terça-feira, 31 de julho de 2012

Harry Potter e a Ordem da Fênix - Capítulo 25





— CAPÍTULO VINTE E CINCO —
O Besouro Acossado



A PERGUNTA DE HARRY FOI RESPONDIDA logo na manhã seguinte. Quando chegou o Profeta Diário de Hermione, ela o abriu, deu uma espiada na primeira página e soltou um gritinho que fez com que todos ao seu redor a olhassem.
— Quê? — perguntaram Harry e Rony juntos.
Em resposta, ela abriu o jornal na mesa diante dos garotos e apontou para dez fotografias em preto e branco que ocupavam toda a primeira página, nove caras de bruxos e, a décima, de uma bruxa. Alguns deles zombavam em silêncio, outros tamborilavam os dedos nas molduras dos retratos, com insolência. Cada foto trazia uma legenda com um nome e o crime pelo qual a pessoa fora mandada para Azkaban.
Antônio Dolohov, informava a legenda sob o bruxo com o rosto pálido e torto que sorria troçando para Harry, Condenado pelo brutal homicídio de Gideão e Fábio Prewett.
Augusto Rookwood, lia-se sob a foto do homem com o rosto marcado por bexigas e os cabelos oleosos, que se apoiava na borda da foto com ar de tédio, Condenado por passar Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado segredos do Ministério da Magia.
Mas o olhar de Harry foi atraído para a foto da bruxa. Seu rosto se destacara no momento em que ele vira a página. Tinha longos cabelos escuros que pareciam malcuidados e desgrenhados, embora ele os tivesse visto sedosos, espessos e brilhantes. Ela o encarou sob as pesadas pálpebras, um sorriso arrogante e desdenhoso brincando em seus lábios.
Como Sirius, ela conservava feições atraentes, mas alguma coisa, talvez Azkaban, levara a maior parte da sua beleza.
Belatriz Lestrange, condenada pela tortura e incapacitação permanente de Franco e Alice Longbottom.
Hermione cutucou Harry e apontou para a manchete no alto das fotos, que ele, concentrado em Belatriz, ainda não lera.

FUGA EM MASSA DE AZKABAN
MINISTÉRIO TEME QUE BLACK SEJA O “PONTO DE REUNIÃO”
PARA ANTIGOS COMENSAIS DA MORTE

— Black? — exclamou Harry em voz alta — Não...?
— Psiu! — sussurrou Hermione desesperada — Não fale tão alto... só leia!

O Ministério da Magia anunciou à noite passada que houve uma fuga em massa em Azkaban. Em entrevista aos repórteres em seu gabinete, Cornélio Fudge, Ministro da Magia, confirmou que dez prisioneiros de segurança máxima escaparam no início da noite de ontem, e que ele já informou ao Primeiro-Ministro dos trouxas a natureza perigosa dos fugitivos.
— Nós nos encontramos, infelizmente, na mesma posição de dois anos e meio atrás quando o assassino Sirius Black fugiu — comentou Fudge — E achamos que as duas fugas estão relacionadas. Uma fuga nessa escala aponta para ajuda externa, e devemos nos lembrar que Black, a primeira pessoa a escapar de Azkaban, estaria em posição ideal para ajudar outros a seguirem seus passos. Cremos que muito provavelmente esses indivíduos, entre os quais se inclui a prima de Black, Belatriz Lestrange, se agruparam em torno de Black como seu líder. Estamos, no entanto, envidando todos os esforços para capturar os criminosos, e pedimos à comunidade bruxa que se mantenha alerta e cautelosa. Em nenhuma circunstância devem se aproximar desses indivíduos.

— Está tudo aí, Harry — disse Rony, assombrado — É por isso que ele estava tão feliz ontem à noite.
— Não acredito — vociferou Harry — Fudge está culpando Sirius pela fuga?
— Que outra opção ele tem? — disse Hermione amargurada — Não vai poder dizer: “Desculpe, pessoal, Dumbledore me avisou que isto poderia acontecer, os guardas de Azkaban se uniram a Voldemort”, pare de choramingar, Rony, “E agora seus piores seguidores também fugiram”. Quero dizer, ele passou uns seis meses anunciando para todo o mundo que você e Dumbledore eram mentirosos, não?
Hermione abriu com violência o jornal e começou a ler a notícia nas páginas internas enquanto Harry corria os olhos pelo Salão Principal.
Não conseguia entender por que seus colegas não estavam apavorados nem sequer discutiam a terrível notícia na primeira página, mas poucos tinham assinatura diária do jornal como Hermione. Estavam todos conversando sobre os deveres e o quadribol, e quem sabe, que outras tolices, quando fora dos muros da escola mais dez Comensais da Morte haviam engrossado as fileiras de Voldemort.
Ele ergueu os olhos para a mesa dos professores. Ali, a situação era diferente: Dumbledore e a Profª. McGonagall conversavam absortos, ambos parecendo extremamente sérios. A Profª. Sprout apoiara o Profeta Diário em um vidro de ketchup e lia a primeira página com tal concentração que nem reparava nos pingos de gema de ovo que caíam em seu colo da colher que segurava no ar.
Entrementes, na extremidade da mesa, a Profª. Umbridge comia com entusiasmo sua tigela de mingau de aveia. Uma vez na vida seus empapuçados olhos de sapo não estavam varrendo o Salão Principal à procura de alunos malcomportados. Engolia o mingau com ar aborrecido, e de vez em quando lançava um olhar malévolo para o lado da mesa em que Dumbledore e McGonagall conversavam tão concentrados.
— Nossa! — exclamou Hermione com ar de dúvida, continuando a ler o jornal.
— Que foi agora? — perguntou Harry depressa; estava assustado...
— É... horrível — disse, abalada.
Ela dobrou a página dez do jornal e passou-o a Harry e Rony.

MORTE TRÁGICA DE FUNCIONÁRIO
DO MINISTÉRIO DA MAGIA
O Hospital St. Mungus prometeu um inquérito rigoroso sobre a morte do funcionário do Ministério da Magia, Broderico Bode, 49 anos, encontrado em sua cama, estrangulado por uma planta envasada. Os Curandeiros chamados não conseguiram reanimar o Sr. Bode, que fora ferido em um acidente de trabalho algumas semanas antes.
A Curandeira Miriam Strout, que se encontrava de serviço na enfermaria do Sr. Bode na hora do incidente, foi suspensa de suas funções, sem perda de remuneração, e não foi encontrada ontem para comentar a notícia, mas um porta-voz do hospital declarou:
— O Hospital St. Mungus lamenta profundamente a morte do Sr. Bode, que estava em plena recuperação antes deste trágico acidente. Temos diretrizes rigorosas para as decorações permitidas em nossas enfermarias, mas, aparentemente, a Curandeira Strout, muito atarefada durante o período natalino, não percebeu o perigo da planta à cabeceira do Sr. Bode. A medida que sua fala e mobilidade melhoravam, a Curandeira Strout encorajou o Sr. Bode a cuidar sozinho da planta, sem saber que não era uma inocente diafanina, mas uma muda de visgo do diabo que, ao ser tocada pelo convalescente Sr. Bode, estrangulou-o instantaneamente.
O St. Mungus ainda não soube explicar a presença da planta, e pede a quem tiver alguma informação para se apresentar.

— Bode — repetiu Rony. — Bode. Me lembra alguma coisa...
— Nós o vimos — cochichou Hermione — No St. Mungus, lembra? Estava na cama defronte a Lockhart, deitado, olhando para o teto. E vimos o visgo do diabo chegar. Ela, a Curandeira, disse que era presente de Natal!
Harry foi se lembrando da história. Uma sensação de horror começou a subir como bile à sua boca.
— Como foi que não reconhecemos o visgo? Nós já o vimos antes... poderíamos ter impedido isso de acontecer.
— Quem espera que um visgo do diabo apareça em um hospital disfarçado de plantinha ornamental? — perguntou Rony asperamente — Não é nossa culpa, quem a mandou para o cara é que é culpado! Deve ter sido uma perfeita anta, por que não verificou o que estava comprando?
— Ah, Rony, nem vem! — disse Hermione trêmula — Não acho que alguém envasasse o visgo sem saber que tentaria matar quem o tocasse! Isso foi homicídio... e um homicídio engenhoso... se a planta foi enviada anonimamente, como é que alguém vai descobrir quem a mandou?
Harry não estava pensando no visgo do diabo. Estava se lembrando de um homem de rosto macilento que entrara no nível do Átrio, quando tomaram o elevador para o nível nove do Ministério no dia de sua audiência.
— Eu conheci Bode — disse lentamente — Eu o vi no Ministério quando fui com o seu pai.
O queixo de Rony caiu.
— Eu ouvi papai falar dele em casa! Era um Inominável: trabalhava no Departamento de Mistérios!
Os garotos se entreolharam por um momento, então Hermione tornou a puxar o jornal para ela, estudou por um momento as fotos dos dez Comensais da Morte fugitivos na primeira página e então ficou em pé de repente.
— Aonde é que você vai? — perguntou Rony surpreso.
— Enviar uma carta — disse Hermione, atirando a mochila por cima do ombro — Bom, não sei se... mas vale a pena tentar... eu sou a única que pode.
— Detesto quando ela faz isso — resmungou Rony ao se levantar com Harry para saírem sem pressa do Salão Principal — Será que ia morrer se nos dissesse o que pretende fazer ao menos uma vez? Só levaria mais dez segundos... eh, Hagrid!
Hagrid estava parado à porta do Salão Principal, esperando uma turma de alunos da Corvinal passar. Continuava tão machucado quanto no dia em que voltara de sua missão aos gigantes, e havia um novo corte na ponta do seu nariz.
— Tudo bem, vocês dois? — disse, fazendo um esforço para sorrir, mas só conseguindo produzir uma careta de dor.
— Você está ok, Hagrid? — perguntou Harry, acompanhando-o nas esteiras dos alunos da Corvinal.
— Ótimo, ótimo — respondeu Hagrid, assumindo sem sucesso um tom displicente, acenou e por pouco não bateu na assustada Profª. Vector que ia passando — Ocupado, você sabe, o de sempre, aulas para preparar, umas salamandras tiveram podridão nas escamas, e estou em observação... — murmurou.
— Está em observação? — repetiu Rony em voz alta, de modo que vários alunos próximos olharam curiosos — Desculpe... quero dizer... você está em observação? — sussurrou.
— Eu não esperava outra coisa, para falar a verdade. Vocês talvez não tenham percebido, mas a inspeção não correu muito bem, entendem... em todo o caso — ele deu um profundo suspiro — Melhor eu ir esfregar mais um pouco de pimenta nas salamandras ou os rabos delas vão cair. Até mais, Harry... Rony...
Ele saiu pesadamente pela porta da frente e desceu a escada em direção aos terrenos molhados. Harry ficou observando-o se afastar, imaginando quantas más notícias ele poderia suportar.
O fato de Hagrid estar em observação tornou-se conhecido em toda a escola nos dias seguintes, mas, para indignação de Harry, quase ninguém pareceu se incomodar, na verdade, algumas pessoas, entre as quais se destacava Draco Malfoy, pareciam decididamente felizes.
Quanto à morte estranha de um obscuro funcionário do Ministério da Magia no St. Mungus, Harry, Rony e Hermione pareciam ser as únicas pessoas que sabiam ou se importavam.
Havia apenas um tópico de conversa nos corredores agora: os dez Comensais da Morte fugitivos, cuja história finalmente se filtrara pela escola através dos poucos que liam jornais. Voavam boatos de que alguns dos condenados tinham sido vistos em Hogsmeade, que deviam estar escondidos na Casa dos Gritos e que iam invadir Hogwarts, tal como haviam dito sobre Sirius um dia. Os que pertenciam a famílias bruxas tinham sido criados ouvindo os nomes dos Comensais da Morte com quase tanto medo quanto o de Voldemort, os crimes que haviam cometido durante o reinado de terror do Lorde das Trevas eram lendários.
Havia parentes das vítimas entre os alunos de Hogwarts, que agora se viam transformados em involuntários objetos de uma fama indireta e sinistra quando passavam pelos corredores: Susana Bonés, cujos tio, tia e primos tinham morrido pela mão de um dos dez, comentou, infeliz, durante uma aula de Herbologia que agora tinha uma boa idéia de como Harry se sentia.
— E não sei como você suporta: é horrível — disse ela sem rodeios, despejando estrume demais em sua bandeja de mudinhas de bocas-de-guincho, fazendo-as se torcerem e estrilar incomodadas.
É verdade que Harry ultimamente voltara a ser comentado aos sussurros e apontado nos corredores, contudo achava ter percebido uma ligeira diferença no tom dos colegas. Agora pareciam curiosos em vez de hostis, e uma ou duas vezes teve certeza de ouvir fragmentos de conversas que sugeriam que as pessoas não estavam satisfeitas com a versão do Profeta de como e por que dez Comensais da Morte tinham conseguido escapar da fortaleza de Azkaban. Em sua confusão e medo, os que duvidavam estavam se voltando para a única explicação que conheciam: a que Harry e Dumbledore vinham apresentando desde o ano anterior.
Não era apenas a atitude dos estudantes que havia mudado. Agora era bem comum deparar com dois ou três professores conversando em sussurros urgentes nos corredores, interrompendo a conversa no momento em que viam alunos se aproximarem.
— Obviamente eles não podem mais conversar na sala de professores — comentou Hermione em voz baixa, quando ela, Harry e Rony passaram um dia por McGonagall, Flitwick e Sprout agrupados à porta da sala de Feitiços — Não com a Umbridge por lá.
— Você acha que eles sabem de alguma novidade? — perguntou Rony, espiando por cima do ombro para os três professores.
— Se souberem, não vamos saber, não é? — falou Harry irritado — Não depois do decreto... em que número estamos agora?
Pois havia aparecido um novo aviso nos quadros das Casas na manhã seguinte à fuga de Azkaban:

POR ORDEM DA ALTA INQUISIDORA DE HOGWARTS
Doravante, os professores estão proibidos de passar informações aos estudantes que não estejam estritamente relacionadas com as disciplinas que são pagos para ensinar. A ordem acima está de acordo com o Decreto Educacional Número Vinte e Seis
Assinado:

Dolores Joana Umbridge,
Alta Inquisidora

Este último decreto fora tema de um grande número de piadas entre os alunos. Lino Jordan havia lembrado a Umbridge que, pelos termos da nova lei, ela não podia ralhar com Fred e Jorge por brincarem com Snap Explosivo no fundo da sala.
— Snap Explosivo não tem relação alguma com Defesa Contra as Artes das Trevas, professora! Não é uma informação pertinente à sua disciplina!
Da próxima vez que Harry encontrou Lino, as costas de uma das mãos do amigo sangravam muito. Recomendou-lhe essência de murtisco.
Harry achara que a fuga de Azkaban pudesse deixar Umbridge mais humilde, que ela fosse se envergonhar do desastre que ocorrera bem debaixo do nariz do seu querido Fudge. Parecia, porém, que a fuga apenas intensificara o seu desejo furioso de submeter cada aspecto da vida de Hogwarts ao seu controle pessoal. Parecia decidida a obter pelo menos uma demissão sem muita demora, a única dúvida era quem iria primeiro, se a Profª. Trelawney ou Hagrid.
Cada aula de Adivinhação e Trato das Criaturas Mágicas era dada em presença de Umbridge e sua prancheta. Ela rondava a lareira na sala da torre intensamente perfumada, interrompendo as aulas cada vez mais histéricas da Profª. Trelawney com perguntas difíceis sobre ornitomancia e heptomologia, insistindo que ela previsse as respostas dos alunos antes de recebê-las e exigindo que ela demonstrasse sua perícia com a bola de cristal, as folhas de chá e as runas, uma a uma. Harry achou que em breve Trelawney sucumbiria sob tanta pressão. Várias vezes ele passou pela professora nos corredores, o que era em si uma ocorrência incomum, pois em geral ela permanecia na sala da torre, murmurando tresloucada, torcendo as mãos e lançando olhares aterrorizados por cima do ombro, exalando o tempo todo um forte cheiro de xerez ordinário. Se não estivesse tão preocupado com Hagrid, teria sentido pena dela, mas se alguém ia perder o emprego, só poderia haver uma opção para Harry quanto a quem devia continuar.
Infelizmente, Harry não conseguia imaginar Hagrid dando um espetáculo melhor do que Trelawney. E embora ele parecesse estar seguindo o conselho de Hermione e não tivesse mostrado aos alunos mais nada assustador do que um Crupe (um bicho que pouco diferia de um cão terrier exceto pela cauda bifurcada), desde antes do Natal, Hagrid também parecia ter se acovardado. Estava curiosamente distraído e nervoso durante as aulas, perdia o fio do que estava ensinando à turma, respondia errado às perguntas, e todo o tempo olhava ansioso para Umbridge. Estava também mais distante de Harry, Rony e Hermione do que jamais estivera, e os proibira expressamente de visitá-lo depois do escurecer.
— Se ela pegar vocês, os nossos pescoços serão cortados — disse sem rodeios.
E como os garotos não quisessem fazer nada que pudesse pôr em risco o emprego do amigo, os três se abstiveram de ir até sua cabana à noite.
Parecia a Harry que Umbridge estava constantemente privando-o de tudo que fazia sua vida em Hogwarts valer a pena: as visitas à casa de Hagrid, as cartas de Sirius, sua Firebolt e o quadribol. Ele se vingou da única maneira que sabia, redobrando seus esforços na AD.
Harry ficou satisfeito de constatar que todos, até mesmo Zacarias, tinham se sentido incentivados a trabalhar com mais vigor que nunca ao saberem que mais dez Comensais da Morte estavam agora soltos. Mas em ninguém essa melhoria foi mais pronunciada do que em Neville.
A notícia da fuga dos atacantes dos seus pais produzira nele uma alteração estranha e até ligeiramente assustadora. Nunca mencionara o seu encontro com Harry, Rony e Hermione na enfermaria fechada do St. Mungus e, seguindo sua deixa, os garotos tinham se calado também. Tampouco comentara a fuga de Belatriz e dos colegas torturadores. De fato, Neville quase não falava mais durante as reuniões da AD, trabalhava sem descanso em cada nova azaração e contra-azaração que Harry ensinava, seu rosto gorducho contorcido de concentração, aparentemente insensível aos ferimentos ou acidentes, se esforçando mais do que qualquer outro na sala. Estava melhorando tão depressa que chegava a assustar, e quando Harry lhes ensinou o Feitiço Escudo (um meio de desviar pequenos feitiços e fazê-los ricochetear contra o atacante) somente Hermione dominou o feitiço mais depressa do que Neville.
Harry teria dado o céu para fazer tanto progresso em Oclumência quanto Neville nas reuniões da AD. As sessões de Harry com Snape, que tinham começado bastante mal, não melhoraram. Pelo contrário, Harry sentia que estava piorando a cada aula.
Antes de começar a estudar Oclumência, sua cicatriz formigava ocasionalmente durante a noite, ou então em seguida a um dos estranhos vislumbres dos pensamentos ou emoções de Voldemort que captava de vez em quando. Agora, no entanto, sua cicatriz quase nunca parava de formigar, e muitas vezes ele sentia súbitos assomos de irritação ou alegria, alheios ao que estava lhe acontecendo no momento, que eram sempre acompanhados por uma ferroada particularmente dolorosa na cicatriz. Ele tinha a terrível impressão de que estava se transformando aos poucos em uma espécie de antena alinhada com as mínimas flutuações do humor de Voldemort, e tinha certeza de poder remontar esse aumento de sensibilidade à primeira aula com Snape.
Além do mais, agora estava sonhando quase toda a noite que caminhava pelo corredor em direção à entrada do Departamento de Mistérios, sonhos esses que sempre culminavam com ele parado cobiçoso diante da porta preta sem enfeites.
— Talvez seja como uma doença — disse Hermione, parecendo preocupada, quando ele confidenciou seus pensamentos aos dois amigos — Uma febre ou coisa assim. Tem de piorar antes de melhorar.
— As aulas com Snape estão fazendo piorar — afirmou Harry — Estou cansado de sentir minha cicatriz doer e farto de andar pelo mesmo corredor toda noite — ele esfregou a testa com raiva — Gostaria que a porta se abrisse, estou cheio de ficar parado olhando para ela...
— Isso não tem graça — disse Hermione com aspereza — Dumbledore não quer que você tenha sonhos com aquele corredor, ou não teria pedido ao Snape que lhe ensinasse Oclumência. Você vai ter é que se esforçar mais nas suas aulas.
— Estou trabalhando! — respondeu Harry exasperado — Experimente você uma vez... Snape tentando entrar na sua cabeça... não dá para gargalhar, sabe!
— Talvez... — começou Rony lentamente.
— Talvez o quê? — perguntou Hermione cortando-o.
— Talvez não seja culpa de Harry que ele não consiga fechar a mente — arriscou Rony sombriamente.
— Que é que você está querendo dizer? — perguntou Hermione.
— Bom, talvez Snape não esteja realmente querendo ajudar Harry...
Harry e Hermione o encararam.
Rony olhou um e outro com uma expressão misteriosa e assustadora.
— Talvez — repetiu baixando mais a voz — Ele esteja, na verdade, tentando abrir mais a mente de Harry... facilitar a entrada de Você-Sabe...
— Cala a boca, Rony — disse Hermione zangada — Quantas vezes você suspeitou de Snape, e quando foi que teve razão? Dumbledore confia nele, ele trabalha para a Ordem, isso deveria ser suficiente.
— Ele costumava ser um Comensal da Morte — teimou Rony — E nunca vimos prova de que tenha realmente trocado de lado.
— Dumbledore confia nele — repetiu Hermione — E se não pudermos confiar em Dumbledore, então não poderemos confiar em mais ninguém.
Com tanto com que se preocupar e tanto para fazer, uma assustadora quantidade de deveres que freqüentemente mantinham os quintanistas trabalhando até depois da meia-noite, as reuniões secretas da AD e as aulas regulares de Snape, o mês de Janeiro parecia estar passando com alarmante rapidez.
Antes que Harry desse por isso, Fevereiro chegara, trazendo um tempo mais úmido e mais quente e a perspectiva da segunda visita do ano a Hogsmeade. Harry tivera muito pouco tempo para gastar em conversas com Cho desde que haviam concordado em visitar a vila juntos, mas de repente viu-se diante da perspectiva de passar o Dia dos Namorados todo em sua companhia.

* * *

Na manhã do dia 14 de fevereiro vestiu-se com especial cuidado. Ele e Rony chegaram ao salão para tomar café na hora em que pousavam as corujas trazendo o correio. Edwiges não apareceu, não que Harry a esperasse, mas Hermione ia puxando uma carta do bico de uma coruja castanha desconhecida, quando eles se sentaram.
— E já não era sem tempo! Se não tivesse vindo hoje... — comentou ela ansiosa, abrindo o envelope de onde tirou um pequeno pergaminho.
Seus olhos correram da esquerda para a direita quando leu a mensagem, e uma expressão de sinistra satisfação se espalhou pelo seu rosto.
— Escute, Harry — disse ela erguendo os olhos — Isto é realmente importante. Você acha que pode se encontrar comigo no Três Vassouras por volta do meio-dia?
— Bom... não sei — disse Harry em dúvida — Cho talvez esteja esperando que eu passe o dia com ela. Não combinamos o que íamos fazer.
— Bom, se precisar leve ela junto — disse Hermione com urgência — Mas você vai?
— Bom... tudo bem, mas por quê?
— Agora não tenho tempo de lhe contar, tenho de responder logo essa mensagem.
E saiu correndo do Salão Principal, a carta apertada em uma das mãos e um pedaço de torrada na outra.
— Você vai? — Harry perguntou a Rony, que sacudiu a cabeça, com um ar deprimido.
— Nem posso ir a Hogsmeade, Angelina quer que a gente treine o dia todo. Como se isso fosse ajudar, somos o pior time que já vi. Você devia ver o Sloper e o Kirke, são patéticos, piores que eu — ele deu um profundo suspiro — Não sei por que a Angelina não me deixa pedir demissão de uma vez.
— Porque você é bom quando está em forma, só por isso — retrucou Harry irritado.
Tinha muita dificuldade em manifestar simpatia pela situação de Rony, quando ele próprio teria dado quase tudo para participar do próximo jogo contra a Lufa-Lufa. Rony pareceu perceber o tom do amigo, porque não tornou a mencionar a partida durante o café, e houve uma certa frieza na maneira como se despediram pouco depois. Rony saiu para o campo de quadribol e Harry, depois de tentar assentar os cabelos, mirando-se no côncavo da colher, rumou sozinho para o Saguão de Entrada para se encontrar com Cho, sentindo-se muito apreensivo e se perguntando sobre o que iriam conversar.
Ela o aguardava ao lado da porta de carvalho, muito bonita com os cabelos presos atrás em um bonito rabo-de-cavalo.
Os pés de Harry lhe pareceram grandes demais para o seu corpo enquanto caminhava ao encontro dela, e de repente tomou consciência dos seus braços e como deviam parecer idiotas balançando dos lados.
— Oi — disse Cho ligeiramente sem ar.
— Oi — disse Harry.
Eles se olharam por um momento e Harry então falou:
— Bom... ah... então vamos?
— Ah... claro...
Os dois entraram na fila de alunos a serem liberados por Filch, seus olhos se encontrando ocasionalmente, dando sorrisos esquivos, mas não conversaram. Harry sentiu alívio quando chegaram lá fora, achando mais fácil caminharem em silêncio do que ficar parados constrangidos.
Era um dia fresco, do tipo em que sopra uma brisa, e, ao passarem pelo estádio de quadribol, Harry viu de relance Rony e Gina sobrevoando as arquibancadas e sentiu uma terrível angústia por não estar lá no alto com eles.
— Você realmente sente falta, não é? — perguntou Cho.
Harry virou-se e notou que ela o observava.
— Sinto — suspirou Harry — Sinto mesmo.
— Lembra da primeira vez que jogamos como adversários no terceiro ano?
— Lembro — disse Harry sorrindo — Você me bloqueou o tempo todo.
— E Olívio disse para você parar de bancar o cavalheiro e me derrubar da vassoura se precisasse — disse Cho, sorrindo com a lembrança — Ouvi dizer que ele foi contratado pelo Orgulho de Portree, é verdade?
— Nam, foi pelo Puddlemere United, eu o vi na final da Copa do Mundial no ano passado.
— Ah, também vi você lá, lembra? Estávamos no mesmo acampamento. Foi realmente bom, não achou?
O assunto Copa Mundial de Quadribol levou-os pela estrada da escola e além das grades. Harry mal conseguia acreditar como era fácil conversar com ela, de fato, não era mais difícil do que conversar com Rony e Hermione, e estava começando a se sentir confiante e feliz quando uma enorme turma de garotas da Sonserina passou por eles, inclusive Pansy Parkinson.
— Potter e Chang! — guinchou Pansy, que puxou um coro de risinhos de deboche — Eca, Chang, que mau gosto... pelo menos o Diggory era bonito!
As garotas aceleraram o passo, falando e dando gritinhos críticos, lançando olhares exagerados para Harry e Cho atrás, e deixando ao passar um silêncio constrangido.
Harry não conseguia pensar em mais nada para dizer sobre quadribol, e Cho, levemente corada, olhava para os pés.
— Então... aonde é que você quer ir? — perguntou Harry quando entraram em Hogsmeade.
A Rua Principal estava cheia de estudantes que caminhavam olhando vitrines e tumultuando as calçadas.
— Ah... não faz diferença — disse Cho encolhendo os ombros — Hum... vamos dar uma olhada nas vitrines ou outra coisa qualquer?
Eles foram andando em direção à Dervixes & Bangues. Um grande cartaz fora afixado à vitrine, e alguns moradores de Hogsmeade o liam. Eles se afastaram para um lado quando Harry e Cho se aproximaram, e o garoto se viu, mais uma vez, diante das fotos dos dez Comensais da Morte fugitivos. O cartaz, “POR ORDEM DO MINISTÉRIO DA MAGIA”, oferecia uma recompensa de mil galeões a qualquer bruxo ou bruxa com informações que possibilitassem a recaptura dos condenados retratados.
— É engraçado, não é — comentou Cho em voz baixa, olhando as fotos dos Comensais da Morte — Lembra quando Sirius Black fugiu e havia Dementadores por toda Hogsmeade à procura dele? E agora dez Comensais da Morte estão soltos e não há Dementadores em lugar nenhum...
— É — concordou Harry, desviando os olhos do rosto de Belatriz Lestrange para os dois lados da Rua Principal — É, é bem esquisito.
Ele não lamentava que não houvesse Dementadores por ali, mas agora, pensando bem, a ausência deles era extremamente significativa. Não somente haviam deixado os Comensais da Morte escapar, como nem estavam se dando o trabalho de procurá-los... parecia que agora haviam realmente escapado ao controle do Ministério.
Os dez fugitivos estavam em todas as vitrines pelas quais eles passaram. Na altura da Loja de Penas Escriba, começou a chover, pingos grossos e frios batiam no rosto e na nuca de Harry.
— Ah... quer tomar um café? — perguntou Cho hesitante, quando a chuva começou a cair com mais intensidade.
— Ah, vamos — disse Harry olhando ao redor — Aonde?
— Ah, tem um lugar realmente gostoso ali adiante, você nunca esteve no Madame Puddifoot? — perguntou ela, animada, conduzindo-o, por uma rua lateral, a uma pequena casa de chá em que Harry nunca reparara antes.
Era um lugarzinho apertado e cheio de vapor, onde tudo parecia ter sido decorado com laços e babadinhos. Lembrou a Harry desagradavelmente a sala da Umbridge.
— Bonitinho, não é? — perguntou Cho alegre.
— Ah... é — respondeu Harry sem sinceridade.
— Olhe, ela preparou uma decoração para o Dia dos Namorados! — disse Cho, apontando para os querubins dourados que pairavam sobre as mesinhas circulares, e que a intervalos deixavam cair confetes sobre os fregueses.
— Aaah...
Os dois se sentaram à última mesa que restava, ao lado da janela embaçada. Rogério Davies, capitão do time da Corvinal, estava sentado a menos de meio metro com uma lourinha bonita. De mãos dadas. A cena fez Harry se sentir pouco à vontade, particularmente quando, ao correr os olhos pela loja, viu que só havia casais, todos de mãos dadas. Talvez Cho esperasse que ele segurasse a mão dela.
— Que posso servir a vocês, queridos? — perguntou Madame Puddifoot, uma mulher muito corpulenta com um coque negro e brilhante, espremendo-se entre a mesa deles e a de Rogério com grande dificuldade.
— Dois cafés, por favor — pediu Cho.
No intervalo que levou para os cafés chegarem, Rogério Davies e a namorada começaram a se beijar por cima do açucareiro. Harry gostaria que não o tivessem feito, sentia que Davies estava estabelecendo um padrão com o qual Cho logo iria querer que ele competisse. Sentiu seu rosto começar a esquentar e tentou olhar pela janela, mas estava tão embaçada que não dava para ver a rua lá fora. Para adiar o momento em que teria de olhar para Cho, Harry ergueu os olhos como se estivesse examinando a pintura e recebeu um punhado de confete no rosto, lançado pelos querubins.
Passados mais alguns minutos penosos, Cho mencionou Umbridge. Harry aproveitou a oportunidade com alívio, e passaram alguns momentos divertidos xingando-a, mas, como o assunto já fora examinado tão plenamente durante as reuniões da AD, não durou muito tempo.
O silêncio tornou a cair.
Harry estava muito consciente dos barulhos de mastigar e engolir da mesa ao lado, e procurou desesperadamente mais alguma coisa para falar.
— Ah... escute aqui, você quer ir comigo ao Três Vassouras na hora do almoço? Preciso me encontrar com Hermione Granger lá.
Cho ergueu as sobrancelhas.
— Você precisa se encontrar com Hermione Granger? Hoje?
— É. Bom, ela me pediu, então achei que tudo bem. Você quer ir comigo? Ela disse que tudo bem se você fosse.
— Ah... bom... que simpática!
Mas Cho não parecia ter achado nada simpático. Pelo contrário, seu tom foi frio e, de repente, ela assumiu um ar hostil.
Mais alguns minutos se passaram em total silêncio, Harry tomando seu café tão depressa que logo precisaria de outro. Ao lado, Rogério e a namorada pareciam estar colados pelos lábios.
A mão de Cho estava em cima da mesa, ao lado do seu café, e Harry começou a sentir um impulso crescente de segurá-la.
Então segure-a, disse a si mesmo, enquanto uma fonte de pânico e excitação jorrava em seu peito, estique a mão e segure-a. Surpreendente, como era muito mais difícil esticar o braço trinta centímetros e tocar a mão dela do que capturar um pomo passando veloz no ar...
Mas, na hora em que estendeu a mão, Cho retirou a dela da mesa. Estava agora observando Rogério beijar a namorada com uma expressão levemente interessada.
— Ele me convidou para sair, sabe — disse em voz baixa — Há umas duas semanas, o Rogério. Mas eu não aceitei.
Harry, que agarrara o açucareiro para justificar o seu gesto repentino, não conseguiu entender por que Cho estava lhe dizendo aquilo. Se queria estar sentada na mesa ao lado, sendo calorosamente beijada por Rogério Davies, então por que concordara em vir com ele?
Continuou calado. O querubim sobre a mesa atirou mais um punhado de confetes neles, alguns caíram no restinho frio de café na xícara que Harry ia beber.
— Vim aqui com Cedrico no ano passado — disse Cho.
No segundo, ou pouco mais, que Harry levou para entender o que Cho dissera, suas entranhas congelaram. Não conseguia acreditar que quisesse falar de Cedrico neste momento, com casais se beijando ao seu redor e querubins sobrevoando suas cabeças.
A voz de Cho estava bem mais alta quando tornou a falar.
— Há um tempão que estou querendo perguntar a você... o Cedrico... ele f-ffalou em mim antes de morrer?
Este era o último assunto no mundo que Harry queria discutir, e menos ainda com Cho.
— Bom... não... — disse calmamente — Não... não houve tempo para ele dizer nada. Hum... então... você... assiste a muitas partidas de quadribol durante as férias? Você torce pelos Tornados, certo?
Sua voz parecia falsamente animada e feliz. Para seu horror, os olhos dela estavam mais uma vez marejados de lágrimas, como depois da última reunião da AD antes do Natal.
— Olhe — disse ele desesperado, curvando-se para ninguém mais ouvir — Não vamos falar de Cedrico agora... vamos falar de outra coisa...
Mas, aparentemente, dissera a coisa errada.
— Pensei — disse Cho com as lágrimas salpicando a mesa — Pensei que você en-en-entenderia! Preciso falar nisso! Com certeza você também p-precisa falar! Quero dizer, você viu acontecer, não v-viu?
Tudo estava saindo errado como em um pesadelo, a namorada de Rogério até descolara dele para apreciar.
— Bom... eu falei nisso — disse Harry num sussurro — Com Rony e Hermione, mas...
— Ah, você fala com Hermione Granger! — disse Cho com voz aguda, o rosto agora brilhante de lágrimas. Outros tantos casais que se beijavam pararam para olhar — Mas não quer falar comigo! T-talvez fosse melhor se a gente simplesmente p-pagasse a conta e você fosse se encontrar com Hermione GGranger, como é óbvio que quer fazer!
Harry encarou-a, absolutamente perplexo, enquanto ela apanhava o guardanapo de babadinhos e secava o rosto.
— Cho! — disse ele com a voz fraquinha, desejando que Rogério agarrasse a namorada e recomeçasse a beijá-la para impedi-la de ficar encarando os dois.
— Vá embora, então! — disse ela, agora chorando no guardanapo — Não sei por que você me convidou para sair, para começar, se combinou se encontrar com outras garotas depois de mim... quantas mais você vai encontrar depois da Hermione?
— Não é nada disso! — disse Harry, e estava tão aliviado de finalmente compreender o motivo do aborrecimento de Cho que riu, o que percebeu, uma fração de segundo depois, tarde demais, que também fora um erro.
Cho se levantou.
A sala estava silenciosa e todos os observavam.
— A gente se vê por aí, Harry — disse ela teatralmente, e, soluçando um pouco, precipitou-se para a porta, abriu-a com violência e saiu para a chuva intensa.
— Cho! — Harry chamou, mas a porta já se fechara com um tilintar musical.
Fez-se absoluto silêncio na casa de chá. Todos os olhares convergiram para Harry. Ele atirou um galeão na mesa, sacudiu o confete dos cabelos e saiu atrás de Cho.
Chovia pesado e ela não estava à vista. Harry simplesmente não entendia o que acontecera, há meia hora eles estavam se entendendo bem.
— Mulheres! — resmungou com raiva, chapinhando pela rua lavada de chuva com as mãos nos bolsos — Afinal, para que é que ela queria falar do Cedrico? Por que está sempre querendo puxar um assunto que a faz agir como se fosse uma mangueira humana?
Ele virou à direita e saiu correndo, espadanando água, e alguns minutos depois chegava à porta do Três Vassouras. Sabia que era cedo demais para se encontrar com Hermione, mas achou que provavelmente haveria alguém lá com quem ele pudesse passar o tempo. Sacudiu os cabelos molhados para afastá-los e relanceou o olhar pela sala.
Hagrid estava sentado sozinho em um canto, parecendo infeliz.
— Oi, Hagrid! — chamou Harry, espremendo-se entre as mesas cheias e puxando uma cadeira para sentar ao lado do amigo.
Hagrid deu um pulo e olhou para baixo como se mal o reconhecesse. O garoto notou que havia dois novos cortes e vários hematomas em seu rosto.
— Ah, é você, Harry. Você está bom?
— Estou ótimo — mentiu Harry, mas ao lado do maltratado e tristonho Hagrid sentiu que não tinha muito do que se queixar.
— Ah... você está ok?
— Eu? Ah, estou ótimo, Harry, ótimo.
Ele olhou para o fundo do caneco de estanho, do tamanho de um balde, e suspirou. Harry não sabia o que dizer. Ficaram lado a lado em silêncio por um momento. Então Hagrid disse abruptamente.
— No mesmo barco, você e eu, não estamos, Harry?
— Ah...
— É... já disse isso antes... os dois forasteiros, por assim dizer — comentou Hagrid acenando a cabeça sensatamente — E os dois órfãos. É... os dois órfãos.
Ele tomou um longo gole.
— Faz diferença ter uma família decente. Meu pai era decente. O seu pai e sua mãe eram decentes. Se tivessem vivido, a vida teria sido diferente, hein?
— É... suponho que sim — concordou Harry com cautela.
Hagrid parecia estar num estado de ânimo muito estranho.
— Família — disse sombriamente — Podem dizer o que quiserem, o sangue é importante...
E enxugou um fio de lágrima que escorria do olho.
— Hagrid — perguntou Harry, incapaz de se conter — Onde é que você está arranjando todos esses ferimentos?
— Eh? — exclamou Hagrid parecendo assustado — Que ferimentos?
— Todos esses aí! — disse Harry apontando para o seu rosto.
— Ah... são só pancadas e arranhões normais — disse ele desencorajando perguntas — É um trabalho espinhoso.
Ele esvaziou o caneco, descansou-o na mesa e se levantou.
— A gente se vê, Harry... cuide-se bem.
Ele saiu pesadamente do bar com um ar deprimido, e desapareceu na chuva torrencial. Harry acompanhou-o com o olhar, sentindo-se no fundo do poço. Hagrid estava infeliz e escondia alguma coisa, mas parecia decidido a não aceitar ajuda. Que estaria acontecendo? Antes que Harry pudesse continuar a refletir, ouviu alguém chamando-o.
— Harry! Harry, aqui!
Hermione acenava para ele do outro lado da sala. Ele se levantou e atravessou o pub cheio. Ainda estava a algumas mesas de distância quando percebeu que a amiga não estava sozinha. Estava sentada à mesa com os companheiros de copos mais improváveis que ele poderia imaginar: Luna Lovegood e ninguém menos que Rita Skeeter, ex-jornalista do Profeta Diário e uma das pessoas de quem Hermione menos gostava no mundo.
— Você chegou cedo! — disse Hermione puxando a cadeira para abrir espaço para ele sentar — Pensei que estivesse com a Cho, só esperava você daqui a uma hora!
— Cho? — exclamou Rita na mesma hora, se virando na cadeira para encarar Harry com avidez — Uma garota?
Ela agarrou a bolsa de couro de crocodilo e procurou alguma coisa dentro.
— Não é da sua conta se Harry estava com cem garotas — disse Hermione a Rita calmamente — Então pode guardar isso agora mesmo.
Rita já ia tirando uma pena verde ácido da bolsa. Fazendo cara de quem fora obrigada a engolir palha-fede, ela tornou a fechar a bolsa com um estalo.
— Que é que vocês estão tramando? — perguntou Harry, sentando-se e olhando de Rita para Luna e desta para Hermione.
— A Srta. Perfeição ia me dizer quando você chegou — disse Rita tomando um grande gole de sua bebida — Imagino que eu tenha permissão de falar com ele, não? — disparou contra Hermione.
— Imagino que sim — respondeu a outra com frieza.
O desemprego não fazia bem a Rita. Seus cabelos, que antigamente eram penteados com cachos caprichosos, agora caíam lisos e malcuidados em torno do rosto. A tinta escarlate nas garras de cinco centímetros estava lascada e faltavam umas pedrinhas nos seus óculos de asas. Ela tomou outro grande gole e perguntou a Harry pelo canto da boca:
— É uma garota bonita, Harry?
— Mais uma palavra sobre a vida amorosa de Harry e o trato está desfeito, eu juro — disse Hermione irritada.
— Que trato? — perguntou Rita, enxugando a boca com as costas da mão — Você ainda não tinha falado em trato, Srta. Certinha, só me disse para aparecer. Ah, um dia desses... — ela inspirou profundamente estremecendo.
— Sei, sei, um dia desses você vai escrever mais histórias horrorosas sobre Harry e mim — retorquiu Hermione com indiferença — Procure alguém que se interesse, por que não faz isso?
— Publicaram muitas histórias horrorosas sobre Harry este ano sem a minha ajuda — retrucou Rita, olhando-o enviesado por cima dos óculos e acrescentando num sussurro rouco — Como foi que você se sentiu, Harry? Traído? Incompreendido?
— Harry sente raiva, é claro — respondeu Hermione com a voz dura e clara — Porque ele disse a verdade ao Ministro da Magia e o Ministro é idiota demais para acreditar.
— Então você na realidade continua a afirmar que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou? — perguntou Rita, baixando o copo e submetendo Harry a um olhar penetrante, enquanto seu dedo procurava ansiosamente o fecho da bolsa de crocodilo — Você sustenta todas as bobagens que Dumbledore tem dito sobre Você-Sabe-Quem ter retornado e você ser a única testemunha?
— Eu não fui a única testemunha — vociferou Harry — Havia mais de uma dúzia de Comensais da Morte presentes. Quer saber o nome deles?
— Adoraria saber — sussurrou Rita, agora tornando a mexer na bolsa, sem tirar os olhos de Harry como se o garoto fosse a coisa mais bonita que ela já vira — Uma enorme manchete: “Potter acusa..!” um subtítulo “Harry Potter cita os nomes dos Comensais da Morte entre nós”. E embaixo uma bela fotografia “Adolescente perturbado que sobreviveu a um ataque de Você-Sabe-Quem, Harry Potter, 15 anos, provocou indignação ontem ao acusar membros respeitáveis e destacados da comunidade bruxa de serem Comensais da Morte..!”.
A Pena de Repetição Rápida já estava na mão da repórter e a meio caminho da boca, quando a expressão arrebatada em seu rosto se desfez.
— Mas, naturalmente — disse baixando a pena e fuzilando Hermione com o olhar — A Srta. Perfeição não iria querer ver essa história divulgada, não?
— Na verdade — disse Hermione com meiguice — É exatamente o que a Srta. Perfeição deseja.
Rita arregalou os olhos para Hermione. E Harry também. Luna, por outro lado, cantarolou baixinho como se sonhasse “Weasley é nosso rei”, e mexeu sua bebida com uma cebola de coquetel na ponta de um palito.
— Você quer que eu noticie o que ele diz a respeito de Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado? — perguntou Rita a Hermione em tom abafado.
— Quero. A história verdadeira. Todos os fatos. Exatamente como Harry os conta. Ele lhe dará todos os detalhes, lhe dirá os nomes dos Comensais da Morte não conhecidos do público que ele viu lá, iludirá que aparência tem Voldemort agora, ah, controle-se — acrescentou com desdém, atirando o guardanapo sobre a mesa, pois, ao som do nome de Voldemort, Rita se assustara tanto que derramara metade do copo de uísque de fogo na roupa.
Rita enxugou a frente da capa de chuva encardida, ainda encarando Hermione.
Então disse capengamente:
— O Profeta não publicaria isso. Caso você não tenha notado, ninguém acredita nessa conversa fiada. Todos acham que ele é delirante. Agora, se você me deixar escrever a notícia daquele ângulo...
— Não precisamos de outra notícia contando como foi que Harry ficou biruta! — exclamou Hermione zangada — Já lemos muitas dessas, muito obrigada! Quero que ele tenha a oportunidade de contar a verdade!
— Não há mercado para uma notícia dessas — respondeu Rita com frieza.
— Você quer dizer que o Profeta não publicará porque Fudge não vai deixar — disse Hermione irritada.
Rita lançou a Hermione um olhar longo e duro. Então, curvando-se sobre a mesa se dirigiu à garota em tom objetivo.
— Muito bem, Fudge está ameaçando o Profeta, o que dá no mesmo. O jornal não vai publicar uma reportagem favorável a Harry. Ninguém quer lê-la. É contra o sentimento público. Essa última fuga de Azkaban já deixou as pessoas bem preocupadas. Ninguém quer acreditar que Você-Sabe-Quem retornou.
— Então o Profeta Diário existe para dizer às pessoas o que elas querem ouvir, é isso? — perguntou Hermione criticamente.
Rita tornou a se endireitar, as sobrancelhas erguidas, e virou seu copo de Uísque de Fogo.
— O Profeta existe para vender exemplares, sua tolinha — disse com frieza.
— Meu pai acha que é um péssimo jornal — comentou Luna, entrando inesperadamente na conversa. Chupando a cebolinha do seu coquetel, ela fixou em Rita seus olhos enormes, protuberantes, ligeiramente alucinados — Meu pai divulga notícias importantes que acha que o público quer ler. Não está interessado em ganhar dinheiro.
Rita olhou depreciativamente para Luna.
— Dá para adivinhar que seu pai publica um jornaleco idiota de interior, não é? Provavelmente Vinte e Cinco Maneiras de se Misturar com os Trouxas e as datas dos próximos bazares.
— Não — respondeu Luna, tornando a mergulhar a cebolinha na água de gilly — Ele é o editor do Pasquim.
Rita soltou um bufo tão alto que as pessoas nas mesas próximas olharam assustadas.
— Notícias importantes que ele acha que o público deve saber, hein? — fulminou — Eu poderia estrumar o meu jardim com o conteúdo daquele trapo.
— Bom, então esta é a sua chance de melhorar o conteúdo da revista, não? — sugeriu Hermione com gentileza — Luna diz que o pai dela ficaria muito contente em fazer uma entrevista com Harry. Ele é quem irá publicá-la.
Rita encarou as garotas por um momento, então soltou gargalhadas.
— O Pasquim! — exclamou com um cacarejo — Vocês acham que as pessoas vão levar Harry a sério se ele aparecer no Pasquim!
— Algumas pessoas não — disse Hermione com a voz controlada — Mas a versão que o Profeta publicou da fuga de Azkaban tinha furos enormes. Acho que muita gente deverá estar se perguntando se não há uma explicação melhor para o que aconteceu, e se há uma história alternativa, mesmo que seja publicada por um... — olhou para Luna de esguelha — Em um... bom, uma revista incomum... acho que essa gente poderia gostar de lê-la.
Rita ficou em silêncio por algum tempo, mas mirou Hermione astutamente, a cabeça um pouco inclinada para um lado.
— Tudo bem, vamos dizer por um momento que eu aceite — disse subitamente — Que tipo de remuneração vou receber?
— Acho que papai não chega exatamente a pagar as pessoas para escreverem para a revista — disse Luna sonhadora — Escrevem porque é uma honra e, naturalmente, para ver o nome delas em letra de imprensa.
A cara de Rita Skeeter ao se virar para Hermione era de quem achou outra vez forte o gosto do Palha-fede na boca.
— E para eu fazer isso de graça'?
— Bom, é — disse Hermione calmamente, tomando um golinho da bebida — Do contrário, como você já sabe, informarei às autoridades que você nunca se registrou como animago. Naturalmente, o Profeta Diário talvez lhe pague um bom cachê por uma reportagem em primeira mão da vida em Azkaban.
Pela reação pareceu que nada daria mais prazer a Rita do que agarrar a sombrinha de papel que saía da bebida de Hermione e enfiá-la pelo nariz da garota adentro.
— Suponho que não tenha outra opção, não é? — disse com a voz ligeiramente trêmula.
Abriu, então, a bolsa de crocodilo mais uma vez, apanhou um pergaminho e ergueu a Pena de Repetição Rápida.
— Papai vai ficar satisfeito — disse Luna animada.
Um músculo tremeu no queixo de Rita.
— Ok, Harry? — perguntou Hermione, virando-se para o garoto — Pronto para contar a verdade ao público?
— Suponho que sim — disse Harry observando Rita pôr em posição a Pena de Repetição Rápida sobre o pergaminho que os separava.
— Então, pode começar, Rita — disse Hermione serenamente, pescando uma cereja do fundo do copo.








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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Harry Potter e a Ordem da Fênix - Capítulo 24




— CAPÍTULO VINTE E QUATRO —
Oclumência



MONSTRO, ACABOU-SE SABENDO, ANDARA ESCONDIDO NO SÓTÃO. Sirius contou que o encontrara lá em cima, coberto de pó, sem dúvida procurando mais relíquias da família Black para esconder em seu armário. Embora Sirius parecesse satisfeito com essa história, Harry se sentiu inquieto. Monstro parecia estar mais bem-humorado quando reapareceu, seus resmungos azedos tinham diminuído bastante e passara a obedecer às ordens mais documente do que de costume, embora uma ou duas vezes Harry o tivesse surpreendido encarando-o com avidez, mas sempre desviando rapidamente o olhar quando via que o garoto percebera.
Harry não mencionou suas vagas suspeitas a Sirius, cuja alegria começara a evaporar muito rapidamente agora que passara o Natal. A medida que se aproximava o dia da partida dos garotos a Hogwarts, ele foi se tornando mais inclinado ao que a Sra. Weasley chamava de “macambuzice”, quando ficava taciturno e resmungão e muitas vezes se retirava para o quarto de Bicuço durante horas. Sua tristeza infiltrava-se na casa, por baixo das portas, como um gás venenoso, e infectando a todos.
Harry não queria deixar Sirius outra vez apenas em companhia de Monstro, de fato, pela primeira vez na vida, não estava contando os dias que faltavam para regressar a Hogwarts. Voltar à escola significava colocar-se mais uma vez sob a tirania de Dolores Umbridge, que, sem dúvida, conseguira passar à força mais uma dúzia de decretos na ausência dos garotos, não havia partidas de quadribol pelas quais ansiar, agora que fora expulso, havia toda a probabilidade de que a carga de deveres de casa aumentasse à medida que os exames se aproximavam, e Dumbledore continuava distante como sempre. De fato, se não fosse pela AD, Harry achava que teria suplicado a Sirius para deixá-lo abandonar Hogwarts e continuar no Largo Grimmauld.
Então, no último dia de férias, aconteceu uma coisa que fez Harry positivamente temer o regresso à escola.
— Harry, querido — disse a Sra. Weasley, metendo a cabeça no quarto que ele ocupava com Rony, onde os dois estavam jogando xadrez de bruxo observados por Hermione, Gina e Bichento — Pode vir à cozinha? O Prof. Snape quer dar uma palavrinha com você.
Harry não registrou imediatamente o que ouvira, uma de suas torres estava travando uma violenta batalha com um peão de Rony, e ele o incentivava com entusiasmo.
— Achata ele... achata ele, é só um peão, seu idiota. Desculpe, Sra. Weasley, que foi que a senhora disse?
— O Prof. Snape, querido. Na cozinha. Gostaria de lhe falar.
O queixo de Harry caiu de terror. Olhou para Rony, Hermione e Gina, todos igualmente boquiabertos para ele. Bichento, a quem Hermione vinha contendo com dificuldade nos últimos quinze minutos, saltou alegremente sobre o tabuleiro fazendo as peças correrem a se proteger, guinchando a plenos pulmões.
— Snape? — repetiu Harry sem entender.
— Professor Snape, querido — corrigiu a Sra. Weasley — Vamos logo, depressa, ele diz que não pode se demorar.
— Que é que ele quer com você? — indagou Rony, parecendo nervoso quando a Sra. Weasley se retirou do quarto — Você não fez nada, fez?
— Não! — retrucou Harry indignado, vasculhando os miolos para tentar lembrar o que poderia ter feito que levasse Snape a segui-lo até o Largo Grimmauld. Será que o seu último dever merecera um “T”?
Um minuto e pouco depois, ele empurrou a porta da cozinha e encontrou Sirius e Snape sentados à longa mesa do aposento, olhando em direções opostas. O silêncio entre os dois estava carregado de mútua intolerância.
Havia uma carta aberta sobre a mesa diante de Sirius.
— Hã — fez Harry para anunciar sua presença.
Snape se virou para olhá-lo, o rosto emoldurado por cortinas de cabelos oleosos.
— Sente-se, Potter.
— Sabe — disse Sirius em voz alta, se recostando e se apoiando nas pernas traseiras da cadeira, e falando para o teto — Acho que eu preferia que você não desse ordens aqui. É a minha casa, sabe.
Um rubor ameaçador afluiu ao rosto pálido de Snape.
Harry sentou-se na cadeira ao lado de Sirius e defronte do professor.
— Eu devia vê-lo sozinho, Potter — disse Snape, o riso desdenhoso crispando sua boca — Mas Black...
— Sou o padrinho dele — disse Sirius, ainda mais alto.
— Estou aqui por ordem de Dumbledore — continuou Snape, cuja voz, em contraposição, ficava cada vez mais baixa e sibilante — Mas, sem dúvida, fique, Black, eu sei que você gosta de se sentir... participante.
— Que é que você quer dizer com isso? — retorquiu Sirius, deixando a cadeira recair nos quatro pés com um forte baque.
— Simplesmente que tenho certeza de que você deve se sentir... ah... frustrado pelo fato de não poder fazer nada de útil... — Snape enfatizou delicadamente a frase —... “pela Ordem”.
Foi a vez de Sirius corar.
A boca de Snape se crispou em triunfo ao se dirigir a Harry.
— O diretor me mandou dizer, Potter, que quer que você estude Oclumência neste trimestre.
— Estude o quê? — perguntou Harry sem entender.
O desdém de Snape se tornou mais pronunciado.
Oclumência, Potter. A defesa mágica da mente contra penetração externa. Um ramo obscuro da magia, mas extremamente útil.
O coração de Harry começou a bater realmente forte. Defesa contra penetração externa? Mas ele não estava sendo possuído, todos tinham concordado com isso...
— Por que tenho de estudar essa Oclu...? — deixou escapar.
— Porque o diretor acha que é uma boa idéia — disse Snape suavemente — Você receberá aulas particulares uma vez por semana, mas não contará a ninguém o que está fazendo, muito menos a Dolores Umbridge. Entendeu?
— Sim, senhor — disse Harry — E quem é que vai me ensinar?
Snape ergueu uma sobrancelha.
— Eu — respondeu.
Harry teve a terrível sensação de que suas entranhas estavam derretendo. Aulas extras com Snape: que é que ele fizera para merecer isso? Olhou rápido para Sirius buscando apoio.
— Por que Dumbledore não pode ensinar ao Harry? — perguntou Sirius agressivamente — Por que você?
— Porque suponho que seja uma prerrogativa do diretor delegar as tarefas menos agradáveis — disse Snape suavemente — Posso lhe garantir que não pedi esse encargo.
Levantou-se.
— Espero você às seis horas da tarde na segunda-feira, Potter. Minha sala. Se alguém lhe perguntar, diga que está tomando aulas particulares de Poções. Ninguém que tenha visto você em minhas aulas poderia negar que precisa de reforço.
Ele se virou para ir embora, a capa preta de viagem se enfunando como uma cauda.
— Espere um momento — pediu Sirius, sentando-se mais reto na cadeira.
Snape se virou para encarar os dois, desdenhoso.
— Estou com muita pressa, Black. Ao contrário de você, tenho um tempo limitado de lazer.
— Irei direto ao assunto, então — falou Sirius ficando em pé.
Era bem mais alto do que Snape, que, Harry reparou, fechou um punho no bolso da capa, segurando, sem dúvida, o punho da varinha.
— Se eu souber que você está usando essas aulas de Oclumência para infernizar a vida de Harry, terá de acertar contas comigo.
— Que comovente! — debochou Snape — Mas você com certeza já notou que Potter se parece muito com o pai dele, não é?
— Já — respondeu Sirius com orgulho.
— Bom, então sabe que ele é tão arrogante que as críticas simplesmente resvalam nele — disse Snape com voz de seda.
Sirius empurrou a cadeira bruscamente para o lado e contornou a mesa em direção ao outro, ao mesmo tempo que puxava a varinha. Snape puxou a dele. Pararam se medindo, Sirius furioso, Snape calculista, seus olhos correndo da ponta da varinha para o rosto do oponente.
— Sirius! — chamou Harry, mas o padrinho não pareceu ouvi-lo.
— Eu lhe avisei, ranhoso — disse Sirius, seu rosto a menos de meio metro do de Snape — Não me interessa se Dumbledore acha que você se regenerou, eu sei que não...
— Ah, então por que não diz isso a ele? — sussurrou Snape — Ou tem medo de que ele não leve a sério o conselho de um homem que está há seis meses se escondendo na casa da mãe?
— Me diga, como anda Lúcio Malfoy ultimamente? Imagino que encantado com o fato do seu cachorrinho de estimação estar trabalhando em Hogwarts, não?
— Por falar em cachorros — disse Snape mansamente — Você sabia que Lúcio Malfoy o reconheceu da última vez que arriscou uma escapulida? Idéia brilhante, Black, deixar que o vissem em uma segura plataforma de trem... arranjou uma desculpa irrefutável para nunca mais deixar o buraco em que se esconde, não?
Sirius ergueu a varinha.
— NÃO! — berrou Harry, pulando por cima da mesa para se interpor aos dois — Sirius, não!
— Você está me chamando de covarde? — berrou Sirius, tentando tirar Harry da frente, mas o garoto não se mexeu.
— Ora, suponho que sim.
— Harry... saia... da... frente! — vociferou Sirius, empurrando-o para o lado com a mão livre.
A porta da cozinha se abriu e toda a família Weasley mais Hermione entraram, todos parecendo muito felizes, trazendo um orgulhoso Sr. Weasley vestindo um pijama e por cima uma capa de chuva.
— Curado! — anunciou animadamente para todos na cozinha — Completamente curado!
Ele e os outros Weasley ficaram paralisados à porta, contemplando a cena na cozinha, também suspensa, em que Sirius e Snape olhavam para a porta com as varinhas apontadas uma para a cara do outro e Harry, imóvel entre os dois, tentando separá-los.
— Pelas barbas de Merlim! — exclamou o Sr. Weasley, o sorriso desaparecendo do rosto — Que é que está acontecendo aqui?
Sirius e Snape baixaram as varinhas. Harry olhou de um para outro. Ambos tinham no rosto uma expressão de extremo desprezo, contudo a entrada repentina de tantas testemunhas pareceu tê-los chamado à razão.
Snape embolsou a varinha e atravessou a cozinha, passando pelos Weasley sem fazer comentário. A porta, olhou para trás.
— Seis horas da tarde, segunda-feira, Potter.
E foi-se embora.
Sirius seguiu-o com um olhar mal-humorado, a varinha segura ao lado do corpo.
— Que é que estava acontecendo? — tornou a indagar o Sr. Weasley.
— Nada, Arthur — respondeu Sirius, ofegante como se tivesse acabado de correr uma longa distância — Só uma conversa amigável entre dois velhos amigos de escola.
Aparentemente com imenso esforço, ele sorriu.
— Então... está curado? Ótima notícia, realmente ótima.
— Não é? — disse a Sra. Weasley, conduzindo o marido até uma cadeira — Enfim o Curandeiro Smethwyck fez sua mágica, encontrou um antídoto para o que quer que fosse que a cobra tinha nas presas, e Arthur aprendeu a lição de não se meter com medicina de trouxas, não foi querido? — acrescentou ela um tanto ameaçadoramente.
— Foi, Molly, querida — disse o Sr. Weasley, com humildade.
A refeição daquela noite deveria ter sido muito alegre, com a volta do Sr. Weasley.
Harry via que Sirius procurava fazer com que assim fosse, mas o padrinho não se esforçava para dar gargalhadas com as piadas de Fred e Jorge nem oferecia aos outros mais comida, seu rosto se fechara numa expressão melancólica e reflexiva. Harry acabou separado dele por Mundungo e Olho-Tonto, que tinham passado para dar os parabéns ao Sr. Weasley. Ele queria dizer a Sirius que não devia dar ouvidos a nada que Snape dissera, que o colega estava instigando-o deliberadamente e que os outros não pensavam que o padrinho fosse um covarde por obedecer a Dumbledore e ficar quieto no Largo Grimmauld. Mas não teve oportunidade e, vendo a expressão fechada no rosto de Sirius, Harry chegou a duvidar se teria se atrevido a dizer alguma coisa mesmo se tivesse tido oportunidade. Ao invés, cochichou para Rony e Hermione sobre a ordem que recebera de tomar aulas de Oclumência com Snape.
— Dumbledore quer evitar que você tenha aqueles sonhos com Voldemort — disse Hermione imediatamente — Bom, você não vai lamentar se não os tiver, vai?
— Aulas particulares com Snape? — exclamou Rony perplexo — Eu preferia ter os pesadelos!

* * *

Os garotos deveriam regressar a Hogwarts de Nôitibus no dia seguinte, acompanhados mais uma vez por Tonks e Lupin, que já se achavam tomando café da manhã na cozinha quando Harry, Rony e Hermione desceram. Os adultos pareciam estar cochichando quando Harry abriu a porta, todos olharam depressa e se calaram.
Depois de um café da manhã apressado, eles vestiram os casacos e cachecóis para se proteger da gélida manhã de Janeiro. Harry sentiu um aperto desagradável no peito, não queria dizer adeus a Sirius. Teve uma sensação ruim com relação a essa despedida, não sabia quando voltariam a se ver e se sentiu na obrigação de dizer alguma coisa ao padrinho para impedi-lo de fazer alguma tolice. Harry se preocupava que a acusação de covardia que Snape fizera a Sirius o tivesse ferido tão seriamente que ele pudesse mesmo agora estar planejando alguma saída insensata do Largo Grimmauld. Mas antes que conseguisse pensar no que dizer Sirius o chamou para junto dele.
— Quero que você leve isto — disse baixinho, empurrando para Harry um embrulho malfeito com o tamanho aproximado de um livro.
— Que é? — perguntou Harry.
— Um modo de me avisar se Snape estiver infernizando sua vida. Não, não abra aqui! — disse Sirius, lançando um olhar preocupado à Sra. Weasley, que tentava persuadir os gêmeos a calçar luvas de tricô — Duvido que Molly aprove, mas quero que você o use se precisar de mim, está bem?
— Ok — disse o garoto, guardando o embrulho no bolso interno do casaco, mas sabia que jamais usaria o que quer que fosse.
Não seria ele, Harry, quem iria tirar Sirius do lugar em que estava seguro, por pior que Snape o tratasse nas futuras aulas de Oclumência.
— Vamos, então — disse Sirius, dando uma palmada no ombro do afilhado e sorrindo triste, e antes que Harry pudesse dizer mais alguma coisa, já haviam subido e parado à porta da frente, cheia de trancas, cercados pelos Weasley.
— Adeus, Harry, cuide-se — disse a Sra. Weasley abraçando-o.
— Até outro dia, Harry, e fique de olho nas cobras para mim! — falou o Sr. Weasley, cordialmente apertando sua mão.
— Certo... — respondeu Harry distraído, era sua última chance de dizer a Sirius para ter cuidado, ele se virou, encarou o padrinho e abriu a boca para falar, mas, antes que o fizesse, Sirius estava lhe dando um breve abraço e dizendo com a voz rouca:
— Cuide-se bem, Harry.
No momento seguinte, o garoto se viu conduzido para o inverno gélido lá fora, com Tonks (hoje disfarçada de mulher alta e magra da aristocracia rural, com cabelos grisalhos) apressando-o a descer os degraus.
A porta do número doze bateu às costas do último a sair. Eles acompanharam Lupin. Quando chegaram à calçada, Harry olhou para os lados. O número doze foi encolhendo rapidamente ao mesmo tempo que as casas laterais se ampliavam para o seu lado, fazendo-o desaparecer de vista. Uma piscadela de olhos depois, já não existia.
— Vamos, quanto mais depressa entrarmos no ônibus melhor — disse Tonks, e Harry achou que havia nervosismo no olhar que ela lançou pela praça.
Lupin esticou o braço direito.
BANG.
Um ônibus violentamente roxo de três andares materializou-se, tirando um fino do poste de iluminação mais próximo, que saltou para trás para sair do caminho. Um rapaz magro, de orelhas de abano e espinhas, trajando um uniforme roxo, saltou para a calçada e disse:
— Bem-vindos ao...
— Sei, sei, já sabemos — disse Tonks brevemente — Subam, subam, subam...
E ela empurrou Harry em direção aos degraus, para além do motorista, que arregalou os olhos quando o garoto passou.
— É... é Harry...!
— Se gritar o nome dele faço você perder a memória — murmurou Tonks, ameaçando-o, e empurrando Gina e Hermione para dentro.
— Eu sempre quis andar nesse ônibus — disse Rony alegre, juntando-se a Harry e examinando tudo.
Fora de noite a última vez que Harry viajara de Nôitibus, e os três andares estavam ocupados por camas de metal. Agora, de manhã cedo, estava mobiliado com uma variedade de cadeiras desparelhadas e dispostas a esmo em torno das janelas. Algumas pareciam ter tombado quando o ônibus parou abruptamente no Largo Grimmauld, uns poucos bruxos e bruxas ainda estavam se levantando, resmungando, e a saca de compras de alguém deslizara por toda a extensão do veículo: uma mistura de ovas de sapo, baratas e cremes de ovos espalhara-se pelo chão.
— Parece que vamos ter de nos separar — disse Tonks brevemente, procurando poltronas vazias — Fred, Jorge e Gina, vão para aquelas poltronas lá no fundo... Remo pode ficar com vocês.
Ela, Harry, Rony e Hermione subiram para o último andar, onde havia duas poltronas vazias bem na frente e duas no fundo. Lalau Shunpike, o condutor, acompanhou pressurosamente os dois garotos até o fundo. As cabeças se voltaram quando Harry passou, mas, ao se sentar, viu todos os rostos tornarem a virar para a frente.
Quando Harry e Rony estavam pagando a Lalau onze sicles cada, o ônibus tornou a partir, balançando sinistramente. Contornou ruidosamente o Largo Grimmauld, subindo e descendo pelas calçadas, depois, com outro BANG estrondoso, os passageiros foram atirados para trás, a poltrona de Rony virou, e Píchi, que estava em seu colo, saiu da gaiola voando espavorida para a frente do ônibus onde preferiu pousar no ombro de Hermione. Harry, que escapara de cair agarrando-se a uma arandela, espiou pela janela: o ônibus agora corria pelo que lhe pareceu ser uma rodovia.
— Estamos na periferia de Birmingham — informou Lalau alegremente, em resposta à pergunta muda de Harry, enquanto Rony tentava se erguer do chão — Você está bem, então, Harry? Vi o seu nome um monte de vezes no jornal durante o verão, mas nunca não era nada de bom. Eu disse ao Ernesto, disse mesmo, ele não parecia pirado quando o conhecemos, o que é uma prova, não é?
Ele entregou os bilhetes aos garotos e continuou a contemplar Harry, fascinado. Pelo jeito, Lalau não se importava que alguém fosse pirado, desde que fosse famoso bastante para aparecer no jornal.
O Nôitibus balançava assustadoramente, ultrapassando os carros pelo lado de dentro. Quando olhou para a frente do veículo, Harry viu Hermione cobrir os olhos com as mãos, e Píchi se equilibrar alegremente em seu ombro.
BANG.
As poltronas tornaram a correr para trás quando o Nôitibus saltou da estrada de Birmingham para uma tranqüila estradinha campestre cheia de curvas fechadas. As cercas vivas que ladeavam a via saltaram para longe quando o ônibus avançou sobre as cercaduras. Dali, entraram na rua principal de uma cidade movimentada, depois subiram um viaduto cercado por altas montanhas, desceram para uma estrada assolada pelo vento entre altos prédios de apartamentos, produzindo um estrondo a cada mudança de rumo.
— Mudei de ideia — murmurou Rony, levantando-se do chão pela sexta vez — Nunca mais quero viajar nessa coisa.
— Escutem, a próxima parada é Hogwarts — anunciou Lalau, animado, cambaleando em direção aos garotos — A mulher mandona lá na frente que subiu com vocês deu uma gorjeta à gente para passar vocês para o começo da fila. Só vamos deixar Madame Marsh descer primeiro... — eles ouviram alguém vomitando no andar de baixo, e em seguida um horrível barulho de líquido batendo no chão — Ela não está se sentindo muito bem.
Alguns minutos depois, o Nôitibus parou cantando pneus à frente de um pequeno bar, que se espremeu para sair do caminho e evitar uma colisão. Eles ouviram Lalau ajudando a pobre Madame Marsh a desembarcar do ônibus e os murmúrios de alívio dos companheiros de viagem no segundo andar.
O ônibus tornou a partir, ganhando velocidade até...
BANG.
E estavam rodando por uma Hogsmeade coberta de neve. Harry viu de relance o Cabeça de Javali na rua lateral, o letreiro com a cabeça cortada rangendo ao vento invernoso. Flocos de neve batiam na enorme janela dianteira do ônibus.
E finalmente pararam nos portões de Hogwarts.
Lupin e Tonks ajudaram os garotos a desembarcar com a bagagem, e então desceram também para se despedir.
Harry ergueu os olhos para os três andares do Nôitibus e viu todos os passageiros espiando-os com o nariz colado às janelas.
— Vocês estarão seguros quando entrarem — disse Tonks, lançando um olhar cauteloso para a estrada deserta — Um bom trimestre, ok?
— Cuidem-se bem — recomendou-lhes Lupin, apertando as mãos de todos e chegando a Harry por último — E escute... — ele baixou a voz enquanto os demais trocavam adeuses de último minuto com Tonks — Harry, eu sei que você não gosta de Snape, mas ele é um magnífico oclumente, e todos nós, inclusive Sirius, queremos que você aprenda a se proteger, então estude para valer, está bem?
— É, tá — disse Harry a custo, olhando para o rosto prematuramente enrugado de Lupin — Até mais, então.
Os seis subiram penosamente a estrada escorregadia até o castelo, arrastando os malões. Hermione já estava falando em tricotar uns gorros para elfos antes de dormir. Harry olhou para trás quando chegaram às portas de carvalho da entrada, o Nôitibus já partira e ele chegou a desejar, à vista do que o esperava na noite seguinte, que ainda estivesse a bordo.

* * *

Harry passou a maior parte do dia seguinte com medo do anoitecer. Os dois tempos de Poções pela manhã nada fizeram para dissipar sua agitação, pois Snape foi desagradável como sempre. Seu desânimo se acentuou porque os membros da AD o procuraram constantemente pelos corredores durante os intervalos das aulas, perguntando, esperançosos, se haveria reunião àquela noite.
— Avisarei a vocês como de costume quando marcar a próxima — repetiu Harry várias vezes — Mas não pode ser hoje à noite, tenho que ir... hum... a uma aula de reforço de Poções.
— Você tem aula de reforço em Poções? — perguntou Zacarias com ar de superioridade, abordando-o no Saguão de Entrada, depois do almoço — Puxa vida, você deve ser péssimo. Snape não costuma dar aulas particulares, ou costuma?
Quando Zacarias se afastou com irritante vivacidade, Rony acompanhou-o de cara feia.
— Devo azará-lo? Ainda dá para acertar daqui — disse, erguendo a varinha e mirando entre as espáduas de Zacarias.
— Deixa pra lá — disse Harry deprimido — É o que todos vão pensar, não é? Que sou realmente bur...
— Oi, Harry — disse uma voz a suas costas.
Ele se virou e deparou com Cho.
— Ah — exclamou, seu estômago dando um salto desconfortável — Oi.
— Vamos estar na Biblioteca, Harry — disse Hermione com firmeza, agarrando Rony acima do cotovelo e arrastando-o em direção à escadaria de mármore.
— Teve um bom Natal? — perguntou Cho.
— Nada mau.
— O meu foi muito tranquilo — por alguma razão, ela parecia um pouco encabulada — Aah... tem outro passeio a Hogsmeade no mês que vem, você viu o aviso?
— Quê? Ah, não, ainda não dei uma olhada no quadro de avisos desde que cheguei.
— Tem, no Dia dos Namorados...
— Certo — respondeu Harry, se perguntando por que ela estava dizendo isso — Bom, suponho que você queira...
— Só se você quiser — disse ela ansiosa.
Harry arregalou os olhos. Estivera a ponto de dizer: “Suponho que você queira saber quando é a próxima reunião da AD?”, mas a resposta dela não parecia se encaixar.
— Eu... aah...
— Ah, tudo bem se você não quiser — retrucou ela, parecendo mortificada — Não se preocupe. Eu... vejo você por aí.
Ela se afastou. Harry ficou parado olhando, seu cérebro trabalhando freneticamente.
Então a ficha caiu.
— Cho! Ei... CHO!
Correu atrás da garota, alcançando-a na subida da escadaria de mármore.
— Aah... você quer ir comigo a Hogsmeade no Dia dos Namorados?
— Ahhh, quero! — respondeu ela, corando e sorrindo.
— Certo... bom... então está combinado — disse Harry, e sentindo que, enfim, o dia não seria uma perda total, ele virtualmente saiu aos pulos até a Biblioteca para apanhar Rony e Hermione antes das aulas da tarde.
As seis da tarde, no entanto, nem o clarão de ter conseguido convidar Cho Chang para sair foi suficiente para desanuviar a sensação agourenta que se intensificava a cada passo que Harry dava em direção à sala de Snape. Parou à porta ao chegar, desejando estar em qualquer outro lugar, então, tomando fôlego, bateu e entrou.
A sala sombria estava forrada de estantes ocupadas por centenas de frascos de vidro em que flutuavam pedaços viscosos de plantas e bichos, em várias poções coloridas. A um canto, havia um armário cheio de ingredientes, o qual Snape certa vez acusara Harry, com razão, de assaltar. Mas a atenção do garoto foi atraída para a escrivaninha, onde uma bacia rasa, de pedra gravada com runas e símbolos, estava iluminada por um círculo de luz projetado por velas.
Harry reconheceu-a na mesma hora: era a Penseira de Dumbledore. Perguntando-se o que estaria tal objeto fazendo ali, ele se sobressaltou ao ouvir a voz fria de Snape saindo das sombras.
— Feche a porta, Potter.
Harry obedeceu, com a horrível sensação de estar se fechando em uma prisão. Quando se virou, Snape se deslocara para a luz e apontava silenciosamente para a cadeira diante de sua escrivaninha. Harry se sentou e o professor também, seus olhos frios e negros fixando-se no aluno sem piscar, a antipatia gravada em cada linha do seu rosto...
— Muito bem, Potter, você sabe por que está aqui. O diretor me pediu para lhe ensinar Oclumência. Só espero que você se mostre mais competente nisso do que em Poções.
— Certo — concordou Harry brevemente.
— Esta aula talvez seja diferente, Potter — disse Snape, seus olhos se estreitando malevolamente — Mas continuo sendo seu professor e, portanto, você me chamará sempre de “senhor” ou de “professor”.
— Sim... senhor.
— Vamos à Oclumência. Como eu lhe disse na cozinha do seu querido padrinho, este ramo da magia fecha a mente à intrusão e à influência mágicas.
— E por que o Prof. Dumbledore acha que eu preciso aprendê-la, professor? — perguntou Harry, encarando Snape diretamente nos olhos e imaginando se receberia uma resposta.
Snape mirou-o por um momento e em seguida disse com a voz carregada de desprezo:
— Certamente até você poderia ter chegado à resposta sozinho, não, Potter? O Lorde das Trevas é excepcionalmente competente em Legilimência...
— Que é isso? Professor?
— É a capacidade de extrair sentimentos e lembranças da memória de outras pessoas...
— Ele é capaz de ler pensamentos? — perguntou depressa, seus piores receios se confirmando.
— Você não tem sutileza, Potter — comentou Snape, seus olhos negros cintilando — Você não entende distinções pouco perceptíveis. É um dos defeitos que o torna um lamentável preparador de poções.
Snape fez uma pausa, aparentemente para saborear o prazer de insultar Harry, antes de continuar:
— Somente os trouxas falam de “ler mentes”. A mente não é um livro que se abre quando se quer e se examina ao bel-prazer. Os pensamentos não estão gravados no interior do crânio, para serem examinados por qualquer invasor. A mente é algo complexo e multiestratificado, Potter, ou pelo menos a maioria das mentes é.
Deu um sorrisinho.
— Mas é verdade que aqueles que dominam a Legilimência são capazes, sob determinadas condições, de penetrar as mentes de suas vítimas e interpretar suas conclusões corretamente. O Lorde das Trevas, por exemplo, quase sempre sabe quando alguém está mentindo para ele. Somente os peritos em Oclumência podem ocultar os sentimentos e lembranças que contradiriam a mentira, e conseguem dizer falsidades em sua presença sem serem apanhados.
Snape podia dizer o que quisesse, mas, para Harry, Legilimência parecia leitura da mente, e a ideia não lhe agradava nem um pouco.
— Então ele poderia saber o que estamos pensando neste momento, professor?
— O Lorde das Trevas se encontra a uma considerável distância, e as paredes e terrenos de Hogwarts são guardados por muitos feitiços e encantamentos antigos, para garantir a segurança física e mental dos que vivem aqui. O tempo e o espaço contam na magia, Potter. O contato visual é muitas vezes essencial à Legilimência.
— Bom, então, por que é que eu tenho de aprender Oclumência?
Snape encarou Harry, ao mesmo tempo que passava um dedo fino nos lábios.
— As regras normais não parecem se aplicar a você, Potter. A maldição que não conseguiu matá-lo parece ter forjado algum tipo de ligação entre você e o Lorde das Trevas. As evidências sugerem que por vezes, quando sua mente está mais relaxada e vulnerável, quando você está dormindo, por exemplo, você compartilha os pensamentos e emoções do Lorde das Trevas. O diretor acha que é desaconselhável que isto continue a acontecer. E quer que eu lhe ensine como fechar a mente ao Lorde das Trevas.
O coração de Harry batia acelerado agora. Nada disso fazia sentido.
— Mas por que o Prof. Dumbledore quer fazer isto parar? — perguntou inesperadamente — Não gosto muito, mas tem sido útil, não? Quero dizer... eu vi a cobra atacar o Sr. Weasley e, se não tivesse visto, o Prof. Dumbledore não poderia ter salvo a vida dele, poderia? Professor?
Snape encarou Harry durante uns minutos, ainda passando o dedo nos lábios. Quando tornou a falar, foi devagar e decididamente, como se pesasse cada palavra.
— Pelo que parece o Lorde das Trevas não tinha tomado consciência dessa ligação entre você e ele até muito recentemente. Parece que você sentia as emoções dele e partilhava seus pensamentos, sem ele saber. Contudo, a visão que você teve pouco antes do Natal...
— A da cobra com o Sr. Weasley?
— Não me interrompa, Potter — disse Snape em tom ameaçador — Como eu ia dizendo, a visão que você teve pouco antes do Natal representou uma incursão tão poderosa nos pensamentos do Lorde das Trevas...
— Eu vi de dentro da cabeça da cobra, e não da dele!
— Acho que acabei de lhe dizer para não me interromper, não foi Potter?
Mas Harry não se importou que Snape estivesse aborrecido, pelo menos parecia estar chegando ao fundo dessa história, sentara mais para a frente na cadeira de modo que, sem perceber, estava encarrapitado na borda, tenso como se estivesse prestes a voar.
— Como é possível eu ter visto através dos olhos da cobra se são pensamentos de Voldemort que estou partilhando?
— Não pronuncie o nome do Lorde das Trevas! — ralhou Snape.
Fez-se um silêncio desagradável. Os dois se encararam por cima da Penseira.
— O Prof. Dumbledore diz o nome dele — contestou Harry calmamente.
— Dumbledore é um bruxo extremamente poderoso — murmurou Snape — Embora ele possa se sentir seguro em usar o nome... os demais... — ele esfregou o braço esquerdo, aparentemente sem perceber, no lugar em que Harry sabia que a Marca Negra estava gravada a fogo em sua pele.
— Eu só queria saber — recomeçou Harry, se esforçando para falar com polidez — Por que...
— Você parece ter visitado a mente da cobra porque era onde o Lorde das Trevas estava naquele determinado momento — vociferou Snape — Estava possuindo a cobra na hora, então você sonhou que estava dentro dela, também.
— E Vol... ele... percebeu que eu estava ali?
— Parece que sim — respondeu Snape tranquilo.
— Como é que sabe? — perguntou o garoto pressuroso — Essa é a suposição do Prof. Dumbledore ou...?
— Já lhe pedi — disse Snape, empertigado na cadeira, os olhos apertados — Para me chamar de “senhor”.
— Sim, senhor — disse Harry impaciente — Mas como é que o senhor sabe...?
— É suficiente que nós saibamos — disse Snape cortando a conversa — O importante é que o Lorde das Trevas agora tem consciência de que você está conseguindo ter acesso aos seus pensamentos e emoções. Ele também deduziu que o processo provavelmente pode ser invertido, ou seja, percebeu que talvez possa acessar os seus pensamentos e emoções...
— E ele poderia tentar me levar a fazer coisas? — perguntou Harry — Professor? — acrescentou precipitadamente.
— Poderia — respondeu Snape, em tom aparentemente frio e desinteressado — O que nos traz de volta à Oclumência.
Snape puxou a varinha do bolso interno das vestes e Harry se enrijeceu na cadeira, mas o professor meramente a ergueu e apontou para a raiz dos seus cabelos oleosos. Quando a retirou, escorreu uma substância prateada da têmpora à varinha como um grosso fio de teia de aranha, que se partiu quando ele a afastou, e caiu graciosamente na Penseira, onde girou branco-prateada, nem gasosa nem líquida. Mais duas vezes, Snape levou a varinha à têmpora e depositou a substância prateada na bacia de pedra, depois, sem oferecer nenhuma explicação para os seus gestos, apanhou a Penseira com cuidado, removeu-a para uma prateleira fora do caminho e voltou a encarar Harry com a varinha em posição.
— Levante-se e apanhe sua varinha, Potter.
Harry obedeceu se sentindo nervoso. Os dois se encararam por cima da escrivaninha.
— Você pode usar sua varinha para tentar me desarmar, ou para se defender de qualquer outra maneira que consiga pensar.
— E o que é que o senhor vai fazer? — perguntou Harry, acompanhando a varinha de Snape com os olhos, apreensivo.
— Vou tentar penetrar sua mente — disse Snape mansamente — Vamos ver até que ponto você resiste. Me disseram que você já demonstrou aptidão para resistir à Maldição Imperius. Você vai descobrir que precisará de poderes semelhantes para resistir... em guarda, agora: Legilimens!
Snape atacara antes de Harry se aprontar, antes mesmo que tivesse começado a recorrer a qualquer força para resistir. A sala flutuou diante dos seus olhos e desapareceu, imagem após imagem perpassou sua mente em alta velocidade como um filme de cinema mudo, tão vivido que o cegava para o ambiente ao redor.
Tinha cinco anos, e observava Duda andar na nova bicicleta vermelha, e seu peito explodia de inveja... tinha nove anos, e Estripador, o buldogue, acuava-o em uma árvore, e os Dursley riam muito embaixo, no jardim... estava sentado e tinha na cabeça o Chapéu Seletor, que lhe dizia que poderia ter êxito na Sonserina... Hermione estava deitada na Ala Hospitalar, o rosto coberto por grossos pelos negros... cem Dementadores avançavam contra ele à margem do lago escuro... Cho Chang se aproximava dele embaixo do ramo de visgo...
Não, disse uma voz na cabeça de Harry quando a lembrança de Cho se tornou mais nítida, Você não vai assistira isto, é uma lembrança íntima...
Sentiu uma dor aguda no joelho, a sala de Snape reaparecera e ele se viu caído no chão, um dos joelhos batera dolorosamente na perna da escrivaninha do professor. Ele ergueu os olhos para Snape, que baixara a varinha e esfregava o punho. Havia um feio vergão ali, como uma marca de queimadura.
— Você teve intenção de produzir uma Azaração Ferreteante? — perguntou Snape calmamente.
— Não — respondeu Harry com rancor, erguendo-se do chão.
— Achei que não — retorquiu Snape com desprezo — Você me deixou penetrar longe demais. Perdeu o controle.
— O senhor viu tudo que eu vi? — perguntou Harry, inseguro se queria ouvir a resposta.
— Vislumbres — disse Snape, crispando os lábios — A quem pertencia o cachorro?
— A minha tia Guida — murmurou Harry, odiando Snape.
— Bom, para uma primeira tentativa não foi tão ruim quanto poderia ter sido — disse o professor erguendo novamente a varinha — Você conseguiu finalmente me paralisar, embora tenha desperdiçado tempo e energia gritando. Precisa se manter concentrado. Me repila com o seu cérebro e não precisará recorrer à varinha.
— Estou tentando — disse Harry zangado — Mas o senhor não está me dizendo como fazer!
— Tenha modos, Potter — disse Snape ameaçador — Agora, quero que feche os olhos.
O garoto lançou-lhe um olhar zangado antes de obedecer. Não lhe agradava a ideia de ficar parado ali, de olhos fechados, enquanto Snape o encarava, segurando uma varinha.
— Esvazie sua mente, Potter — disse a voz fria de Snape — Ponha de lado toda emoção...
Mas a raiva de Harry contra Snape continuava a pulsar em suas veias como veneno. Ponha de lado toda emoção? Era mais fácil pôr de lado as pernas...
— Você não está obedecendo, Potter... vai precisar de mais disciplina... concentre-se, agora...
Harry tentou esvaziar a mente, tentou não pensar, nem lembrar, nem sentir...
— Vamos outra vez... quando eu contar três... um... dois... três... Legilimens!
Um enorme dragão negro se empinou diante dele... seu pai e sua mãe lhe acenaram do espelho encantado... Cedrico Diggory caíra no chão de olhos vidrados olhando para ele...
— NÃÃÃÃÃÃÃO!
Harry estava mais uma vez de joelhos, o rosto nas mãos, o cérebro doendo como se alguém estivesse tentando arrancá-lo do crânio.
— Levante-se! — mandou Snape com rispidez — Levante-se! Você não está tentando, não está fazendo esforço algum. Está me deixando acessar lembranças de que tem medo, está me dando armas!
Harry tornou a se levantar, seu coração batendo descontrolado como se tivesse realmente acabado de ver Cedrico morto no cemitério.
Snape estava mais pálido do que o normal, e mais zangado, embora não tão zangado quanto Harry.
— Eu... estou... me... esforçando — disse entre os dentes.
— Eu o mandei se esvaziar de emoções!
— É? Bom, estou achando difícil neste momento — vociferou Harry.
— Então vai descobrir que será uma presa fácil para o Lorde das Trevas! — disse Snape com selvageria — Tolos que têm orgulho em mostrar seus sentimentos, que não sabem controlar suas emoções, que chafurdam em lembranças tristes e se deixam provocar com tanta facilidade... em outras palavras... gente fraca... não têm a menor chance contra os poderes dele! Ele penetrará sua mente com uma facilidade absurda, Potter!
— Eu não sou fraco — disse Harry em voz baixa, a fúria agora perpassando-o de tal modo que achou que poderia atacar Snape dali a pouco.
— Então prove! Domine-se! — falou Snape com violência — Controle sua raiva, discipline sua mente! Vamos tentar outra vez! Preparar, agora! Legilimens!
Ele observava o Tio Válter pregar a fenda que havia na porta para cartas... cem Dementadores atravessavam o lago da escola em sua direção... ele estava correndo por uma passagem sem janelas com o Sr. Weasley... se aproximaram da porta preta e simples no fim do corredor... Harry esperava que entrassem... mas o Sr. Weasley o desviou para a esquerda, desceram um lance de escadas de pedra...
— EU SEI! EU SEI!
Estava novamente de quatro no chão da sala de Snape, a cicatriz formigando incomodamente, mas a voz que saíra de sua boca era triunfante. Ele se levantou e deparou com Snape encarando-o, de varinha levantada. Parecia que, desta vez, Snape suspendera o feitiço antes mesmo de Harry sequer tentar repeli-lo.
— Que aconteceu então, Potter? — perguntou, observando o garoto atentamente.
— Eu vi... me lembrei — ofegou Harry — Acabei de perceber...
— Perceber o quê? — perguntou Snape asperamente.
Harry não respondeu imediatamente, ainda estava saboreando o momento da ofuscante percepção enquanto esfregava a testa... andava sonhando havia meses com um corredor sem janelas que terminava em uma porta trancada, sem se dar conta de que era um lugar real. Agora, revivendo a lembrança, entendeu que o tempo todo estivera sonhando com o corredor pelo qual correra com o Sr. Weasley no dia doze de Agosto, quando se dirigiam apressados para os tribunais no Ministério, era o corredor que levava ao Departamento de Mistérios, e era onde o Sr. Weasley estivera na noite em que a cobra de Voldemort o atacara.
Ele ergueu a cabeça para Snape.
— Que é que tem no Departamento de Mistérios?
— Que foi que você disse? — perguntou Snape em voz baixa e Harry viu, com profunda satisfação, que Snape ficara assustado.
— Eu perguntei o que é que tem no Departamento de Mistérios, professor? — repetiu Harry.
— E por que — perguntou Snape lentamente — Você perguntaria isso?
— Porque — disse Harry observando-o atentamente para ver sua reação — Aquele corredor que acabei de ver... com que estou sonhando há meses... eu acabei de reconhecê-lo: leva ao Departamento de Mistérios... e acho que Voldemort quer alguma coisa de...
— Já lhe disse para não pronunciar o nome do Lorde das Trevas!
Os dois se encararam. A cicatriz de Harry tornou a queimar, mas ele não ligou. Snape parecia agitado, mas quando falou foi como se estivesse tentando aparentar calma e indiferença.
— Há muitas coisas no Departamento de Mistérios, Potter, poucas das quais você entenderia e nenhuma das quais é da sua conta. Estou sendo claro?
— Está — respondeu Harry, ainda esfregando a cicatriz que doía cada vez mais.
— Quero você aqui à mesma hora na Quarta-Feira. Continuaremos a trabalhar então.
— Ótimo — disse Harry. Ele estava desesperado para sair da sala de Snape e se reunir a Rony e Hermione.
— Você deve esvaziar sua mente de toda emoção antes de dormir, esvazie-a, deixe-a limpa e calma, compreendeu?
— Sim — assentiu Harry, pouco atento.
— E fique avisado, Potter... eu saberei se você não praticou...
— Certo — murmurou.
E apanhando a mochila, atirou-a sobre o ombro e correu para a porta da sala. Ao abri-la, virou-se para olhar Snape, que estava de costas e retirava os pensamentos da Penseira com a ponta da varinha, repondo-os cuidadosamente na própria cabeça. Harry saiu sem dizer nada, fechando a porta cuidadosamente ao passar, a cicatriz ainda latejando dolorosamente.

* * *

Harry encontrou Rony e Hermione na Biblioteca, onde preparavam uma verdadeira resma de dever que Umbridge passara recentemente. Outros alunos, quase todos do quinto ano, estavam sentados às mesas próximas, iluminadas por abajures, com o nariz grudado nos livros, as penas arranhando o papel febrilmente, enquanto o céu emoldurado pelas janelas de caixilhos escurecia sempre mais.
O único outro som que havia era o ligeiro rangido dos sapatos de Madame Pince, que percorria os corredores entre as estantes ameaçadoramente, bufando no pescoço dos que tocavam seus preciosos livros.
Harry sentia arrepios, sua cicatriz ainda doía, sentia-se quase febril. Quando se sentou defronte a Rony e a Hermione, viu seu reflexo na janela, estava muito branco e a cicatriz parecia mais visível do que o normal.
— Como foi? — sussurrou Hermione, e então com o ar preocupado — Você está bem, Harry?
— Tô... ótimo... não sei — respondeu impaciente, fazendo careta quando tornou a sentir uma pontada na cicatriz — Escutem... acabei de compreender uma coisa...
E contou aos dois o que acabara de ver e deduzir.
— Então... então você está dizendo... — sussurrou Rony, quando Madame Pince passava, rangendo os sapatos — Que a arma, a coisa que Você-Sabe-Quem está procurando... está no Ministério da Magia?
— No Departamento de Mistérios, tem de estar — cochichou Harry — Vi a porta quando o seu pai me levou à audiência nos tribunais, e decididamente é a mesma que ele estava guardando quando a cobra o mordeu.
Hermione deixou escapar um suspiro longo e lento.
— Claro — sussurrou.
— Claro o quê? — perguntou Rony meio impaciente.
— Rony, pare e pense... Estúrgio Podmore estava tentando passar por uma porta no Ministério da Magia... deve ter sido a mesma, seria coincidência demais!
— Como é que o Estúrgio estava tentando arrombar a porta se ele está do nosso lado? — perguntou Rony.
— Bom, não sei — admitiu Hermione — É meio estranho...
— Então o que é que tem no Departamento de Mistérios? — perguntou Harry a Rony. — Seu pai alguma vez disse alguma coisa?
— Eu sei que eles chamam as pessoas que trabalham lá de “Inomináveis” — disse Rony, franzindo a testa — Porque ninguém parece saber realmente o que elas fazem, um lugar esquisito para guardar uma arma.
— Não é nada esquisito, faz absoluto sentido — retrucou Hermione — Deverá ser alguma coisa ultrassecreta que o Ministério está desenvolvendo, imagino... Harry, você tem certeza de que está se sentindo bem?
Harry acabara de correr as duas mãos com força pela testa, como se estivesse tentando passá-la a ferro.
— Tô... ótimo... — respondeu, baixando as mãos, que tremiam — Só estou me sentindo um pouco... não gosto muito dessa tal Oclumência.
— Acho que qualquer um se sentiria abalado se tivesse a mente atacada tantas vezes seguidas — consolou-o Hermione — Olhe, vamos voltar à Sala Comunal, ficaremos um pouco mais confortáveis lá.
Mas encontraram a Sala Comunal lotada, cheia de gritos, risos e agitação. Fred e Jorge estavam demonstrando sua última invenção para a loja de logros e brincadeiras.
— Chapéus Sem Cabeças! — anunciava Jorge, enquanto Fred apontava para um chapéu cônico decorado com uma pluma cor-de-rosa para os colegas que assistiam a ele — Dois galeões cada, olhem só o Fred, agora!
Fred levou o chapéu à cabeça com um gesto largo, sorrindo. Por um segundo, ele pareceu realmente idiota, então ambos, chapéu e cabeça, desapareceram. Várias meninas soltaram gritinhos, mas todos os outros deram gostosas gargalhadas.
— Tire o chapéu! — gritou Jorge, e a mão de Fred apalpou por um momento o que parecia ser apenas vento sobre o seu ombro, então a cabeça reapareceu quando, com um novo gesto largo, ele tirou o chapéu emplumado.
— Qual é a mágica desses chapéus, então? — perguntou Hermione, distraindo-se do dever que estava fazendo para apreciar Fred e Jorge — Quero dizer, obviamente usaram algum tipo de Feitiço da Invisibilidade, mas é muito criativo ampliar o campo da invisibilidade para além dos limites do objeto enfeitiçado... mas imagino que o feitiço não dure muito tempo.
Harry não respondeu, estava se sentindo mal.
— Vou ter de fazer isso amanhã — murmurou, tornando a enfiar na mochila os livros que acabara de tirar.
— Bom, anote na sua agenda de deveres então! — disse Hermione animando-o — Para não esquecer.
Harry e Rony se entreolharam quando ele meteu a mão na mochila, tirou a agenda e abriu-a hesitante.
“Não deixe o dever para mais tarde, seu grande preguiçoso!”, ralhou o livro enquanto Harry anotava o dever da Umbridge.
Hermione sorriu.
— Acho que vou me deitar — disse Harry, guardando a agenda na mochila e registrando mentalmente a intenção de jogá-la na lareira na primeira oportunidade que tivesse.
Atravessou então a Sala Comunal, fugindo de Jorge, que tentava colocar nele o Chapéu Sem Cabeça, e alcançou a paz e o frescor da escada de pedra para o dormitório dos meninos. Sentiu-se novamente mal, como no dia em que tivera a visão da cobra, mas achou que se pudesse deitar um pouco melhoraria.
Abriu a porta do dormitório e dera apenas um passo para dentro quando sentiu uma dor tão forte que parecia que alguém cortara fora o topo de sua cabeça. Não sabia onde estava, se em pé ou deitado, nem sequer sabia o próprio nome.
Uma gargalhada maníaca ecoava em seus ouvidos... fazia muito tempo que ele não se sentia tão feliz... jubiloso, extático, triunfante... uma coisa muito maravilhosa acontecera...
— Harry? HARRY!
Alguém lhe dava tapas no rosto.
A gargalhada demente foi pontuada com um grito de dor. A felicidade estava se esvaindo, mas a gargalhada continuava...
Ele abriu os olhos e, ao fazê-lo, tomou consciência de que a gargalhada alucinada saía de sua própria boca. No instante em que percebeu isso, ela cessou. Harry estava caído no chão, arquejante, olhando para o teto, sua cicatriz latejando barbaramente. Rony se curvava para ele, parecendo muito preocupado.
— Que aconteceu? — perguntou.
— Eu... não sei... — ofegou Harry, sentando-se — Ele está realmente feliz... realmente feliz...
— Você-Sabe-Quem?
— Alguma coisa boa aconteceu — balbuciou Harry. E tremia tanto quanto depois de ver a cobra atacar o Sr. Weasley, além de sentir-se muito enjoado — Alguma coisa que ele esperava que acontecesse.
As palavras foram saindo de sua boca, exatamente como acontecera no vestiário da Grifinória, como se um estranho falasse através dele, contudo Harry sabia que eram verdadeiras. Ele inspirou profundamente várias vezes, desejando não vomitar em cima de Rony. Ficou satisfeito que desta vez Dino e Simas não estivessem ali para presenciar.
— Hermione me mandou vir ver como você estava — disse Rony em voz baixa, ajudando o amigo a se levantar — Diz que suas defesas deviam estar muito baixas neste momento, depois do Snape ter mexido com a sua mente... ainda assim, suponho que vá ser útil a longo prazo, não?
Ele olhou para Harry com ar de dúvida enquanto o ajudava a alcançar a cama.
Harry concordou com um aceno de cabeça, sem convicção, e se largou sobre os travesseiros, o corpo doendo por ter caído tantas vezes naquela noite, sua cicatriz ainda formigando dolorosamente. Não pôde deixar de sentir que a sua primeira incursão em Oclumência enfraquecera a resistência de sua mente, ao invés de fortalecê-la, e se perguntou, extremamente agitado, o que deixara Lorde Voldemort na maior felicidade dos últimos catorze anos.







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