quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE - capítulos 10 e 11





10
A FOME VAI CHEGANDO


Duas semanas se passaram, e começou a fazer muito frio. Primeiro veio a neve. Começou de repente, numa manhã, quando Charlie estava se vestindo para ir à escola. Pela janela, ele via enormes flocos de neve caindo devagarinho do céu gelado, cor de chumbo.
À tarde, a casa já estava cercada de neve por todos os lados, e o Sr. Bucket teve que abrir caminho com uma pá, da porta até a rua.
Depois da neve, veio um vento gelado, que soprou dias e dias sem parar. Era um frio de doer! Tudo o que Charlie tocava parecia feito de gelo, e assim que ele punha o nariz fora da porta o vento parecia uma faca cortando suas bochechas.
Dentro de casa, entrava um arzinho gelado pelas frestas das janelas, por baixo da porta, e não havia onde se esconder. Os quatro velhinhos, muito quietos, deitavam-se aconchegados, tentando afastar o frio que gelava seus ossos. O entusiasmo com os Cupons Dourados havia desaparecido. Todos da família só tinham cabeça para pensar em dois problemas vitais: manter-se aquecidos e arranjar comida.
Por alguma razão, quando faz frio o apetite das pessoas aumenta. Quase todo mundo fica com vontade de comer carne assada, torta quente e todos aqueles pratos deliciosos, que esquentam a gente. Há pessoas que podem matar sua vontade. Mas Charlie Bucket nunca podia ter o que desejava porque sua família não podia comprar, e à medida que o frio ia aumentando ele ficava mais faminto. Os dois tabletes de chocolate, o do aniversário e o outro que Vovô José comprara, já tinham acabado há muito tempo, e a única coisa que ele tinha para comer eram aquelas refeições ralas de repolho.
De repente, as refeições começaram a diminuir mais ainda. Isso porque a fábrica de pasta de dentes onde o Sr. Bucket trabalhava faliu e teve que fechar. O Sr. Bucket logo começou a procurar outro emprego, mas não teve sorte. No fim, para conseguir ganhar um dinheirinho começou a varrer a neve das ruas. Mas não dava para comprar nem um quarto da comida necessária para as sete pessoas da família. A situação tornou-se desesperadora. O café da manhã era uma fatia de pão seco para cada um e o jantar, quando dava, meia batata cozida.
Aos poucos, eles foram ficando desnutridos.
Todos os dias, o pequeno Charlie Bucket, andando pela neve no caminho para a escola, passava em frente da gigantesca fábrica de chocolate do Sr. Willy Wonka. Ao se aproximar dela, sempre levantava o narizinho arrebitado e respirava o delicioso cheiro adocicado de chocolate derretido. Às vezes ficava paralisado do lado de fora do portão, por vários minutos, respirando fundo, como se estivesse tentando comer aquele cheiro maravilhoso.
Numa manhã gelada, esticando a cabeça para fora do cobertor, Vovô José disse:
— Essa criança tem que se alimentar melhor. Quanto a nós, tudo bem. Já somos velhos. Mas esse menino está em fase de crescimento! Não pode continuar assim! Ele está virando um esqueleto!
— O que se há de fazer? — murmurou Vovó Josefina, com tristeza — Ele se recusa a comer nossa comida. A mãe colocou o pedaço de pão dela no prato de Charlie hoje cedo, no café da manhã, mas ele nem tocou. Ele a obrigou a pegar o pão de volta.
— É um amor de criança — disse Vovô Jorge — Não merece isso.
O tempo ruim continuava.
Dia a dia, Charlie ia emagrecendo. Seu rosto foi ficando terrivelmente pálido e judiado. A pele estava tão grudada na face, que dava para ver os ossos. Se ele continuasse daquele jeito, ia acabar ficando muito doente.
Então, calmamente, com aquela estranha sabedoria que freqüentemente parece tomar conta das crianças em épocas de dificuldade, ele começou a mudar algumas coisas em sua vida, para poupar forças. De manhã, saía de casa dez minutos antes, e andava bem devagar até a escola, para não ter que correr. Ficava quietinho sentado na classe na hora do recreio, descansando, enquanto os outros corriam para fora, atirando bolas de neve e rolando na neve. Ele fazia tudo devagar, com cuidado, para não se cansar.
Certa tarde, ao caminhar de volta para casa com o vento gelado batendo no rosto (e, aliás, sentindo mais fome do que nunca), seus olhos deram com alguma coisa prateada na sarjeta, no meio da neve. Charlie se abaixou para examinar melhor. Parte da coisa estava enterrada na neve, mas finalmente ele viu o que era.
Era uma moeda!


Olhou depressa em volta dele.
Será que alguém tinha acabado de deixar cair a moeda?
Não — isso seria impossível, porque ela já estava meio coberta de neve.
Muitas pessoas passavam apressadas por ele com o queixo afundado na gola do casaco, pés esmagando a neve. Nenhuma delas estava procurando dinheiro, nenhuma delas dava a menor atenção àquele menino agachado na sarjeta.
Então a moeda era dele! Era ele o dono?
Com cuidado, Charlie puxou a moedinha meio enfiada na neve. Estava molhada, suja, mas perfeita.
— Uma moeda só minha!
Segurou a moeda com força entre os dedos trêmulos, olhando pasmado para ela. Para Charlie aquilo significava uma coisa, apenas uma coisa. COMIDA.
Automaticamente, o menino voltou e começou a andar na direção da loja mais próxima. Era só a dez passos dali... uma lojinha de jornais e selos, daquelas que vendiam de tudo, inclusive doces e cigarros... cochichou para si mesmo o que ia fazer... compraria uma deliciosa barra de chocolate para comer inteira, pedaço por pedaço, lá mesmo... e o resto do dinheiro ele levaria direto para casa e daria a sua mãe.


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Excepcionalmente hoje, por causa do conteúdo,
serão publicados DOIS capítulos
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11
O MILAGRE


Charlie entrou na loja e pos a moedinha no balcão.
— Uma Delícia Crocante Wonka — ele disse, lembrando o quanto tinha adorado o chocolate que ganhara no seu aniversário.
O homem atrás do balcão era gordo e bem nutrido. Tinha os lábios grandes, bochechas gorduchas e um pescoção. A banha do pescoço saltava cobrindo o colarinho como um colar de borracha. Pegou um tablete de chocolate que estava atrás dele, voltou-se e o entregou para Charlie. Charlie agarrou o chocolate mais que depressa, num segundo rasgou o papel e deu uma super-mordida. Depois mais uma... e mais outra... ah, que felicidade ter aqueles pedaços grandes, doces e substanciosos dentro da boca! A felicidade abençoada de estar com a boca cheia de comida!
— Parece que você estava mesmo com vontade, hein, filhote? — disse o vendedor, brincalhão.
Charlie concordou com a boca estufada de chocolate.
O vendedor pôs o troco no balcão.
— Devagar — ele disse — Vai acabar ficando com dor de barriga se continuar engolindo sem mastigar!
Charlie continuou devorando o chocolate. Não conseguia parar. Em menos de um minuto o tablete inteiro tinha desaparecido. Ele estava quase sem fôlego, mas sentia-se maravilhosamente, extraordinariamente feliz. Esticou a mão para pegar o troco. Parou. Seus olhos estavam fixos no balcão, olhando as moedas de prata. Tinha, ao todo, nove moedas. Claro que não haveria problema se ele gastasse só mais uma...
— Então — ele disse baixinho — acho que vou querer só mais um tablete de chocolate. Igual ao outro, por favor.
— Por que não? — respondeu o vendedor gorducho, pegando atrás dele mais uma Delícia Crocante Wonka da prateleira. Colocou em cima do balcão.
Charlie pegou e rasgou logo a embalagem... quando, de repente... de dentro do papelzinho, apareceu uma luz brilhante, dourada.
O coração de Charlie parou.
— É um Cupom Dourado! — gritou o vendedor, dando pulos no ar — Você achou o último Cupom Dourado! Inacreditável! Venham todos, venham ver! O garoto achou o último Cupom Dourado do Sr. Wonka! Aqui está! Na mão dele!
Parecia que o vendedor ia ter um ataque.
— Na minha loja — ele gritava — Ele achou bem aqui, na minha lojinha! Chamem os jornais, depressa! Cuidado, filhote! Cuidado para não rasgar! Esse cupom é precioso!
Num segundo, umas vinte pessoas se aglomeraram em volta de Charlie, e ainda ia chegando mais gente da rua. Todo mundo queria ver o Cupom Dourado e o feliz ganhador.
— Onde está ele? — alguém gritou — Levante para todo mundo ver o Cupom Dourado!
— Olhe lá! — outro gritou — Ele está com o cupom na mão! Vejam o brilho dourado!
— Eu só queria saber o que ele fez para achar o cupom — gritou indignado um menino grandão — Tenho comprado vinte barras por dia, há semanas e semanas!
— Imagine só tudo o que ele vai ganhar — outro garoto disse, com inveja — O suficiente para o resto da vida!
— Ele bem que está precisando, esse camarãozinho magrela — disse uma menina, dando risada.
Charlie não se mexeu. Nem acabou de desembrulhar o chocolate para pegar o Cupom Dourado. Estava parado, de pé, segurando-o com força nas duas mãos, enquanto a multidão empurrava e gritava ao seu redor. Sentia-se zonzo, atordoado. Tinha a sensação de estar levitando, subindo para o ar como um balão. Era como se os pés dele não estivessem tocando o chão. Ouvia o barulho de seu coração batendo forte na garganta.
Nessa hora, sentiu uma mão apoiada em seus ombros. Levantou os olhos e viu um homem alto, de pé ao lado dele.
— Escute — cochichou o homem — quero comprar seu cupom. Dou cinqüenta libras por ele. Que tal, hein? E ainda dou uma bicicleta nova para você. Combinado?
— Ficou louco? — gritou uma senhora que estava ao lado — Dou duzentas libras por esse cupom! Quer vender esse cupom por duzentas libras, garoto?
— Chega! — gritou o vendedor gorducho, atravessando a multidão e pegando Charlie firmemente pelo braço — Deixem o menino em paz! Com licença! Deixem o garoto sair.
E, enquanto levava Charlie até a porta, o vendedor cochichou:
— Não deixe ninguém pegar seu cupom. Vá direto para casa, correndo, antes que você o perca. Vá correndo e não pare até chegar lá, entendeu?
Charlie fez que sim com a cabeça.
— Quer saber de uma coisa? — disse o vendedor gorducho, parando um pouco e sorrindo para Charlie — Tenho a impressão de que você precisava mesmo de um lance desse. Estou muito contente por você ter encontrado o Cupom Dourado. Boa sorte, filhote!
— Obrigado — disse Charlie, e foi embora correndo pela neve o mais rápido que suas pernas permitiam. Passou voando diante da fábrica do Sr. Wonka, virou-se, deu um tchauzinho e disse — Até logo mais! Até logo mais!
Em cinco minutos chegou em casa.





continua...







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Frase CuriosaErrar é humano. Colocar a culpa em alguém é estratégico.

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