quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 34





— CAPÍTULO TRINTA E QUATRO —
DE VOLTA À FLORESTA



FINALMENTE, A VERDADE. Deitado com o rosto no carpete empoeirado do gabinete, onde no passado ele pensara estar aprendendo os segredos da vitória, Harry compreendeu, por fim, que não devia sobreviver. Sua tarefa era seguir calmamente para os braços abertos da Morte. No caminho, ele deveria dispor dos últimos vínculos de Voldemort com a vida, de modo que, ao se atirar à frente do bruxo, sem erguer uma varinha para se defender, o fim fosse limpo, e o serviço que deveria ter sido feito em Godric’s Hollow fosse concluído: nenhum viveria, nenhum poderia sobreviver.
Ele sentiu o coração bater violentamente no peito. Como era estranho que, em seu temor da morte, ele bombeasse com mais força, mantendo-o vivo. Teria, porém, que parar, e em breve. Seus batimentos estavam contados. Para quantos haveria tempo, quando se pusesse de pé e atravessasse o castelo pela última vez, para sair aos jardins e penetrar na Floresta?
O terror engolfou-o, ali deitado no chão, com aquele tambor fúnebre batendo em seu íntimo. Doeria morrer? Todas as vezes que julgara ter chegado a hora, e escapara, ele nunca realmente pensara na morte em si: sua vontade de viver sempre fora muito maior do que o seu medo de morrer. Contudo, agora não lhe ocorria tentar fugir, vencer Voldemort na corrida. Era o fim, ele sabia, e só lhe restava a coisa em si: morrer.
Se ao menos pudesse ter morrido naquela noite de verão quando deixara para sempre o número quatro da Rua dos Alfeneiros, quando a nobre varinha de pena de fênix o salvara! Se ao menos pudesse ter morrido como Edwiges, tão rápido, que nem sentiria que acontecera! Ou se pudesse ter se atirado à frente de uma varinha para salvar alguém que amasse... ele agora invejava até mesmo a morte dos seus pais.
A caminhada a sangue-frio para a própria destruição exigia uma forma diferente de bravura. Ele sentiu os dedos tremerem levemente e fez um esforço para controlá-los, embora ninguém pudesse vê-lo, os quadros nas paredes estavam todos vazios.
Lentamente, muito lentamente, ele se sentou, e, ao fazê-lo, se sentiu mais vivo e mais cônscio de seu corpo vivente do que jamais estivera. Por que nunca apreciara o milagre que ele era, cérebro, nervos e coração pulsante? Tudo isso se iria... ou pelo menos, ele os abandonaria. Respirava lenta e profundamente, e sua boca e garganta estavam muito secas, e seus olhos também.
A traição de Dumbledore quase não pesava. Naturalmente houvera um plano maior, Harry fora simplesmente tolo demais para enxergá-lo, percebia agora. Jamais questionara sua suposição de que Dumbledore o queria vivo. Agora entendia que a duração de sua vida sempre fora definida pelo tempo que gastaria para eliminar todas as Horcruxes.
Dumbledore transferira a ele a tarefa de destruí-las, e, obedientemente, ele continuara a cortar os laços que ligavam não apenas Voldemort, mas ele próprio, à vida! Que precisão, que elegância, não desperdiçar mais vidas, mas entregar a perigosa tarefa ao garoto que já estava marcado para o abate, e cuja morte não seria uma calamidade e sim mais um golpe contra Voldemort.
E Dumbledore estivera seguro de que Harry não se esquivaria, que prosseguiria até o fim, embora fosse o seu fim, porque ele se dera o trabalho de procurar conhecê-lo, não? Dumbledore sabia, tal como Voldemort, que Harry não deixaria ninguém morrer por ele, uma vez que descobrisse que estava em seu poder impedir isso. As imagens de Fred, Lupin e Tonks deitados, sem vida, no Salão Principal tornaram a invadir sua mente, e por um momento ele mal pôde respirar: a Morte se impacientava...
Mas Dumbledore o superestimara. Ele falhara: a cobra sobrevivera. Restaria ainda uma Horcrux, ligando Voldemort à terra, mesmo depois de Harry ser liquidado. Era verdade que isso representaria uma tarefa mais fácil para alguém. Perguntou-se quem faria isso... Rony e Hermione saberiam o que era preciso fazer, naturalmente... essa teria sido a razão por que Dumbledore queria que ele confiasse em mais duas pessoas... de modo que, se cumprisse o seu destino mais cedo, eles dessem continuidade à tarefa...
Semelhante à chuva batendo em uma janela fria, esses pensamentos tamborilavam na superfície dura da verdade incontroversa: ele devia morrer.
Eu devo morrerIsto deve findar.
Rony e Hermione pareciam estar muito longe, em um país longínquo, sentia como se tivessem se separado havia muito tempo.
Não haveria despedidas nem explicações, assim decidira. Era uma viagem que não poderiam empreender juntos, e as tentativas que os amigos fizessem para impedi-lo seriam uma perda de tempo preciosa. Baixou os olhos para o relógio de ouro arranhado que recebera no décimo sétimo aniversário.
Quase metade da hora que Voldemort fixara para sua rendição já transcorrera.
Ele se pôs de pé. Seu coração saltando contra as costelas como um pássaro frenético. Talvez ele soubesse que lhe restava muito pouco tempo, talvez estivesse decidido a completar os batimentos de uma vida antes de seu fim. Ele não olhou para trás ao fechar a porta do gabinete.
O castelo estava deserto. Sentiu-se um fantasma, atravessando-o sozinho, como se já tivesse morrido. Os bruxos dos retratos continuavam ausentes de suas molduras, o lugar estava soturnamente quieto, como se toda a sua força vital estivesse concentrada no Salão Principal, onde se comprimiam os mortos e os enlutados.
Harry vestiu a Capa da Invisibilidade e foi descendo os andares e, por último, a escadaria de mármore do Saguão de Entrada. Talvez uma parte infinitesimal dele tivesse esperança de ser percebida, de ser detida, mas a capa estava, como sempre, impenetrável, perfeita, e ele alcançou as portas da entrada sem empecilhos.
Então Neville quase colidiu com ele. Era um dos dois que traziam um cadáver dos jardins. Harry olhou para baixo e sentiu outra pancada surda no estômago: Colin Creevey. Embora menor de idade, devia ter voltado escondido como tinham feito Malfoy, Crabbe e Goyle. Ele parecia minúsculo na morte.
— Sabe de uma coisa? Posso carregá-lo sozinho, Neville — disse Olívio Wood, e colocou Colin sobre o ombro, como fazem os bombeiros, e levou-o para o Salão Principal.
Neville encostou-se no portal por um momento e secou a testa com o dorso da mão. Parecia um velho. Em seguida, voltou a descer a escada e entrou pela escuridão para resgatar mais corpos.
Harry virou-se para olhar o Salão Principal. As pessoas se movimentavam, tentavam consolar umas às outras, se ajoelhavam ao lado dos mortos, mas ele não viu nenhuma das que amava, nenhum vestígio de Hermione, Rony, Gina, nem dos outros Weasley, nem de Luna. Sentiu que teria dado todo o tempo que lhe sobrava para uma última olhada neles, mas, então, encontraria forças para parar de olhar?
Era melhor assim.
Ele desceu a escada e saiu para a escuridão. Eram quase quatro horas da manhã e a quietude mortal dos jardins dava a impressão de que todos prendiam a respiração, aguardando para ver se ele conseguiria fazer o que devia.
Harry caminhou em direção a Neville, que ia se curvando para outro cadáver.
— Neville.
— Caramba, Harry, você quase me fez enfartar!
Harry despira a Capa da Invisibilidade: a ideia acabara de lhe ocorrer, nascida de um desejo de garantir o desfecho.
— Onde é que você está indo sozinho? — perguntou Neville, desconfiado.
— É tudo parte do plano — respondeu Harry — Tem uma coisa que eu preciso fazer. Escute... Neville...
— Harry! — de repente o amigo se apavorou — Harry, você não está pensando em se entregar, está?
— Não — mentiu Harry, sem hesitação — Claro que não... é outra coisa. Mas eu talvez fique invisível por um tempo. Você conhece a cobra de Voldemort, Neville? Ele tem uma cobra enorme... chama-a de Nagini...
—Já ouvi falar... e daí?
— Ela tem que ser morta. Rony e Hermione sabem disso, mas caso eles...
O horror daquela possibilidade o sufocou por um momento, impedindo-o de continuar a falar. Recuperou, porém, o controle: isto era crítico, ele precisava ser como Dumbledore, manter a cabeça fria, garantir que houvesse substitutos, outros para dar prosseguimento. Dumbledore morrera na certeza de que três pessoas ainda sabiam das Horcruxes, agora, Neville tomaria o lugar de Harry: continuaria a haver três que conheciam o segredo.
— Se eles estiverem... ocupados... e você tiver a chance de...
— Matar a cobra?
— Matar a cobra — repetiu Harry.
— Certo, Harry. Você está ok, não está?
— Estou ótimo. Obrigado, Neville.
Neville, porém, agarrou Harry pelo pulso quando o amigo fez menção de se afastar.
— Nós todos vamos continuar a lutar, Harry. Você já sabe?
— É, eu...
A sensação de sufocamento cortou o fim da frase, ele não pôde continuar. Neville aparentemente não achou isso estranho. Deu uma palmada no ombro de Harry, soltou-o e saiu a procurar outros mortos.
Harry tornou a vestir a capa e continuou a andar. Havia mais alguém se movendo não muito longe, curvando-se para outro vulto deitado de bruços no chão. Ele estava a vários passos de distância quando reconheceu Gina.
Estacou. Ela estava debruçada sobre uma garota que sussurrava, chamando pela mãe.
— Está tudo bem — dizia Gina — Tudo ok. Vamos levar você para dentro.
— Mas quero ir para casa — murmurou a garota — Não quero mais lutar!
— Eu sei — disse Gina, e sua voz quebrou — Vai dar tudo certo.
Arrepios percorreram em ondas a pele de Harry. Ele queria gritar para a noite, queria que Gina soubesse que ele estava ali, queria que soubesse aonde estava indo. Queria que o fizessem parar, que o arrastassem de volta, que o mandassem para casa...
Contudo, ele estava em casa. Hogwarts era a primeira e melhor casa que conhecera. Ele, Voldemort e Snape, os garotos abandonados, tinham encontrado ali um lar...
Gina estava agora ajoelhada ao lado da garota ferida, segurando sua mão. Com um esforço supremo, Harry se obrigou a prosseguir. Pensou ter visto Gina olhar para os lados quando passou, e se perguntou se ela teria pressentido alguém andando por perto, mas ele não falou, e tampouco quis olhar para trás.
A cabana de Hagrid assomou na escuridão. Não havia luzes, nem o ruído de Canino arranhando a porta, seu latido bradando as boas-vindas, nenhuma das visitas que fizera a Hagrid, e o brilho da chaleira de cobre no fogo, os bolos com passas e os vermes gigantescos, e sua enorme cara barbuda, e Rony vomitando lesmas, e Hermione ajudando-o a salvar Norberta...
Ele continuou andando e, ao chegar à orla da Floresta, parou.
Um enxame de dementadores deslizava entre as árvores, ele sentia sua frialdade, e não teve certeza se seria capaz de atravessá-la são e salvo. Não lhe restavam forças para conjurar um Patrono. Já não conseguia controlar os seus tremores. Afinal, não era tão fácil morrer. Cada segundo que respirava, o cheiro do capim, o ar fresco no rosto, tudo era muito precioso: pensar que as pessoas tinham anos a fio, tempo para desperdiçar, tanto tempo que se arrastava, e ele se apegando a cada segundo. Simultaneamente, ele pensou que não seria capaz de continuar, e sabia que devia. O demorado jogo terminara, o pomo fora capturado, era hora de sair do ar...
pomo. Seus dedos desvigorados apalparam por um momento a bolsa que trazia ao pescoço e puxaram a bolinha.
Abro no fecho.
Respirando forte e rápido, Harry o contemplou. Agora que queria que o tempo passasse o mais lentamente possível, este parecia ter acelerado, e a compreensão sobreveio tão rápido que pareceu prescindir do pensamento. Este era o fecho. Este era o momento. Ele encostou o metal dourado nos lábios e sussurrou:
— Estou prestes a morrer.
A concha de metal se abriu. Ele baixou a mão trêmula, ergueu a varinha de Draco sob a capa e murmurou:
— Lumus!
A pedra negra com a fenda irregular ao centro estava aninhada nas duas metades do pomo. A Pedra da Ressurreição cortava a linha vertical que representava a Varinha das Varinhas. O triângulo e o círculo representando a capa e a pedra ainda eram perceptíveis.
E novamente Harry compreendeu, sem precisar pensar. Não fazia diferença trazê-los de volta, porque estava prestes a se reunir a eles. Não ia realmente buscá-los: eles estavam vindo buscá-lo. O garoto fechou os olhos, e virou a pedra na mão três vezes.
Soube que tinha acontecido, porque ouviu leves movimentos ao seu redor que sugeriam corpos frágeis pisando o chão terroso coberto de gravetos que marcava a orla externa da Floresta. Abriu os olhos e relanceou ao redor.
Não eram fantasmas nem propriamente corpos, isto ele via. Lembravam mais o Riddle que escapara do diário, havia tanto tempo, e aquela fora uma lembrança quase sólida. Menos substancial do que corpos viventes, mas muito mais do que fantasmas, eles vieram ao seu encontro e em cada rosto havia o mesmo sorriso amoroso.
Tiago tinha exatamente a mesma altura que Harry. Usava as roupas com que morrera, e seus cabelos estavam descuidados e arrepiados, e os óculos tortos como os do Sr. Weasley.
Sirius estava alto e bonito e muito mais jovem do que Harry o vira em vida. Andava com uma elegância natural, as mãos nos bolsos e um sorriso no rosto.
Lupin estava mais jovem também, e muito menos desleixado, e seus cabelos eram mais bastos e mais escuros. Parecia feliz de voltar a este lugar familiar, cenário de tantas divagações na adolescência.
O sorriso de Lílian era o maior. Ela afastou os longos cabelos para as costas ao se aproximar, e seus olhos verdes, tão semelhantes aos dele, examinaram seu rosto vorazmente, como se nunca tivesse tido tempo de olhá-lo o suficiente.
— Você tem sido tão corajoso!
Ele não pôde falar. Seus olhos se banquetearam nela, e lhe ocorreu que gostaria de ficar parado, contemplando-a para sempre, e que isto seria suficiente.
— Você está quase chegando — disse Tiago — Muito perto. Estamos... tão orgulhosos de você.
—Dói?
A pergunta infantil escapara dos lábios de Harry antes que ele pudesse contê-la.
— Morrer? Nem um pouco — respondeu Sirius — Mais rápido e mais fácil do que adormecer.
— E ele vai querer que seja rápido. Quer terminar logo — disse Lupin.
— Eu não queria que você tivesse morrido — disse Harry, as palavras saindo involuntariamente — Nenhum de vocês. Sinto muito...
Ele se dirigia mais a Lupin do que a qualquer dos demais, súplice.
—... logo depois de ter tido um filho... Remo, sinto muito...
— Eu também sinto. Lamento que nunca chegarei a conhecê-lo... mas ele saberá por que morri, e espero que entenda. Estive tentando construir um mundo em que ele pudesse viver uma vida mais feliz.
Uma brisa gelada que parecia emanar do coração da Floresta ergueu os cabelos na testa de Harry. Sabia que eles não o mandariam ir embora, que isto seria uma decisão dele.
— Vocês ficarão comigo?
— Até o fim — respondeu Tiago.
— Eles não poderão vê-los?
— Somos parte de você — disse Sirius — Invisíveis a todos os outros.
Harry olhou para a mãe.
— Fique perto de mim — disse baixinho.
E ele começou a andar.
O frio dos dementadores não o envolveu, atravessou-o com seus companheiros, e eles produziram o efeito de Patronos, e unidos marcharam entre as velhas árvores que cresciam muito juntas, seus ramos emaranhados, suas raízes repletas de nós e torcidas sob seus pés. Naquela escuridão, Harry segurou a capa bem junto do corpo, se embrenhando cada vez mais na Floresta, sem fazer ideia do lugar exato em que estava Voldemort, mas certo de que o encontraria. Ao seu lado, quase sem fazer ruído, caminhavam Tiago, Sirius, Lupin e Lílian, a presença deles era sua coragem e a razão pela qual era capaz de pôr um pé à frente do outro.
Sentia o corpo e a mente estranhamente desvinculados agora, suas pernas agiam sem comando consciente, como se ele fosse o passageiro, e não o motorista, do corpo que estava em vias de deixar. Os mortos que o escoltavam pela Floresta eram muito mais reais para ele do que os vivos que tinham ficado no castelo: Rony, Hermione, Gina, todos eles lhe pareciam fantasmas à medida que ele seguia tropeçando e escorregando em direção ao fim de sua vida, em direção a Voldemort...
Um baque e um sussurro: outra criatura vivente tinha se mexido ali perto. Harry parou sob a capa, espiou ao redor, atento, e sua mãe e seu pai, Lupin e Sirius pararam também.
— Alguém lá — ouviu-se a voz rouca muito próxima — Está usando uma Capa da Invisibilidade. Seria...?
Dois vultos emergiram de trás de uma árvore: as varinhas se iluminaram e Harry viu Yaxley e Dolohov examinando diretamente a escuridão que rodeava Harry, seus pais, Sirius e Lupin. Aparentemente não conseguiam ver nada.
— Decididamente, ouvi alguma coisa — disse Yaxley — Animal, será?
— Aquele doidão do Hagrid guardava um monte de coisas aqui — comentou Dolohov, espiando por cima do ombro.
Yaxley consultou o relógio.
— O tempo está quase se esgotando. Potter já gastou a hora dele. Acho que não vem.
— E o Lorde tinha certeza de que ele viria! Não vai ficar nada feliz.
— Melhor voltar — sugeriu Yaxley — Descobrir qual é o plano agora.
Ele e Dolohov deram meia-volta e se embrenharam na Floresta.
Harry seguiu-os, sabendo que o levariam exatamente aonde queria ir. Olhou para os lados, sua mãe lhe sorriu e seu pai acenou com a cabeça, encorajando-o.
Tinham andado apenas minutos quando Harry viu uma luz adiante, e Yaxley e Dolohov desembocaram em uma clareira que ele conhecera no passado como o hábitat do monstruoso Aragogue. Os restos de sua vasta teia ainda estavam ali, mas os descendentes que procriara tinham sido expulsos pelos Comensais da Morte, para defender sua causa.
Havia uma fogueira no meio da clareira, e sua luz incerta iluminava uma multidão completamente silenciosa de vigilantes Comensais. Alguns deles ainda usavam máscaras e capuzes, outros mostravam o rosto. Dois gigantes estavam sentados na periferia do grupo, projetando imensas sombras sobre a cena, suas fisionomias cruéis, talhadas como pedras.
Harry viu Greyback, sorrateiro, roendo as longas garras. Rowle, o grandalhão louro, enxugando o lábio sangrento. Viu Lúcio Malfoy, que transparecia derrota e terror, e Narcisa, cujos olhos estavam encovados e cheios de apreensão.
Todos os olhares estavam fixos em Voldemort, em pé com a cabeça curvada, e as mãos brancas cruzadas sobre a Varinha das Varinhas, na frente do peito. Poderia estar rezando, ou então contando mentalmente, e Harry, ainda parado à margem da cena, pensou absurdamente em uma criança contando em uma brincadeira de esconde-esconde. Atrás de sua cabeça, ainda girando e se enroscando, a grande cobra Nagini flutuava na cintilante gaiola encantada como uma auréola monstruosa.
Quando Dolohov e Yaxley se reuniram ao círculo, Voldemort ergueu a cabeça.
— Não há sinal dele, Milorde — informou Dolohov.
A expressão de Voldemort não se alterou. Os olhos vermelhos pareciam incandescentes à luz da fogueira. Lentamente, ele segurou a Varinha das Varinhas entre os longos dedos.
— Milorde...
Belatriz falara: estava sentada mais próxima de Voldemort, desgrenhada, seu rosto um pouco manchado, mas, sob outros aspectos, intocado. Voldemort ergueu a mão para silenciá-la, e ela nada mais disse, mas espreitou-o com fascinada adoração.
— Pensei que ele viria — comentou Voldemort em sua voz clara e aguda, seus olhos postos nas línguas de fogo — Esperava que viesse.
Ninguém falou.
Todos pareciam tão apavorados quanto Harry, cujo coração agora saltava contra as costelas como se tivesse decidido escapar do corpo que estava prestes a descartar. Suas mãos estavam suadas, e ele despiu a Capa da Invisibilidade e guardou-a, com a varinha, dentro das vestes. Não queria se sentir tentado a lutar.
— Aparentemente... me enganei — disse Voldemort.
— Não se enganou.
Harry falou o mais alto que pôde, com toda a força que conseguiu reunir: não queria parecer amedrontado. A Pedra da Ressurreição escorregou dos seus dedos dormentes e, pelo canto dos olhos, ele viu seus pais, Sirius e Lupin desaparecerem quando ele avançou para a claridade. Naquele momento, sentiu que ninguém mais importava exceto Voldemort.
Havia apenas os dois.
A ilusão se desfez tão logo sobreveio. Os gigantes bradaram quando os Comensais da Morte se ergueram juntos, e ouviram-se muitos gritos, exclamações e até risadas. Voldemort se imobilizara onde estava, mas seus olhos vermelhos focalizaram Harry, e o observaram enquanto o garoto caminhava ao seu encontro, sem nada a separá-los a não ser a fogueira.
Então, uma voz berrou...
— HARRY! NÃO!
Ele se virou: Hagrid estava amarrado dobrado e preso a uma árvore próxima. Seu corpo maciço sacudiu os galhos no alto quando ele se debateu desesperado.
— NÃO! NÃO! HARRY, QUE É QUE VOCÊ...
— CALADO! — berrou Rowle, e, com um aceno de varinha, silenciou Hagrid.
Belatriz, que se pusera em pé de um salto, olhava ansiosa de Voldemort para Harry, o peito arfante. As únicas coisas que se moviam eram as chamas e a cobra, se enrolando e desenrolando na gaiola atrás da cabeça de Voldemort.
Harry sentia sua varinha junto ao peito, mas não fez tentativa alguma para sacá-la. Sabia que a cobra estava muito bem protegida, sabia que, se conseguisse apontar a varinha para Nagini, cinquenta feitiços o atingiriam primeiro.
E Voldemort e Harry continuaram a se encarar, e agora o Lorde inclinou ligeiramente a cabeça para o lado, examinando o garoto parado à sua frente, e um sorriso singularmente sem alegria encrespou sua boca sem lábios.
— Harry Potter — disse ele, muito suavemente. Sua voz poderia fazer parte das fagulhas da fogueira — O Menino Que Sobreviveu.
Nenhum dos Comensais da Morte se moveu. Aguardavam: tudo aguardava. Hagrid se debatia, e Belatriz ofegava, e Harry inexplicavelmente pensou em Gina, em seu olhar radioso e na sensação dos seus lábios nos dele...
Voldemort erguera a varinha. Sua cabeça ainda estava inclinada para um lado, como a de uma criança curiosa, imaginando o que aconteceria se ele prosseguisse. Harry encarou os olhos vermelhos e desejou que acontecesse naquele instante, rapidamente, enquanto ele ainda se mantinha de pé, antes que se descontrolasse, antes que traísse o seu medo...
Ele viu a boca se mover e um clarão verde, e tudo desapareceu.








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