terça-feira, 18 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 20






— CAPÍTULO VINTE —
O Pedido de Lorde Voldemort



HARRY E RONY DEIXARAM A ALA HOSPITALAR bem cedo na manhã de Segunda-Feira, com a saúde perfeita, graças aos cuidados de Madame Pomfrey, prontos para gozar os benefícios de terem sido, respectivamente, fraturado e envenenado, e, o que era melhor, Hermione reatara a amizade com Rony. A garota chegou a acompanhá-los quando desceram para o café da manhã, trazendo a notícia de que Gina tinha discutido com Dino. O animal adormecido no peito de Harry instantaneamente ergueu a cabeça e farejou o ar, esperançoso.
— E qual foi o motivo da discussão? — perguntou ele, tentando parecer desinteressado, quando entraram por um corredor deserto do sétimo andar, exceto por uma garotinha que estava examinando uma tapeçaria com trasgos usando tutus. Ela fez uma cara de terror ao ver os sextanistas se aproximarem, e deixou cair a pesada balança que estava carregando.
— Tudo bem! — disse Hermione gentilmente, correndo para ajudá-la — Veja... — e tocou a balança partida com a varinha dizendo: Reparo!
A garota não agradeceu, continuou pregada no chão enquanto eles passavam, acompanhando, com o olhar, o grupo desaparecer de vista.
Rony virou a cabeça para espiá-la.
— Juro que cada dia elas estão ficando menores — comentou.
— Esqueça a garota — disse Harry, um pouco impaciente — Por que foi que Gina e Dino brigaram, Hermione?
— Ah, Dino estava rindo de McLaggen ter acertado aquele balaço em você — respondeu Hermione.
— Deve ter sido engraçado — comentou Rony sensatamente.
— Não foi nada engraçado! — replicou Hermione indignada — Foi horrível, e se Coote e Peakes não tivessem agarrado Harry ele poderia ter se machucado seriamente!
— É, bem, Gina e Dino não precisavam ter rompido o namoro por causa disso — tornou Harry, ainda tentando parecer displicente — Ou eles continuam juntos?
— Continuam... mas por que você está tão interessado? — perguntou Hermione, lançando a Harry um olhar penetrante.
— Não quero ver a equipe de quadribol bagunçada outra vez! — apressou-se a justificar, mas Hermione continuou desconfiada, e ele sentiu um grande alívio quando uma voz às suas costas gritou “Harry!”, dando-lhe uma desculpa para virar as costas para ela — Ah, oi, Luna.
— Fui procurar você na Ala Hospitalar — disse Luna vasculhando a mochila — Mas disseram que você já tinha saído...
Ela empurrou nas mãos de Rony uma coisa que parecia uma cebola verde, um grande chapéu-de-cobra e uma bolada de outra coisa que lembrava argila absorvente para caixa de dejetos de gatos, e, por fim, tirou um pergaminho meio sujo que entregou a Harry.
—... mandaram lhe entregar isto.
Era um rolinho de pergaminho no qual Harry reconheceu imediatamente outro convite para uma aula com Dumbledore.
— Hoje à noite — informou ele a Rony e Hermione, quando abriu o pergaminho.
— Legal a sua narração no último jogo! — disse Rony a Luna, quando ela pegou de volta a cebola verde, o chapéu-de-cobra e a argila.
A garota deu um sorriso indefinido.
— Você está caçoando de mim, não é? Todo o mundo disse que foi péssima.
— Não, estou falando sério! — replicou Rony com sinceridade — Não me lembro de ter gostado tanto de uma narração! A propósito, que é isso? — acrescentou, erguendo a tal cebola à altura dos olhos.
— Ah, é raiz-de-cuia — disse ela, devolvendo a argila e o cogumelo à sua mochila — Pode ficar com ela se quiser, tenho muito. É excelente para a gente se proteger das Dilátex Vorazes.
E ela se afastou, deixando Rony ainda segurando a raiz-de-cuia na mão e rindo.
— Sabe, ela acabou me conquistando, a Luna — comentou ele, quando recomeçaram a andar para o Salão Principal — Sei que é maluca, mas é no bom...
Ele parou repentinamente de falar. Lilá Brown estava parada ao pé da escadaria de mármore com um ar tempestuoso.
— Oi — cumprimentou Rony nervoso.
— Vamos — murmurou Harry para Hermione, e eles deixaram os dois para trás depressa, mas não sem antes ter ouvido Lilá dizer:
— Por que você não me avisou que estava saindo hoje? E por que ela estava com você?
Rony parecia esquivo e aborrecido quando chegou para tomar café meia hora mais tarde e, embora sentasse com Lilá, Harry não os viu trocarem uma única palavra à mesa.
Hermione agia como se estivesse indiferente à cena, mas uma ou duas vezes Harry percebeu um inexplicável ar de riso perpassar seu rosto. Durante todo aquele dia, ela pareceu particularmente bem-humorada e, à noite, na Sala Comunal, ela até consentiu em dar uma lida (em outras palavras, terminar de escrever) no trabalho de Herbologia de Harry, coisa que se recusara terminantemente a fazer até então, porque sabia que Harry deixaria Rony copiar seu trabalho.
— Valeu, Hermione — disse Harry, dando-lhe uma palmadinha apressada nas costas ao mesmo tempo em que consultava o relógio e constatava que já eram quase oito horas — Escute, tenho de correr ou vou chegar atrasado à aula do Dumbledore...
Ela não respondeu, apenas cortou algumas frases menos adequadas com um ar cansado. Harry, rindo, passou rápido pelo buraco do retrato e saiu em direção ao escritório do diretor. A gárgula saltou para o lado ao ouvir falar em bombas de caramelo, e Harry, subindo a escada de dois em dois degraus, bateu na porta na hora em que o relógio marcou oito horas.
— Entre — falou Dumbledore, mas quando Harry estendeu a mão para empurrar a porta, ela foi escancarada pelo lado de dentro.
A sua frente estava a Profª. Trelawney.
— Ah-ah! — exclamou ela, apontando dramaticamente para Harry e piscando os olhos por trás das lentes que aumentavam seus olhos — Então esta é a razão por que fui expulsa sem a menor cerimônia de seu escritório, Dumbledore!
— Minha cara Sibila — respondeu o diretor ligeiramente exasperado — Não é uma questão de expulsá-la sem a menor cerimônia de lugar algum, Harry tem uma hora marcada comigo, e realmente acho que já terminamos a nossa conversa...
— Muito bem — retrucou a Profª. Trelawney profundamente magoada — Se você não quer banir o pangaré usurpador, então seja... talvez eu encontre uma escola onde os meus talentos sejam melhor apreciados...
Ela passou por Harry e desapareceu pela escada em espiral, eles a ouviram tropeçar na descida, e Harry imaginou que tivesse tropeçado em um dos seus longos xales.
— Por favor, feche a porta e sente, Harry — ordenou Dumbledore com a voz cansada.
O garoto obedeceu, reparando, ao sentar na cadeira habitual à frente da escrivaninha, que a Penseira estava mais uma vez entre os dois, bem como dois frasquinhos de cristal em que giravam lembranças.
— Então a Profª. Trelawney continua infeliz porque Firenze está dando aulas? — perguntou Harry.
— Continua — respondeu Dumbledore — Adivinhação está me saindo uma disciplina bem mais complicada do que pude prever, uma vez que eu mesmo nunca a estudei. Não posso pedir a Firenze para retornar à Floresta, onde agora ele é um proscrito, nem posso pedir a Sibila Trelawney para sair. Aqui entre nós, ela não faz ideia do perigo que correria fora do castelo. A professora não sabe, e acho que não seria prudente esclarecer, que foi ela quem fez a profecia sobre você e Voldemort, entende.
Dumbledore deu um grande suspiro e disse:
— Mas vamos esquecer os meus problemas com os professores. Temos assuntos bem mais importantes a discutir. Primeiro: você cumpriu a tarefa que lhe dei ao concluirmos a nossa aula anterior?
— Ah — respondeu Harry, pego de surpresa.
Com as aulas de Aparatação e o quadribol e o envenenamento de Rony e a fratura da própria cabeça, além da determinação em descobrir o que Draco Malfoy andava fazendo, ele quase se esquecera da lembrança que Dumbledore tinha lhe pedido que extraísse do Prof. Slughorn...
— Bem, falei com o Prof. Slughorn sobre a lembrança, no final da aula de Poções, senhor, mas, ãh, ele não quis me dar.
Fez-se um breve silêncio.
— Entendo — respondeu por fim Dumbledore, fitando-o por cima dos oclinhos de meia-lua e dando a Harry a habitual sensação de que estava sendo radiografado — E você acha que dedicou todos os seus esforços à questão? Que exerceu toda a sua enorme inventividade? Que não deixou de explorar nenhuma possibilidade em sua busca para recuperar a lembrança?
— Bem — Harry procurou ganhar tempo, sem saber o que responder. Sua única tentativa de obter a lembrança pareceu-lhe, de repente, embaraçosamente medíocre. — Bem... no dia em que Rony tomou a poção do amor por engano, eu o levei ao Prof. Slughorn. Pensei que talvez, se deixasse o professor de muito bom humor...
— E isso deu resultado? — perguntou Dumbledore.
— Bem, não, senhor, porque Rony foi envenenado...
—... o que naturalmente o fez esquecer completamente a tentativa de recuperar a lembrança, eu não teria esperado outra atitude enquanto o seu melhor amigo corria perigo. Mas, uma vez que ficou claro que o Sr. Weasley ia se recuperar totalmente, eu teria esperado que você retomasse a tarefa que lhe dei. Pensei que tivesse deixado muito clara a importância daquela lembrança. De fato, fiz tudo que pude para convencê-lo de que essa é a lembrança mais crucial, e que sem ela estaremos perdendo o nosso tempo.
Uma sensação quente e incômoda de vergonha espalhou-se da cabeça aos pés de Harry. Dumbledore não erguera a voz, nem sequer falara aborrecido, mas Harry teria preferido que gritasse, este frio desapontamento era pior do que qualquer outra coisa.
— Senhor — disse ele, meio desesperado — Não é que eu não tenha me importado nem nada, é só que tive outras... outras coisas...
— Outras coisas na cabeça — Dumbledore concluiu a frase para ele — Entendo.
Os dois ficaram novamente em silêncio, o mais constrangedor de sua vivência com o diretor. O silêncio parecia se prolongar indefinidamente, pontuado apenas pelos breves roncos que vinham do retrato de Armando Dippet, no alto da parede, às costas de Dumbledore. Harry se sentiu estranhamente pequeno, como se tivesse encolhido um pouco desde que entrara na sala. Quando não conseguiu mais aguentar, ele disse:
— Prof. Dumbledore, lamento sinceramente. Eu devia ter me esforçado mais... devia ter compreendido que o senhor não me pediria isso se não fosse realmente importante.
— Obrigado por dizer isso, Harry — falou Dumbledore em voz baixa — Posso, então, esperar que de hoje em diante você dará ao assunto maior prioridade? Não fará muito sentido nos reunirmos depois desta noite a não ser que tenhamos aquela lembrança.
— Pode, sim, senhor, obterei a lembrança — disse Harry honestamente.
— Então, por ora, não falaremos mais nisso — disse o diretor mais brandamente — Continuaremos a nossa história do ponto em que paramos. Você lembra onde foi?
— Lembro, sim, senhor — respondeu Harry prontamente — Voldemort matou o pai e os avós e fez parecer que o culpado era o seu Tio Morfino. Voltou, então, a Hogwarts e perguntou... perguntou ao Prof. Slughorn a respeito das Horcruxes — murmurou envergonhado.
— Muito bem. Agora, você lembra, espero que sim, de que falei logo no início das nossas reuniões que entraríamos no terreno da adivinhação e da especulação, certo?
— Sim, senhor.
— Até aqui, espero que concorde, mostrei-lhe fontes razoavelmente seguras para as minhas deduções sobre os passos de Voldemort até os dezessete anos.
Harry concordou com a cabeça.
— Agora, no entanto, Harry, as coisas se tornam mais obscuras e estranhas. Se foi difícil encontrar indícios sobre o garoto Riddle, tem sido quase impossível encontrar quem se disponha a se lembrar do homem Voldemort. De fato, duvido que haja um único ser vivente, além dele mesmo, que possa nos fornecer um relato completo de sua vida desde que deixou Hogwarts. Contudo, tenho duas últimas lembranças que gostaria de partilhar com você — Dumbledore indicou os dois frasquinhos de cristal que refulgiam ao lado da Penseira — Depois, gostaria muito de saber se você acha prováveis as conclusões que extraí dessas lembranças.
A ideia de que Dumbledore desse tanto valor à sua opinião fez Harry se sentir mais profundamente envergonhado de não ter se desincumbido da tarefa de recuperar a lembrança sobre a Horcrux, e ele se mexeu na cadeira, constrangido, quando o diretor ergueu o primeiro dos dois frascos para examiná-lo contra a luz.
— Espero que você não esteja cansado de mergulhar nas lembranças de outras pessoas, porque estas duas são curiosas. A primeira vem de uma elfo doméstica muito velha, chamada Hóquei. Antes de vermos o que ela presenciou, preciso resumir rapidamente como foi a saída de Lorde Voldemort de Hogwarts. Ele concluiu o sétimo ano da escola, como seria de esperar, tendo obtido nota máxima em cada exame que prestou. Em sua volta, os colegas de turma estavam decidindo que empregos iriam procurar quando deixassem a escola. Quase todos esperavam feitos espetaculares de Tom Riddle, monitor, monitor-chefe, ganhador do Prêmio Especial por Serviços Prestados à Escola. Sei que vários professores, entre eles Slughorn, sugeriram que ele entrasse para o Ministério da Magia, se ofereceram para marcar entrevistas, apresentarem-lhe contatos úteis. Voldemort recusou todos os oferecimentos. Pouco depois, os professores souberam que ele estava trabalhando na Borgin & Burkes.
— Na Borgin & Burkes? — repetiu Harry atordoado.
— Na Borgin & Burkes — confirmou Dumbledore calmamente — Acho que você entenderá as atrações que o lugar lhe oferecia quando entrarmos na lembrança da Hóquei. Esta, porém, não foi a primeira opção de emprego de Voldemort. Muito pouca gente soube, eu era um dos poucos em quem o diretor daquela época confiava, mas Voldemort procurou o Prof. Dippet e perguntou se poderia continuar em Hogwarts como professor.
— Ele quis continuar aqui? Por quê? — perguntou Harry, ainda mais espantado.
— Creio que houvesse várias razões para isso, embora não tivesse confidenciado nenhuma delas ao Prof. Dippet. A primeira, e mais importante, creio que Voldemort era mais apegado à escola do que jamais foi a pessoa alguma. Hogwarts era o lugar em que fora mais feliz, o primeiro e único lugar em que tinha se sentido em casa.
Harry se sentiu ligeiramente incomodado ao ouvir essas palavras, porque era exatamente o que ele sentia com relação a Hogwarts.
— Segundo, o castelo é um reduto de magia antiga. Sem dúvida, Voldemort penetrara um número muito maior de segredos do que a maioria dos estudantes que passaram por aqui, mas ele talvez tivesse percebido que ainda havia mistérios a desvendar, fontes de magia a explorar. E terceiro, como professor, ele teria tido grande poder e influência sobre os jovens bruxos e bruxas. Talvez tenha adquirido esta noção com Slughorn, o professor com quem melhor se relacionava, que lhe mostrara o papel influente que um professor pode desempenhar. Não imagino, nem por um instante, que Voldemort tencionasse passar o resto da vida em Hogwarts, mas acho que viu na escola um valioso campo de recrutamento e um lugar onde poderia começar a reunir para si um exército.
— Mas ele não conseguiu o emprego, senhor?
— Não, não conseguiu. O Prof. Dippet lhe disse que era demasiado jovem aos dezoito anos, mas convidou-o a tornar a se candidatar dali a alguns anos, se ainda quisesse ensinar.
— Como é que ele se sentiu ao ouvir isso, senhor? — perguntou Harry hesitante.
— Muito contrafeito. Eu tinha alertado Armando contra a contratação, não lhe dei as razões que dei a você, porque o Prof. Dippet gostava muito de Voldemort e estava convencido de sua sinceridade, mas eu não queria que Lorde Voldemort voltasse a esta escola, principalmente em uma posição de poder.
— Qual era o cargo que ele queria, senhor? Qual era a disciplina que ele queria ensinar?
Por alguma razão, Harry sabia qual era a resposta mesmo antes que Dumbledore a desse.
— Defesa Contra as Artes das Trevas. Naquele tempo, era ensinada por uma professora antiga chamada Galatéia Merrythought, que estava em Hogwarts havia quase cinquenta anos. Então Voldemort foi para a Borgin & Burkes, e todos os professores que o admiravam comentaram o desperdício que era, um jovem bruxo brilhante como ele trabalhar em uma loja. Contudo, Voldemort não era um mero balconista. Educado, bonitão e inteligente, logo passaram a encarregá-lo de certas tarefas que só existem em um lugar como a Borgin & Burkes, que se especializa, como você sabe, Harry, em objetos com propriedades poderosas e incomuns. Voldemort foi instruído a persuadir as pessoas a cederem seus tesouros aos sócios, para venda, e ele era, segundo todos dizem, muito talentoso nisso.
— Aposto que era — comentou Harry, incapaz de se conter.
— Bem, era mesmo — disse Dumbledore com um leve sorriso — E agora chegou a hora de ouvir o que diz Hóquei, a elfo doméstica que trabalhou para uma bruxa muito velha e riquíssima chamada Hepzibá Smith.
Dumbledore tocou em um dos frascos com a varinha, a rolha saltou e ele despejou a lembrança espiralante na Penseira dizendo:
— Primeiro você, Harry.
O garoto se levantou e se curvou mais uma vez para o conteúdo prateado e ondulante da bacia de pedra até encostar o rosto nele. Despencou pelo vácuo escuro e aterrissou em uma sala de estar diante de uma velha imensamente gorda, de peruca ruiva, com um caprichoso penteado e um conjunto de brilhantes vestes cor-de-rosa que caíam à sua volta, dando-lhe a aparência de um bolo com o glacê derretido. Mirava-se em um espelhinho cravejado de pedras e passava ruge nas faces, já escarlates, com uma grande esponja de pó-de-arroz, enquanto isso, a elfo doméstica menor e mais velha que Harry já vira na vida calçava, nos pés carnudos da bruxa, apertadas pantufas de cetim.
— Depressa, Hóquei! — falou Hepzibá, autoritária — Ele disse que viria às quatro horas, faltam só uns minutinhos, e até hoje ele nunca se atrasou!
Ela guardou a esponja quando a elfo doméstica se levantou. A cabeça dela mal chegava ao assento da cadeira de Hepzibá, e sua pele papirácea parecia pender dos ossos tal como o lençol engomado de linho que ela usava, drapejado, como uma toga.
— Que tal estou? — perguntou Hepzibá, virando a cabeça para se admirar de vários ângulos no espelho.
— Linda, madame — respondeu Hóquei esganiçada.
Harry só pôde supor que constava do contrato de Hóquei mentir descaradamente quando a dona lhe fizesse essa pergunta, porque, em sua opinião, Hepzibá Smith estava longe de ser linda.
Uma campainha tilintou, e a senhora e a elfo se sobressaltaram.
— Depressinha, Hóquei, ele chegou — exclamou Hepzibá e a elfo saiu correndo da sala, tão atulhada de móveis e objetos que era difícil imaginar como alguém era capaz de navegar entre eles sem derrubar pelo menos uma dúzia de coisas: havia armários cheios de pequenas caixas de xarão, estantes repletas de livros gravados em ouro, prateleiras de esferas e globos celestes, e muitas plantas verdejantes em cachepôs de latão. De fato, a sala parecia uma cruza de antiquário de magia e estufa de plantas.
A elfo doméstica voltou minutos depois, seguida por um rapaz alto em quem, sem a menor dificuldade, Harry reconheceu Voldemort. Vestia um terno preto muito simples, seus cabelos estavam um pouco mais compridos do que no tempo de escola e suas faces encovadas, mas tudo isso lhe assentava bem: parecia mais bonito que nunca. Atravessou a sala, desviando-se dos objetos com um ar de quem já estivera ali muitas vezes, e segurando a mão de Hepzibá fez uma profunda reverência e tocou-a levemente com os lábios.
— Trouxe flores para a senhora — disse ele em voz baixa, materializando um buquê.
— Menino levado, você não precisava! — guinchou a velha Hepzibá, embora Harry reparasse que havia um vaso pronto na mesinha mais próxima — Você realmente estraga esta velha, Tom... sente-se, sente-se... onde foi a Hóquei... ah...
A elfo voltou correndo à sala, trazendo uma bandeja de bolinhos, que depositou ao lado do cotovelo de sua senhora.
— Sirva-se, Tom, sei como gosta dos meus bolos. Agora, como vai? Parece pálido. Fazem você trabalhar demais naquela loja, já disse isso mil vezes...
Voldemort sorriu mecanicamente, e Hepzibá retribuiu com um sorrisinho afetado.
— Bem, desta vez qual é a desculpa para sua visita? — perguntou ela pestanejando.
— O Sr. Burke gostaria de fazer uma oferta melhor pela armadura fabricada pelos duendes — respondeu Voldemort — Quinhentos galeões, ele acha mais do que justo...
— Ora, ora, vamos com calma ou pensarei que você só veio aqui por causa das minhas bugigangas! — disse Hepzibá, fazendo beicinho.
— Sou mandado aqui por causa delas — respondeu Voldemort em voz baixa — Sou apenas um pobre balconista, madame, que precisa cumprir ordens. O Sr. Burke quer que eu indague...
— Ah, fiau para o Sr. Burke! — exclamou Hepzibá, fazendo um gesto de descaso com sua mãozinha — Tenho uma coisa para lhe mostrar que jamais mostrei ao Sr. Burke! Você é capaz de guardar um segredo, Tom? Promete que não contará ao Sr. Burke o que tenho? Ele não me daria mais descanso se soubesse que lhe mostrei, e não quero vender nem ao Burke nem a ninguém! Mas você, Tom, você saberá apreciar a peça por sua história, não pelos galeões que poderá obter com sua venda...
— Teria prazer em ver qualquer coisa que a Srta. Hepzibá me mostrasse — respondeu Tom sem ai tear a voz, e a bruxa deu mais uma risadinha juvenil.
— Mandei Hóquei buscar... Hóquei, cadê você? Quero mostrar ao Sr. Riddle o nosso mais belo tesouro... na verdade, aproveite e traga os dois...
— Aqui estão, madame — guinchou a elfo, e Harry viu dois estojos de couro, sobrepostos, deslocando-se pela sala como se tivessem vontade própria, embora ele soubesse que a minúscula elfo os carregava à cabeça, contornando mesas, pufes e banquinhos.
— Agora — exclamou Hepzibá alegremente, recebendo os estojos da elfo e apoiando-os no colo para abrir o de cima — Acho que você vai gostar, Tom... ah, se a minha família soubesse o que estou lhe mostrando... mal podem esperar para pôr as mãos nisso!
A bruxa abriu a tampa. Harry chegou um pouquinho à frente para poder ver melhor e deparou com um objeto que parecia uma tacinha de ouro com duas asas finamente lavradas.
— Será que você sabe o que é isso, Tom? Pegue, dê uma boa olhada! — sussurrou Hepzibá.
Voldemort esticou seus dedos compridos e retirou a taça, pela asa, do encaixe de seda franzida. Harry achou ter percebido um fulgor vermelho em seus olhos escuros. Sua expressão cobiçosa refletiu-se curiosamente no rosto de Hepzibá, exceto que os olhinhos da bruxa estavam fixos nas belas feições de Voldemort.
— Uma insígnia — murmurou Voldemort, examinando a gravação na taça — Então isto era...
— De Helga Hufflepuff, como você sabe muito bem, seu danadinho! — exclamou Hepzibá, inclinando-se para a frente, produzindo fortes estalos em seu espartilho e dando um beliscão na bochecha magra de Voldemort — Eu não lhe disse que era uma descendente distante de Helga? A taça vem passando de uma geração a outra em nossa família há anos. Linda, não é? E possui vários poderes também, segundo dizem, mas não experimentei todos, me contento em guardá-la bem segura aqui...
Ela soltou a taça do longo indicador de Voldemort e devolveu-a gentilmente ao estojo, absorta demais em repô-la na posição correta para notar a sombra que perpassou o rosto de Voldemort quando tirou a taça da mão dele.
— Agora — disse Hepzibá alegre — Onde foi a Hóquei? Ah, sim, aí está você... leve isto para guardar, Hóquei...
A elfo apanhou obedientemente o estojo, e Hepzibá voltou sua atenção para a outra caixa bem mais fina em seu colo.
— Acho que você vai gostar deste ainda mais, Tom — sussurrou ela — Chegue mais perto, caro rapaz, para poder vê-lo... é claro que Burke sabe que tenho isto, comprei-o na mão dele e  acho que ele adoraria recomprá-lo quando eu me for...
Ela empurrou o delicado fecho de filigrana e abriu a caixa. Ali, sobre o macio forro de veludo vermelho, havia um pesado medalhão de ouro. Desta vez Voldemort estendeu a mão sem esperar convite e ergueu a peça à luz para examiná-la.
— É a marca de Slytherin — disse baixinho, quando a luz incidiu sobre um S floreado e serpentino.
— Exatamente! — exclamou Hepzibá, revelando-se encantada com a visão de Voldemort a admirar, fascinado, o seu medalhão — Tive de pagar um braço e uma perna por ele, mas não podia deixar passar a ocasião, não de adquirir um verdadeiro tesouro como este, precisava tê-lo na minha coleção. Pelo que soube, Burke o comprou de uma mulher esfarrapada que pelo jeito o roubara, mas não tinha a menor ideia do seu real valor...
Desta vez não havia engano: os olhos de Voldemort produziram um lampejo vermelho ao ouvir essas palavras, e Harry viu os nós dos seus dedos, que seguravam a corrente do medalhão, embranquecerem.
—... acho que Burke pagou à mulher uma ninharia, mas aí o tem... bonito, não é? E como o outro, atribuem a este todo o tipo de poder, embora eu apenas o guarde em segurança...
Ela estendeu a mão para retomar o medalhão. Por um momento, Harry pensou que Voldemort não ia deixar, mas logo o medalhão escorregava entre seus dedos e estava de volta ao acolchoado de veludo vermelho.
— Eis aí, Tom, querido, e espero que você tenha gostado!
A bruxa olhou-o diretamente no rosto e, pela primeira vez, Harry viu o sorriso tolo dela vacilar.
— Você está bem, querido?
— Ah, sim — respondeu Voldemort, quieto — Estou muito bem...
— Pensei... deve ter sido uma ilusão de ótica — disse Hepzibá, parecendo nervosa, e Harry imaginou que a bruxa, também, vira o momentâneo brilho vermelho nos olhos de Voldemort — Tome aqui, Hóquei, leve e tranque-os outra vez... os feitiços de sempre...
— Hora de partir, Harry — disse Dumbledore calmamente, e, quando a pequena elfo saía balançando o estojo na cabeça, Dumbledore mais uma vez segurou o braço de Harry e juntos atravessaram o olvido de volta ao escritório de Dumbledore — Hepzibá Smith morreu dois dias depois dessa breve cena — comentou Dumbledore, retomando seu lugar e indicando que Harry fizesse o mesmo — Hóquei, a elfo doméstica foi condenada pelo Ministério por ter envenenado o chocolate noturno de sua senhora, por engano.
— Nem pensar! — exclamou Harry enraivecido.
— Vejo que concordamos inteiramente. Com certeza há muitas semelhanças entre essa morte e a dos Riddle. Nos dois casos, outra pessoa levou a culpa, alguém que tinha perfeita lembrança de ter causado a morte...
— Hóquei confessou?
— Ela se lembrou de ter posto alguma coisa no chocolate de sua senhora, e descobriram que não era açúcar mas um veneno letal e pouco conhecido — explicou Dumbledore — Concluíram que não houve intenção, mas por ser velha e confusa...
— Voldemort alterou a memória dela, exatamente como fez com Morfino!
— Foi o que concluí também — disse Dumbledore — E tal como no caso de Morfino, o Ministério estava predisposto a suspeitar de Hóquei...
—... porque era uma elfo doméstica — concluiu Harry.
Poucas vezes sentira tanta simpatia pela sociedade que Hermione fundara, o F.A.L.E.
— Precisamente — disse Dumbledore — Ela era velha, admitiu ter misturado a bebida, e ninguém no Ministério se deu ao trabalho de indagar mais nada. Como no caso do Morfino, quando finalmente localizei-a e consegui extrair esta lembrança, estava praticamente à morte... mas a lembrança, é claro, não prova nada exceto que Voldemort sabia da existência da taça e do medalhão. Quando finalmente Hóquei foi condenada, a família de Hepzibá já dera por falta de dois dos seus mais valiosos tesouros. Mas os herdeiros levaram algum tempo para se certificarem, porque a bruxa tinha muitos esconderijos e sempre guardara com muito zelo sua coleção. Antes, porém, que estivessem absolutamente seguros de que a taça e o medalhão haviam desaparecido, o balconista que trabalhara para a Borgin & Burkes, o jovem que visitara Hepzibá com tanta regularidade e a impressionara tão bem, tinha se demitido e se eclipsado. Seus empregadores não faziam ideia aonde fora, ficaram tão surpresos quanto os demais, com o seu sumiço. E, durante muito tempo, essa foi a última vez que alguém viu ou ouviu falar de Tom Riddle. Agora...
Continuou Dumbledore.
— Se você não se opuser, Harry, quero fazer outro parêntese para destacar certos pontos de nossa história. Voldemort tinha cometido mais um homicídio, se era o primeiro desde que matara os Riddle, eu não sei, mas acho que sim. Desta vez, como você deve ter percebido, ele não matou para se vingar, mas para lucrar. Queria os dois fabulosos troféus que aquela pobre mulher vaidosa lhe mostrou. Da mesma forma que, no passado, roubara as outras crianças no orfanato, da mesma forma que roubara o anel de seu Tio Morfino, ele agora fugia com a taça e o medalhão de Hepzibá.
— Mas — interpôs Harry, franzindo a testa — Me parece loucura... arriscar tudo, jogar o emprego para o alto, só para obter...
— Loucura para você, talvez, mas não para Voldemort. Espero que, com o tempo, você compreenda exatamente o que esses objetos significavam para ele, Harry, mas admita que não é difícil imaginar que ele considerou que pelo menos o medalhão era legitimamente dele.
— O medalhão talvez, mas por que levar a taça também?
— Tinha pertencido a outro dos fundadores de Hogwarts. Acho que ele ainda sentia uma grande atração pela escola e que não poderia resistir a um objeto tão impregnado com sua história. Penso que havia outras razões... e espero, com o tempo, poder comprová-las a você. E agora vamos à última lembrança que tenho para mostrar, pelo menos até que você consiga obter para nós a do Prof. Slughorn. Dez anos separam a lembrança de Hóquei desta outra, dez anos durante os quais podemos apenas imaginar o que Lorde Voldemort esteve fazendo...
Harry se levantou mais uma vez enquanto Dumbledore esvaziava a última lembrança na Penseira.
— De quem é a lembrança? — perguntou ele.
— Minha — disse Dumbledore.
E Harry mergulhou depois de Dumbledore na instável massa de prata para aterrissar, em seguida, no mesmo escritório que acabara de deixar. Lá estava Fawkes, dormindo feliz em seu poleiro, e lá estava Dumbledore, à sua escrivaninha, muito parecido com este ao lado de Harry embora tivesse as duas mãos sadias e o rosto talvez um pouco menos enrugado. A única diferença entre o escritório atual e este outro era que estava nevando no da lembrança, flocos azulados passavam flutuando pela janela escura e se acumulavam na aba externa da janela.
O Dumbledore mais jovem parecia estar à espera de alguém e, de fato, momentos depois de chegarem, ouviram uma batida na porta.
— Entre — disse Dumbledore.
Harry deixou escapar uma exclamação imediatamente reprimida. Voldemort entrara na sala. Suas feições não eram as que Harry vira emergir do grande caldeirão de pedra quase dois anos antes: não eram tão ofídias, os olhos ainda não eram vermelhos, o rosto ainda não era uma máscara, mas ele deixara de ser o bonito Tom Riddle. Era como se suas feições tivessem queimado e embaçado: estavam macilentas e estranhamente distorcidas, e o branco dos olhos parecia estar permanentemente injetado, embora as pupilas ainda não fossem as fendas que Harry sabia que viriam a ser. Ele trajava uma longa capa preta, e seu rosto estava branco como a neve que brilhava em seus ombros.
O Dumbledore à escrivaninha não demonstrou surpresa alguma. Evidentemente a visita fora marcada com antecedência.
— Boa noite, Tom — disse o diretor com simplicidade — Não quer sentar?
— Obrigado — agradeceu Voldemort, e se sentou na cadeira que Dumbledore indicara: pelo visto, a mesma que Harry acabara de deixar no presente — Soube que se tornou diretor — sua voz estava um pouco mais aguda e mais fria do que antes — Uma escolha merecida.
— Fico satisfeito que você aprove — disse Dumbledore sorridente — Posso lhe oferecer uma bebida?
— Seria bem vinda. Vim de muito longe.
Dumbledore se levantou e foi até o armário onde agora guardava a Penseira, e que, então, estava cheio de garrafas. Tendo dado a Voldemort uma taça de vinho, e em seguida se servido, voltou ao seu lugar à escrivaninha.
— Então, Tom... a que devo o prazer?
Voldemort não respondeu de imediato, apenas tomou um golinho do vinho.
— Não me chamam mais de Tom. Hoje em dia sou conhecido como...
— Eu sei como você é conhecido — interrompeu-o Dumbledore com um sorriso agradável — Mas, para mim, receio que você sempre será o Tom Riddle. E uma das coisas irritantes nos antigos professores, eles nunca chegam a esquecer a juventude dos seus pupilos.
Ele ergueu a taça como se brindasse a Voldemort, cujo rosto permaneceu inexpressivo. Harry, no entanto, sentiu a atmosfera no aposento mudar sutilmente: a recusa de Dumbledore em usar o nome escolhido por Voldemort era uma recusa a permitir que ditasse os termos do encontro, e Harry percebeu que Voldemort assim entendera.
— Estou surpreso que tenha permanecido aqui tanto tempo — recomeçou Voldemort após uma breve pausa — Eu sempre me perguntei por que um bruxo como você jamais quis deixar a escola.
— Bem — respondeu Dumbledore, ainda sorrindo — Para um bruxo como eu, não pode haver nada mais importante do que transmitir artes antigas, ajudar a afinar a mente dos jovens. Se me lembro corretamente, no passado você também se sentiu atraído pelo ensino.
— Ainda me sinto — disse Voldemort — Simplesmente me perguntei por que você, a quem tantas vezes o Ministério tem pedido conselhos, e a quem já foi oferecido duas vezes, acho, o posto de Ministro...
— Na realidade já foram três vezes. Mas o Ministério nunca me atraiu como carreira. Mais uma coisa que temos em comum, acho.
Voldemort curvou a cabeça sem sorrir e tomou mais um golinho do vinho. Dumbledore não quebrou o silêncio que se alongou entre .os dois, antes aguardou que Voldemort falasse primeiro com uma expressão de cordial expectativa.
— Voltei — disse ele depois de algum tempo — Talvez mais tarde do que o Prof. Dippet esperava... mas voltei, mesmo assim, para tornar a solicitar o que ele certa vez me recusou dizendo que eu era jovem demais para ser. Vim procurá-lo para pedir que me permita retornar a este castelo como professor. Acho que você deve saber que vi e fiz muita coisa desde que saí. Poderia mostrar e contar coisas aos seus estudantes que não poderiam aprender com nenhum outro bruxo.
Dumbledore fitou Voldemort por cima de sua taça por um tempo antes de falar.
— Certamente sei que você viu e fez muita coisa desde que nos deixou — disse calmo — Os rumores dos seus feitos alcançaram sua antiga escola, Tom. E eu lamentaria ter de acreditar sequer em metade deles.
A expressão de Voldemort não se alterou ao responder:
— A grandeza inspira a inveja, a inveja engendra o despeito, o despeito produz a mentira. Você deve saber disso, Dumbledore.
— Você chama de “grandeza” o que tem feito? — perguntou o diretor gentilmente.
— Sem dúvida — os olhos de Voldemort pareciam rutilar — Fiz experiências, levei as possibilidades da magia a extremos a que jamais alguém levou...
— De alguns tipos de magia — corrigiu-o Dumbledore tranquilamente — De alguns. De outros você continua... me desculpe dizer... lamentavelmente ignorante.
Pela primeira vez Voldemort sorriu. Foi um esgar tenso, maligno, mais ameaçador do que urna expressão de cólera.
— O velho argumento — disse brandamente — Mas nada que vi no mundo respaldou as suas famosas declarações de que o amor é mais poderoso do que o meu tipo de magia, Dumbledore.
— Talvez você tenha procurado nos lugares errados — sugeriu o diretor.
— Bem, então que melhor lugar para começar novas pesquisas do que aqui, em Hogwarts? — contrapôs Voldemort — Você me deixará voltar? Você me deixará dividir meus conhecimentos com os seus estudantes? Coloco a minha pessoa e os meus talentos à sua disposição. Estou às suas ordens.
Dumbledore ergueu as sobrancelhas.
— E o que acontecerá àqueles que recebem as suas ordens? Que acontecerá àqueles que se intitulam, ou assim corre o boato, Comensais da Morte?
Harry percebeu que Voldemort não esperava que Dumbledore conhecesse esse nome, viu os olhos do bruxo tornarem a rutilar e suas narinas finas se alargarem.
— Meus amigos — respondeu ele após breve pausa — Prosseguirão sem mim, tenho certeza.
— Fico contente em ouvir que os considera seus amigos. Tive a impressão de que eram mais seus servos.
— Está enganado.
— Então se eu fosse ao Cabeça de Javali hoje à noite, não encontraria um grupo deles, Nott, Rosier, Mulciber, Dolohov, aguardando a sua volta? Amigos verdadeiramente dedicados, que fazem com você uma viagem tão longa em uma noite de nevasca, meramente para lhe desejar boa sorte em sua tentativa de obter um cargo de professor.
Não poderia haver dúvida de que o conhecimento detalhado de Dumbledore sobre o grupo com quem Voldemort estava viajando foi ainda mais mal recebido. Ele, porém, replicou quase imediatamente.
— Você continua onisciente como sempre, Dumbledore.
— Ah, não, apenas tenho boas relações com os donos de bares locais — respondeu ele descontraído — Agora, Tom...
Dumbledore pousou o copo vazio e se empertigou na cadeira, unindo as pontas dos dedos em um gesto muito seu.
—... vamos falar francamente. Por que veio aqui hoje, cercado de capangas, para pedir um emprego que ambos sabemos que você não quer?
Voldemort mostrou-se friamente surpreso.
— Um emprego que não quero? Pelo contrário, Dumbledore, quero e muito.
— Ah, você quer voltar a Hogwarts, mas quer tanto ensinar aqui quanto queria aos dezoito anos. Que é que você está procurando, Tom? Por que não experimenta pedir abertamente uma vez na vida?
Voldemort riu com desdém.
— Se você não quiser me dar um emprego...
— Claro que não quero. E não acho nem por um minuto que você esperava outra resposta. Contudo, você veio e pediu, logo deve ter uma razão.
Voldemort se levantou. Parecia menos que nunca o Tom Riddle, suas feições inchadas de fúria.
— Esta é a sua resposta definitiva?
— É — disse o diretor levantando-se também.
— Então não temos mais nada a conversar.
— Não, nada.
E uma grande tristeza se espalhou pelo rosto de Dumbledore.
— Já se foi o tempo em que eu podia assustá-lo com um guarda-roupa em chamas e forçá-lo a compensar os seus crimes. Mas quem me dera poder, Tom... quem me dera poder.
Por um segundo, Harry esteve a ponto de gritar um aviso inútil: tinha certeza de que a mão de Voldemort tremera em direção ao bolso e à varinha, mas o momento passou, Voldemort deu as costas, a porta foi se fechando e ele partiu.
Harry sentiu a mão de Dumbledore fechar sobre o seu braço e momentos depois estavam parados quase no mesmo lugar, mas não havia neve se acumulando na aba da janela, e a mão do diretor estava escura e sem vida.
— Por quê? — perguntou Harry em seguida, encarando Dumbledore no rosto — Por que ele voltou? O senhor chegou a descobrir?
— Tenho algumas ideias, mas não mais que ideias.
— Que ideias, senhor?
— Contarei a você quando tiver recuperado aquela lembrança do Prof. Slughorn. Quando você tiver aquela última peça do quebra-cabeça, tudo ficará claro, assim espero... para nós dois.
Harry continuava a arder de curiosidade e, embora Dumbledore tivesse ido até a porta e a mantivesse aberta para ele, o garoto não se mexeu logo.
— Ele queria novamente o cargo de Defesa Contra as Artes das Trevas, senhor? Ele não disse...
— Ah, sem a menor dúvida ele queria o cargo de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. O rescaldo do nosso breve encontro comprova isso. Observe que nunca conseguimos manter um professor de Defesa Contra as Artes das Trevas por mais de um ano desde que recusei o cargo a Lorde Voldemort.







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