terça-feira, 27 de novembro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 37





DEZENOVE ANOS DEPOIS



O OUTONO PARECEU CHEGAR de repente naquele ano. A manhã do dia primeiro de Setembro estava revigorante e dourada como uma maçã, e, quando a pequena família atravessou saltitante a rua, em direção à grande estação encardida, a fumaça que os carros expeliam e a respiração dos pedestres cintilavam como teias de aranha no ar frio. Duas grandes gaiolas sacudiam em cima dos carrinhos cheios que os pais empurravam, as corujas dentro delas piavam indignadas, e a menina ruiva acompanhava chorosa os irmãos, agarrada à mão do pai.
— Não vai demorar muito, e você também irá — disse-lhe Harry.
— Dois anos — fungou Lílian — Quero ir agora!
Os passageiros olharam curiosos para as corujas quando a família se encaminhou em ziguezague para a barreira entre as plataformas nove e dez. A voz de Alvo chegou aos ouvidos de Harry apesar do barulho reinante, seus dois filhos tinham retomado a discussão começada no carro.
— Não quero ir! Não quero ir para Sonserina!
— Tiago, dá um tempo! — pediu Gina.
— Eu só disse que ele talvez fosse — defendeu-se Tiago, rindo do irmão mais novo — Não vejo problema nisso. Ele talvez vá para Sons...
Tiago, porém, viu o olhar da mãe e se calou. Os cinco Potter se aproximaram da barreira. Lançando ao irmão um olhar ligeiramente arrogante por cima do ombro, Tiago apanhou o carrinho que a mãe levava e saiu correndo. Um instante depois tinha desaparecido.
— Vocês vão escrever para mim, não vão? — perguntou Alvo aos pais, capitalizando imediatamente a ausência momentânea do irmão.
— Todo dia, se você quiser — respondeu Gina.
— Todo dia não — replicou Alvo, depressa — O Tiago diz que a maioria dos alunos recebe carta de casa mais ou menos uma vez por mês.
— Escrevemos para Tiago três vezes por semana no ano passado — contestou Gina.
— E você não acredite em tudo que ele lhe disser sobre Hogwarts — acrescentou Harry. — Ele gosta de brincar, o seu irmão.
Lado a lado, eles empurraram o segundo carrinho e ganharam velocidade. Ao alcançarem a barreira, Alvo fez uma careta, mas a colisão não ocorreu. Em vez disso, a família emergiu na Plataforma Nove e Meia, que estava encoberta pela densa fumaça clara que saía do Expresso de Hogwarts. Vultos indistintos pululavam na névoa, em que Tiago já desaparecera.
— Onde eles estão? — perguntou Alvo, ansioso, espiando os vultos brumosos pelos quais passavam ao avançar pela plataforma.
— Nós os acharemos — tranquilizou-o Gina.
Mas o vapor era denso, e estava difícil distinguir os rostos das pessoas. Separadas dos donos, as vozes ecoavam anormalmente altas. Harry pensou ter ouvido Percy discursar sonoramente sobre o regulamento para uso de vassouras, e ficou feliz de ter um pretexto para não parar e cumprimentar...
— Acho que são eles, Al — disse Gina, de repente.
Um grupo de quatro pessoas que estava parado ao lado do último vagão emergiu da névoa. Seus rostos só entraram em foco quando Harry, Gina, Lílian e Alvo estavam quase em cima deles.
— Oi — disse Alvo, parecendo imensamente aliviado.
Rosa, que já estava usando as vestes de Hogwarts recém-compradas, deu-lhe um grande sorriso.
— Afinal, conseguiu estacionar direito? — perguntou Rony a Harry — Eu consegui. Hermione não acreditou que eu pudesse passar no exame de motorista dos trouxas, não é mesmo? Achou que eu ia precisar confundir o examinador.
— Não pensei, não — replicou Hermione — Fiz a maior fé em você.
— Pois eu o confundi, mesmo — sussurrou Rony para Harry, quando, juntos, embarcaram o malão e a coruja de Alvo no trem — Só me esqueci de olhar pelo retrovisor externo, e, cá entre nós, posso usar um Feitiço Supersensorial para isso.
De volta à plataforma, eles encontraram Lílian e Hugo, o irmão mais novo de Rosa, entretidos em uma animada discussão sobre a Casa para a qual seriam selecionados, quando finalmente fossem para Hogwarts.
— Se você não for para a Grifinória, nós o deserdaremos — ameaçou Rony — Mas não estou pressionando ninguém.
— Rony!
Lílian e Hugo riram, mas Alvo e Rosa ficaram muito preocupados.
— Ele não está falando sério — disseram Hermione e Gina, mas Rony já não estava prestando atenção.
Atraindo o olhar de Harry, ele acenou discretamente com a cabeça para um ponto a uns cinquenta metros. O vapor tinha rareado por um momento, e três pessoas estavam paradas destacando-se contra a névoa em movimento.
— Veja só quem está ali.
Draco Malfoy estava parado com a mulher e o filho, um sobretudo escuro abotoado até o pescoço. Seus cabelos já revelavam entradas que salientavam o seu queixo fino. O novo aluno parecia com Draco tanto quanto Alvo parecia com Harry. Draco viu Harry, Rony, Hermione e Gina olhando para ele, deu um breve aceno com a cabeça e se afastou.
— Então aquele é o pequeno Escórpio — comentou Rony em voz baixa — Não deixe de superá-lo em todos os exames, Rosa. Graças a Deus você herdou a inteligência da sua mãe.
— Rony, pelo amor de Deus — o tom de Hermione mesclava seriedade e vontade de rir — Não tente indispor os dois antes mesmo de entrarem para a escola!
— Você tem razão, desculpe — mas, incapaz de se conter, ele acrescentou — Mas não fique muito amiga dele, Rosa. Vovô Weasley nunca perdoaria se você casasse com um Sangue Puro.
—Ei!
Tiago reaparecera, tinha se livrado do malão, da coruja e do carrinho e, evidentemente, estava fervilhando de novidades.
— Teddy está lá atrás — disse ele, sem fôlego, apontando por cima do ombro para as gordas nuvens de vapor — Acabei de ver! E adivinhe o que ele está fazendo? Se agarrando com a Victoire!
Ele ergueu os olhos para os adultos, visivelmente desapontado com a falta de reação.
— O nosso Teddy! Teddy Lupin! Agarrando a nossa Victoire! Nossa prima! E perguntei a Teddy que é que ele estava fazendo...
— Você interrompeu os dois? — indagou Gina — Você é igualzinho ao Rony...
—... e ele disse que tinha vindo se despedir dela! E depois me disse para dar o fora. Ele está agarrando ela! — acrescentou Tiago, preocupado que não tivesse sido suficientemente claro.
— Ah, seria ótimo se os dois se casassem! — sussurrou Lílian enlevada — Então o Teddy ia realmente fazer parte da nossa família!
— Ele já aparece para jantar quatro vezes por semana — disse Harry — Por que não o convidamos para morar de uma vez conosco?
— É! — concordou Tiago, entusiasmado — Eu não me importo de dividir o quarto com o Alvo... Teddy poderia ficar com o meu!
— Não — disse Harry, com firmeza — Você e Al só dividirão um quarto quando eu quiser ter a casa demolida.
Ele consultou o velho relógio arranhado que, no passado, tinha pertencido a Fábio Prewett.
— São quase onze horas, é melhor embarcar.
— Não se esqueça de transmitir a Neville o nosso carinho! — recomendou Gina a Tiago ao abraçá-lo.
— Mamãe! Não posso transmitir carinho a um professor!
— Mas você conhece Neville...
Tiago girou os olhos para o alto.
— Aqui fora, sim, mas, na escola, ele é o Professor Longbottom, não é? Não posso entrar na aula de Herbologia falando em carinho...
E, balançando a cabeça para a tolice da mãe, ele sapecou um pontapé em Alvo.
— A gente se vê, Al. Cuidado com os testrálios.
— Pensei que eles fossem invisíveis. Você disse que eram invisíveis!
Tiago, porém, riu apenas, permitiu que a mãe o beijasse, deu no pai um rápido abraço e saltou para o trem que se enchia rapidamente. Eles o viram acenar e sair correndo pelo corredor à procura dos amigos.
— Não precisa se preocupar com os testrálios — disse Harry a Alvo — São criaturas meigas, não têm nada de apavorante. E, de qualquer modo, você não irá para a escola de carruagem, irá de barco.
Gina deu um beijo de despedida em Alvo.
— Vejo vocês no Natal.
— Tchau, Al — disse Harry, e o filho o abraçou — Não esqueça que Hagrid o convidou para tomar chá na próxima sexta-feira. Não se meta com o Pirraça. Não duele com ninguém até aprender como se faz. E não deixe Tiago enrolar você.
— E se eu for para Sonserina?
O sussurro foi apenas para o pai, e Harry percebeu que só o momento da partida poderia ter forçado Alvo a revelar como o seu medo era grande e sincero.
Harry se abaixou de modo a deixar o rosto do menino ligeiramente acima do dele. Dos seus três filhos, apenas Alvo herdara os olhos de Lílian.
— Alvo Severo — disse Harry, baixinho, para ninguém mais, exceto Gina, poder ouvir, e ela teve tato suficiente para fingir que acenava para Rosa, que já estava no trem — Nós lhe demos o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles era da Sonserina, e provavelmente foi o homem mais corajoso que já conheci.
— Mas me diga...
—... então, a Sonserina terá ganhado um excelente estudante, não é mesmo? Não faz diferença para nós, Al. Mas, se fizer para você, poderá escolher a Grifinória em vez da Sonserina. O Chapéu Seletor leva em consideração a sua escolha.
— Sério?
— Levou comigo.
Ele jamais contara isso a nenhum dos filhos, e notou o assombro no rosto de Alvo ao ouvi-lo. Agora, entretanto, as portas estavam começando a se fechar ao longo do trem vermelho, e os contornos indistintos dos pais se aglomeravam ao avançar para os beijos finais, as recomendações de última hora.
Alvo pulou para o vagão, e Gina fechou a porta do compartimento dele.
Os estudantes estavam pendurados nas janelas mais próximas. Um grande número de rostos, tanto dentro quanto fora do trem, parecia estar virado para Harry.
— Por que eles estão todos nos encarando? — perguntou Alvo, enquanto ele e Rosa se esticavam para olhar os outros estudantes.
— Não se preocupe — disse Rony — É comigo. Sou excepcionalmente famoso.
Alvo, Rosa, Hugo e Lílian riram.
O trem começou a se deslocar, e Harry acompanhou-o, olhando o rosto magro do filho já iluminado de excitação. Continuou a sorrir e acenar, embora tivesse a ligeira sensação de ter sido roubado ao vê-lo se distanciando dele...
O último vestígio de vapor se dispersou no ar de outono. O trem fez uma curva, a mão erguida de Harry ainda acenava adeus.
— Ele ficará bem — murmurou Gina.
Ao olhá-la, Harry baixou a mão distraidamente e tocou a cicatriz em forma de raio em sua testa.
— Sei que sim.
A cicatriz não incomodara Harry nos últimos dezenove anos.
Tudo estava bem.




FIM DO SÉTIMO E ÚLTIMO VOLUME




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SAGA HARRY POTTER





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