terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 114






CXIV

PEPPINO




N
o preciso instante em que o navio a vapor do Conde desaparecia para lá do cabo Morgiou, um homem em viagem pela estrada de Florença a Roma acabava de deixar para trás a cidadezinha de Aquapendente. A sua velocidade era a suficiente para percorrer boa distância sem, no entanto se tornar suspeito.
Envergando uma redingote, ou antes um sobretudo que a viagem pusera em muito mau estado, mas que ainda deixava ver, brilhante e fresca, uma fita da Legião de Honra, repetida na sobrecasaca, o homem, não só por esse duplo sinal, mas também pela pronúncia com que falava ao postilhão, devia ser francês. Mais uma prova de que nascera no país da língua universal: não sabia outras palavras italianas a não ser essas palavras de música que podem, como o godman de Fígaro, substituir todas as sutilezas de determinada língua.
— Alegro! — dizia ao postilhão em cada subida.
— Moderato! — gritava em cada descida.
E Deus bem sabe se há subidas e descidas na estrada de Florença a Roma por Aquapendente!...
De resto, aquelas duas palavras faziam rir muito a boa gente a quem eram dirigidas.
Perante a cidade eterna, isto é, à chegada a Storta, ponto de onde se vê Roma, o viajante não experimentou esse sentimento de curiosidade entusiástica que leva todos os estrangeiros a levantarem-se do seu lugar para tentarem ver a famosa cúpula de São Pedro, que se descobre muito antes de distinguir outra coisa. Não, tirou apenas uma carteira da algibeira, e da carteira um papel dobrado em quatro, que desdobrou e dobrou com uma atenção respeitosa, e limitou-se a dizer:
— Bom, ainda o tenho...
A carruagem transpôs a Porta del Popolo, virou à esquerda e deteve-se no Hotel de Espanha.
Mestre Pastrini, nosso velho conhecido, recebeu o viajante no limiar da porta e de chapéu na mão. O viajante apeou-se, encomendou um bom jantar e informou-se do endereço da Casa Thomson & French, que lhe foi indicado imediatamente, visto essa casa ser uma das mais conhecidas de Roma.
Estava situada na Via dei Banchi, perto de São Pedro.
Em Roma, como em toda a parte, a chegada de uma sege de posta é um acontecimento. Dez jovens descendentes de Mário e dos Graco, descalços e de cotovelos rotos, mas de mão na anca e com o braço pitorescamente curvado por cima da cabeça, observavam o viajante, a sege de posta e os cavalos. A esses garotos da cidade por excelência tinham-se juntado uns cinqüenta basbaques dos Estados de Sua Santidade, daqueles que fazem rodas e cospem para o Tibre do alto da Ponte de Santo Ângelo quando o Tibre leva água. Ora, como os garotos e os basbaques de Roma, mais felizes do que os de Paris, compreendem todas as línguas, e, sobretudo a língua francesa, perceberam o viajante pedir um quarto, pedir de jantar e pedir, finalmente, o endereço da Casa Thomson & French.
Dai resultou que quando o recém-chegado saiu do hotel com o cicerone da praxe, um homem separou-se do grupo de curiosos e, sem ser notado pelo viajante e sem parecer ser notado pelo guia, caminhou a curta distância do estrangeiro, seguindo-o com tanta perícia que talvez causasse inveja a um agente da polícia parisiense.
O francês tinha tanta pressa de visitar a Casa Thomson & French que nem sequer esperara que os cavalos fossem substituídos; a carruagem deveria apanhá-lo no caminho ou esperá-lo à porta dos banqueiros.
Chegaram antes de a carruagem os apanhar.
O francês entrou e deixou na antecâmara o guia, que imediatamente meteu conversa com dois ou três desses industriais sem indústria, ou antes, de mil indústrias, que se encontram em Roma à porta dos banqueiros, das igrejas, das ruínas, dos museus e dos teatros.
Ao mesmo tempo que o francês entrou também o homem que se separara do grupo de curiosos. O francês bateu no guichê dos escritórios e entrou na primeira sala; a sua sombra fez outro tanto.
— Os Srs. Thomson & French? — perguntou o estrangeiro.
Uma espécie de lacaio levantou-se a um sinal de um empregado de confiança, guarda solene do primeiro escritório.
— Quem devo anunciar? — perguntou o lacaio, preparando-se para caminhar à frente do estrangeiro.
— O Sr. Barão Danglars — respondeu o viajante.
— Acompanhe-me — disse o lacaio.
Abriu-se uma porta e o lacaio e o barão desapareceram por ela.
O homem que entrara atrás de Danglars sentou-se num banco de espera.
O empregado continuou a escrever durante cerca de cinco minutos; durante esses cinco minutos, o homem sentado guardou o mais profundo silêncio e a mais completa imobilidade. Depois a pena do empregado deixou de ranger no papel; o homem levantou a cabeça, olhou atentamente à sua volta e disse, após se assegurar de que estavam sós:
— Ah, ah!... Por aqui , Peppino?
— É verdade — respondeu laconicamente este último.
— Farejou alguma coisa que valha a pena nesse gordo?
— Não tive grande mérito nisso: fomos avisados.
— Sabe portanto o que vem fazer aqui? Curioso...
— Por Deus, vem receber! Apenas falta saber quanto.
— Saberemos daqui a pouco, amigo.
— Muito bem; mas que não aconteça como no outro dia, em que me deste uma informação falsa.
— Quer fazer o favor de me dizer do que está falando? Será daquele inglês que levantou há dias três mil escudos?
— Não. Esse tinha efetivamente os três mil escudos e nós encontramos-lhos. Refiro-me ao príncipe russo.
— E então?
— Então? Falou-nos em trinta mil francos e nós só lhe encontramos vinte e duas.
— É porque procuraram mal.
— Foi Luigi Vampa em pessoa quem o revistou.
— Nesse caso, é porque pagara as suas dívidas...
— Um russo?
— Ou gastou o dinheiro.
— É possível, no fim de contas.
— É certo. Mas deixe-me ir ao meu observatório antes de o francês concluir a transação sem eu saber a importância exata.
Peppino acenou afirmativamente, tirou um rosário da algibeira e pôs-se a resmonear uma prece enquanto o empregado saía pela mesma porta que dera passagem ao lacaio e ao barão. Passados cerca de dez minutos, o empregado voltou radiante.
— Então? — perguntou Peppino, ao amigo.
— Alerta, alerta! — disse o empregado — A importância é alta...
— Cinco a seis milhões, não é verdade?
— Sim. Sabe a importância?
— Sobre um recibo de Sua Excelência o Conde de Monte Cristo.
— Conhece o Conde?
— Crédito sobre Roma, Veneza e Viena.
— Exato! — exclamou o empregado — Como é que está tão bem informado?
— Já te disse que fomos prevenidos antecipadamente.
— Então porque veio ter comigo?
— Para ter a certeza de que é de fato o homem que esperávamos.
— Não há dúvida que é ele... cinco milhões. Uma bonita quantia, não é verdade, Peppino?
— É.
— Nunca possuiremos tanto.
— Pelo menos teremos algumas migalhas — respondeu filosoficamente Peppino.
— Cale-se! Vem aí o nosso bem.
O empregado voltou a pegar na pena e Peppino no seu rosário. Um escrevia e o outro rezava quando a porta se abriu. Danglars apareceu radiante, acompanhado do banqueiro, que o levou até à porta.
Peppino saiu atrás de Danglars.
De acordo com o combinado, a carruagem que devia ir buscar Danglars esperava-o já diante da Casa Thomson & French. O cicerone segurava a portinhola aberta. O cicerone é um indivíduo muito prestável e que se pode utilizar no que se quiser.
Danglars saltou para a carruagem com a agilidade de um rapaz de vinte anos. O cicerone fechou a portinhola e subiu para junto do cocheiro.
Peppino subiu para o acento da retaguarda.
— Sua Excelência quer ver São Pedro? — perguntou o cicerone.
— Para quê?... — respondeu o barão.
— Demônio, para ver!
— Não vim a Roma para ver — disse Danglars em voz alta, e depois acrescentou baixinho e com o seu sorriso cúpido — Vim para receber.
E tocou na carteira, em que acabava de guardar uma carta.
— Então, Sua Excelência vai...?
— Para o hotel.
— Casa Pastrini — disse o cicerone ao cocheiro.
E a carruagem partiu rápida, como uma carruagem particular.
Dez minutos mais tarde o barão entrava nos seus aposentos e Peppino instalava-se no banco existente na fachada do hotel, depois de dizer algumas palavras ao ouvido de um dos descendentes de Mário e dos Graco a que nos referimos no princípio deste capítulo, o qual descendente tomou o caminho do Capitólio a toda a velocidade das suas pernas.
Danglars estava cansado, satisfeito e ensonado. Deitou-se, meteu a carteira debaixo da almofada e adormeceu. Peppino tinha tempo de sobra. Jogou à morra com uns facchini, perdeu três escudos e para se consolar bebeu uma garrafa de vinho de Orvieto.
No dia seguinte, Danglars acordou tarde, apesar de ter se deitado cedo. Mas havia cinco ou seis noites que dormia muito mal, quando dormia. Almoçou, e pouco interessado, como dissera, em ver as belezas da cidade eterna, pediu os seus cavalos de posta para o meio-dia.
Mas Danglars não contara com as formalidades da polícia nem com a preguiça do homem da posta. Os cavalos só chegaram às duas horas e o cicerone só voltou com o passaporte visado às três horas.
Os descendentes dos Graco e de Mário também não faltaram ao bota-fora.
O barão atravessou triunfalmente os grupos, que lhe chamavam Excelência para apanharem um bajocco.
Como Danglars, homem popularíssimo, como sabemos, se contentara até ali que o tratassem por barão e ainda não fora tratado por Excelência, este titulo lisonjeou-o e por isso distribuiu uma dúzia de pauls a toda aquela canalha, mais que disposta, por outros doze pauls, a tratá-lo por Alteza.
— Por que estrada? — perguntou o postilhão em italiano.
— Estrada de Ancona — respondeu o barão.
Mestre Pastrini traduziu a pergunta e a resposta e a carruagem partiu a galope.
Danglars queria, efetivamente, chegar a Veneza, receber aí parte da sua fortuna e, depois de Veneza, alcançar Viena, onde realizaria o resto. A sua intenção era fixar-se nesta última cidade, que lhe tinham garantido ser uma cidade de prazeres.
Mal percorreu três léguas na campina de Roma começou a anoitecer. Danglars não esperara partir tão tarde, pois de contrário teria ficado. Assim, perguntou ao postilhão quanto faltava para chegaram à próxima cidade.
— Non capisco — respondeu o postilhão.
Danglars fez um gesto com a cabeça que queria dizer:
“Muito bem!”
A carruagem continuou o seu caminho.
“Na primeira posta o mandarei parar”, disse Danglars para consigo.
Danglars experimentava ainda um resto do bem-estar que sentira na véspera e lhe proporcionara tão boa noite. Estava estiraçado molemente num bom coche inglês de molas duplas, sentia-se levado pelo galope de dois bons cavalos e a distância entre cada muda era de sete léguas e ele sabia-o. Que fazer quando se é banqueiro e se teve a sorte de falir?
Danglars pensou dez minutos na mulher que deixara em Paris, outros dez minutos na filha correndo o mundo com Mademoiselle d’Armilly, concedeu mais dez minutos aos seus credores e à forma como empregaria o seu dinheiro, e depois, não tendo mais nada em que pensar, fechou os olhos e adormeceu.
No entanto, de vez em quando, sacudido por um solavanco mais forte do que os outros, Danglars abria por um momento os olhos. Mas continuava a sentir-se, transportado com a mesma velocidade através da campina romana, toda salpicada de aquedutos em ruínas, que pareciam gigantes de granito petrificados no meio da sua corrida. Além disso, a noite estava fria, escura e chuvosa, e era muito mais agradável para um homem meio adormecido permanecer no fundo da sua sege de olhos fechados do que deitar a cabeça fora da portinhola para perguntar onde estavam a um postilhão que só sabia responder: “Non capisco”.
Danglars continuou, portanto a dormir dizendo para consigo que teria sempre tempo de acordar na muda.
A carruagem parou. Danglars pensou que chegara finalmente ao ponto tão desejado. Abriu os olhos, olhou através do vidro e esperou encontrar-se no meio de qualquer cidade ou pelo menos de qualquer aldeia. Mas não viu nada, exceto uma espécie de casebre isolado, e três ou quatro homens que iam e vinham como fantasmas.
Danglars esperou um instante que o postilhão que acabara de chegar lhe viesse pedir o dinheiro da posta. Tencionava aproveitar a oportunidade para pedir algumas informações ao seu novo condutor. Mas os cavalos foram desatrelados e substituídos sem que ninguém viesse pedir dinheiro ao viajante. Danglars, surpreendido, abriu a portinhola; mas uma mão vigorosa empurrou-o imediatamente para dentro e a sege pôs-se em andamento.
O barão, estupefato, acordou por completo.
— Eh! — gritou ao postilhão — Eh, mio caro!
Era ainda o italiano de romança, que Danglars fixara quando a filha cantava duos com o príncipe Cavalcanti.
Mas o mio caro não respondeu.
Danglars limitou-se então a abrir o vidro.
— Eh, amigo! Aonde vamos? — perguntou, metendo a cabeça pela abertura.
— Dentro la testa! — gritou uma voz grave e imperiosa, acompanhada de um gesto de ameaça.
Danglars compreendeu que dentro la testa queria dizer “cabeça para dentro”. Fazia, como vemos, rápidos progressos no italiano.
Obedeceu, não sem inquietação, e como a inquietação aumentava de minuto a minuto, passados alguns instantes o seu espírito, em vez do vácuo que assinalamos no momento da partida e que o levara a adormecer, o seu espírito, dizíamos, encontrou-se cheio de inúmeros pensamentos, uns mais próprios do que outros para manterem desperto o interesse de um viajante, e, sobretudo de um viajante na situação de Danglars.
Os seus olhos adquiriram nas trevas o grau de acuidade que transmitem no primeiro momento as emoções fortes e que se embota mais tarde por excesso de utilização. Antes de se ter medo, vê-se bem; enquanto se tem medo, vê-se a dobrar, e depois de se ter medo vê-se nublado. Danglars viu um homem envolto numa capa que galopava à portinhola da direita.
— Algum guarda — murmurou — Terei sido assinalado pelos telégrafos franceses às autoridades pontifícias?
Resolveu sair de semelhante ansiedade.
— Para onde me levam? — perguntou.
— Dentro la testa! — repetiu a mesma voz no mesmo tom de ameaça.
Danglars virou-se para a portinhola da esquerda.
Outro homem a cavalo galopava à portinhola da esquerda.
“Decididamente”, pensou Danglars com a testa coberta de suor, “Decididamente, fui apanhado...”
E recostou-se no fundo do coche, desta vez não para dormir, mas sim para pensar.
Pouco depois a Lua surgiu no céu. Do fundo do coche olhou para os campos; tornou a ver então os grandes aquedutos, fantasmas de pedra que notara ao passar; simplesmente, em vez de os ter à direita, tinha-os agora à esquerda.
Compreendeu que tinham obrigado a carruagem a dar meia volta e que o levavam novamente para Roma.
— Que pouca sorte — murmurou — Devem ter obtido a extradição!
A carruagem continuava a correr com espantosa velocidade. Passou uma hora terrível, pois em cada novo ponto de referência que via à sua passagem o fugitivo reconhecia, sem sombra de dúvida, que o reconduziam ao ponto de partida. Por fim distinguiu uma massa sombria contra a qual lhe pareceu que a carruagem ia chocar. Mas a carruagem virou e contornou essa massa sombria, que não passava da cintura de muralhas que rodeia Roma.
— Oh, oh! — murmurou Danglars — Não entramos na cidade, o que prova que não estou nas mãos da justiça. Meu Deus, será que...?
Os cabelos eriçaram-se lhe.
Recordou-se das interessantes histórias de bandidos romanos, tão pouco acreditadas em Paris, que Albert de Morcerf contara à Sra. Danglars e a Eugénie quando o jovem visconde ainda aspirava a ser genro de uma e marido da outra.
— São talvez ladrões! — murmurou.
De repente, a carruagem rodou sobre qualquer coisa mais dura do que o chão de um caminho arenoso. Danglars arriscou um olhar aos dois lados da estrada. Distinguiu monumentos de forma estranha e o seu pensamento, preocupado com a história de Morcerf, que lhe surgia agora em todos os seus pormenores, o seu pensamento disse-lhe que devia estar na Via Ápia.
À esquerda da carruagem, numa espécie de vale, via-se uma escavação circular.
Era o Circo de Caracala.
A uma ordem do homem que galopava à portinhola da direita, a carruagem parou. Ao mesmo tempo, a portinhola da esquerda abriu-se.
— Scendi! — ordenou uma vez.
Danglars desceu imediatamente. Ainda não falava italiano, mas já o entendia. Mais morto do que vivo, o barão olhou à sua volta. Rodeavam-no quatro homens, sem contar com o postilhão.
— Di quà — disse um dos quatro homens, descendo um carreirinho que levava à Via Ápia, no meio das desigualdades do terreno da campina romana.
Danglars seguiu o seu guia, sem discussão, e não teve necessidade de se virar para saber que o seguiam mais três homens.
Pareceu-lhe, no entanto que esses homens se detinham como sentinelas a distâncias pouco mais ou menos iguais. Após cerca de dez minutos de caminho, durante os quais Danglars não trocou uma única palavra com o seu guia, encontrou-se entre um cabeço e uma moita de ervas altas. Três homens de pé e calados formavam um triângulo de que ele era o centro.
Quis falar, mas a língua embaraçou-se-lhe.
— Avanti — disse a mesma voz de tom breve e imperioso.
Desta vez, Danglars compreendeu duplamente: compreendeu pela palavra e pelo gesto, pois o homem que vinha atrás empurrou-o tão rudemente para diante que ele foi de encontro ao guia.
O guia era o nosso amigo Peppino, que se meteu através das ervas altas por uma sinuosidade que só os furões-bravos e os lagartos seriam capazes de reconhecer como um caminho aberto. Peppino deteve-se diante de uma rocha encimada por uma moita espessa. Essa rocha, entreaberta como uma pálpebra, deu passagem ao rapaz, que desapareceu nela como desaparecem nos seus alçapões os diabos das nossas mágicas.
A voz e o gesto do que seguia Danglars “convidaram” o banqueiro a fazer o mesmo. Não havia que duvidar: o falido francês estava as contas com os bandidos romanos.
Danglars decidiu-se como um homem colocado entre dois perigos terríveis e a quem o medo dá coragem. Apesar de a sua barriga o não ajudar muito a entrar nas grutas da campina de Roma, lá se introduziu atrás de Peppino e, deixando-se escorregar de olhos fechados, conseguiu cair em pé.
Logo que tocou no solo abriu os olhos.
O caminho era amplo, mas escuro. Peppino, pouco preocupado em esconder-se, agora que estava em “casa”, petiscou fogo e acendeu um archote.
Mais dois homens desceram atrás de Danglars, formando a retaguarda, os quais, empurrando o banqueiro quando por acaso parava, o fizeram chegar por uma rampa suave ao meio de uma encruzilhada de aspecto sinistro.
Com efeito, as paredes, escavadas em forma de túmulos sobrepostos, pareciam no meio das pedras brancas, órbitas negras e profundas como as das caveiras.
Uma sentinela bateu com a mão esquerda no fuste da carabina.
— Quem vem lá? — perguntou a sentinela.
— Amigo, amigo! — respondeu Peppino — Onde está o capitão?
— Ali — respondeu a sentinela, indicando por cima do ombro uma espécie de grande sala aberta na rocha e cuja luz se refletia no corredor através de grandes aberturas arqueadas.
— Boa presa, capitão, boa presa — disse Peppino em italiano.
E agarrando Danglars pela gola da redingote, conduziu-o para uma abertura semelhante a uma porta e pela qual se penetrava na sala em que o capitão parecia alojar-se.
— É esse o homem? — perguntou o capitão, que lia muito atentamente A Vida de Alexandre, de Plutarco.
— O próprio, capitão; o próprio.
— Muito bem. Mostre-me.
Cumprindo esta ordem, aliás bastante impertinente, Peppino aproximou tão bruscamente o archote do rosto de Danglars que este recuou sobressaltado, para não ficar com as sobrancelhas queimadas. O seu rosto transtornado apresentava todos os indícios de um pálido e abjeto terror.
— Esse homem está cansado — disse o capitão — Conduzam-no à sua cama.
— Oh! — murmurou Danglars — A cama é provavelmente um dos túmulos escavados na parede e o sono a morte que um dos punhais que vejo cintilar na sombra me vai dar.
Com efeito, nas profundezas escuras da imensa sala soerguiam-se nas suas camas de ervas secas ou de peles de lobo os companheiros do homem que Albert de Morcerf encontrara a ler Os Comentários de César e que Danglars encontrava lendo A Vida de Alexandre.
O banqueiro soltou um gemido abafado e seguiu o seu guia. Não tentou suplicar nem gritar. Já não tinha nem coragem, nem vontade, nem força, nem sensibilidade; iria para onde o arrastassem. Tropeçou num degrau e, compreendendo que havia uma escada na sua frente, baixou-se instintivamente para não partir a cabeça e encontrou-se numa cela talhada em plena rocha.
A cela estava limpa, apesar de vazia, e seca, apesar de situada debaixo da terra a uma profundidade incomensurável. Uma cama de ervas secas cobertas de peles de cabra encontrava-se, não erguida, mas estendida, num canto da cela.
Ao vê-la, Danglars julgou ver o símbolo radioso da sua salvação.
— Deus seja louvado, é uma verdadeira cama! — murmurou.
Era a segunda vez numa hora que invocava o nome de Deus, coisa que lhe não acontecia havia dez anos.
— Ecco — disse o guia.
E empurrou Danglars para dentro da cela e fechou a porta.
Rangeu um ferrolho, Danglars estava prisioneiro.
De resto, mesmo que não houvesse ferrolho seria necessário ser São Pedro e ter por guia um anjo do céu para passar através da guarnição que ocupava as Catacumbas de São Sebastião e acampava à volta do seu chefe, no qual os nossos leitores já certamente reconheceram o famoso Luigi Vampa.
Danglars também reconhecera o bandido, em cuja existência não quisera acreditar quando Morcerf tentara descrevê-lo em França. Não só o reconhecera, como também reconhecera a cela em que Morcerf estivera encerrado e que, segundo todas as probabilidades, era o alojamento dos estranhos.
Estas recordações, nas quais, de resto, Danglars se comprazia com certa satisfação, restituíam-lhe a tranqüilidade. Uma vez que o não tinha matado imediatamente, era porque os bandidos não tencionavam mesmo matá-lo. Tinham-no capturado para roubar, e como só trazia consigo alguns luíses, lhe exigiriam com certeza algum resgate.
Recordou-se de que Morcerf fora taxado em qualquer coisa como quatro mil escudos; como se atribuía um aspecto muito mais importante do que Morcerf; fixou pessoalmente no seu espírito que o seu resgate seria de oito mil escudos.
Oito mil escudos correspondiam a quarenta mil francos.
Ficava-lhe ainda qualquer coisa como cinco milhões e cinqüenta mil francos.
Com isso, um homem safava-se em qualquer parte.
Portanto, quase certo de se tirar de apuros, atendendo a que não havia exemplo de alguma vez se ter taxado um homem em cinco milhões e cinqüenta mil francos, Danglars deitou-se na sua cama, onde, depois de se virar duas ou três vezes, adormeceu com a tranqüilidade do herói cuja história Luigi Vampa estudava.





continua...






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Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de MurphyO companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

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