rainha governante, Tar-Ancalimé. Mas a lei era diferente antes de sua época. Tar-Elendil, o quarto rei, foi sucedido por seu filho Tar-Meneldur, embora sua filha Silmarien fosse a mais velha. Entretanto, foi de Silmarien que Elendil descendeu.


A isso Gondor não respondeu.
A coroa foi reivindicada por Eãrnil, o capitão vitorioso, e a ele foi concedida com a aprovação de todos os dúnedain de Gondor, uma vez que ele fazia parte da casa real. Era filho de Siriondil, filho de Calimmacil, filho de Arciryas, irmão de Narmacil II. Arvedui não insistiu em sua reivindicação, pois não tinha nem poder e nem vontade de se opor a escolha dos dúnedain de Gondor, apesar disso, a reivindicação nunca foi esquecida por seus descendentes, mesmo quando seu reino já tinha desaparecido. Pois aproximava-se então a hora em que o reino do Norte chegaria ao fim.
Arvedui foi de fato o último rei, como diz seu próprio nome. Conta-se que esse nome foi-lhe dado assim que nasceu por Malbeíh, o Vidente, que disse ao seu pai:
— Deve chamá-lo de Arvedui, pois ele será o último em Arthedain. Contudo, uma escolha deverá ser feita pelos dúnedain, e, se eles optarem pelo que parece menos promissor, então seu filho mudará de nome e tornar-se-á rei de um grande reino. Caso contrário, muita tristeza e muitas vidas de homens se passarão até que os dúnedain se levantem e se unam outra vez.
Em Gondor também apenas um rei sucedeu a Eãrnil. Pode ser que, se a coroa e o cetro se tivessem unido, a soberania fosse mantida e muito mal teria sido evitado.
Mas Eãrnil era um homem sábio, e não era arrogante, mesmo que, na opinião dos homens de Gondor, o reino de Arthedain parecesse uma coisa insignificante, apesar de toda a nobreza da linhagem de seus senhores. Ele enviou mensagens para Arvedui anunciando que recebia a coroa de Gondor, de acordo com as leis e as necessidades do Reino do Sul, “Mas não me esqueço da lealdade de Arnor, nem nego nosso parentesco, e também não desejo que os reinos de Elendil fiquem distantes. Enviar-lhe-ei ajuda quando for necessário, dentro de minhas possibilidades”.
Entretanto, passou-se muito tempo até que Eärnil se sentisse suficientemente seguro para realizar o que prometera. O Rei Araphant continuava a se defender dos ataques de Angmar com forças cada vez mais reduzidas e Arvedui, quando o sucedeu, continuou procedendo do mesmo modo, mas finalmente, no Outono de 1973, chegaram mensagens a Gondor dizendo que Arthedain estava em grandes dificuldades, e que o Rei dos Bruxos estava preparando um último golpe contra aquele reino. Então Eãrnil enviou seu filho Eãrnur para o Norte com uma esquadra, o mais rápido possível, e com a maior força de que pôde dispor.
Tarde demais.
Antes que Eãrnur chegasse aos Portos de Lindon, o Rei dos Bruxos tinha conquistado Arthedain e Arvedui tinha perecido.
Mas quando Eãrnur chegou aos Portos Cinzentos houve grande alegria e surpresa tanto entre os elfos como entre os homens. Seus navios eram tão numerosos e de tão grande calado que foi difícil encontrar onde pudessem atracar, embora tanto o Harlond quanto o Forlond também estivessem totalmente ocupados, dos navios desembarcou um exército poderoso, com munição e provisões para uma guerra de grandes reis. Pelo menos assim pareceu ao povo do Norte, embora essa fosse apenas uma pequena fração do poder de Gondor.
Acima de tudo, os cavalos foram elogiados, pois muitos deles vinham dos Vales do Anduin, montados por cavaleiros altos e belos, e altivos príncipes de Rhovanion.
Então Cirdan convocou todos os que estavam dispostos a segui-lo, de Lindon ou de Arnor, e quando tudo estava pronto o exército atravessou Lún e marchou em direção ao Norte, para desafiar o Rei dos Bruxos de Angmar. Diz-se que na época este morava em Fornost, lugar que enchera de gente maligna, usurpando a casa e o governo dos reis.
Em seu orgulho, ele não aguardou o ataque dos inimigos em sua fortaleza, mas saiu ao encontro deles, com a intenção de varrê-los, como já fizera com outros, para dentro do golfo de Lún.
Mas o Exército do Oeste atacou-o saindo das Colinas do Vesperturvo, e houve uma grande batalha na planície que fica entre Nenuial e as Colinas do None. As forças de Angmar já estavam cedendo e se retirando na direção de Formost quando o principal grupo dos cavaleiros que contornara as colinas desceu do Norte, dispersando-as em meio a um grande tumulto. Então o Rei dos Bruxos, com tudo o que conseguiu reunir de sua ruína, fugiu para o Norte, em busca de Angmar, sua própria terra. Antes que pudesse alcançar o abrigo de Carn Dúm, foi alcançado pela cavalaria de Gondor, liderada por Eãrnur. Ao mesmo tempo, uma força sob o comando de Glorfindel, o Senhor Élfico, saiu de Valfenda. Assim Angmar foi completamente derrotada, não restando nenhum homem ou orc daquele reino a Oeste das Montanhas.
Mas conta-se que, de repente, quando tudo estava perdido, o Rei dos Bruxos apareceu em pessoa, vestido de negro, com uma máscara preta e montado num cavalo também negro. O medo dominou todos os que o contemplaram, mas ele escolheu o Capitão de Gondor para descarregar todo o seu ódio, e com um grito terrível cavalgou direto contra ele. Earnur ter-lhe-ia feito frente, mas seu cavalo não suportou o ataque, desviou e levou-o para longe antes que Eãrnur pudesse dominá-lo.
Então o Rei dos Bruxos riu, e ninguém que ouviu aquilo jamais esqueceu o horror daquele grito. Mas Glorfindel então avançou em seu cavalo branco, e, em meio ao seu riso, o Rei dos Bruxos virou-se e fugiu para dentro das sombras. Pois a noite caiu sobre o campo de batalha, ele desapareceu, e ninguém viu para onde foi.
Nesse momento Eârnur retornou cavalgando, mas Glorfindel, olhando em direção á escuridão que se adensava, disse:
— Não o persigam! Ele não retornará para esta terra. Muito distante ainda está sua destruição, e ele não cairá pela mão de um homem.
Essas palavras muitos guardaram na memória, mas Eãrnur estava zangado, desejando apenas vingar sua desgraça.
Assim terminou o reino maligno de Angmar, e dessa forma Eãrnur, Capitão de Gondor, atraiu sobre si o mais intenso ódio do Rei dos Bruxos, mas muitos anos ainda se passariam antes que isso fosse revelado.
Foi assim que, durante o reinado do Rei Eârnil, como posteriormente ficou claro, o Rei dos Bruxos, escapando do Norte, foi para Mordor, e lá reuniu os outros Espectros do Anel, de quem era o líder. Mas foi só em 2000 que eles saíram de Mordor pela Passagem de Cirith Ungol e fecharam cerco sobre Minas Ithil, que tomaram em 2002, roubando da torre o Palantír.
Não foram expulsos enquanto durou a Terceira Era, Minas Ithil transformou-se num lugar de terror e ganhou um novo nome, Minas Morgul. Grande parte das pessoas que ainda permaneciam em Ithilien abandonaram o lugar.
Eärnur parecia-se com o pai na coragem, mas não na sabedoria. Era um homem de corpo vigoroso e sangue quente, mas não queria se casar, pois seu único prazer residia na luta, ou no exercício com armas. Sua destreza era tanta que ninguém em Gondor podia fazer-lhe frente naqueles esportes de armas com os quais ele se deliciava, mais parecendo um campeão do que um capitão ou rei, e conservando seu vigor e habilidade até uma idade mais avançada do que era normal na época.
Quando Eärnur recebeu a coroa em 2043, o rei de Minas Morgul o desafiou para um combate homem a homem, escarnecendo-se dele, dizendo que Eärnur não ousara fazer-lhe frente em batalha no Norte. Daquela vez Mardil, o Regente, conteve a ira do rei. Minas Anor, que se tornara a principal cidade do reino desde os dias do Rei Teleniflar, sendo a residência dos reis, recebeu então um novo nome, Minas Tirith, como a cidade sempre alerta contra o mal de Morgul.
Eärnur detivera a coroa por apenas sete anos quando o Senhor de Morgul repetiu seu desafio, caçoando do rei e dizendo que ao coração fraco de sua juventude de ele agora acrescentara a fraqueza da idade. Então Mardil não pôde mais contê-lo, e Eärnur cavalgou com uma pequena comitiva de cavaleiros até o portão de Minas Morgul.
Jamais se ouviu falar outra vez de alguém daquela comitiva.
Acreditou-se em Gondor que o traiçoeiro inimigo prendera o rei, e que ele tinha morrido sofrendo torturas em Minas Morgul, mas, uma vez que não havia testemunhas de sua morte, Mardil, o Bom Regente, governou Gondor em seu nome por muitos anos.
Agora os descendentes dos reis tinham rareado. Seu número diminuíra muito durante a Contenda das Famílias visto que, desde aquela época, os reis se haviam tornado ciumentos e vigiavam de perto os parentes próximos. Frequentemente aqueles sobre quem recaiu alguma suspeita fugiram para Umbar e ali se juntaram aos rebeldes, enquanto outros haviam renunciado à sua linhagem, casando-se com mulheres que não tinham sangue númenoriano.
Foi assim que não se encontrou nenhum pretendente à coroa que fosse de pura estirpe, ou cuja reivindicação todos aceitassem; além disso, todos temiam a lembrança da Contenda das Famílias, sabendo que, se uma dissensão desse tipo acontecesse de novo, certamente Gondor pereceria.
Portanto, embora os anos se alongassem, o Regente continuou a governar Gondor, e a coroa de Elendil ficou jazendo no colo do Rei Eärnil nas Casas dos Mortos, onde Eãrnur a deixara.







V
Os regentes



A Casa dos Regentes se chamava Casa de Húrin, pois eles descendiam do regente do Rei Minardil (1621-34), Húrin de Emyn Arnen, um homem de nobre estirpe númenoriana. Depois de sua época, os reis sempre escolheram seus regentes entre os descendentes dele, e após a época de Pelendur a regência tornou-se hereditária como a realeza, passando de pai para filho ou para o parente mais próximo.
De fato, cada novo regente assumia seu posto prestando o juramento de “segurar o bastão e governar em nome do rei, até o seu retorno”. Mas logo essas palavras passaram a ter um sentido apenas ritual, e pouca atenção se dava a elas, pois os regentes exerciam todo o poder dos reis. Apesar disso, muitos em Gondor acreditavam que um rei realmente voltaria em alguma época futura, e alguns relembravam a antiga linhagem do Norte, que, pelo que se dizia, ainda continuava a viver nas sombras.
Mas contra tais pensamentos os regentes governantes fechavam seus corações. Não obstante, os regentes nunca tomaram assento no antigo trono, e não usavam coroa ou cetro. Tinham um bastão branco apenas como símbolo de seu posto, sua bandeira era branca e sem insígnias, ao passo que a bandeira real fora sable, exibindo uma árvore branca em flor sob sete estrelas.
Após Mardil Voronwë, que foi reconhecido como o primeiro da linhagem sucederam-se vinte e quatro regentes governantes em Gondor, até a época de Denethor II, o vigésimo sexto e último. Os primeiros tempos foram tranquilos, pois aqueles eram os dias da Paz Vigilante, durante a qual Sauron recuou ante o Poder do Conselho Branco, e os Espectros do Anel permaneceram escondidos no Vale Morgul.
Mas, a partir da época de Denethor I, a paz nunca mais reinou completamente, e, mesmo quando em Gondor não havia grande ou declarada guerra, suas fronteiras estavam sob ameaça constante.
Nos últimos anos de Denethor I, a raça dos uruks, orcs negros de grande força, pela primeira vez apareceu, vinda de Mordor, e em 2475 eles atravessaram Ithilien e tomaram Osgiliath. Boromir, filho de Denethor (cujo nome seria dado mais tarde a Boromir dos Nove Caminhantes), derrotou-os e reconquistou Ithilien, mas no fim Osgiliath ficou arruinada, e sua grande ponte de pedra foi destruída. Depois disso ninguém morou lá.
Boromir foi um grande capitão, temido até mesmo pelo Rei dos Bruxos. Era nobre e de rosto belo, um homem de corpo e vontade fortes, mas sofreu um ferimento de Morgul naquela guerra, e isso encurtou sua vida, ficou mirrado pela dor e morreu doze anos após o pai.
Depois dele veio o longo domínio de Cirion. Esse regente era vigilante e cauteloso, mas o poderio de Gondor diminuíra, e a ele restava pouco mais do que defender suas fronteiras, enquanto seus inimigos (ou o poder que os movia) preparavam golpes que ele não podia evitar. Os Corsários saquearam seu litoral, mas era no Norte que residia o maior perigo. Nas amplas terras de Rhovanion, entre a Floresta das Trevas e o Rio Corrente, agora morava um povo cruel, totalmente dominado pela sombra de Dol Guldur. Frequentemente eles atacavam pela floresta, até que o Vale do Anduin ao Sul do Rio de Lis ficou em grande parte abandonado. A esses balchoth somavam-se constantemente outros, de raças semelhantes, que chegavam do Leste, enquanto o povo de Calenardhon diminuía. Cirion teve de esforçar-se ao máximo para manter a fronteira do Anduin.
Prevendo o ataque, Cirion pediu auxílio ao Norte, mas foi tarde demais, naquele ano (2510), os balchoth, tendo construído muitos navios e jangadas grandes nas margens orientais do Anduin, atacaram maciçamente pelo rio e dispersaram os defensores. Um exército que subia do Sul foi interceptado e empurrado para o Norte pelo Limclaro, e ali foi subitamente atacado por uma horda de orcs das Montanhas e forçado a retirar-se na direção do Anduin. Então do Norte chegou uma ajuda quando já não restava qualquer esperança, e as cornetas dos rohirrim se fizeram ouvir pela primeira vez em Gondor.
Eorl, o Jovem, veio com seus cavaleiros e expulsou o inimigo, perseguindo os balchoth até a morte através dos campos de Calenardhon. Cirion concedeu que Eorl morasse naquela região, e este prestou a Cirion o Juramento de Eorl, garantindo assistência aos senhores de Gondor em casos de necessidade ou de solicitação.
Nos dias de Beren, o décimo nono regente, um perigo ainda maior abateu-se sobre Gondor. Três grandes frotas, preparadas por longo tempo, vieram de Umbar e de Harad, e atacaram as costas de Gondor com muita violência, o inimigo desembarcou em vários lugares, chegando a alcançar ao Norte a foz do Isen. Ao mesmo tempo, os rohirrim foram atacados pelo Leste e pelo Oeste, sua terra foi devastada e o povo foi forçado a se refugiar nos vales das Montanhas Brancas. Naquele ano o Inverno Longo começou com frio e grandes nevascas vindas do Norte e do Leste, prolongando-se por quase cinco meses. Helm de Rohan e seus dois filhos pereceram naquela guerra, houve miséria e morte tanto em Eriador como em Rohan.
Mas em Gondor, ao Sul das montanhas, as coisas não correram tão mal, e antes da chegada da primavera Beregond, filho de Beren, tinha derrotado os invasores. Imediatamente enviou auxílio a Rohan. Ele foi o maior capitão que surgiu em Gondor depois de Boromir, quando sucedeu o pai (2763), Gondor começou a recuperar suas forças.
Mas Rohan demorou mais para se refazer dos ferimentos que sofrera. Foi por esse motivo que Beren recebeu Saruman e entregou-lhe as chaves de Orthanc, a partir daquele ano (2759), Saruman passou a morar em Isengard.
Foi na época de Beregond que a Guerra entre anões e orcs foi travada nas Montanhas Sombrias (2793-9), da qual apenas rumores chegaram ao Sul, até que os orcs, fugindo de Nanduhirion, tentaram atravessar Rohan e se estabelecer nas Montanhas Brancas. Houve luta por muitos anos nos vales antes que o perigo terminasse.
Quando morreu Belecthor II, o vigésimo primeiro regente, a Árvore Branca também morreu em Minas Tirith, mas foi deixada de pé “até o retorno do rei”, pois não se conseguiu achar uma muda.
Nos dias de Túrin II, os inimigos de Gondor começaram a se mover novamente, Sauron crescera de novo em poder e o dia de seu levante se aproximava. Todo o povo de Ithilien, com exceção dos mais corajosos, abandonou a região e estabeleceu-se no Oeste, do outro lado do Anduin, pois a região estava infestada de orcs de Mordor. Foi Túrin quem construiu para seus soldados refúgios secretos em Ithilien, dos quais Henneth Annún foi o mais guarnecido e o que ficou por maior tempo protegido.
Ele também fortificou outra vez a Ilha de Cair Andros[4] para defender Anórien. Mas seu maior perigo residia no Sul, onde os haradrim tinham ocupado Gondor do Sul, e houve muita luta ao longo do Portos. Quando Ithilien foi invadida por grandes exércitos, o Rei Folcwine de Rohan cumpriu o Juramento de Eorl e pagou sua dívida pela ajuda trazida por Beregond, enviando muitos homens a Gondor. Com seu auxílio, Gondor teve uma vitória no cruzamento do Portos, mas ambos os filhos de Folcwine morreram em combate.

[4] 30. Esse nome significa Navio da Espuma Longa, pois a ilha tinha o formato de um grande navio com uma proa alta apontando para o Norte, contra a qual a espuma branca do Anduin se quebrava sobre rochas pontiagudas.


Os Cavaleiros os enterraram à moda de seu povo, e eles foram colocados em um único túmulo, pois eram irmãos gêmeos. Por muito tempo ali permaneceu o túmulo, Haudh in Gwanur, erguendo-se sobre a margem do rio, e os inimigos de Gondor temiam passar por ele.
Turgon sucedeu Túrin, mas de sua época lembra-se principalmente que, dois anos antes de sua morte, Sauron levantou-se outra vez, declarando-se abertamente, adentrou outra vez em Mordor, longamente preparada para ele. Então Barad-dûr foi erguida mais uma vez, e a Montanha da Perdição explodiu em chamas, o restante do Povo de Ithilien fugiu para longe. Quando Turgon morreu, Saruman tomou Isengard como propriedade sua, e a fortificou.
Ecthelion II, filho de Turgon, era um homem de sabedoria. Com o poder que lhe restava, começou a fortalecer seu reino contra o ataque de Mordor. Encorajou todos os homens de valor, de perto ou de longe, a entrarem para seu exército, e àqueles que provaram ser dignos de confiança garantiu posição e recompensa. Em grande parte do que realizou teve a ajuda de um grande capitão, a quem estimava acima de todos. Chamavam-no Thorongil, Águia da Estrela, pois ele era rápido e tinha olhos sagazes, e usava uma estrela de prata sobre a capa. Mas ninguém sabia seu nome verdadeiro, nem onde nascera. Para encontrar-se com Ecthelion veio de Rohan, onde servira ao rei Thengel, mas não era um dos rohirrim. Era um grande líder de homens, por terra e por mar, mas partiu para as sombras de onde viera, antes que os dias de Ecthelion tivessem findado.
Thorongil frequentemente aconselhava Ecthelion, dizendo que o exército dos rebeldes de Umbar representava grande perigo para Gondor, e uma ameaça que poderia ser mortal para os feudos do Sul, se Sauron partisse para a guerra declarada. Finalmente obteve permissão do Regente e reuniu uma pequena esquadra, e deslocou-se para Umbar inesperadamente durante a noite, e lá incendiou grande parte dos navios dos Corsários. Ele mesmo derrotou o Capitão do Porto numa batalha travada no cais, e em seguida sua frota bateu em retirada com poucas perdas. Mas quando retornou a Pelargir, para a tristeza e o espanto dos homens, recusou-se a voltar para Minas Tirith, onde grandes homenagens o aguardavam.
Enviou uma mensagem de adeus a Ecthelion, dizendo:
— Outras tarefas me chamam, senhor, e muito tempo e muitos perigos deverão passar antes que eu volte outra vez para Gondor, se esse for o meu destino.
Embora ninguém pudesse imaginar quais tarefas seriam essas, nem que chamado ele recebera, sabia-se para onde fora. Pois ele tomou um barco e atravessou o Anduin, dizendo ali adeus aos seus companheiros, prosseguiu sozinho, e quando foi visto pela última vez seu rosto olhava na direção das Montanhas da Sombra.
Houve consternação na Cidade pela partida de Thorongil, considerada por todos uma grande perda, menos para Denethor, filho de Ecthelion, um homem agora maduro para a regência, na qual sucedeu o pai por ocasião de sua morte, quatro anos depois.
Denethor II era um homem orgulhoso, alto, valente, e mais majestoso que qualquer outro homem que aparecera em Gondor por muitas vidas de homens, também era sábio, enxergava longe, além de ser versado nas tradições. De fato era semelhante a Thorongil como se fosse um parente próximo, e apesar disso sempre ficava em posição inferior ao estranho nos corações dos homens e na estima de seu pai. Na época muitos pensaram que Thorongil tinha partido antes que seu rival se tornasse senhor, embora o próprio Thorongil jamais tivesse competido com Denethor, nem se considerasse algo mais que um servidor de seu pai.
E em um ponto apenas os dois aconselhavam o Regente de maneira diversa: Thorongil frequentemente advertia Ecthelion a não depositar confiança em Saruman, o Branco, de Isengard, mas em vez disso preferir os conselhos de Gandalf, o Cinzento. Mas havia pouca amizade entre Denethor e Gandalf depois da época de Ecthelion, o Peregrino Cinzento era menos bem-vindo em Minas Tirith. Portanto, mais tarde, quando tudo ficou claro, muitos acreditaram que Denethor, que tinha uma mente mais perspicaz e enxergava mais longe que os homens de seu tempo, descobrira quem na verdade era aquele forasteiro de nome Thorongil, e suspeitara que ele e Mithrandir pretendiam suplantá-lo.
Quando Denethor tornou-se regente (2984), mostrou-se um governante dominador, tomando para si o controle de todas as coisas. Falava pouco. Ouvia conselhos e depois seguia sua própria cabeça.
Casara-se tarde (2976), tomando como esposa Finduilas, filha de Adrahil, de Dol Amroth. Ela era uma senhora de grande beleza e coração bondoso, mas faleceu antes que se tivessem passado doze anos. Denethor a amava, á sua maneira, mais que qualquer outra pessoa, exceto, talvez, pelo mais velho dos dois filhos que ela lhe dera. Mas tinha-se a impressão de que ela murchava na cidade guardada, como uma flor que, nascida nos vales próximos ao mar, é transplantada para um rochedo árido. A sombra do Leste a enchia de terror, e ela sempre voltava seus olhos para o Sul, na direção do saudoso mar.
Depois da morte da esposa, Denethor tornou-se mais austero e calado do que antes, e ficava sentado sozinho em sua torre por muito tempo, perdido em pensamentos, prevendo que o ataque de Mordor viria durante sua regência.
Posteriormente acreditou-se que, precisando de conhecimento, mas sendo orgulhoso e confiando em sua própria força de vontade, ele ousou olhar no Palantír da Torre Branca. Nenhum dos regentes ousara fazer tal coisa, nem mesmo os reis Earnil e Eãrnur, após a queda de Minas Ithil, quando o Palantír de Isildur caiu nas mãos do Inimigo, pois a Pedra de Minas Tirith era o Palantír de Anárion, o que mais se acordava com aquele que Sauron possuía.
Foi dessa forma que Denethor adquiriu seu grande conhecimento sobre as coisas que se passavam em seu reino, e muito além de suas fronteiras, o que causava o espanto dos homens, mas pagara um alto preço por esse conhecimento, ficando velho antes do tempo, devido à sua disputa com a vontade de Sauron. Assim o orgulho cresceu em Denethor junto com o desespero, até que ele viu em todos os feitos de sua época apenas um combate homem a homem entre o Senhor da Torre Branca e o Senhor de Barad-dûr, e passou a desconfiar de todos os outros que resistiam a Sauron, a não ser que servissem unicamente a ele próprio.
Assim foi-se aproximando a época da Guerra do Anel, e os filhos de Denethor tornaram-se adultos.
Boromir cinco anos mais velho, amado por seu pai, era parecido com ele nas feições e no orgulho, mas em pouca coisa mais. Pelo contrário, era um homem que se assemelhava ao Rei Eãrnur de antigamente, recusando-se a se casar e divertindo-se principalmente com armas, forte e destemido, preocupava-se pouco com os estudos da tradição, exceto as histórias de antigas batalhas.
Faramir, o mais novo, tinha uma aparência semelhante á do irmão, mas uma mente diferente. Decifrava os corações dos homens com a mesma perspicácia do pai, mas o que lia lhe causava antes pena do que desprezo. Tinha modos gentis e era um amante da tradição e da música, portanto, muitos daquela época o julgavam menos corajoso que o irmão. Mas isso não era verdade, a não ser pelo fato de que ele não buscava glória no perigo sem razão de ser. Acolheu Gandalf todas as vezes em que este visitou a Cidade, e aprendeu tudo o que pôde da sabedoria do mago, nesse e em muitos outros pontos desagradou a seu pai.
Apesar disso, entre os irmãos havia um grande amor, como sempre acontecera desde a infância, quando Boromir ajudava e protegia Faramir. Nenhum ciúme e nenhuma rivalidade surgira entre os dois desde aquela época, pela preferência do pai ou pelo elogio dos homens. Faramir não achava possível que qualquer um em Gondor conseguisse rivalizar com Boromir, herdeiro de Denethor, Capitão da Torre Branca, e Boromir pensava do mesmo modo.
No entanto, o teste provou o contrário. Mas sobre tudo o que aconteceu aos três na Guerra do Anel muito se conta em outro lugar. E depois da Guerra os dias dos regentes governantes chegaram ao fim, pois o herdeiro de Isildur e Anárion retornou, o governo dos reis foi restabelecido, e a bandeira da Árvore Branca foi mais uma vez desfraldada sobre a Torre de Ecthelion.









VI
Aqui Segue-se uma Parte da História
de Aragorn e Arwen



Arador era o avô do rei. Seu filho Arathorn pediu em casamento Gilraen, a Bela, filha de Dírhael, que por sua vez era um descendente de Aranarth. A esse casamento Dírhael se opunha, pois Gilraen era jovem e ainda não atingira a idade na qual as mulheres dos dúnedain estavam acostumadas a se casar.
— Além do mais — dizia ele — Arathorn é um homem austero e já adulto, e será líder antes do que se espera, apesar disso, meu coração pressente que sua vida será curta.
Mas Ivorwen, sua esposa, que também tinha poderes de previsão, respondeu:
— Maior razão para a pressa! Os dias estão ficando escuros e trazem a tempestade, e grandes coisas acontecerão. Se esses dois se casarem agora, pode ser que a esperança nasça para o nosso povo, mas, se demorarem, a esperança não virá enquanto durar esta era.
E aconteceu que, apenas um ano após o casamento de Arathorn e Gilrean, Arador foi capturado e morto por trolls das colinas nos Morros Frios, ao Norte de Valfenda. Arathorn portanto tornou-se líder dos Dúnedain. No ano seguinte Gilraen lhe deu um filho, a quem foi dado o nome de Aragorn. Mas Aragorn tinha apenas dois anos quando Arathorn saiu cavalgando num ataque contra os orcs, acompanhado dos filhos de Elrond, e foi abatido por uma flecha-orc que lhe perfurou o olho, e dessa forma ele realmente viveu pouco para alguém de sua raça, tendo apenas sessenta anos quando tombou.
Então Aragorn, sendo agora o herdeiro de Isildur, foi levado com a mãe para morar na casa de Elrond, que assumiu o lugar de seu pai e veio a amá-lo como se fosse seu próprio filho. Mas ele era chamado de Estel, que significa “Esperança”, e seu verdadeiro nome e linhagem foram guardados em segredo por ordem de Elrond, os Sábios sabiam que o Inimigo estava procurando descobrir quem era o Herdeiro de Isildur, caso restasse algum na terra.
Mas, quando Estel tinha apenas vinte anos de idade, aconteceu que um dia retornava a Valfenda depois de ter realizado grandes feitos na companhia dos filhos de Elrond, Elrond olhou para ele e ficou satisfeito, pois viu que era belo e nobre, e precocemente atingiria a idade adulta, embora ainda fosse crescer no corpo e na mente. Naquele dia, portanto, Elrond o chamou por seu verdadeiro nome, e revelou-lhe quem era, e o nome de seu pai, entregou-lhe então os legados de sua casa.
— Aqui está o Anel de Barahir — disse ele — O sinal de nosso antigo parentesco, e aqui também estão os fragmentos de Narsil. Com eles você ainda poderá realizar grandes feitos, pois eu prevejo que sua vida será mais longa que a da maioria dos homens, a não ser que o mal o acometa ou que você falhe no teste. Mas o teste será longo e difícil. O Cetro de Annúminas eu reterei, pois você ainda deve fazer por merecê-lo.
No dia seguinte, na hora do pôr-do-sol, Aragorn caminhava sozinho na floresta, seu coração estava leve e ele cantava, pois sentia-se cheio de esperanças e o mundo era belo. E de repente, no momento em que cantava, viu uma donzela caminhando num gramado por entre os troncos brancos das bétulas, parou então assustado, pensando que se tinha perdido num sonho, ou então que recebera a dádiva dos menestréis-élficos, capazes de fazer com que as coisas por eles cantadas apareçam diante dos olhos de quem os escuta.
Na verdade Aragorn estivera cantando uma parte da Balada de Lúthien, que conta sobre o encontro de Lúthien e Beren na Floresta de Neldoreth. E eis que Lúthien estava ali, caminhando diante de seus olhos em Valfenda, vestindo um manto prata e azul, bela como o crepúsculo em Casadelfos, seus cabelos escuros esvoaçavam num vento repentino, e sua fronte estava cingida com pedras que pareciam estrelas. Por um momento Aragorn observou em silêncio, mas, temendo que ela fugisse e nunca mais aparecesse, chamou-a, gritando, “Tinúviel, Tinúviel!”, da mesma forma que Beren fizera nos Dias Antigos, muito tempo atrás.
Então a donzela virou-se para ele e sorriu, dizendo:
— Quem é você? E por que me chama por esse nome?
E ele respondeu:
— Porque achei que você fosse realmente Lúthien Tinúviel, sobre quem eu estava cantando. Mas, se você não for ela, então você caminha na imagem dela.
— Muitos já disseram isso — respondeu ela num tom grave — Mas o nome dela não é o meu. Embora talvez nossos destinos não sejam diferentes. Mas quem é você?
— Estel era meu nome — disse ele — Mas sou Aragorn, filho de Arathorn, Herdeiro de Isildur, Senhor dos Dúnedain.
Mas no momento em que falava ele sentiu que sua alta linhagem, que lhe trouxera alegria ao coração, valia agora pouca coisa, e não era nada em comparação á dignidade e beleza dela.
Mas ela riu com alegria, e disse:
— Então somos parentes distantes. Pois eu sou Arwen, filha de Elrond, e também me chamo Undómiel.
— Frequentemente se observa — disse Aragorn — Que em tempos perigosos os homens escondem seu principal tesouro. Mas mesmo assim surpreendo-me com Elrond e com seus irmãos, pois, embora tenha vivido nesta casa desde a infância, nunca ouvi falar de você. Como será que nunca nos encontramos antes? Com certeza seu pai não a trancou junto com seu tesouro?
— Não — disse ela, erguendo os olhos para as Montanhas que assomavam no Leste — Morei um tempo na terra dos parentes de minha mãe, em Lothlórien. Faz pouco tempo que retornei para visitar meu pai outra vez. Já faz muitos anos que não caminho em Imladris.
Então Aragorn ficou surpreso, pois ela não parecia mais velha do que ele, que por sua vez ainda não vivera muito mais que vinte anos na Terra-Média. Mas Arwen olhou em seus olhos e disse:
— Não fique admirado! Os filhos de Elrond têm a vida dos eldar.
Então Aragorn ficou consternado, pois viu nos olhos dela a luz élfica e a sabedoria de muitos dias, mas daquela hora em diante amou Arwen Undómiel, filha de Elrond.
Nos dias que se seguiram, Aragorn ficou calado, e sua mãe percebeu que algo estranho lhe acontecera, por fim ele cedeu às perguntas dela e contou-lhe sobre o encontro na meia-luz do bosque.
— Meu filho — disse Gilraen — Sua ambição é grande, mesmo para um descendente de muitos reis. Pois esta senhora é a mais bela e a mais nobre que agora pisa sobre a terra. E não é adequado que os mortais se casem com alguém do povo élfico.
— Mesmo assim, nós temos algum parentesco — disse Aragorn — Se for verdadeira a história que me foi contada sobre meus antepassados.
— É verdade — disse Gilraen — Mas isso foi há muito tempo e numa outra Era deste mundo, antes que nossa raça fosse diminuída. Portanto sinto-me receosa, pois sem a boa vontade do Mestre Elrond os herdeiros de Isildur logo chegarão ao fim. Mas não julgo que você consiga a boa vontade de Elrond nesse assunto.
— Então amargos serão meus dias, e eu caminharei nas Terras Ermas sozinho — disse Aragorn.
— Esse realmente será o seu destino — disse Gilraen, mas, embora ela tivesse um pouco do poder de previsão de seu povo, não lhe disse mais nada sobre o seu pressentimento, nem comentou com ninguém sobre o que o filho lhe dissera.
Mas Elrond via muitas coisas e decifrava muitos corações. Um dia, antes do final do ano, ele chamou Aragorn ao seu aposento e disse:
— Aragorn, filho de Arathorn, Senhor dos Dúnedain, ouça-me! Um grande destino o aguarda: elevar-se acima de todos os seus antepassados desde os dias de Elendil, ou então cair na escuridão com tudo o que resta de sua estirpe. Muitos anos de provações estendem-se diante de você. Você não deve ter uma esposa, nem assumir compromisso com qualquer mulher, até que seu tempo chegue e que você seja considerado digno disso.
Então Aragorn ficou perturbado, e disse:
— Será que minha mãe mencionou algo sobre esse assunto?
— Não, não mencionou nada — disse Elrond — Seus próprios olhos o traíram. Mas não estou falando apenas de minha filha. Você ainda não deve comprometer-se com a filha de homem algum. Mas quanto a Arwen, a Bela, Senhora de Imladris e de Lórien, Estrela Vespertina de seu povo, ela é de uma linhagem superior á sua, e já viveu neste mundo tanto tempo que para ela você não passa de um tenro broto ao lado de uma bétula jovem de muitos verões. Ela está muito acima de você. E também acho provável que ela pense assim. Mas mesmo se não fosse o caso, e o coração dela se voltasse na direção do seu, eu ainda me sentiria triste por causa do destino que nos foi imposto.
— Que destino é esse? — perguntou Aragorn.
— Que, enquanto eu permanecer aqui, ela viverá com a juventude dos eldar — respondeu Elrond — E quando eu partir ela irá comigo, se assim escolher.
— Estou vendo — disse Aragorn — Que fixei meus olhos num tesouro não menos precioso que o de Thingol, desejado outrora por Beren. Este é meu destino.
Então, de súbito, o poder de previsão de seu povo aflorou-lhe na mente, e ele disse:
— Mas veja, Mestre Elrond! Os anos de sua permanência estão chegando ao fim, e a escolha logo deverá ser imposta aos seus filhos, a escolha de se separarem ou do senhor ou da Terra-Média.
— É verdade — disse Elrond — Logo, pelos nossos cálculos, embora muitos anos dos homens ainda devam se passar. Mas não haverá escolha para Arwen, minha amada filha, a não ser que você, Aragorn, filho de Arathorn, se coloque entre nós e faça com que um de nós dois, você ou eu, sofra uma separação amarga, que ultrapassará o fim do mundo. Você ainda não compreende o que deseja de mim.
Elrond suspirou e depois de um tempo, olhando gravemente para o jovem, disse outra vez:
— Os anos trarão o que devem trazer. Não vamos falar mais nisso até que muitos se tenham passado. Os dias estão escurecendo, e muito está por vir.
Então Aragorn despediu-se carinhosamente de Elrond, e no dia seguinte disse adeus à mãe, e ás pessoas da Casa de Elrond e a Arwen, partindo para os Ermos.
Por quase trinta anos trabalhou na causa contra Sauron, e tornou-se amigo de Gandalf, o Sábio, do qual ganhou muita sabedoria. Com ele fez muitas viagens perigosas, mas enquanto os anos se passavam viajava sozinho com mais frequência. Seus caminhos eram longos e difíceis, e ele assumiu uma aparência rústica, a não ser quando casualmente sorria, mesmo assim os homens o consideravam digno de honra, como um rei no exílio, nos momentos em que ele não escondia sua verdadeira aparência. Pois ele circulava sob muitos disfarces, e obteve fama sob muitos nomes.
Cavalgou com o exército dos rohirrim, lutou para o Senhor de Condor por terra e mar e depois, na hora da vitória, desapareceu para não ser mais visto pelos homens do Oeste, e viajou pelo distante Leste e pelas profundezas do Sul, explorando os corações dos homens, bons e maus, e revelando os planos e estratégias dos servidores de Sauron.
Assim acabou se tornando o mais resistente dos homens vivos, habilidoso em seus ofícios e erudito nas suas tradições, e apesar disso era mais do que eles, pois tinha a sabedoria dos elfos, e havia uma luz em seus olhos que, quando se acendia, poucos podiam suportar. Seu rosto era triste e austero por causa do destino que lhe fora imposto, e apesar disso a esperança sempre morou nas profundezas de seu coração, do qual a alegria ás vezes jorrava como uma fonte que jorra de uma rocha.
Veio a acontecer que, aos quarenta e nove anos de idade, Aragorn estava retornando de perigos nos escuros confins de Mordor, onde Sauron passara a morar de novo, ocupando-se do mal. Vinha cansado e desejava voltar a Valfenda para descansar um pouco, antes de viajar para terras distantes, em seu caminho passou pelas fronteiras de Lórien e foi recebido na terra oculta pela Senhora Galadriel.
Ele não sabia, mas Arwen Undómiel também estava lá, passando outra temporada com os parentes da mãe. Mudara pouco, pois os anos mortais haviam passado por ela sem deixar marcas, mas seu rosto estava mais sério, e raramente se ouvia seu riso. Mas Aragorn crescera, atingindo a plenitude no corpo e na mente, e Galadriel pediu que tirasse suas vestes gastas pela viagem e o vestiu em prata e branco, com um manto de cinza-élfico, colocando uma pedra brilhante sobre sua testa. Então sua aparência ficou superior à de qualquer homem, e ele mais parecia um Senhor Élfico das Ilhas do Oeste. E foi assim que Arwen o contemplou pela primeira vez após a longa separação, e enquanto ele veio caminhando ao encontro dela sob as árvores de Caras Galadhon, que estavam carregadas de flores douradas, ela fez sua escolha e selou seu destino.
Então por um tempo os dois passearam juntos nas clareiras de Lothlórien, até que chegou a hora de ele partir. E, na tardinha do Solstício de Verão, Aragorn, filho de Arathorn, e Arwen, filha de Elrond, foram até a bela colina Cerin Amroth, no centro daquele lugar, e andaram descalços sobre a relva sempre verde, com elanor e niphredil ao redor de seus pés. E ali, sobre aquela colina, olharam para o Leste, na direção da Sombra, e para o Oeste, na direção do Crepúsculo, e comprometeram-se um com o outro e sentiram-se felizes.
E Arwen disse:
— Escura é a Sombra, e mesmo assim meu coração se alegra, pois você, Estel, estará entre os grandes cuja coragem irá destruí-la.
Mas Aragorn respondeu:
— Infelizmente não posso prever esse fato, e o modo como virá a acontecer está oculto para mim. Mas com sua esperança hei de esperar. E rejeito a Sombra com todas as minhas forças. Mas da mesma forma, senhora, o Crepúsculo não é para mim, pois sou mortal, e se você ficar ao meu lado, Estrela Vespertina, deverá também renunciar ao Crepúsculo.
Ela então ficou imóvel como uma árvore branca, olhando para o Oeste; por fim, disse:
— Vou ficar ao seu lado, Dúnadan, e dar as costas para o Crepúsculo. Apesar disso, lá fica a terra de meu povo, e a antiga casa de toda a minha família.
Ela amava o pai intensamente.
Quando Elrond ficou sabendo da escolha da filha, ficou em silêncio, embora seu coração se tivesse entristecido, percebendo que o destino tanto tempo temido não era nada fácil de suportar. Mas, quando Aragorn chegou outra vez a Valfenda, chamou-o á parte e lhe disse:
— Meu filho, aproximam-se os anos em que a esperança vai desaparecer, e além deles pouco está claro para mim. E agora uma sombra paira entre nós. Talvez assim tenha sido prescrito, que por minha perda o poder dos reis dos homens possa ser restaurado. Portanto, embora o ame, digo-lhe isto: Arwen Undómiel não diminuirá a dádiva de sua vida por uma causa menor. Ela não será a noiva de ninguém que não seja o Rei de Condor e de Arnor. Para mim, até mesmo nossa vitória só poderá trazer tristeza e separação, mas para você poderá trazer esperança de alegria por um tempo. É uma pena, meu filho! Receio que para Arwen o destino dos homens possa ser difícil no final.
Assim ficou acertado entre Elrond e Aragorn, e eles não falaram mais desse assunto, mas Aragorn partiu outra vez na direção do perigo e do trabalho árduo.
E enquanto o mundo escurecia e o medo caía sobre a Terra-Média, á medida que o poder de Sauron crescia e Barad-dûr se erguia cada vez mais alta e forte, Arwen permaneceu em Valfenda, e, quando Aragorn estava fora, de longe ela cuidava dele em pensamento, e na esperança fez para ele um estandarte grande e majestoso, digno de ser exibido apenas por alguém que reivindicasse o trono dos númenorianos e a herança de Elendil.
Depois de alguns anos, Gilraen despediu-se de Elrond e retornou para o seio de seu próprio povo em Eriador, e viveu sozinha, raras vezes viu o filho de novo, pois ele passava muitos anos em terras distantes. Mas uma vez, quando Aragorn tinha retornado do Norte, ele foi vê-la, e ela lhe disse antes de sua partida:
— Esta é a nossa última despedida, Estel, meu filho. Estou envelhecida pela preocupação, mesmo para uma pessoa pertencente á raça dos homens inferiores, e, agora que se aproxima, não posso enfrentar a escuridão de nosso tempo, adensando-se sobre a Terra-Média. Deixarei este lugar em breve.
Aragorn tentou consolá-la, dizendo:
— Apesar disso, ainda pode haver uma luz além da escuridão, se for assim, eu gostaria que a senhora a visse e se alegrasse.
Mas ela respondeu apenas com este linnod: Onen i-Estel Edain, ú-chebin estel anim[5], e Aragorn foi-se embora com o coração pesado.

[5] “Dei Esperança aos dúnedain, não guardei nenhuma esperança para mim”.


Gilraen morreu antes da primavera seguinte.
Assim se aproximaram os anos da Guerra do Anel, sobre a qual se conta mais em outro lugar: sobre como se revelou o meio inesperado pelo qual Sauron poderia ser derrotado, e sobre como uma esperança além de qualquer esperança foi concretizada. E aconteceu que na hora da derrota Aragorn surgiu do mar e desfraldou o estandarte de Arwen na batalha dos Campos de Pelennor, e naquele dia foi pela primeira vez aclamado como rei. E por fim, quando tudo estava consumado, ele assumiu a herança de seus antepassados e recebeu a Coroa de Condor e o Cetro de Arnor, e no Solstício de Verão do ano da Queda de Sauron ele tomou a mão de Arwen Undómiel, e os dois se casaram na cidade dos reis.
A Terceira Era terminou em vitória e esperança, apesar disso, melancólica entre as tristezas daquela Era foi a despedida de Arwen e Elrond, pois os dois foram separados pelo Mar e por um destino que ultrapassava o fim do mundo. Quando o Grande Anel foi desfeito, e os Três foram despojados de seu poder, Elrond por fim ficou cansado e abandonou a Terra-Média, para nunca mais voltar.
Arwen tornou-se uma mulher mortal, mas apesar disso não era seu destino morrer até perder tudo o que ganhara. Como rainha dos elfos e dos homens, ela viveu com Aragorn por cento e vinte anos em grande glória e felicidade, mas por fim ele sentiu a aproximação da velhice e sabia que seu tempo de vida estava se esgotando, por mais longo que pudesse ter sido.
Então Aragorn disse a Arwen:
— Finalmente, Senhora Estrela Vespertina, belíssima neste mundo, e muitíssimo amada, meu mundo está se acabando. Eis que acumulamos e gastamos, e agora a hora do pagamento se aproxima!
Arwen sabia o que ele pretendia, tendo previsto tudo muito tempo antes, não obstante, foi derrotada pela tristeza:
— Então iria, meu senhor, antes de seu tempo, abandonar seu povo, que vive graças ao seu comando? — disse ela.
— Não antes de meu tempo — respondeu ele — Pois, se não for agora, deverei ir em breve, á força. E Eldarion, nosso filho, é um homem maduro para o trono.
Então, dirigindo-se para a Casa dos Reis, na Rua Silenciosa, Aragorn deitou-se no longo leito que lhe fora preparado. Ali disse adeus a Eldarion, e entregou-lhe nas mãos a Coroa Alada de Gondor e o Cetro de Arnor, depois todos o deixaram, com exceção de Arwen, que ficou sozinha ao lado do leito. E, com toda a sua sabedoria e nobreza, ela não pôde evitar de implorar que ele ficasse ainda por mais um tempo. Ainda não estava cansada de seus dias, e assim provou o gosto amargo da mortalidade que assumira para si.
— Senhora Undómiel — disse Aragorn — A hora é realmente difícil, mas ela foi feita no mesmo dia em que nos encontramos sob as bétulas brancas no jardim de Elrond, por onde agora ninguém caminha. E sobre a colina de Cerin Amroth, quando rejeitamos tanto a Sombra como o Crepúsculo, foi este o destino que aceitamos. Aconselhe-se consigo mesma, minha amada, e pergunte-se se realmente gostaria que eu esperasse até mirrar e cair de meu alto trono, sem virilidade e sem razão. Não, senhora, sou o último dos númenorianos, e o último rei dos Dias Antigos, a mim foi concedida não apenas uma longevidade três vezes maior que a dos homens da Terra-Média, mas também a graça de ir quando quisesse, devolvendo a dádiva. Agora, portanto, vou dormir. Não lhe direi palavras de consolo, pois não há consolo para uma dor assim nos círculos do mundo. A escolha suprema se coloca diante de você: arrepender-se e ir para os Portos, levando para o Oeste a lembrança dos dias que passamos juntos, que lá serão sempre verdes, embora não passem de uma lembrança, ou então conformar-se com o Destino dos Homens.
— Não, querido senhor — disse ela — Essa escolha há muito não existe mais. Agora não há um navio que pudesse me levar para lá, e devo de fato me conformar com o Destino dos Homens, quer queira quer não: a perda e o silêncio. Mas digo-lhe, Rei dos Númenorianos, só agora entendo a história de seu povo e de sua queda. Desprezei-os como tolos miseráveis, mas por fim sinto pena deles. Pois, se realmente esta for, como dizem os eldar, a dádiva do Um concedida aos homens, é uma dádiva amarga de receber.
— Assim parece — disse ele — Mas não nos deixemos derrotar no último teste, nós que há muito tempo renunciamos á Sombra e ao Anel. Devemos partir com tristeza, mas não com desespero. Veja! Não estamos para sempre presos aos círculos do mundo, e além deles há mais do que lembrança. Adeus!
— Estel, Estel! — gritou ela, e nesse momento, na hora em que tomou sua mão e a beijou, Aragorn adormeceu.
Então revelou-se nele uma grande beleza, tanto que todos os que vieram depois para vê-lo olhavam-no admirados, pois viam que a graça de sua juventude, a coragem de sua virilidade, a sabedoria e a majestade de sua velhice estavam mescladas em seu rosto. E por muito tempo ficou ali deitado, uma imagem do esplendor dos Reis dos Homens, numa glória que não se apagou antes da destruição do mundo.
Mas, quando Arwen saiu da Casa, a luz de seus olhos se apagara, e seu povo teve a impressão de que ela se tornara fria e cinzenta como o cair de uma noite de inverno, que chega sem uma estrela. Então ela disse adeus a Eldarion e às filhas, e a todos aqueles a quem amava, partiu da cidade de Minas Tirith e passou para a terra de Lórien, e viveu lá sozinha, sob as árvores que iam murchando, até que o inverno chegou. Galadriel tinha-se ido, Celeborn também, e a terra estava em silêncio.
Então, por fim, quando as folhas de mallorn estavam caindo, mas a primavera ainda não chegara, ela se deitou para descansar sobre Cerin Amroth, e lá está seu túmulo verde, até que o mundo se altere, e todos os dias de sua vida sejam completamente esquecidos por homens que vierem depois, e elanor e niphredil não mais floresçam a Leste do Mar.
Aqui termina esta história, como nos chegou do Sul, e com a passagem da Estrela Vespertina nada mais se lê neste livro sobre os dias de outrora.




continua...









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Frase CuriosaErrar é humano. Colocar a culpa em alguém é estratégico.

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