quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 29





— CAPÍTULO VINTE E NOVE —
O DIADEMA PERDIDO



— NEVILLE... que... como...?
Mas Neville reconhecera Rony e Hermione e, com berros de alegria, abraçava-os também. Quanto mais Harry olhava o colega, pior ele lhe parecia: tinha um dos olhos inchado, amarelo e roxo, havia marcas fundas em seu rosto e sua aparência de desleixo sugeria que passara um mau bocado. Contudo, suas feições maltratadas irradiavam felicidade quando soltou Hermione e disse mais uma vez:
— Eu sabia que você viria! Sempre disse ao Simas que era uma questão de tempo!
— Neville, que aconteceu com você?
— Quê? Isso? — ele menosprezou os ferimentos, sacudindo a cabeça — Isto não é nada, Simas está pior. Você verá. Vamos andando, então? Ah... — ele se virou para Aberforth — Ab, talvez haja mais umas duas pessoas a caminho.
— Mais umas duas pessoas? — exclamou Aberforth, em tom ameaçador — Como assim, mais umas duas pessoas, Longbottom? Há um toque de recolher e um Feitiço Miadura sobre toda a aldeia!
— Eu sei, é por isso que elas estarão aparatando diretamente no bar — respondeu Neville — Mande-as pela passagem quando chegarem, por favor? Muito obrigado.
Neville esticou a mão para Hermione e ajudou-a a subir no console, e dali para o túnel, Rony seguiu-a e depois Neville. Harry se dirigiu a Aberforth.
— Não sei como lhe agradecer. Você salvou duas vezes a nossa vida.
— Cuide bem delas, então — respondeu Aberforth, ríspido — Talvez eu não possa salvá-las uma terceira.
Harry subiu no console e entrou no buraco atrás do retrato de Ariana. Havia degraus de pedra lisa do outro lado: a passagem parecia existir há muitos anos. Luminárias de latão pendiam das paredes e o piso de terra estava gasto e sem asperezas, à medida que andavam, suas sombras ondulavam, abrindo-se em leque, pela parede.
— Há quanto tempo isso existe? — indagou Rony quando começaram a andar — Não consta no Mapa do Maroto, consta, Harry? Pensei que só houvesse sete passagens para entrar e sair da escola, não?
— Eles lacraram todas aquelas antes de começar o ano letivo — respondeu Neville — Não há a menor chance de se usar nenhuma delas, não com os feitiços que lançaram nas entradas e os Comensais da Morte e dementadores esperando nas saídas — ele começou a andar de costas, sorridente, absorvendo a presença dos amigos — Mas deixa isso para lá... é verdade? Vocês arrombaram o Gringotes? Fugiram montados em um dragão? É o boato que corre, todo o mundo está comentando isso, Terêncio Boot foi espancado por Carrow por berrar isso no Salão Principal na hora do jantar!
— É, é verdade — confirmou Harry.
Neville riu com gosto.
— Que foi que vocês fizeram com o dragão?
— Soltamos no mato — disse Rony — Hermione era a favor de adotá-lo como bicho de estimação...
— Não exagere, Rony...
— Mas que têm feito? As pessoas andaram dizendo que você estava apenas fugindo, Harry, mas acho que não. Acho que esteve armando alguma coisa.
— Você acertou, mas nos fale sobre Hogwarts, Neville, ficamos sem notícias.
— Tem estado... bem, realmente não parece mais Hogwarts — disse Neville, o sorriso desaparecendo do seu rosto — Você ouviu falar dos Carrow?
— Os dois Comensais da Morte que estão ensinando aí?
— Eles fazem mais do que ensinar. São responsáveis por toda a disciplina. E gostam de castigar, os Carrow.
— Como a Umbridge?
— Nah, perto dos dois, ela é boazinha. Os outros professores têm ordem de nos mandar para eles quando fazemos alguma coisa errada. Mas não mandam, se puderem evitar. Dá para perceber que eles odeiam os dois tanto quanto nós. Amico, o cara, ensina o que costumava ser Defesa Contra as Artes das Trevas, só que agora é apenas Artes das Trevas. Temos que praticar a Maldição Cruciatus nos alunos que ganharam detenções...
— Quê?
As vozes de Harry, Rony e Hermione ecoaram em uníssono pela passagem.
— Isso mesmo — confirmou Neville — Foi assim que ganhei esse — ele apontou para um corte particularmente fundo na bochecha — Eu me recusei a amaldiçoar. Mas tem gente interessada, Crabbe e Goyle adoram. Primeira vez que são primeiros alunos em alguma coisa, imagino. Aleto, a irmã do Amico, ensina Estudos dos Trouxas, que é obrigatório para todos. Temos de ouvi-la explicar que os trouxas são animais, idiotas e porcos, e que obrigaram os bruxos a entrar na clandestinidade porque os tratavam com violência, e que a ordem natural está sendo restaurada. Recebi esse outro — ele apontou mais um corte no rosto — Porque perguntei qual é a percentagem de sangue trouxa que ela e o irmão têm.
— Caramba, Neville — exclamou Rony — Tem hora e lugar para se fazer gracinhas.
— Você não teve de ouvi-la. Também não teria aguentado. E tem uma coisa, faz bem quando alguém os enfrenta, dá esperança a todos. Eu observei isso quando você se rebelava, Harry.
— Mas eles transformaram você em afiador de facas — comentou Rony, fazendo uma leve careta quando passaram por uma luz e os ferimentos do garoto se sobressaíram mais.
Neville sacudiu os ombros.
— Não faz mal. Eles não querem derramar muito sangue puro, por isso podem até nos torturar um pouco se formos atrevidos, mas não irão realmente nos matar.
Harry não sabia o que era pior, as coisas que Neville estava contando ou o tom banal com que as contava.
— As únicas pessoas que correm perigo, de fato, são as que têm amigos e parentes criando problemas do lado de fora. Viram reféns. O velho Xeno Lovegood estava fazendo críticas fortes demais em O Pasquim, então, eles arrancaram Luna do trem quando íamos passar o Natal em casa.
— Neville, ela está bem, nós a vimos.
— É, eu sei, ela conseguiu me mandar uma mensagem.
Ele tirou do bolso uma moeda dourada, e nela Harry reconheceu um dos galeões falsos que os membros da Armada de Dumbledore usavam para trocar mensagens entre si.
— Elas têm sido ótimas — disse Neville, sorrindo para Hermione — Os Carrow nunca sacaram como nos comunicávamos, e ficaram enlouquecidos. Costumávamos sair escondidos à noite e rabiscar nas paredes: Armada de Dumbledore: o recrutamento continua, e outras coisas do gênero, o Snape odiava.
— Vocês costumavam? — perguntou Harry, que reparara no pretérito.
— Bem, com o tempo, foi ficando mais difícil. Perdemos Luna no Natal, Gina não voltou depois da Páscoa e nós três éramos os líderes, por assim dizer. Os Carrow perceberam que eu estava por trás de muitas dessas coisas, então começaram a me pressionar. Depois Miguel Corner foi pego soltando um aluno do primeiro ano que tinham acorrentado e foi barbaramente torturado. Isso apavorou as pessoas.
— Não é para menos — resmungou Rony, e nessa hora a passagem começou a subir.
— É, bem, eu não podia pedir às pessoas para suportar o que o Miguel suportou, então, paramos com esses lances. Mas continuamos a lutar, agindo às escondidas, até umas duas semanas atrás. Foi quando eles concluíram que só havia uma maneira de me fazer parar, suponho, e prenderam minha avó.
— Eles fizeram o quê? — exclamaram Harry, Rony e Hermione juntos.
— É — disse Neville, ofegando um pouco porque a passagem estava se tornando muito inclinada — Bem, dá para vocês entenderem o raciocínio deles. O sequestro de crianças para forçar os parentes a se comportarem tinha dado bons resultados, e suponho que seria apenas uma questão de tempo pensarem em fazer o contrário. Agora — Neville ficou de frente para eles e Harry se surpreendeu com o seu ar risonho — Com a vovó, eles deram uma dentada maior do que cabia na barriga. Uma bruxa velhota morando sozinha, provavelmente acharam que não era preciso mandar ninguém muito poderoso. Enfim — Neville deu uma gargalhada — Dawlish ainda está no St. Mungus e, vovó, foragida. Ela me mandou uma carta — Neville bateu no bolso do peito das vestes — Me dizendo que sentia orgulho de mim, que sou filho dos meus pais e que continue a resistir.
— Legal — disse Rony.
— É — concordou Neville, feliz — Só tem que quando perceberam que não tinham como me pressionar, resolveram que Hogwarts poderia muito bem passar sem mim. Não sei se estavam planejando me matar ou me mandar para Azkaban, qualquer que fosse o caso, achei que era hora de desaparecer.
— Mas — perguntou Rony, inteiramente desconcertado — Não estamos... não estamos voltando direto para Hogwarts?
— Claro. Você verá. Chegamos.
Eles viraram um canto e logo adiante a passagem terminava. Um pequeno lance de escada levava a uma porta igual a que havia atrás do retrato de Ariana. Neville abriu-a e galgou a escada. Quando o seguia, Harry ouviu o colega gritar para pessoas invisíveis:
— Vejam quem está aqui! Eu não disse a vocês?
Ao emergir da passagem para a sala além, ouviram-se gritos e aplausos...
— HARRY!
— É Potter, é POTTER!
— Rony!
— Hermione!
Harry teve uma impressão confusa de coisas coloridas penduradas, de candeeiros e muitos rostos. No momento seguinte, ele, Rony e Hermione foram engolfados, abraçados, receberam palmadas nas costas, tiveram os cabelos despenteados, as mãos apertadas, aparentemente por umas vinte pessoas: parecia que tinham ganhado uma final de quadribol.
— Ok, ok, calma pessoal! — gritou Neville e, quando o amontoado de gente recuou, Harry pôde observar o ambiente.
Não reconheceu a sala. Era enorme e lembrava o interior de uma casa de árvore particularmente suntuosa, ou talvez uma gigantesca cabine de navio. Redes multicoloridas pendiam do teto e de uma galeria que rodeava o cômodo cujas paredes sem janelas eram revestidas de painéis de madeira escura, cobertas de tapeçarias de cores vibrantes. Harry viu o leão dourado da Grifinória sobre o fundo vermelho, o texugo negro da Lufa-Lufa sobre o amarelo e a águia bronze da Corvinal sobre o azul. Só estava ausente o verde e prata da Sonserina. Havia estantes superlotadas, algumas vassouras encostadas nas paredes e, a um canto, um grande rádio com caixa de madeira.
— Onde estamos?
— Na Sala Precisa, é claro! — respondeu Neville — Desta vez ela foi demais, não? Os Carrow estavam me perseguindo, e eu sabia que só tinha um esconderijo possível: consegui passar pela porta e foi isso que encontrei! Bem, não estava exatamente assim quando cheguei, era bem menor, só tinha uma rede e tapeçarias da Grifinória. Mas se expandiu à medida que mais gente da Armada de Dumbledore foi chegando.
— E os Carrow não podem entrar? — perguntou Harry, olhando ao redor à procura da porta.
— Não — respondeu Simas Finnigan, que Harry não reconhecera até ouvir sua voz: o rosto do colega estava inchado e roxo — É um esconderijo de verdade, desde que um de nós esteja sempre presente, eles não podem nos surpreender, a porta não se abrirá. É tudo obra do Neville. Ele realmente saca essa sala. Você tem que pedir exatamente o que precisa... tipo “Não quero que nenhum seguidor dos Carrow possa entrar”, e a sala fará isso! Você só tem que garantir que não deixou nenhum furo! Neville é o cara!
— Na realidade, não tem mistério — disse Neville, modestamente — Eu já estava aqui fazia um dia e meio, louco de fome, desejei arranjar o que comer e a passagem para o Cabeça de Javali se abriu. Entrei por ela e deparei com Aberforth. Ele tem nos fornecido comida, porque, por alguma razão, essa é a única coisa que a sala não faz.
— É, bem, comida é uma das cinco exceções da Lei de Gamp sobre a Transfiguração Elementar — afirmou Rony para surpresa geral.
— E assim estamos nos escondendo aqui há quase duas semanas — informou Simas — E a sala acrescenta mais redes toda vez que precisamos, e até fez brotar um banheiro muito bom quando as garotas começaram a chegar...
—... foi quando desejaram muito poder se lavar — acrescentou Lilá Brown, que Harry não havia notado até aquele momento.
Agora que reparava melhor o ambiente, reconheceu os rostos de muitos colegas. As gêmeas Patil estavam ali, bem como Terêncio Boot, Ernesto Macmillan, Antônio Goldstein e Miguel Corner.
— Mas contem o que vocês andaram fazendo — pediu Ernesto — São muitos os boatos que correm e temos procurado nos manter informados sobre vocês pelo Observatório Potter — ele apontou para o rádio — Vocês não arrombaram o Gringotes?
— Arrombaram! — confirmou Neville — E o dragão também é verdade!
Ouviram-se breves aplausos e alguns gritos. Rony fez uma reverência.
— Que estavam procurando? — perguntou Simas, ansioso.
Antes que alguém pudesse desviar a pergunta com outra, Harry sentiu uma dor terrível e causticante na cicatriz. Ao se virar rapidamente de costas para os rostos curiosos e extasiados, a Sala Precisa desapareceu, e ele se viu parado no interior de um casebre de pedra, em ruínas, as tábuas podres do soalho arrancadas aos seus pés, uma caixa de ouro desenterrada aberta e vazia ao lado de um buraco, e o berro de fúria de Voldemort vibrou em sua cabeça.
Com enorme esforço, ele se retirou da mente de Voldemort e voltou ao lugar em que estava, na Sala Precisa, oscilando, o suor porejando em seu rosto e Rony sustentando-o em pé.
— Você está bem, Harry? — ele ouviu Neville perguntar — Quer se sentar? Imagino que esteja cansado, não...?
— Não — respondeu Harry. Ele olhou para Rony e Hermione, tentando lhes comunicar, mudamente, que Voldemort acabara de descobrir a perda de uma de suas Horcruxes.
O tempo estava se esgotando depressa: se Voldemort decidisse visitar Hogwarts em seguida, eles perderiam sua oportunidade.
— Temos que ir andando — falou, e as expressões dos colegas revelaram compreensão.
— Que vamos fazer, então, Harry? — perguntou Simas — Qual é o plano?
— Plano? — repetiu Harry. Ele estava exercendo toda a sua força de vontade para não se deixar sucumbir à fúria de Voldemort: sua cicatriz continuava a queimar — Bem, tem uma coisa que nós, Rony, Hermione e eu, precisamos fazer, e depois temos que sair daqui.
Ninguém mais estava rindo nem aplaudindo.
Neville pareceu aturdido.
— Como assim “sair daqui”?
— Não viemos para ficar — respondeu Harry, esfregando a cicatriz, tentando suavizar a dor — Tem uma coisa importante que precisamos fazer...
— Que é?
— Eu... eu não posso dizer.
Seguiram-se murmúrios de desagrado a essa notícia: as sobrancelhas de Neville se contraíram.
— Por que não pode nos dizer? É alguma coisa ligada à luta contra Você-Sabe-Quem, certo?
— Bem, é...
— Então nós o ajudaremos.
Os outros membros da Armada de Dumbledore assentiram, alguns entusiasticamente, outros solenemente. Uns dois se levantaram de suas cadeiras para demonstrar sua disposição de agir imediatamente.
— Você não está entendendo — pareceu-lhe ter repetido aquilo muitas vezes nas últimas horas. — Nós... nós não podemos dizer. Temos que fazer isso... sozinhos.
— Por quê? — perguntou Neville.
— Porque... — em seu desespero para começar a procurar a Horcrux restante, ou, pelo menos, ter uma conversa particular com Rony e Hermione para decidir por onde começar a busca, Harry teve dificuldade em pensar. Sua cicatriz ainda queimava — Dumbledore nos encarregou de uma tarefa, que não devíamos comentar... quer dizer, ele queria que a fizéssemos, só nós três.
— Nós somos a Armada dele — insistiu Neville — A Armada de Dumbledore. Estivemos todos unidos nisso, temos continuado a resistir enquanto vocês três estiveram lá fora sozinhos...
— Não tem sido exatamente um piquenique, colega — disse Rony.
— Eu nunca disse que foi, mas não vejo por que não podem confiar na gente. Todos nesta Sala estiveram lutando e acabaram aqui porque estavam sendo caçados pelos Carrow. Todos aqui provaram sua lealdade a Dumbledore, lealdade a você.
— Escute — começou Harry, sem saber o que ia dizer, mas não importava: a porta do túnel acabara de abrir às suas costas.
— Recebemos sua mensagem, Neville! Olá, vocês três, achamos que deviam estar aqui!
Eram Luna e Dino. Simas deu um urro de prazer e correu a abraçar o seu melhor amigo.
— Oi, pessoal! — cumprimentou Luna, feliz — Ah, que ótimo estar aqui de novo!
— Luna — disse Harry, perturbado — Que está fazendo aqui? Como foi...?
— Pedi a ela para vir — respondeu Neville, mostrando o galeão falso — Prometi a ela e a Gina que, se você voltasse, eu avisaria. Todos pensamos que a sua volta significaria realmente uma revolução. Que íamos derrubar Snape e os Carrow.
— Claro que é isso que significa — confirmou Luna, animada — Não é, Harry? Vamos expulsá-los de Hogwarts à força?
— Escutem — disse Harry, com uma crescente sensação de pânico — Sinto muito, mas não foi para isso que voltamos. Tem uma coisa que precisamos fazer e depois...
— Vocês vão nos deixar nessa confusão? — quis saber Miguel Corner.
— Não! — protestou Rony — O que estamos fazendo vai acabar beneficiando todo mundo, estamos tentando nos livrar de Você-Sabe-Quem...
— Então nos deixe ajudar! — exclamou Neville, irritado — Queremos participar!
Houve novo ruído atrás deles, e Harry se virou. Seu coração pareceu parar: Gina vinha agora passando pelo buraco na parede, seguida de perto por Fred, Jorge e Lino Jordan. Gina deu a Harry um sorriso radiante: ele tinha esquecido ou, então, nunca apreciara realmente como era bonita, mas nunca sentira menos satisfação em vê-la.
— Aberforth está ficando meio rabugento — comentou Fred, acenando em resposta aos vários gritos de saudação — Ele quer dormir, e aquilo virou uma estação de trem.
O queixo de Harry caiu. Logo atrás de Lino Jordan vinha sua antiga namorada, Cho Chang. Ela sorriu.
— Recebi a mensagem — disse ela, erguendo o seu galeão falso, e atravessou a sala para se sentar ao lado de Miguel Corner.
— Então, qual é o plano, Harry? — perguntou Jorge.
— Não há nenhum — respondeu Harry, ainda desorientado pela repentina aparição de tanta gente, incapaz de apreender tudo aquilo, enquanto sua cicatriz continuava a queimar barbaramente.
— Vai improvisar à medida que formos indo, é isso? É o que mais gosto — comentou Fred.
— Você tem que fazer isso parar! — disse Harry a Neville — Para que chamou todos de volta? Isto é uma insanidade...
— Vamos lutar, não é? — perguntou Dino, tirando do bolso o galeão falso — A mensagem dizia que Harry tinha voltado e que íamos lutar! Mas vou precisar de uma varinha...
— Você não tem varinha...? — começou Simas.
Rony virou-se subitamente para Harry.
— Por que eles não podem ajudar?
—Quê?
— Eles podem ajudar — ele baixou a voz para que ninguém mais pudesse ouvir, exceto Hermione, que estava entre os dois — Não sabemos onde a coisa está. Precisamos encontrá-la depressa. Não temos que dizer a eles que é uma Horcrux.
Harry olhou de Rony para Hermione, que murmurou:
— Acho que Rony tem razão. Nem sabemos o que estamos procurando, precisamos deles. — e, ao ver que Harry parecia em dúvida — Você não tem que fazer tudo sozinho.
O garoto pensou depressa, sua cicatriz ainda formigando, seu coração ameaçando rachar outra vez. Dumbledore o alertara para não falar sobre as Horcruxes a quem quer que fosse, exceto Rony e Hermione. “Segredos e mentiras, foi assim que fomos criados, e Alvo... tinha um pendor natural...”. Estaria virando um Dumbledore, guardando os segredos só para si, com medo de confiar? Mas Dumbledore confiara em Snape, e a que isso levara? À morte no topo da torre mais alta...
— Está bem — disse, em voz baixa, para os dois — Ok — dirigiu-se aos que estavam na sala, e todo o barulho cessou.
Fred e Jorge que contavam piadas para divertimento dos que estavam mais próximos se calaram, e todos olharam atentos, nervosos.
— Tem uma coisa que precisamos encontrar — começou Harry — Uma coisa... uma coisa que nos ajudará a derrubar Você-Sabe-Quem. Está aqui em Hogwarts, mas não sabemos onde. Talvez tenha pertencido a Ravenclaw. Alguém já ouviu falar de um objeto assim? Alguém já topou com algum objeto com uma águia gravada, por exemplo?
Ele olhou esperançoso para o pequeno grupo de alunos da Corvinal, para Padma, Miguel, Terêncio e Cho, mas foi Luna quem respondeu, empoleirada no braço da poltrona de Gina.
— Bem, tem o diadema perdido. Falei dele para você, lembra, Harry? O diadema perdido de Ravenclaw? Papai está tentando duplicar.
— É, mas o diadema perdido — comentou Miguel Corner, virando os olhos para o teto — Está perdido, Luna. Essa é justamente a questão.
— Quando foi perdido? — perguntou Harry.
— Dizem que há séculos — informou Cho, e Harry sentiu desânimo — O Prof. Flitwick diz que o diadema desapareceu com a própria Ravenclaw. As pessoas têm procurado, mas... — e ela apelou para os colegas da Casa — Ninguém encontrou o menor vestígio, não foi?
Todos sacudiram a cabeça confirmando.
— Desculpem, mas o que é um diadema? — perguntou Rony.
— É uma espécie de coroa — explicou Terêncio Boot — Acreditava-se que o da Ravenclaw tinha propriedades mágicas, ampliava a sabedoria de quem o usava.
— Isso, os sifões dos zonzóbulos do papai...
Mas Harry interrompeu Luna.
— E nenhum de vocês nunca viu nada parecido?
Todos tornaram a sacudir a cabeça.
Harry olhou para Rony e Hermione e viu o próprio desapontamento espelhado no rosto deles. Um objeto que se perdera havia tanto tempo, e aparentemente sem deixar vestígio, não parecia um bom candidato a Horcrux escondida no castelo, porém, Cho retomou a palavra.
— Se você quiser ver que aparência acreditam ter o diadema, eu posso levá-lo à nossa Sala Comunal e lhe mostrar, Harry. Ravenclaw foi esculpida usando-o.
A cicatriz de Harry queimou outra vez: por um momento a Sala Precisa flutuou à sua frente, e em seu lugar ele viu a terra escura deslizando sob os pés e sentiu a enorme cobra enrolada em seus ombros. Voldemort estava voando outra vez, fosse para o lago subterrâneo, fosse para ali, para o castelo, ele ignorava, mas tanto fazia, quase não restava tempo.
— Ele está viajando — disse, em voz baixa, para Rony e Hermione.
Harry olhou para Cho e tornou a olhar para os amigos.
— Escutem, sei que não é uma grande pista, mas vou dar uma espiada na estátua, para saber ao menos que aparência tem o diadema. Me esperem aqui e segurem, sabem... a outra... bem segura.
Cho se erguera, mas Gina disse meio agressiva.
— Não, Luna levará o Harry, fará isso, não, Luna?
— Aaah, claro, com todo prazer — respondeu ela, alegremente, e Cho tornou a se sentar, desapontada.
— Como saímos? — perguntou Harry a Neville.
— Por aqui.
Ele levou Harry e Luna para um canto, onde um pequeno armário se abria para uma escada íngreme.
— Surge a cada dia em um lugar diferente, por isso, nunca conseguiram encontrá-la. O único problema é que nós nunca sabemos exatamente onde vamos parar quando saímos. Cuidado, Harry, há sempre patrulhas nos corredores à noite.
— Tudo bem. Vemos vocês daqui a pouco.
Ele e Luna subiram correndo a escada, que era longa, iluminada por archotes e fazia curvas inesperadas. Por fim, chegaram ao que lhes pareceu uma parede maciça.
— Entre aqui embaixo — disse Harry a Luna, apanhando a Capa da Invisibilidade e atirando-a sobre os dois. Deu, então, um empurrãozinho na parede.
Ela se dissolveu ao seu toque e os dois saíram depressa: Harry olhou para trás e viu que a parede tornara a se fechar imediatamente. Achavam-se em um corredor escuro. Harry puxou Luna de volta às sombras, procurou na bolsa pendurada ao seu pescoço e encontrou o Mapa do Maroto. Segurando-o junto ao nariz, procurou e localizou os pontinhos dele e de Luna.
— Estamos no quinto andar — sussurrou, observando Filch se afastar deles, um corredor à frente — Vamos, é por aqui.
Saíram, então, andando furtivamente.
Harry rondara à noite pelo castelo muitas vezes, mas nunca seu coração batera tão rápido, nunca tanta coisa dependera de passar ileso por esses corredores. Atravessando quadrados de luar no piso, passando por armaduras cujos elmos rangiam ao som dos seus passos abafados, dobrando quinas sem saber o que encontrariam do outro lado, Harry e Luna prosseguiram, verificando o Mapa do Maroto sempre que havia luz suficiente, parando duas vezes para deixar um fantasma passar sem atrair sua atenção para eles. Ele esperava encontrar um obstáculo a qualquer momento, seu maior receio era o Pirraça, e apurava os ouvidos a cada passo para identificar os primeiros sinais da aproximação do poltergeist.
— Por aqui, Harry — sussurrou Luna, puxando a manga dele em direção a uma escada circular.
Subiram em círculos apertados e estonteantes, Harry nunca estivera ali antes. Finalmente, chegaram a uma porta. Não tinha maçaneta nem fechadura: nada, exceto uma tábua lisa de madeira envelhecida e uma aldraba de bronze em forma de águia.
Luna esticou a mão pálida, que parecia a de um fantasma flutuando no ar, desligada de braço ou corpo. Ela bateu uma vez, e, no silêncio, a batida pareceu a Harry um tiro de canhão.
Imediatamente, o bico da águia se abriu, mas, em vez do grito do pássaro, uma voz suave e musical perguntou:
— O que veio primeiro, a fênix ou a chama?
— Humm... que acha, Harry? — perguntou Luna, pensativa.
— Quê? Não tem uma senha?
— Ah, não, você tem que responder a uma pergunta.
— E se você errar?
— Bem, aí terá que esperar até alguém acertar — disse Luna — Assim, você aprende, entende?
— É... o problema é que não podemos realmente nos dar o luxo de esperar por mais ninguém, Luna.
— Não, entendo o que você quer dizer — respondeu Luna, séria — Bem, então, acho que a resposta é que um círculo não tem princípio.
— Bem pensado — disse a voz, e a porta se abriu.
A deserta Sala Comunal da Corvinal era ampla e circular, mais arejada do que qualquer outra que Harry já vira em Hogwarts. Graciosas janelas em arco pontuavam as paredes, ladeadas por reposteiros de seda azul e bronze, de dia, os alunos deviam ter uma vista espetacular das montanhas ao redor. O teto era abobadado e pintado com estrelas que se repetiam também no carpete azul-escuro. Havia mesas, poltronas e estantes e, em um nicho na parede oposta à porta, uma alta estátua de mármore branco.
Harry reconheceu Rowena Ravenclaw pelo busto que vira na casa de Luna. A estátua se erguia ao lado de uma porta que provavelmente levava aos dormitórios no andar de cima.
Harry se dirigiu à mulher de mármore, que pareceu fitá-lo com um meio sorriso intrigado no rosto belo, mas levemente intimidante. Um diadema de aspecto delicado fora reproduzido, em mármore, no topo de sua cabeça. Não era muito diferente da tiara que Fleur usara em seu casamento. Nesta havia dizeres mínimos gravados. Harry saiu de baixo da capa e subiu no pedestal de Ravenclaw para lê-las.
— “O espírito sem limites é o maior tesouro do homem”.
— O que faz de você um pobre de espírito — disse uma voz aguda.
Harry virou-se, e deslizou do pedestal para o chão. O vulto de ombros caídos de Aleto Carrow estava parado ali, no mesmo instante em que Harry erguia a varinha, ela pressionou com o dedo curto o crânio com a serpente, marcado a fogo em seu braço.








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