quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 12






— CAPÍTULO DOZE —
Pratas E Opalas



ONDE ESTAVA DUMBLEDORE e o que andava fazendo? Nas semanas seguintes, Harry avistou o diretor apenas duas vezes. Agora era raro ele comparecer às refeições, e Harry acreditou que Hermione tivera razão ao afirmar que Dumbledore se ausentava da escola por vários dias de cada vez. Será que ele se esquecera das aulas que Harry esperava que desse? Dumbledore dissera que as aulas teriam uma ligação com a profecia, Harry se sentira mais confiante, reconfortado, mas agora se sentia posto de lado.
Em meados de Outubro, aconteceu o primeiro passeio do trimestre a Hogsmeade. Harry se perguntara se ainda seriam permitidos, dadas as medidas cada vez mais rigorosas em torno da escola, e ficou contente em saber que continuariam, era sempre bom sair dos terrenos do castelo por algumas horas.
Harry acordou cedo no dia do passeio, que amanhecera tempestuoso, e matou o tempo até a hora do café da manhã lendo o seu exemplar de Estudos Avançados no Preparo de Poções. Não tinha o hábito de ficar na cama lendo livros escolares, tal comportamento, dizia Rony com toda a razão, seria indecoroso em qualquer pessoa exceto Hermione, que era mesmo esquisita. Harry, porém, tinha a sensação de que o exemplar de Estudos Avançados no Preparo de Poções do Príncipe Mestiço não era bem um livro escolar.
Quanto mais o lia, mais se conscientizava da quantidade de informações que havia ali, não somente dicas providenciais e atalhos para o preparo de poções que lhe conquistavam uma reputação tão brilhante com Slughorn, como também pequenos feitiços e azarações anotadas à margem que Harry tinha certeza, a julgar pelos cortes e revisões, o próprio Príncipe inventara.
Harry já tentara realizar alguns desses feitiços inventados. Havia um que fazia as unhas do pé crescerem com assustadora rapidez (experimentara esse em Crabbe, quando ele passara no corredor, com resultados divertidos), outro que colava a língua no céu da boca (usara duas vezes, sob aplausos gerais, no incauto Filch), e, talvez, o mais útil deles, o Abaffiato, um feitiço que invadia os ouvidos de quem estivesse próximo com um zumbido indefinível, permitindo que se pudesse conversar longamente em aula sem ser ouvido.
A única pessoa que não achava graça em nada disso era Hermione, que fazia uma cara de rígida desaprovação durante as demonstrações e se recusava sequer a falar quando Harry usava o Abaffiato em alguém por perto.
Harry sentou-se na cama e virou o livro de lado para poder examinar mais atentamente as anotações referentes a um feitiço que parecia ter dado trabalho ao Príncipe. Havia muitos cortes e alterações, mas, finalmente, espremido em um canto da página, ele encontrou o rabisco: Levicorpus (n-vbl). Enquanto o vento e o granizo martelavam incessantemente as janelas e Neville dormia dando fortes roncos, Harry fitava as letras entre parênteses. N-vbl... isso tinha de significar não-verbal. Harry duvidava um pouco que pudesse executá-lo, ainda encontrava dificuldade com feitiços não-verbais, coisa que Snape se apressava em comentar a cada aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Em compensação, o Príncipe tinha se mostrado um professor mais eficiente do que Snape fora até aquele momento.
Apontando a varinha a esmo, Harry fez um curto gesto para o alto e disse mentalmente:
— Levicorpus!
— Aaaaaaaarre!
Houve um lampejo e o quarto se encheu de vozes: todos acordaram com o berro de Rony. Em pânico, Harry varejou longe o Estudos Avançados no Preparo de Poções, seu amigo estava pendurado no ar de cabeça para baixo, como se tivesse sido guindado pelo tornozelo por um gancho invisível.
— Desculpe! — gritou Harry, enquanto Dino e Simas davam grandes gargalhadas, e Neville se levantava do chão pois caíra da cama — Calma aí... vou fazer você descer...
Ele catou o livro de poções e folheou-o, em pânico, tentando encontrar a página certa, por fim, localizou-a e decifrou a palavra apertadinha sob o feitiço: rezando para que fosse o contrafeitiço, mentalizou: Liberacorpus! com toda a concentração.
Houve um segundo lampejo e Rony despencou no colchão.
— Desculpe — repetiu Harry tolamente, enquanto Dino e Simas continuavam a dar gargalhadas.
— Amanhã — disse Rony com a voz abafada — Eu prefiro que você use o despertador.
Quando eles finalmente terminaram de se vestir, protegendo-se com vários dos suéteres tricotados pela Sra. Weasley e levando capas, cachecóis e luvas, o susto de Rony se abrandara e ele concluíra que o novo feitiço do amigo era engraçadíssimo, tão engraçado, de fato, que ele não perdeu tempo em brindar Hermione com o episódio à mesa do café da manhã.
—... aí houve um segundo lampejo e eu aterrissei de novo na cama! — contou ele rindo, enquanto se servia de salsichas.
Hermione não dera um único sorriso durante a narrativa, e agora assumia uma expressão de gélida censura a Harry.
— Por acaso, esse foi mais um feitiço daquele seu livro de poções? — perguntou.
Harry fechou a cara para a amiga.
— Você sempre tira a pior conclusão, não é?
— Foi?
— Bem... foi, mas e daí?
— Então você simplesmente resolveu experimentar um encantamento desconhecido, escrito a mão, e ver o que acontecia?
— Que diferença faz se está escrito a mão? — retrucou Harry, preferindo não responder à pergunta.
— Porque provavelmente não é aprovado pelo Ministério da Magia — tornou Hermione. — E mais — continuou, enquanto Harry e Rony olhavam para o teto — Estou começando a achar que esse tal Príncipe era meio suspeito.
Os dois garotos abafaram aos gritos os protestos de Hermione.
— Foi só uma brincadeira! — disse Rony, virando um vidro de ketchup nas salsichas — Só uma brincadeira, Hermione, nada mais!
— Pendurar gente de cabeça para baixo pelo tornozelo? — replicou Hermione — Quem é que gasta tempo e energia para inventar feitiços como esse?
— Fred e Jorge — respondeu Rony, encolhendo os ombros — É bem a cara deles. E, ãh...
— Meu pai — disse Harry, que acabara de se lembrar.
— Quê? — exclamaram Rony e Hermione juntos.
— Meu pai usou esse feitiço. Eu... Lupin me contou.
A segunda parte não era verdade, de fato, Harry vira o pai usar o feitiço contra Snape, mas jamais contara aos amigos sua rápida excursão pela Penseira. Agora, no entanto, ocorria-lhe uma possibilidade fantástica. Seria possível que o Príncipe Mestiço fosse...?
— Talvez o seu pai tenha usado, Harry — contrapôs Hermione — Mas não foi o único. Já vimos muita gente usar esse feitiço, caso você tenha esquecido. Pendurar gente no ar. Fazer gente flutuar, adormecida, indefesa.
Harry arregalou os olhos para ela. Com uma sensação de desânimo, ele, também, se lembrou do comportamento dos Comensais da Morte na Copa Mundial de Quadribol.
Rony veio em seu auxílio.
— Lá foi diferente — disse com firmeza — Estavam abusando. Harry e o pai dele só estavam brincando. Você não gosta do Príncipe, Hermione — acrescentou Rony, apontando uma salsicha para a amiga, sério — Porque ele é melhor do que você em Poções.
— Não tem nada a ver! — retrucou Hermione corando — Só acho que é muito irresponsável ficar realizando feitiços sem nem saber para que servem, e pare de falar em “o Príncipe” como se fosse um título, aposto que é só um apelido idiota e acho que, pelo jeito, ele nem era uma pessoa muito legal!
— Não sei como você chegou a essa conclusão — contestou Harry inflamado — Se ele tivesse sido um futuro Comensal da Morte, não estaria se gabando de ser mestiço e sim de ser puro, não é?
Ao dizer isso, Harry se lembrou de que seu pai tinha sangue puro, mas afastou o pensamento da mente, mais tarde se preocuparia com isso...
— Não é possível que todos os Comensais da Morte tenham sangue puro, não existem mais tantos bruxos de sangue puro — insistiu Hermione — Imagino que a maioria seja mestiça e finja ser pura. Só odeiam os que nasceram trouxas, e ficariam muito felizes em deixar você e Rony se alistarem.
— Nunca me deixariam ser um Comensal da Morte! — respondeu Rony indignado, brandindo um garfo para Hermione e arremessando no ar um pedaço de salsicha que foi bater na cabeça de Ernesto Macmillan — Toda a minha família é traidora do sangue! Para os Comensais da Morte, isto é tão ruim quanto ser nascido trouxa!
— E eles adorariam que eu me alistasse — comentou Harry, sarcástico — Seríamos grandes companheiros se eles não insistissem em me liquidar.
O comentário fez Rony rir, até Hermione sorriu de má vontade, mas foram interrompidos pela chegada de Gina.
— Ei, Harry, me mandaram lhe entregar isso.
Era um rolo de pergaminho com o seu nome escrito em uma caligrafia conhecida, fina e inclinada.
— Obrigado, Gina... é a próxima aula de Dumbledore! — disse Harry a Rony e Hermione, abrindo o pergaminho e lendo-o em silêncio — Segunda à noite! — sentiu-se de repente leve e feliz — Quer se encontrar com a gente em Hogsmeade, Gina?
— Estou indo com o Dino, talvez a gente se veja lá — respondeu Gina, acenando para os três ao se afastar.
Filch estava parado às portas de carvalho, como sempre, verificando os nomes dos alunos que tinham permissão de ir a Hogsmeade. O processo demorou ainda mais do que o normal porque o zelador estava verificando todo o mundo três vezes com o seu sensor de segredos.
— Que diferença faz se estamos contrabandeando objetos das Trevas para FORA da escola? — quis saber Rony olhando apreensivo para o sensor de segredos — Deviam era verificar o que trazemos para DENTRO, não?
O atrevimento lhe custou umas cutucadas a mais do sensor, e ele ainda fazia caretas de dor quando saíram para enfrentar o vento e o granizo.
A caminhada até Hogsmeade não foi agradável. Harry cobriu o maxilar com o cachecol, as partes expostas do corpo logo ficaram ardidas e dormentes. A estrada para a aldeia estava repleta de estudantes curvados contra o vento cortante. Mais de uma vez, Harry se perguntou se não teriam se divertido mais na Sala Comunal aquecida, e quando, por fim, chegaram a Hogsmeade e encontraram a Zonko’s, Logros e Brincadeiras fechada com tábuas, ele achou que era uma confirmação de que o passeio não seria divertido.
Rony apontou com a mão protegida por urna grossa luva para a Dedosdemel, que felizmente estava aberta, e Harry e Hermione entraram em sua esteira na loja apinhada de gente.
— Graças a Deus — estremeceu Rony, quando foram envolvidos pelo ar quente recendendo a caramelos — Vamos passar a tarde inteira aqui.
— Harry, meu rapaz! — trovejou uma voz às suas costas.
— Ah, não — murmurou Harry.
Os três se viraram e deram com o Prof. Slughorn, com um enorme gorro de peles e um sobretudo com uma gola igual, o professor ocupava, no mínimo, um quarto da loja e segurava uma sacola de abacaxi cristalizado.
— Harry, você já faltou a três dos meus pequenos jantares! — disse Slughorn, dando-lhe um cutucão cordial no peito, com o dedo — Não vai adiantar, meu rapaz, estou decidido a fazê-lo comparecer. A Srta. Granger adora os jantares, não é verdade?
— É — concordou Hermione indefesa — São realmente...
— Então por que você não vem também, Harry? — quis saber Slughorn.
— Bem, tenho tido treino de quadribol, professor — respondeu Harry, que, na verdade, andava marcando treinos todas as vezes que Slughorn lhe enviava o pequeno convite com a fita roxa. Com essa estratégia, Rony não se sentia excluído e, em geral, eles davam boas risadas com Gina, imaginando Hermione trancada com McLaggen e Zabini.
— Bem, eu certamente espero que você vença sua primeira partida depois de todo este trabalho duro! — disse Slughorn — Mas um pouco de recreação nunca machuca ninguém. Agora, como em uma noite de segunda, você pode supostamente querer praticar com este tempo...
— Eu não posso professor, eu tenho... é... um compromisso com o Prof. Dumbledore na segunda.
— Sem sorte de novo! — disse Slughorn dramaticamente — Bom... você não pode se esquivar de mim para sempre Harry!
E com um aceno largo, ele saiu caminhando como um pato para fora da loja, tendo uma pequena percepção da presença de Rony, como se ele fosse uma amostra de baratas de açúcar.
— Eu não acredito que você escapou de outro — disse Hermione, balançando suas mãos — Elas não são tão ruins, sabia... elas até são divertidos algumas vezes... — mas então ela percebeu a expressão de Rony — Oh, veja... eles receberam penas de luxo açucaradas, aquelas duraram horas.
Feliz que Hermione tinha mudado de assunto, Harry mostrou-se muito mais interessado na nova extra larga pena açucarada do que geralmente estaria, mas Rony continuou a olhar mal humorado e apenas encolheu os ombros quando Hermione perguntou onde ele queria ir depois.
— Vamos ao Três Vassouras — disse Harry — Lá estará quente.
Eles protegeram seus rostos com os cachecóis novamente e saíram da loja de doces. O vento amargo era como facas nos seus rostos após o ar quente e adocicado da Dedosdemel. A rua não estava muito cheia, ninguém estava conversando, apenas correndo em direção aos seus destinos.
Exceção feita a dois homens um pouco a frente deles, parados do lado de fora do Três Vassouras. Um era muito alto e magro, olhando através dos seus óculos molhados pela chuva, Harry reconheceu o barman que trabalhava no outro pub de Hogsmeade, no Cabeça de Javali. Como Harry, Rony e Hermione se aproximaram, o barman apertou sua capa com força ao redor do pescoço e entrou, deixando o homem mais baixo mexendo em algo nos seus braços. Eles estavam a poucos passos dele quando Harry percebeu quem o era o segundo homem.
— Mundungo!
O homem curvado sobre as pernas com um cabelo longo, bagunçado e de cor avermelhada pulou e deixou cair uma mala velha, a qual abriu a força, mostrando o que parecia ser todo o conteúdo de uma vitrine de loja de porcarias.
— Ah, fala ai, Harry — disse Mundungo Fletcher, com o ar, não convincente, de animação — Bem, não me deixe atrasar você.
E ele começou a pegar do chão todo o conteúdo de sua mala parecendo desesperado para ir embora.
— Você está vendendo estas coisas? — perguntou Harry, vendo Mundungo agarrar diversos objetos sujos pelo chão.
— Oh, bem, eu preciso sobreviver — disse Mundungo — Me de isso!
Rony tinha parado e pego algo prateado.
— Espera ai — Rony disse devagar — Isto parece familiar...
— Obrigado! — disse Mundungo, agarrando a taça das mãos de Rony e colocando de volta dentro da mala — Bem, eu vejo vocês por aí. UI!
Harry prendeu Mundungo contra a parede do pub pela garganta. Segurando-o rápido com uma mão, ele puxou sua varinha.
— Harry! — gritou Hermione.
— Você roubou isso da casa de Sirius — disse Harry, que estava quase cara a cara com Mundungo e este exalava um cheiro desagradável de fumo e bebida —Isto tem o brasão da família Black gravado.
— Eu... não... o quê? — disse Mundungo com dificuldade, que estava se tornado roxo aos poucos.
— O que você fez, voltou na noite em que ele morreu e limpou a casa? — gritou Harry com fúria.
— Eu... não...
— Dá isso aqui!
— Harry, você não faça isso! — implorou Hermione, quando Mundungo começou a ficar azul.
Houve um BANG e Harry sentiu suas mãos voarem da garganta de Mundungo. Engasgado e sussurrando, Mundungo agarrou sua mala caída no chão, e CRACK, desaparatou.
Harry xingou alto, procurando desesperadamente para ver onde Mundungo tinha ido.
— VOLTE AQUI SEU LADRÃO!
— Não há razão para isso Harry — Tonks tinha aparecido do nada, seu cabelo cor de rato molhado com a nevasca — Mundungo já está em Londres a está hora. Não há porque ficar gritando.
— Ele está roubando as coisas de Sirius! Roubando!
— Sim, mais ainda — disse Tonks, que parecia perfeitamente despreocupada com esta informação — Você deveria sair dessa friagem.
E ficou observando-os cruzar a entrada do Três Vassouras.
No instante em que entrou, Harry explodiu:
— Ele estava afanando as coisas de Sirius!
— Eu sei, Harry, mas, por favor, não grite, as pessoas estão olhando — sussurrou Hermione — Vai sentar, eu apanho uma bebida para você.
Harry ainda espumava quando Hermione voltou à mesa alguns minutos depois, trazendo três garrafas de cerveja amanteigada.
— Será que a Ordem não pode controlar o Mundungo? — Harry perguntou aos outros dois, num sussurro enfurecido — Não podem ao menos impedi-lo de roubar tudo que não está pregado quando ele está na sede?
— Psiu! — exclamou Hermione desesperada, virando-se para os lados a ver se ninguém os escutava.
Havia uns bruxos sentados perto que observavam Harry com grande interesse, e Zabini estava encostado em uma coluna, à toa, à pequena distância.
— Harry, eu também me zangaria, sei que são as suas coisas que ele está roubando...
Harry engasgou com a cerveja: momentaneamente esquecera que era o dono da casa doze do Largo Grimmauld.
— É, são as minhas coisas! Não admira que ele não tenha gostado de me ver! Bem, vou contar ao Dumbledore o que está acontecendo, ele é o único que mete medo em Mundungo.
— Boa ideia — sussurrou Hermione, visivelmente satisfeita que Harry estivesse se acalmando — Rony, que é que você está olhando tanto?
— Nada — respondeu Rony, desviando depressa o olhar do balcão do bar, mas Harry sabia que ele estava tentando atrair a atenção de Madame Rosmerta, a sedutora e curvilínea dona do Três Vassouras, por quem tinha uma queda, havia muito tempo.
— Presumo que “nada” esteja lá nos fundos apanhando mais uísque de fogo — ironizou Hermione.
Rony fingiu não ouvir a alfinetada, e continuou a beber sua cerveja em um silêncio que ele evidentemente considerou digno.
Harry ficou se lembrando de Sirius e de como o padrinho detestava aquelas taças de prata.
Hermione tamborilava na mesa, seus olhos correndo de Rony para o bar.
No instante em que Harry tomou os últimos goles de sua cerveja, a amiga disse:
— Então, vamos encerrar o dia e voltar para a escola?
Os outros dois concordaram, não tinha sido um passeio divertido, e quanto mais se demoravam, pior ficava o tempo. Mais uma vez eles se enrolaram bem nas capas, ajeitaram os cachecóis, calçaram as luvas, saíram do bar em seguida a Cátia Bell e uma amiga, e tornaram a subir a Rua Principal.
Os pensamentos de Harry se desviaram para Gina enquanto avançavam pela estrada de Hogwarts em meio à lama congelada. Com certeza não tinham encontrado a garota, concluiu Harry, porque ela e Dino deviam estar aconchegados no salão de chá de Madame Puddifoot, aquele refúgio de casais felizes. De cara amarrada, ele baixou a cabeça para enfrentar o torvelinho de granizo e continuou andando.
Levou algum tempo para perceber que as vozes de Cátia Bell e sua amiga, que o vento trazia até ele, tinham se tornado mais altas e esganiçadas. Harry apertou os olhos para ver melhor seus vultos indistintos. As duas discutiam a respeito de alguma coisa que Cátia segurava na mão.
— Não é da sua conta, Liane! — Harry ouviu Cátia dizer.
Eles contornaram a curva da estrada, o granizo caía denso e rápido, embaçando os óculos de Harry. No instante em que ele ergueu a mão enluvada para limpá-los, Liane tentou agarrar o pacote que Cátia levava, esta resistiu, e o pacote caiu no chão.
Na mesma hora, a garota se ergueu no ar, não como Rony fizera, suspenso comicamente pelo tornozelo, mas graciosamente, com os braços estendidos como se fosse voar. Contudo, havia alguma coisa errada, alguma coisa esquisita... o vento forte fazia seus cabelos chicotearem, mas seus olhos estavam fechados e o rosto, vidrado. Harry, Rony, Hermione e Liane pararam instantaneamente para observar.
Então, a quase dois metros do chão, Cátia soltou um grito pavoroso. Seus olhos estavam arregalados, e o que quer que estivesse vendo ou sentindo causou-lhe visivelmente uma terrível angústia. Ela gritava sem parar, Liane começou a gritar também e agarrou Cátia pelos tornozelos, tentando puxá-la para o chão. Harry, Rony e Hermione correram para ajudar, mas, na hora em que a agarraram pelas pernas, a garota desabou em cima deles, Harry e Rony conseguiram apará-la, mas ela se contorcia de tal modo que mal conseguiam contê-la. Por isso, deitaram-na no chão onde ela ficou se debatendo e gritando, aparentemente incapaz de reconhecê-los.
Harry olhou para os lados, a paisagem parecia deserta.
— Fiquem aí! — gritou para que o ouvissem naquela ventania — Vou buscar ajuda!
Ele começou a correr em direção à escola, nunca vira ninguém agir como Cátia, e não conseguia imaginar o que podia ter desencadeado aquilo. Arremessou-se por uma curva da estrada e colidiu com um obstáculo que parecia um enorme urso apoiado nas pernas traseiras.
— Hagrid! — ofegou, desvencilhando-se da cerca viva em que caíra.
— Harry! — exclamou Hagrid, cujas sobrancelhas e barba estavam duras de granizo, trajava seu espesso casacão de pele de castor — Acabei de visitar o Grope, está progredindo tanto que você não...
— Hagrid, tem uma garota passando mal lá atrás, ou enfeitiçada ou sei lá...
— Quê? — perguntou Hagrid, curvando-se para ouvir o que Harry estava dizendo naquela ventania enfurecida.
— Alguém foi enfeitiçado! — berrou Harry.
— Enfeitiçado? Quem foi enfeitiçado... não foi o Rony? A Hermione?
— Não, não foram eles, a Cátia Bell... por aqui...
Juntos, eles voltaram correndo pela estrada. Sem demora, encontraram o grupinho de pessoas em volta da garota, que continuava a se contorcer e a gritar no chão.
Rony, Hermione e Liane tentavam acalmá-la.
— Para trás! — gritou Hagrid — Me deixem ver a garota!
— Aconteceu alguma coisa com ela! — soluçou Liane — Não sei o quê.
Hagrid olhou para Cátia por um segundo, então, sem dizer uma palavra, abaixou-se, apanhou-a nos braços e correu em direção ao castelo. Segundos depois, os gritos lancinantes de Cátia morriam ao longe e eles ouviam apenas o rugido do vento.
Hermione correu para a amiga de Cátia em prantos e abraçou a garota pelos ombros.
— Você é a Liane, não é?
A garota confirmou.
— Aconteceu de repente ou...?
— Foi quando aquele embrulho rasgou — soluçou Liane, apontando para o embrulho de papel pardo agora empapado no chão, que se abrira revelando um brilho esverdeado.
Rony se abaixou com a mão estendida, mas Harry agarrou-o pelo braço e puxou-o para trás.
— Não mexe nisso!
Ele se agachou.
Pelo rasgão, via-se um requintado colar de opalas.
— Já vi esse colar antes — disse Harry, olhando-o com atenção — Esteve exposto na Borgin & Burkes há séculos. Estava escrito na etiqueta que era amaldiçoado. Cátia deve ter tocado nele — ele olhou para Liane, que começara a tremer descontroladamente — Como foi que Cátia arranjou isso?
— Bem, era por isso que estávamos discutindo — explicou Liane — Ela voltou do banheiro do Três Vassouras trazendo o colar, disse que era uma surpresa para alguém em Hogwarts que precisava entregar. Estava muito esquisita quando falou isso... ah, não, ah, não, aposto como foi amaldiçoada com a Imperius e eu nem percebi!
Liane foi sacudida por novos soluços.
Hermione deu palmadinhas gentis em seu ombro.
— Ela não contou quem tinha lhe dado o embrulho, Liane?
— Não... não quis me contar... e eu disse que estava sendo burra, que não levasse aquilo para a escola, mas ela não quis me escutar... então tentei tirar o embrulho da mão dela... e... e... — Liane soltou um grito de desespero.
— É melhor irmos para a escola — disse Hermione, ainda abraçando Liane — Poderemos saber como ela está. Vamos...
Harry hesitou um instante, então, puxando o cachecol que protegia seu rosto e ignorando a exclamação de Rony, cobriu cuidadosamente o colar e apanhou-o.
— Precisaremos mostrar isso a Madame Pomfrey.
Enquanto seguiam Hermione e Liane pela estrada, Harry pensava freneticamente. Tinham acabado de penetrar os terrenos da escola quando ele falou, incapaz de calar os seus pensamentos por mais tempo.
— Malfoy conhece esse colar. Estava em um estojo na Borgin & Burkes há quatro anos, vi Malfoy dando uma boa olhada no colar enquanto eu estava escondido dele e do pai. Era isso que ele estava comprando naquele dia em que o seguimos! Ele se lembrou do colar e voltou para buscá-lo.
— Nã... não sei, Harry — disse Rony hesitante — Um monte de gente vai à Borgin & Burkes... e aquela garota não disse que Cátia pegou o colar no banheiro?
— Ela disse que a Cátia voltou do banheiro trazendo o colar, o que não significa necessariamente que tenha apanhado o embrulho lá...
— McGonagall! — alertou-os Rony.
Harry levantou a cabeça. De fato, a professora vinha ao seu encontro descendo, ligeira, os degraus de pedra da entrada em um redemoinho de granizo.
— Hagrid diz que vocês quatro viram o que aconteceu com a Cátia Bell... já para a minha sala, por favor! Que é isso que você está levando, Potter?
— É a coisa que ela segurou.
— Santo Deus! — exclamou a professora, parecendo alarmada ao tomar o colar de Harry.
— Não, não, Filch, eles estão comigo! — acrescentou rapidamente ao ver o zelador atravessar pressuroso o saguão de entrada empunhando o seu sensor de segredos — Leve este colar ao Prof. Snape agora, mas tenha cuidado para não tocá-lo, deixe-o embrulhado no cachecol!
Harry e os outros acompanharam a professora à sua sala no primeiro andar. As janelas respingadas de cristais de gelo sacudiam ruidosamente em suas molduras e a sala estava gélida, apesar do fogo que crepitava na lareira.
McGonagall fechou a porta e contornou a escrivaninha para ficar de frente para Harry, Rony, Hermione e a soluçante Liane.
— Então? — disse com rispidez — Que aconteceu?
Vacilante, fazendo muitas pausas nas quais tentava controlar o choro, Liane contou à professora que Cátia tinha ido ao banheiro no Três Vassouras e voltara trazendo um embrulho sem identificação, que a amiga parecera meio esquisita e que tinham discutido sobre a sensatez de aceitar entregar objetos desconhecidos, que a discussão culminara em uma luta em que o embrulho se rasgou. Nessa altura, Liane estava tão emocionada que não foi possível arrancar mais nenhuma palavra dela.
— Muito bem — disse a Profª. McGonagall, quase bondosamente — Suba à Ala Hospitalar, por favor, Liane, e peça a Madame Pomfrey para lhe dar alguma coisa para o choque.
Quando a garota se retirou, a Profª. McGonagall voltou sua atenção para Harry, Rony e Hermione.
— Que aconteceu quando Cátia tocou o colar?
— Ela subiu no ar — respondeu Harry, antes que os outros dois pudessem falar — E então começou a berrar e perdeu os sentidos. Professora, posso ver o Prof. Dumbledore, por favor?
— O diretor estará ausente até Segunda-Feira, Potter — informou ela, parecendo surpresa.
— Fora? — repetiu ele com raiva.
— É, Potter, fora! — enfatizou a professora com sarcasmo — Mas qualquer coisa que você tenha a dizer sobre este horrível incidente certamente poderá ser dito a mim!
Por uma fração de segundo, Harry hesitou.
A Profª. McGonagall não inspirava confidencias; embora Dumbledore fosse, sob muitos aspectos, assustador, parecia menos inclinado a desprezar uma teoria, por mais mirabolante que fosse. Mas era uma questão de vida ou morte, e não era hora de se preocupar que rissem dele.
— Acho que Draco Malfoy deu aquele colar à Cátia, professora.
A um lado dele, Rony cocou o nariz visivelmente constrangido; do outro, Hermione arrastou os pés como se quisesse dar distância entre ela e Harry.
— É uma acusação muito séria, Potter — disse a Profª. McGonagall, depois de uma pausa escandalizada — Você tem alguma prova?
— Não, mas... — e ele contou que seguira Malfoy à Borgin & Burkes e escutara a conversa entre o garoto e Borgin.
Quando terminou de falar, a Profª. McGonagall parecia estar ligeiramente confusa.
— Malfoy levou alguma coisa para consertar na Borgin & Burkes?
— Não, professora, ele queria que Borgin o ensinasse a consertar alguma coisa que não tinha levado com ele. Mas isso não é importante, o fato é que ele comprou alguma coisa naquela hora, e acho que foi o colar...
— Você viu Malfoy sair da loja com um embrulho igual?
— Não, professora, ele mandou Borgin guardar a compra na loja.
— Mas Harry — interrompeu-o Hermione — Borgin perguntou se queria levar com ele e Malfoy disse “não”...
— Porque não queria tocar no colar, é óbvio! — contrapôs Harry, aborrecido.
— O que Malfoy realmente disse foi: “Como é que eu ficaria carregando isso pela rua?” — contou Hermione.
— Bem, ele iria parecer meio retardado levando um colar — interpôs Rony.
— Ah, Rony — disse Hermione com desespero — O colar estaria embrulhado para ele não precisar tocar e seria fácil esconder embaixo da capa, e ninguém veria nada! Acho que o que ele deixou reservado na Borgin & Burkes era barulhento ou volumoso; alguma coisa que Malfoy sabia que chamaria atenção se saísse carregando pela rua, e, seja como for — continuou Hermione alteando a voz para impedir que Harry a interrompesse — Eu perguntei ao Borgin sobre o colar, não se lembra? Quando entrei para tentar descobrir o que Malfoy tinha pedido para reservar, eu o vi. E Borgin só me disse quanto custava, não falou que já estava vendido nem nada...
— Ora, você foi muito óbvia, ele percebeu qual era a sua jogada em cinco segundos, claro que não ia lhe dizer, mas Malfoy poderia ter mandado buscar uma vez que...
— Já chega — disse a Profª. McGonagall, quando Hermione abriu a boca para retorquir, furiosa — Potter, eu agradeço ter me contado isso, mas não podemos acusar Malfoy simplesmente porque ele visitou a loja onde o colar poderia ser comprado. Isto provavelmente se aplicaria a centenas de pessoas...
—... foi o que eu falei — murmurou Rony.
—... e, seja como for, este ano implantamos medidas de segurança rigorosas na escola, não creio que o colar pudesse ter entrado sem o nosso conhecimento...
—... mas...
—... e além disso — disse a Profª. McGonagall com um ar inabalável — O Sr. Malfoy não esteve em Hogsmeade hoje.
Harry olhou-a boquiaberto e menos seguro.
— Como é que a senhora sabe, professora?
— Porque ele estava cumprindo uma detenção comigo. É a segunda vez seguida que não termina os deveres de casa. Portanto, obrigada por ter me contado suas suspeitas, Potter — concluiu passando decidida pelos três — Mas preciso ir à Ala Hospitalar me informar sobre Cátia Bell. Bom dia para todos.
Ela segurou aberta a porta da sala.
Os garotos não tiveram escolha senão sair calados.
Harry ficou zangado com os outros dois por se aliarem a McGonagall, no entanto, sentiu-se compelido a entrar na conversa quando começaram a discutir o que acontecera.
— Então, a quem vocês acham que a Cátia tinha de entregar o colar? — perguntou Rony, enquanto subiam as escadas para a sala Comunal.
— Só Deus sabe — exclamou Hermione — Mas quem quer que tenha sido escapou por pouco. Ninguém poderia ter aberto aquele embrulho sem tocar nele.
— A um monte de gente — disse Harry — Dumbledore: os Comensais da Morte teriam adorado se livrar dele, deve ser um dos seus alvos preferidos. Ou Slughorn: Dumbledore acha que Voldemort realmente o queria, e os Comensais não devem ter ficado satisfeitos quando ele se aliou a Dumbledore. Ou...
— Ou você — lembrou Hermione, perturbando-se.
— Não podia ter sido ou, na estrada, a Cátia simplesmente se viraria e o entregaria a mim, não é? Eu estava atrás dela o tempo todo desde que saímos do Três Vassouras. Faria muito mais sentido entregar o embrulho fora da escola, já que o Filch está revistando todo o mundo que entra e sai. Por que será que o Malfoy a mandou levar o embrulho para o castelo?
— Harry, Malfoy não esteve em Hogsmeade! — lembrou Hermione, dessa vez batendo o pé de frustração.
— Então deve ter usado um cúmplice, Crabbe ou Goyle... ou, pensando bem, até outro Comensal da Morte, deve ter um montão de companheiros melhores que Crabbe e Goyle agora que se alistou...
Rony e Hermione trocaram olhares que diziam claramente “não adianta discutir com ele”.
— Sopa da coroação — disse Hermione com firmeza ao chegarem à Mulher Gorda.
O retrato girou, admitindo-os à Sala Comunal. Estava repleta e cheirava a roupas úmidas, muitas pessoas pareciam ter regressado a Hogwarts cedo por causa do mau tempo. Mas não havia burburinho de medo nem de especulação: obviamente, a notícia do que acontecera a Cátia ainda não tinha se espalhado.
— Mas, quando a gente para e pensa, não foi um ataque muito inteligente — comentou Rony, arrancando com displicência um calouro de uma das confortáveis poltronas junto à lareira, para poder se sentar — O feitiço nem chegou ao castelo. Não é o que a gente poderia chamar de infalível.
— Tem razão — concordou Hermione, empurrando Rony para fora da poltrona e tornando a oferecê-la ao calouro — Não foi muito bem pensado.
— E desde quando Malfoy é um dos grandes pensadores do mundo? — perguntou Harry.
Nem Rony nem Hermione lhe responderam.








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