— CAPÍTULO DEZENOVE —
Campana de Elfos
—
ENTÃO, NO GERAL, NÃO FOI UM DOS MELHORES ANIVERSÁRIOS do Rony, não é? —
comentou Fred.
Era
noite, a Ala Hospitalar estava silenciosa, as cortinas fechadas, as luzes
acesas. A cama de Rony era a única ocupada. Harry, Hermione e Gina estavam
sentados à sua volta, tinham passado o dia inteiro esperando do lado de fora
das portas duplas, tentando espiar lá para dentro, sempre que alguém entrava ou
saía.
Madame
Pomfrey só os deixara entrar às oito horas da noite. Fred e Jorge tinham
chegado dez minutos depois.
— Não
foi bem assim que imaginamos entregar nosso presente — disse Jorge, sério,
deixando um grande embrulho na mesa-de-cabeceira de Rony e se sentando ao lado
de Gina.
— É,
quando imaginamos a cena, ele estava consciente — confirmou Fred.
—
Estávamos em Hogsmeade, esperando para fazer uma surpresa a ele — falou Jorge.
—
Vocês estavam em Hogsmeade? — admirou-se Gina, erguendo a cabeça.
—
Estivemos pensando em comprar a Zonko’s — respondeu Fred triste — Uma filial em
Hogsmeade, sabe, mas não vai nos adiantar nada, se vocês não tiverem mais
permissão de sair nos fins de semana e comprar os nossos artigos... mas deixa
isso para lá.
Ele
puxou uma cadeira ao lado de Harry e contemplou o rosto pálido de Rony.
—
Como foi exatamente que isso aconteceu, Harry?
O
garoto tornou a contar a história que tinha a impressão de já ter repetido cem
vezes a Dumbledore, a McGonagall, a Madame Pomfrey, a Hermione e a Gina.
—...
então enfiei o bezoar na boca de Rony e a respiração dele melhorou um pouco,
Slughorn correu para buscar ajuda, McGonagall e Madame Pomfrey apareceram e o
trouxeram aqui para cima. Acham que vai se curar. Madame Pomfrey diz que terá
de ficar aqui mais ou menos uma semana... tomando Essência de Arruda.
—
Caramba, foi sorte você ter se lembrado do bezoar — disse Jorge em voz baixa.
—
Sorte que tivesse um na sala — respondeu Harry, que gelava só de pensar no que
teria acontecido se não tivesse conseguido obter a pedrinha.
Hermione
deu uma fungada quase inaudível. Tinha estado excepcionalmente quieta o dia
todo. Tendo se precipitado, lívida, ao encontro de Harry, à porta da Ala
Hospitalar, e exigido saber o que acontecera, ela praticamente não participara
da discussão obsessiva entre Harry e Gina sobre o modo como Rony fora
envenenado; meramente se postara ao lado deles, com os dentes cerrados e uma
expressão de medo até que, finalmente, receberam autorização para vê-lo.
—
Mamãe e papai sabem? — perguntou Fred a Gina.
—
Eles já viram o Rony, chegaram há uma hora, estão no escritório de Dumbledore,
agora, mas vão voltar logo...
Houve
uma pausa durante a qual todos ficaram observando Rony, adormecido, resmungar
um pouco.
—
Então o veneno estava na garrafa? — perguntou Jorge em voz baixa.
—
Estava — respondeu Harry imediatamente, não conseguia pensar em nada mais, e a
oportunidade de retomar a discussão o deixava feliz — Slughorn serviu o
hidromel...
— Ele
poderia ter posto alguma coisa na taça de Rony sem você ver?
—
Provavelmente, mas por que Slughorn iria querer envenenar Rony?
— Não
faço a menor ideia — respondeu Fred, enrugando a testa — Você acha que ele
poderia ter trocado as taças por engano? Querendo envenenar você?
— Por
que Slughorn iria querer envenenar Harry? — indagou Gina.
— Não
sei — replicou Fred — Mas deve haver muita gente que gostaria de envenenar
Harry, não? “O Eleito” e tudo o mais?
—
Então você acha que Slughorn é um Comensal da Morte? — perguntou Gina.
—
Tudo é possível — respondeu Fred sombriamente.
— Ele
poderia estar dominado pela Maldição Imperius — sugeriu Jorge.
— Ou
poderia ser inocente — tornou Gina — O veneno poderia estar na garrafa, caso em
que provavelmente era destinado ao próprio Slughorn.
—
Quem iria querer matar Slughorn?
—
Dumbledore acha que Voldemort queria o apoio de Slughorn — disse Harry — O
professor esteve escondido durante um ano antes de vir para Hogwarts. E... —
ele pensou na lembrança que Dumbledore ainda não conseguira extrair dele —... E
talvez Voldemort queira tirar Slughorn do caminho, talvez ache que ele pode ser
valioso para Dumbledore.
— Mas
você disse que Slughorn tinha pensado em dar a garrafa a Dumbledore no Natal —
Gina lembrou a Harry — Então o envenenador poderia muito bem estar atrás do
Dumbledore.
—
Então o envenenador não conhecia Slughorn muito bem — falou Hermione pela
primeira vez em horas, com voz de quem pegara um forte resfriado — Qualquer um
que conhecesse Slughorn saberia que havia grande probabilidade do professor
guardar uma coisa gostosa daquela para si mesmo.
—
Her-mi-o-ne — crocitou Rony inesperadamente.
Todos
se calaram, observando-o ansiosos, mas, depois de resmungar palavras
incompreensíveis por um momento, ele simplesmente começou a roncar.
As
portas da enfermaria se escancararam, sobressaltando a todos: Hagrid entrou e
se encaminhou para o grupo, sua cabeleira salpicada de chuva, o casaco de pelo
de urso ondulando aos seus passos, um arco na mão, deixando no chão um rastro
de pegadas lamacentas do tamanho de bóias.
—
Passei o dia todo na Floresta! — ofegou — Aragogue piorou, estive lendo para
ele... só me levantei para jantar agora há pouco, e a Profª. Sprout me contou o
que aconteceu ao Rony. Como é que ele está?
—
Nada mal — respondeu Harry — Dizem que vai ficar bom.
—
Somente seis visitas de cada vez! — avisou Madame Pomfrey, saindo depressa de sua
sala.
— Com
o Hagrid são seis — salientou Jorge.
—
Ah... é... — concordou Madame Pomfrey, que, pelo jeito, contara Hagrid como
várias pessoas, diante de sua corpulência. Para disfarçar seu embaraço, ela
correu a limpar as pegadas com a varinha.
— Não
acredito — disse Hagrid rouco, sacudindo a cabeça peluda enquanto olhava para
Rony — Simplesmente não acredito... olha só ele deitado aí... quem iria querer
fazer mal a ele, eh?
— É
justamente o que estamos discutindo — disse Harry — Não sabemos.
—
Será que alguém poderia estar com raiva da equipe de quadribol da Grifinória? —
perguntou Hagrid ansioso — Primeiro a Cátia, agora o Rony...
— Não
consigo ver ninguém tentando liquidar uma equipe de quadribol — comentou Jorge.
—
Wood teria acabado com os jogadores da Sonserina se não tivesse de pagar pelo
crime — respondeu Fred, querendo ser justo.
—
Bem, acho que o motivo não é o quadribol, mas acho que há uma ligação entre os
ataques — disse Hermione, baixinho.
—
Como é que você chegou a essa conclusão? — perguntou Fred.
—
Bem, primeiro, os dois casos deviam ter sido fatais, mas não foram, embora
tenha sido por pura sorte. Por outro lado, nem o veneno nem o colar parecem ter
atingido a pessoa que deviam matar. É claro — acrescentou ela pensativa — Que
de certa forma isto torna o mandante dos atentados ainda mais perigoso, porque
parece que não se importa com o número de pessoas que liquida até realmente
chegar à sua vítima.
Antes
que alguém pudesse reagir a essa afirmação agourenta, as portas tornaram a se
abrir, e o casal Weasley entrou apressado na enfermaria. Em sua última visita,
tinham apenas se assegurado de que Rony se recuperaria totalmente: agora a Sra.
Weasley agarrou Harry e lhe deu um abraço apertado.
—
Dumbledore nos contou como você salvou Rony com o bezoar — soluçou a bruxa —
Ah, Harry, que podemos dizer? Você salvou Gina... salvou Arthur... agora salvou
Rony...
— Não
precisa... eu não... — murmurou Harry sem jeito.
—
Parece que metade da nossa família lhe deve a vida, agora que paro para pensar
— falou o Sr. Weasley com a voz embargada — Bem, só o que posso dizer é que foi
um dia de sorte para os Weasley quando Rony resolveu sentar no seu
compartimento no Expresso de Hogwarts, Harry.
O
garoto não soube o que responder e quase se alegrou quando Madame Pomfrey
tornou a ralhar com eles porque só podiam permanecer seis visitas em torno da
cama de Rony. Ele e Hermione se levantaram na mesma hora para sair e Hagrid
decidiu acompanhá-los, deixando Rony com a família.
— É
terrível — resmungou Hagrid, quando os três caminhavam pelo corredor em direção
à escadaria de mármore — Todas essas novidades na segurança e os garotos
continuam a ser atingidos... Dumbledore está morto de preocupação... ele não
fala muito, mas dá para sentir...
— Ele
não tem nenhuma ideia, Hagrid? — perguntou Hermione desesperada.
—
Acho que tem centenas de ideias, um cérebro como o dele — disse Hagrid
lealmente — Mas não sabe quem mandou aquele colar nem quem envenenou o vinho,
ou eles já teriam sido pegos, não acha? O que me preocupa — continuou ele
baixando a voz e espiando por cima do ombro.
Harry,
por precaução, verificou se Pirraça estaria no teto
— É
quanto tempo Hogwarts pode continuar aberta se os garotos não param de ser
atacados. É a Câmara Secreta outra vez, não é mesmo? Vai haver pânico, muitos
pais vão tirar os filhos da escola e, quando a gente der pela coisa, o conselho
diretor...
Hagrid
se calou enquanto o fantasma de uma mulher de longos cabelos passava
serenamente por eles, então retomou o que dizia num sussurro rouco:
—...
o conselho diretor vai começar a falar em nos fechar para sempre.
— Com
certeza que não — contestou Hermione, preocupada.
—
Temos que ver o ponto de vista deles — replicou Hagrid pesaroso — Quero dizer,
sempre foi meio arriscado mandar um garoto para Hogwarts, não acham? A gente
espera que haja acidentes, não é, centenas de bruxos de menor idade trancados
juntos, mas tentativa de homicídio é outra coisa. Não admira que Dumbledore
esteja aborrecido com o Sn...
Hagrid
parou de repente, e uma expressão de culpa que os garotos conheciam tão bem
tornou-se visível acima da emaranhada barba negra.
—
Quê? — perguntou Harry depressa — Dumbledore está aborrecido com o Snape?
— Eu
nunca disse isso — protestou Hagrid, embora sua expressão de pânico não pudesse
ser maior confirmação — Olhem como é tarde, já é quase meia-noite, preciso...
—
Hagrid, por que Dumbledore está aborrecido com Snape? — perguntou Harry em voz
alta.
—
Chiii! — disse Hagrid, parecendo ao mesmo tempo nervoso e zangado — Não grite
essas coisas, Harry, você quer que eu perca o meu emprego? Não que eu ache que
você se importaria, não é, agora que desistiu de estudar Trato das...
— Não
tente me fazer sentir culpado, não vai funcionar! — exclamou Harry
energicamente — Que foi que Snape fez?
— Não
sei, Harry, eu não devia nem ter ouvido! Ah... bem, eu ia saindo da Floresta
uma noite dessas e ouvi os dois conversando... bem, discutindo. Não quis chamar
atenção para a minha pessoa, então meio que me escondi e tentei não ouvir, mas
foi uma... bem uma discussão inflamada, e foi difícil não ouvir.
— E
aí? — insistiu Harry, enquanto o amigo arrastava os enormes pés pouco à
vontade.
—
Bem... eu só ouvi Snape dizer que o Dumbledore contava com muita coisa e talvez
ele... Snape... não quisesse continuar a...
— O
quê?
— Não
sei, Harry, pareceu que o Snape estava se sentindo sobrecarregado, foi só... em
todo caso, Dumbledore disse, sem rodeios, que ele tinha concordado em fazer
alguma coisa e que era assunto encerrado. Foi bastante firme com ele. E então
ele falou algo sobre Snape fazer investigações na Casa dele, na Sonserina. Bem,
não vejo nada estranho nisso! — Hagrid apressou-se a acrescentar, enquanto
Harry e Hermione trocavam olhares muito significativos — Todos os diretores de
Casas receberam ordem de investigar o caso do colar...
— É,
mas Dumbledore não andou brigando com os outros, não é? — replicou Harry.
—
Olhe — Hagrid torceu o arco nas mãos sem jeito, ouviu-se um forte estalo de
madeira e o arco se partiu em dois — Eu sei o que você pensa do Snape, Harry, e
não quero que entenda nessa história mais do que tem para entender.
—
Cuidado — avisou Hermione bruscamente.
Eles
se viraram em tempo de ver a sombra de Argos Filch se avultar na parede às suas
costas antes que o homem, corcunda, de queixo trêmulo, aparecesse no canto do
corredor.
—
Oho! — exclamou num chiado — Fora da cama tão tarde, isto vai significar
detenção!
— Não
vai, não, Filch — disse Hagrid secamente — Eles estão comigo, não é mesmo?
— E
que diferença faz isso? — perguntou Filch desaforado.
—
Pombas, sou professor, não é mesmo, seu aborto fofoqueiro! — retrucou Hagrid,
irritando-se.
Ouviu-se
um sibilo agressivo à medida que Filch inchava de fúria. Madame Nora apareceu,
sem ninguém perceber, e se enroscou, sinuosa, nos tornozelos magros do dono.
— Vão
andando — disse Hagrid pelo canto da boca.
Harry
não precisou ouvir a segunda vez, ele e Hermione saíram ligeiros, ouvindo os
ecos da altercação de Hagrid e Filch às suas costas enquanto corriam. Passaram
por Pirraça antes de virarem para a Torre da Grifinória, mas o poltergeist
voava feliz em direção à fonte da gritaria, rindo e cantarolando:
Quando
tem conflito e quando tem barulho,
Chamem
o Pirraça, ele dobra a confusão!
A
Mulher Gorda estava tirando um cochilo e não gostou de ser acordada, mas girou,
resmungando, para permitir que os garotos entrassem na Sala Comunal, felizmente
vazia e tranquila. Pelo visto, as pessoas ainda não sabiam o que acontecera a
Rony. Harry sentiu um grande alívio, já fora suficientemente interrogado aquele
dia. Hermione lhe deu boa-noite e foi para o dormitório das garotas. Harry,
porém, ficou na sala, e se sentou junto à lareira, contemplando as brasas que
iam se apagando.
Então
Dumbledore discutira com Snape. Apesar de tudo que dissera a Harry, apesar de
insistir que confiava inteiramente em Snape, perdera a paciência com ele...
achava que Snape não se empenhara o suficiente para investigar os alunos da
Sonserina... ou, talvez, investigar um único aluno: Malfoy? Será que Dumbledore
não queria que Harry fizesse uma tolice, resolvesse agir por conta própria, por
isso fingira que não havia fundamento nas suspeitas do garoto? Era plausível.
Podia até ser que Dumbledore quisesse evitar que Harry se desviasse de suas
aulas ou de obter aquela lembrança de Slughorn. Talvez Dumbledore não achasse
direito confiar suas suspeitas sobre professores a adolescentes de dezesseis
anos...
— Aí
está você, Potter!
Harry
saltou, assustado, empunhando a varinha. Estava certo de que não havia ninguém
na Sala Comunal, não estava preparado para ver um vulto colossal se erguer de
repente de uma cadeira distante. Um olhar mais atento mostrou-lhe que era
Córmaco McLaggen.
—
Estive esperando você voltar — disse McLaggen, ignorando a varinha de Harry —
Devo ter adormecido. Olha, vi quando levaram Weasley para a Ala Hospitalar hoje
cedo. E, pelo jeito, não estará em condições de jogar a partida da semana que
vem.
Harry
levou uns momentos para compreender o que McLaggen estava dizendo.
—
Ah... certo... quadribol — disse, guardando a varinha no cós do jeans e passando
a mão, cansado, pelos cabelos — É... talvez ele não possa jogar.
—
Bem, então, eu serei o goleiro, não é?
— É.
É, presumo que sim...
Não
conseguia pensar em nenhum argumento em contrário, afinal, McLaggen fora, sem
dúvida, o segundo melhor nos testes.
—
Excelente — disse McLaggen satisfeito — Então, quando vai ser o treino?
—
Quê? Ah... haverá um amanhã à noite.
—
Ótimo. Escute aqui, Potter, acho que devíamos ter uma conversa antes. Tenho
algumas ideias sobre estratégia que podem lhe ser úteis.
—
Certo — concordou Harry sem entusiasmo — Bem, você me fala amanhã então. Estou
muito cansado agora... a gente se vê...
* * *
A notícia de que Rony
fora envenenado se espalhou rapidamente no dia seguinte, mas não causou a mesma
sensação do ataque a Cátia. Aparentemente, as pessoas pensaram que poderia ter
sido um acidente, e, considerando que ele estava na sala do professor de Poções
naquele momento e que recebera logo um antídoto, não acontecera realmente mal
algum. De fato, os alunos da Grifinória, de um modo geral, se mostravam bem
mais interessados no jogo iminente contra a Lufa-Lufa, porque muitos queriam
ver Zacarias Smith, que era o artilheiro da equipe, receber um bom castigo
pelos seus comentários durante a partida de abertura da temporada contra a Sonserina.
Harry,
no entanto, nunca estivera menos interessado em quadribol, estava se tornando
aceleradamente obcecado por Draco Malfoy. Ainda observando o Mapa do Maroto
sempre que podia, ele por vezes saía do seu caminho para ir onde Malfoy
estivesse, sem, contudo, encontrá-lo fazendo qualquer coisa fora do comum. E
continuava a haver aqueles momentos inexplicáveis em que Malfoy simplesmente
desaparecia do mapa.
O
garoto, porém, não teve muito tempo para refletir sobre o problema em face dos
treinos de quadribol, dos deveres e do fato de que ele estava sendo perseguido
aonde quer que fosse por Córmaco McLaggen e Lilá Brown. Ele não conseguia
decidir qual era o mais importuno.
McLaggen
despejava um fluxo constante de insinuações de que seria um goleiro titular melhor
para a equipe do que Rony e que agora que Harry o veria jogar regularmente, com
certeza, acabaria pensando o mesmo. Córmaco também gostava de criticar os
outros jogadores e de fornecer a Harry esquemas detalhados de treinamento,
forçando Harry, mais de uma vez, a lembrar-lhe quem era o capitão.
Enquanto
isso, Lilá não parava de abordá-lo para falar sobre Rony, o que Harry achava
mais estressante do que as preleções de McLaggen sobre quadribol. A princípio,
Lilá ficara muito aborrecida que ninguém tivesse pensado em avisá-la de que
Rony estava hospitalizado (“Quero dizer, eu sou a namorada dele!”), mas,
infelizmente, ela resolvera perdoar a Harry este lapso de memória, e estava
preferindo manter com ele conversas frequentes e profundas sobre os sentimentos
de Rony, uma experiência extremamente desconfortável que o garoto teria
dispensado com prazer.
—
Olha, por que você não conversa com Rony sobre tudo isso? — perguntou Harry,
depois de um interrogatório particularmente longo de Lilá, que incluiu desde o
que Rony dissera sobre suas novas vestes até a opinião de Harry se Rony estaria
levando a “sério” o namoro dos dois.
—
Bem, eu faria isso, mas ele está sempre dormindo quando vou à enfermaria! —
respondeu Lilá impaciente.
— É
mesmo? — exclamou Harry, surpreso, pois encontrara Rony completamente acordado
todas as vezes em que estivera na Ala Hospitalar, muito interessado em saber
notícias da discussão entre Dumbledore e Snape, e em xingar McLaggen sempre que
podia.
—
Hermione Granger continua visitando Rony? — quis saber Lilá inesperadamente.
—
Acho que sim. Bem, eles são amigos, não é? — respondeu Harry constrangido.
—
Amigos, não me faça rir — comentou Lilá com desdém — Ela deixou de falar com
Rony durante semanas quando ele começou a sair comigo! Mas imagino que queira
reatar agora que ele se tornou tão interessante...
—
Você chama interessante alguém ser envenenado? De qualquer modo... me desculpe,
tenho de ir andando... aí vem McLaggen para falar de quadribol — disse Harry,
apressado, e se precipitou por uma porta lateral disfarçada de parede sólida e
desceu por um atalho que o levaria à aula de Poções onde, felizmente, nem Lilá
nem McLaggen poderiam segui-lo.
Na
manhã do jogo de quadribol contra a Lufa-Lufa, Harry passou na Ala Hospitalar
antes de seguir para o campo. Encontrou Rony muito agitado, Madame Pomfrey não
queria deixá-lo ir assistir ao jogo, achando que poderia perturbá-lo demais.
—
Então, como é que McLaggen está se saindo? — perguntou nervoso a Harry,
aparentemente esquecido de que já fizera a mesma pergunta duas vezes.
— Já
lhe disse — respondeu Harry pacientemente — Ele poderia ser um goleiro de
primeira linha e, ainda assim, eu não iria querer ele na equipe. Ele não para
de dizer a todo o mundo o que fazer, acha que poderia jogar em qualquer posição
melhor do que a gente. Mal posso esperar para me livrar dele. E, por falar em
se livrar de pessoas — acrescentou Harry, levantando-se e apanhando sua
Firebolt — Quer parar de fingir que está dormindo quando a Lilá vem visitar
você? Ela é outra que está me deixando maluco.
— Ah
— exclamou Rony, sem graça — Tudo bem.
— Se
você não quer mais namorar, é só dizer a ela.
—
É... bem... não é tão fácil, não é? — Rony fez uma pausa — Hermione vai passar
aqui antes do jogo? — acrescentou displicente.
— Não,
ela já foi para o campo com a Gina.
— Ah
— tornou Rony, parecendo deprimido — Certo. Bem, boa sorte. Espero que você dê
uma surra no McLag... quero dizer, no Smith.
— Vou
tentar — disse Harry, levando a vassoura ao ombro — A gente se vê depois do
jogo.
Ele
saiu apressado pelos corredores desertos; a escola inteira estava lá fora ou
sentada no estádio ou a caminho. Harry foi espiando pelas janelas ao passar,
tentando avaliar quanto vento iam enfrentar, quando um barulho mais à frente
chamou sua atenção: ele viu Malfoy andando em sua direção em companhia de duas
garotas, ambas com ar de contrariedade e raiva.
Malfoy
parou imediatamente ao ver Harry, então soltou uma risada curta e seca e
continuou a andar.
—
Aonde é que você vai? — quis saber Harry.
— É,
vou mesmo lhe dizer, Potter, porque é da sua conta — debochou Malfoy — É melhor
você correr, devem estar esperando o “Capitão Eleito”, o “Rapaz que fez Gol”,
ou sei lá qual é o nome que lhe dão ultimamente.
Uma
das garotas riu, contrafeita. Harry encarou-a. Ela corou.
Malfoy
passou por Harry, e ela e a amiga o seguiram quase correndo, viraram num canto
e desapareceram de vista.
Harry
ficou pregado ali, observando-os desaparecer.
Isto
era de enfurecer; estava em cima da hora para chegar ao estádio em tempo e via
Malfoy, rondando pelos corredores enquanto o restante da escola estava ausente:
a melhor chance que Harry tivera até o momento para descobrir o que Malfoy
andava fazendo. Os segundos silenciosos passaram lentos e Harry continuou onde
estava, paralisado, olhando para o lugar onde vira Malfoy desaparecer...
—
Aonde é que você andou? — indagou Gina, quando Harry entrou correndo no
vestiário.
A
equipe inteira estava uniformizada e pronta. Coote e Peakes, os batedores,
balançavam os bastões nervosamente contra as pernas.
—
Encontrei Malfoy — respondeu ele em voz baixa, enquanto enfiava as vestes
vermelhas pela cabeça.
— E
daí?
— E
daí eu queria saber por que ele estava no castelo com duas garotas enquanto
todo o mundo está aqui embaixo...
— E
isso faz diferença agora?
—
Bem, provavelmente não vou descobrir, não é mesmo? — respondeu ele, apanhando a
Firebolt e endireitando os óculos — Andem, vamos!
E sem
dizer mais nada, entrou em campo sob vaias e aplausos ensurdecedores. Ventava
pouco, as nuvens estavam esgarçadas, a intervalos, deixavam passar lampejos
ofuscantes de sol.
—
Condições enganosas! — disse McLaggen para estimular a equipe — Coote, Peakes,
vocês terão de voar evitando o sol, para eles não verem vocês se aproximando...
— Eu
sou o capitão, McLaggen, pare de dar instruções — exclamou Harry irritado — Vai
logo para junto das balizas!
Quando
McLaggen se afastou, Harry se dirigiu a Cootes e Peakes.
—
Procurem realmente voar evitando o sol — repetiu para os jogadores de má
vontade.
Harry
apertou a mão do capitão da Lufa-Lufa e, quando Madame Hooch apitou, deu
impulso e levantou voo, ganhando uma altitude maior do que o resto da equipe,
para sobrevoar os limites do campo à procura do pomo. Se conseguisse agarrá-lo
bem cedo, talvez pudesse voltar ao castelo, apanhar o Mapa do Maroto e
descobrir o que Malfoy estava fazendo...
— E
lá vai Smith da Lufa-Lufa levando a goles — ecoou uma voz sonhadora pelos
terrenos de Hogwarts — Da última vez, foi ele quem narrou o jogo, é claro, e
Gina Weasley colidiu com o pódio, provavelmente de propósito: ou assim me
pareceu. Smith foi muito grosseiro nos comentários sobre a Grifinória, imagino
que esteja arrependido agora que tem de enfrentar a equipe da Casa... ah,
olhem, ele perdeu a posse da goles, Gina roubou-a dele, gosto dela, é muito
boa...
Harry
olhou admirado para o pódio do locutor. Decerto, ninguém com o juízo perfeito
deixaria Luna Lovegood narrar o jogo! Mas, mesmo ali do alto, não havia como
confundir aqueles longos cabelos louro-sujos nem aquele colar de rolhas de cerveja
amanteigada... ao lado de Luna, a Profª. McGonagall parecia meio constrangida,
como se de fato estivesse refletindo sobre tal escolha.
—...
mas agora aquele grandalhão da Lufa-Lufa tirou a goles de Gina, não estou
conseguindo lembrar o nome dele, é alguma coisa parecida com Bibble... não,
Buggins...
— É
Cadwallader! — exclamou a Profª. McGonagall em voz alta ao lado de Luna.
A
multidão riu.
Harry
correu os olhos ao redor, procurando o pomo, nem sinal. Instantes depois,
Cadwallader marcou. McLaggen estivera aos berros, criticando Gina por perder a
posse da goles, e, em consequência, não vira a grande bola vermelha passar
voando por sua orelha direita.
—
McLaggen, quer prestar atenção no que você devia estar fazendo e deixar os
outros em paz?! — berrou Harry, dando meia-volta para ficar de frente para o
seu goleiro.
—
Grande exemplo você está dando! — gritou McLaggen em resposta, a cara vermelha
de fúria.
— E
Harry Potter agora está discutindo com o seu goleiro — irradiou Luna
calmamente, enquanto as torcidas da Lufa-Lufa e da Sonserina, entre os
espectadores, aplaudiam e vaiavam — Acho que isso não vai ajudá-lo a localizar
o Pomo, mas talvez seja um estratagema bem sacado...
Xingando
enraivecido, Harry tornou a girar e recomeçou a contornar o campo, varrendo o
céu à procura de um sinal da bolinha de ouro alada.
Gina
e Demelza marcaram cada uma o seu gol, dando à torcida vermelho-e-ouro, lá
embaixo, um motivo para se alegrar. Caldwallader tornou a golear, empatando o
placar, mas Luna não pareceu notar, narrava como se não tivesse interessada em
detalhes mundanos como o marcador, e todo o tempo tentava chamar a atenção da
multidão para nuvens de formas curiosas e a possibilidade de Zacarias Smith,
que até o momento não conseguira manter a posse da goles por mais de um minuto,
estar sofrendo de uma doença chamada “fiascurgia”.
—
Setenta a quarenta para Lufa-Lufa! — anunciou a Profª. McGonagall ao megafone
de Luna.
— Já?
— exclamou Luna distraída — Ah, vejam! O goleiro da Grifinória arrancou o
bastão de um dos batedores.
Harry
se virou no ar. De fato, McLaggen, por razões que só ele sabia, tirara o bastão
de Peakes e parecia estar demonstrando como bater um balaço em Cadwallader, que
se aproximava.
—
Quer devolver o bastão dele e voltar às balizas?! — rugiu Harry voando em
direção a McLaggen, exatamente na hora em que ele golpeava com ferocidade um
balaço e errava o alvo.
Uma
dor nauseante de cegar... um lampejo... gritos distantes... e a sensação de
despencar por um longo túnel...
* * *
Quando recuperou os sentidos,
Harry se viu deitado em uma cama extraordinariamente quente e confortável,
olhando para um lampião, no alto, que projetava um círculo de luz dourada no
teto escuro. Harry ergueu a cabeça desajeitado. À sua esquerda, estava alguém
de sardas e cabelos ruivos que lhe pareceu familiar.
— Que
bom que veio me visitar — disse Rony rindo.
Harry
piscou os olhos e olhou ao redor. Claro: encontrava-se na Ala Hospitalar. O céu
lá fora estava azul-anil raiado de vermelho. O jogo devia ter acabado havia
horas... tal como a esperança de encurralar Malfoy. Sua cabeça parecia
estranhamente pesada, ele ergueu a mão e sentiu um turbante compacto de
bandagens.
— Que
aconteceu?
—
Fratura no crânio — respondeu Madame Pomfrey, aproximando-se, enérgica, e
obrigando-o a deitar de novo nos travesseiros — Não precisa se preocupar,
emendei tudo na hora, mas vou mantê-lo aqui até amanhã. Você não deve fazer
maiores esforços por algumas horas.
— Não
quero ficar aqui até amanhã — respondeu Harry, aborrecido, sentando-se e
atirando as cobertas para longe — Quero achar o McLaggen e matar ele.
—
Creio que isso se enquadre entre “maiores esforços” — disse Madame Pomfrey,
empurrando-o, com firmeza, na cama e erguendo sua varinha ameaçadoramente —
Você vai ficar aqui até que eu lhe dê alta, Potter, ou chamarei o Diretor.
A
bruxa voltou depressa para a sua sala, e Harry afundou nos travesseiros,
espumando.
—
Você sabe de quanto perdemos? — perguntou a Rony entre os dentes.
—
Bem, sei — respondeu Rony em tom de quem pede desculpas — O placar final foi
trezentos e vinte a sessenta.
—
Genial — exclamou Harry com ferocidade — Realmente genial! Quando eu pegar o
McLaggen...
—
Você não quer pegar o McLaggen, ele é do tamanho de um trasgo — argumentou Rony
— Pessoalmente, sou mais a favor de azarar ele com aquele feitiço do Príncipe,
na unha do pé. De qualquer modo, quem sabe o resto da equipe já terá cuidado
dele quando você sair daqui, ninguém ficou feliz...
Havia
uma nota de mal contida alegria na voz de Rony, Harry percebeu que ele estava
simplesmente vibrando que McLaggen tivesse metido os pés pelas mãos. Harry
ficou ali, contemplando o retalho de luz no teto, sua cabeça recém-emendada não
estava exatamente doída, mas parecia sensível sob aquelas bandagens.
—
Ouvi a narração da partida daqui — disse Rony, a voz trêmula de riso — Espero
que seja sempre a Luna a comentar daqui para frente... Fiascurgia...
Harry,
no entanto, continuava zangado demais para achar muita graça na situação, e
pouco depois Rony parou de rir.
—
Gina veio fazer uma visita quando você estava inconsciente — disse ele depois
de uma longa pausa, e instantaneamente a imaginação de Harry disparou, montando
uma cena em que Gina, chorando sobre o seu corpo sem vida, confessava sentir
uma forte atração por ele enquanto Rony os abençoava... — Ela acha que você
chegou em cima da hora para o jogo. Que aconteceu? Você saiu daqui bem cedo.
—
Ah... — começou Harry enquanto a cena implodia em sua mente — E... bem, vi
Malfoy se esgueirando pelo corredor com duas garotas que pareciam não estar
querendo a companhia dele, e esta é a segunda vez que ele dá um jeito de não
estar no estádio com o resto da escola. E ele também faltou ao último jogo,
lembra? — suspirou Harry — Eu gostaria de ter seguido o Malfoy, já que o jogo
foi aquele fiasco...
— Não
seja idiota — replicou Rony com rispidez — Você não podia faltar a um jogo de
quadribol só para seguir Malfoy, você é o capitão!
—
Quero saber o que ele anda fazendo. E não me diga que isso é coisa da minha
imaginação, não depois da conversa que escutei entre ele e o Snape...
— Eu
nunca disse que você estava imaginando coisas — protestou Rony, erguendo-se
sobre um cotovelo e franzindo a testa para Harry — Mas não existe regra que
diga que somente uma pessoa de cada vez pode tramar coisas neste lugar! Você
está ficando meio obcecado pelo Malfoy, Harry. Quero dizer, pensar em faltar um
jogo só para seguir o cara...
—
Quero apanhar Malfoy com a mão na massa! — respondeu Harry frustrado — Quero
dizer, aonde é que ele vai quando desaparece do mapa?
— Não
sei... Hogsmeade? — sugeriu Rony, bocejando.
—
Nunca o vi andando por nenhuma passagem secreta no mapa. Aliás, achei que todas
elas estavam sendo vigiadas agora, não?
—
Bem, então, não sei.
Fez-se
silêncio entre os dois.
Harry
ficou olhando para o círculo de luz no alto, refletindo... se ao menos ele
tivesse o poder de Rufo Scrimgeour, poderia mandar seguir Malfoy, mas
infelizmente não tinha uma seção de aurores sob seu comando... ele pensou por
um breve instante em montar alguma coisa com a AD, mas, de novo, haveria o
problema de darem por falta dos alunos nas aulas, afinal, a maioria deles tinha
horários apertados...
Ouviu-se
um ronco surdo vindo da cama de Rony. Passado um tempo, Madame Pomfrey saiu de
sua sala, desta vez trajando um grosso roupão. Era mais fácil fingir que estava
dormindo, Harry virou para o lado e ouviu as cortinas se fecharem quando a
bruxa acenou com a varinha. As luzes diminuíram e ela voltou à sua sala, ele
ouviu o clique da porta ao fechar, e entendeu que ela se recolhera.
Esta,
refletiu Harry no escuro, Era a terceira vez que o traziam para a Ala
Hospitalar por conta de um acidente de quadribol. Da última vez, ele caíra da
vassoura por causa da presença dos dementadores em torno do campo, e, da vez
anterior, perdera todos os ossos do braço pela incompetência incurável do Prof.
Lockhart... fora de longe o seu acidente mais doloroso... ele se lembrou da
agonia de restaurar todos os ossos do braço em uma noite, um mal-estar que só
fez aumentar com a chegada de um visitante inesperado no meio da...
Harry
se sentou de repente, o coração batendo forte, o turbante de bandagens
enviesado. Finalmente encontrara a solução: havia uma maneira de seguir
Malfoy... como podia ter esquecido, por que não pensara nisso antes? Mas a
questão era: como chamá-lo? Como se fazia isso?
Em
voz baixa, hesitante, Harry falou para a noite:
—
Monstro?
Ouviu
um forte estalo e o ruído de guinchos e pés arrastados encheram a enfermaria.
Rony
acordou com um ganido.
— Que
está...?
Harry
apontou a varinha depressa para a porta da sala de Madame Pomfrey e murmurou
Abaffiato! para impedir que ela viesse correndo. Então, ele se arrastou até os
pés da cama para ver melhor o que estava acontecendo. Dois elfos domésticos
estavam embolados no chão, no meio da enfermaria, um usava um pulôver
castanho-avermelhado que encolhera e vários gorros de lã, o outro, um trapo
velho e imundo preso nos quadris como uma tanga.
Ouviu-se,
então, mais um estalo e Pirraça, o Poltergeist, apareceu sobrevoando os elfos
engalfinhados.
— Eu
estava assistindo, Potty! — disse indignado a Harry, apontando para os
lutadores, e em seguida soltou uma grande gargalhada — Olhe essas criaturinhas
brigando, mordidinha, murrinho...
—
Monstro não vai insultar Harry Potter na frente de Dobby, não vai, não, ou
Dobby vai fechar a boca dele! — exclamou Dobby com a voz muito aguda.
—
Chutinho, arranhãozinho! — exclamou Pirraça, alegre, agora atirando pedaços de
giz nos elfos para enraivecê-los — Torcidinha, cutucadinha!
—
Monstro dirá o que quiser sobre o senhor dele, ah, dirá, e que senhor ele tem,
um amigo nojento de Sangues-Ruins, ah, o que diria a pobre senhora do
Monstro...?
Exatamente
o que a senhora de Monstro diria ninguém chegou a saber, porque naquele
instante Dobby meteu o punho nodoso na boca de Monstro, fazendo saltar metade
dos seus dentes. Harry e Rony pularam de suas camas e separaram os elfos,
embora eles continuassem tentando chutar e esmurrar um ao outro, incentivados
por Pirraça, que dançava em torno do lampião aos guinchos:
—
Enfia os dedos no nariz dele, tira sangue e arranca as orelhinhas dele...
Harry
apontou a varinha para Pirraça e disse:
— Travalíngua! — Pirraça levou as mãos à
garganta, engoliu em seco e saiu voando da enfermaria, fazendo gestos obscenos,
mas sem fala, porque sua língua acabara de grudar no céu da boca.
—
Legal esse! — aprovou Rony, erguendo Dobby no ar para impedir que suas pernas
agitadas continuassem a atingir o Monstro — Mais um dos feitiços do Príncipe,
não é?
— É —
confirmou Harry, torcendo o braço fino de Monstro com uma chave de braço —
Certo: proíbo você de lutar com o Dobby. Dobby, eu sei que não posso lhe dar
ordens...
—
Dobby é um elfo doméstico livre e pode obedecer a quem ele quiser, e Dobby fará
tudo que Harry Potter quiser! — disse o elfo, as lágrimas agora escorrendo pelo
seu rosto enrugado e pingando no suéter.
— Ok,
então — disse Harry, e ele e Rony soltaram os elfos, que caíram ao chão, mas
não continuaram a lutar.
— O
Senhor me chamou? — crocitou Monstro, fazendo uma profunda reverência a Harry
ao mesmo tempo que seu olhar lhe desejava claramente uma morte dolorosa.
— É,
chamei — disse Harry, olhando de relance a porta de Madame Pomfrey para
verificar se o Abaffiato continuava fazendo efeito, não viu sinal de que ela
tivesse ouvido a agitação — Tenho uma tarefa para você.
—
Monstro fará o que o seu senhor mandar — e fez uma curvatura tão profunda que
seus lábios quase tocaram os dedos de seus pés nodosos — Porque Monstro não tem
opção, mas Monstro sente vergonha de ter um senhor assim, ora se tem...
—
Dobby fará a tarefa, Harry Potter! — guinchou Dobby, seus olhos do tamanho de
bolas de tênis ainda marejados de lágrimas — Dobby se sentiria honrado de
ajudar Harry Potter!
—
Pensando bem, seria melhor que os dois fizessem — disse Harry — Ok, então...
quero que sigam o Draco Malfoy.
Sem
dar atenção à expressão de simultânea surpresa e exasperação no rosto de Rony,
ele continuou:
—
Quero saber aonde ele vai, com quem se encontra e o que faz. Quero que o sigam
vinte e quatro horas por dia.
—
Sim, Harry Potter! — concordou Dobby imediatamente, seus olhos brilhando de
excitação — E se Dobby errar, Dobby se atirará da torre mais alta, Harry
Potter!
— Não
precisará fazer nada disso — apressou-se Harry a dizer.
— O
senhor quer que eu siga o mais jovem dos Malfoy? — crocitou Monstro — O senhor
quer que eu espione o sobrinho-neto de sangue puro da minha antiga senhora?
—
Esse mesmo — disse Harry, prevendo um grande perigo, e decidido a impedi-lo
imediatamente — E você está proibido de avisar a ele, Monstro, ou mostrar a ele
o que está fazendo, ou falar com ele, ou escrever mensagens para ele, ou... ou
entrar em contato com ele de alguma forma. Entendeu?
Harry
pensou perceber que Monstro se esforçava para encontrar uma brecha nas
instruções que acabara de receber, e aguardou. Após alguns momentos, e para
grande satisfação de Harry, Monstro se curvou e disse com amargurado rancor:
— O
senhor pensa em tudo e Monstro tem de obedecer, mas Monstro preferia muito mais
ser servo do rapaz Malfoy, ah, isto ele preferia...
—
Então está acertado. Quero receber relatórios regularmente, mas verifiquem se
estou sozinho quando vierem me procurar. Rony e Hermione são de confiança. E
não comentem com ninguém o que estão fazendo. Colem em Malfoy como se fossem
adesivos para remover verrugas.
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