domingo, 22 de abril de 2012

Harry Potter e a Câmara Secreta - Capítulo 10







— CAPÍTULO DEZ —
O Balaço Errante



DESDE O DESASTROSO EPISÓDIO com os diabretes, o Prof. Lockhart não trouxera mais seres vivos para a aula. Em vez disso, lia trechos dos seus livros para os alunos, e, por vezes, dramatizava algumas passagens mais pitorescas. Em geral ele escolhia Harry para ajudá-lo nessas dramatizações. Até aquele momento o garoto fora obrigado a representar um camponês simplório da Transilvânia, de quem Lockhart curara um feitiço de gagueira, um Iéti com um resfriado na cabeça e um vampiro que se tornara incapaz de comer outra coisa a não ser alface, depois que Lockhart dera um jeito nele.
Harry foi chamado à frente da classe na aula seguinte de Defesa Contra as Artes das Trevas, desta vez para representar um lobisomem. Se não tivesse uma boa razão para deixar Lockhart de bom humor, ele teria se recusado.
— Um belo uivo, Harry, exato, e então, queiram acreditar, eu saltei sobre ele, assim, joguei-o contra a porta, assim, consegui contê-lo com uma das mãos, com a outra apontei a varinha para o pescoço dele, e então reuni toda a força que me restava e lancei o Feitiço Homorfo, muitíssimo complicado, e ele soltou um gemido de dar pena... vamos, Harry mais alto, bom, o pêlo dele desapareceu, as presas encurtaram, e ele voltou a virar homem. Simples, mas eficiente, e mais uma aldeia que se lembrará de mim para sempre como o herói que os salvou do terror dos ataques de lobisomem.
A sineta tocou e Lockhart ficou em pé.
— Dever de casa... compor um poema sobre a minha vitória sobre o lobisomem de Wagga Wagga! Exemplares autografados de O Meu Eu Mágico para o autor do melhor trabalho!
Os alunos começaram a sair.
Harry voltou ao fundo da sala, onde Rony e Mione esperavam.
— Prontos? — murmurou Harry.
— Espere até todos saírem — pediu Mione nervosa — Certo...
Ela se aproximou da mesa de Lockhart, um papelzinho seguro firmemente na mão, Harry e Rony logo atrás.
— Ah... Prof. Lockhart? — gaguejou Mione — Eu queria... retirar este livro da biblioteca. Só para ter uma idéia geral do assunto — ela estendeu o papelzinho, a mão ligeiramente trêmula — Mas o problema é que ele é guardado na Seção Reservada da Biblioteca, então preciso que um professor autorize, tenho certeza de que o livro me ajudaria a entender o que o senhor diz em Como se Divertir com Vampiros sobre os venenos de ação retardada...
— Ah, Como se Divertir com Vampiros!— exclamou Lockhart apanhando o papelzinho de Hermione e lhe dando um grande sorriso — Possivelmente é o livro de que mais gosto. Você gostou?
— Gostei — disse Hermione depressa — Muito esperto o modo com que o senhor apanhou aquele último, com o coador de chá...
— Bem, tenho certeza de que ninguém vai se importar que eu dê à melhor aluna do ano uma ajudinha extra — disse Lockhart calorosamente, e puxou uma enorme pena de pavão — Bonita, não é? — disse ele, interpretando mal a expressão de indignação no rosto de Rony — Em geral eu a uso para autografar livros.
Ele rabiscou uma enorme assinatura cheia de floreios no papel e devolveu-o a Hermione.
— Então, Harry — disse Lockhart, enquanto Hermione dobrava o papel com dedos nervosos e o guardava na mochila — Creio que amanhã é a primeira partida de Quadribol da temporada. Grifinória contra Sonserina, não é? Ouvi dizer que você é um jogador muito útil. Eu também fui apanhador. Convidaram-me para tentar a seleção nacional, mas preferi dedicar minha vida à erradicação das Forças das Trevas. Ainda assim, se algum dia você achar que precisa de um treino pessoal, não hesite em me pedir. Fico sempre feliz de passar minha experiência a jogadores menos capazes...
Harry fez um barulhinho discreto na garganta e saiu correndo atrás de Rony e Hermione.
— Eu não acredito — disse ele quando os três examinaram a assinatura no papel — Ele nem olhou o nome do livro que queríamos.
— É porque ele é um panaca desmiolado — disse Rony — Mas quem se importa, temos o que precisávamos...
— Ele não é um panaca desmiolado — disse Hermione em voz alta quando se dirigiam quase correndo à biblioteca.
— Só porque ele disse que você é a melhor aluna do ano...
Eles baixaram a voz ao entrar na quietude abafada da Biblioteca.
Madame Pince, a bibliotecária, era uma mulher magra e irritável que parecia um urubu subnutrido.
Pociones Muy Potentes? — repetiu ela desconfiada, tentando tirar a autorização da mão de Hermione; mas a garota não deixou.
— Eu pensei que talvez pudesse guardar a autorização — disse Hermione ofegante.
— Ah, qual é? — protestou Rony, arrancando a autorização da mão dela e entregando-a a Madame Pince — Nós lhe arranjamos outro autógrafo. Lockhart assina qualquer coisa que fique parada tempo suficiente.
Madame Pince ergueu o papel contra a luz, como se estivesse decidida a descobrir uma falsificação, mas a autorização passou no teste. Ela desapareceu silenciosamente entre as estantes altas e voltou vários minutos depois trazendo um livro grande de aparência mofada.
Hermione guardou-o cuidadosamente na mochila e os três foram embora, procurando não andar demasiado rápido nem parecer muito culpados.
Cinco minutos depois, estavam barricados mais uma vez no banheiro interditado da Murta Que Geme. Hermione tinha vencido as objeções de Rony lembrando que seria o último lugar em que alguém sensato iria, e com isso garantiram alguma privacidade. Murta Que Geme chorava alto no seu boxe, mas eles não lhe prestavam atenção, nem a fantasma aos garotos.
Hermione abriu o Pociones Muy Potentes com cuidado, e os três se debruçaram sobre as páginas manchadas de umidade. Era claro, ao primeiro olhar, a razão por que o livro pertencia à Seção Reservada. Algumas das poções produziam efeitos medonhos demais só de se imaginar, e havia algumas ilustrações muito impressionantes, que incluíam um homem que parecia ter virado do avesso e uma bruxa com vários pares de braço que saíam da cabeça.
— Aqui — exclamou, excitada, ao encontrar a página intitulada “A Poção Polissuco”. Estava decorada com desenhos de pessoas a meio caminho de se transformarem em outras.
Harry sinceramente desejou que as expressões de dor intensa em seus rostos fossem imaginação do artista.
— Esta é a poção mais complicada que já vi — disse Hermione quando examinavam a receita — Hemeróbios, sanguessugas, descutainia e sanguinária — murmurou ela, correndo o dedo pela lista de ingredientes — Bem, esses são bem fáceis, estão no armário dos alunos, podemos tirar o que precisarmos... ah, olhem só isso, pó de chifre de bicórnio, não sei onde vamos arranjar isso... pele de ararambóia picada, essa vai ser uma fria também... e, é claro, um pedacinho da pessoa em quem quisermos nos transformar.
— Dá para repetir isso? — pediu Rony ríspido — Que é que você quer dizer com um pedacinho da pessoa em quem quisermos nos transformar? Não vou tomar nada que tenha unhas do pé de Crabbe dentro...
Hermione continuou como se não tivesse ouvido o amigo.
— Ainda não temos que nos preocupar com isso, porque os pedacinhos só entram no fim...
Rony virou-se, sem fala, para Harry, que tinha outra preocupação.
— Você percebe quanta coisa vamos ter que roubar, Mione? Pele de ararambóia picada, decididamente não está no armário dos alunos. Que vamos fazer, assaltar o estoque particular de Snape? Não sei se é uma boa ideia...
Hermione fechou o livro com força.
— Bem, se vocês dois vão amarelar, ótimo — seu rosto se malhara de vermelho vivo e os olhos cintilavam mais do que o normal — Eu não quero desrespeitar o regulamento, vocês sabem muito bem. Acho que ameaçar gente que nasceu trouxa é muito mais sério do que preparar uma poção difícil. Mas se vocês não querem descobrir se é o Draco, eu vou direto à Madame Pince agora mesmo e devolvo o livro, e...
— Eu nunca pensei que veria o dia em que você nos convenceria a desrespeitar o regulamento — disse Rony — Muito bem, nós topamos. Mas unhas dos pés não, está bem?
— E quanto tempo vai levar para preparar a poção? — perguntou Harry, de cara feliz, quando Hermione reabriu o livro.
— Bom, uma vez que a descutainia tem que ser colhida na lua cheia e os hemeróbios precisam cozinhar durante vinte e um dias... eu diria que vai levar mais ou menos um mês para ficar pronta, se conseguirmos todos os ingredientes.
— Um mês? — exclamou Rony — Até lá, Draco poderia atacar metade dos nascidos trouxas na escola!
Mas os olhos de Hermione tornaram a se estreitar perigosamente e ela acrescentou depressa:
— Mas é o melhor plano que temos, portanto, vamos tocar para frente a todo vapor!
No entanto, quando Hermione foi verificar se a barra estava limpa para eles saírem do banheiro, Rony cochichou para Harry:
— Daria muito menos trabalho se você simplesmente derrubasse Draco da vassoura amanhã.

* * *

Harry acordou cedo no Sábado e continuou deitado por algum tempo, pensando na partida de Quadribol que se aproximava. Estava nervoso, principalmente quando pensava no que Wood diria se a Grifinória perdesse, mas também com a ideia de enfrentar um time montado nas vassouras de corrida mais velozes que o ouro podia comprar. Nunca tivera tanta vontade de vencer a Sonserina. Depois de passar meia hora deitado ali com as tripas dando nós, ele se levantou, se vestiu e desceu logo para tomar café e já encontrou o resto dos jogadores da Grifinória sentados juntos à mesa comprida e vazia, todos parecendo nervosos e falando muito pouco.
Á medida que às onze horas se aproximaram, a escola inteira começou a tomar o caminho do estádio de Quadribol. Fazia um dia mormacento com sinais de trovoada no ar. Rony e Hermione vieram correndo desejar a Harry boa sorte quando ele ia entrando no vestiário.
O time vestiu os uniformes vermelhos da Grifinória e depois se sentou para ouvir a preleção que Wood sempre fazia antes do jogo.
— Hoje, Sonserina tem vassouras melhores que nós — começou ele — Não adianta negar. Mas nós temos jogadores melhores nas nossas vassouras. Treinamos com maior garra do que eles, estivemos no ar fosse qual fosse o tempo... (“Quem duvida”, murmurou Jorge Weasley, “Não sei o que é estar seco desde Agosto”)... E vamos fazer com que eles se arrependam do dia em que deixaram aquele trapaceiro do Draco pagar para entrar no time.
O peito arfando de emoção, Wood virou-se para Harry.
— Vai depender de você, Harry, mostrar a eles que um apanhador tem que ter mais do que um pai rico. Chegue ao Pomo antes de Draco ou morra tentando, porque temos que vencer hoje, é muito simples.
— Por isso nada de pressioná-lo, Harry — disse Fred piscando o olho.
Quando entraram no campo, foram saudados por um vozerio, muitos vivas, porque a Corvinal e a Lufa-Lufa estavam ansiosas para ver a Sonserina derrotada, mas os alunos da Sonserina nas arquibancadas vaiaram e assobiaram, também.
Madame Hooch, a professora de Quadribol, mandou Flint e Wood se apertarem as mãos, o que eles fizeram, lançando um ao outro olhares ameaçadores e pondo mais força no aperto que era necessário.
— Quando eu apitar — disse Madame Hooch — Três... dois... um...
Com um rugido de incentivo das arquibancadas, os catorze jogadores subiram em direção ao céu carregado. Harry foi mais alto do que qualquer outro, apertando os olhos à procura do Pomo.
— Tudo bem aí, ó Cicatriz? — berrou Draco, passando por baixo dele como se quisesse mostrar a velocidade de sua vassoura.
Harry não teve tempo de responder. Naquele mesmo instante, um pesado balaço negro veio voando a toda em sua direção, ele o evitou por tão pouco que sentiu o balaço arrepiar seus cabelos ao passar.
— Esse foi por um triz, Harry! — disse Jorge, emparelhando com ele de bastão na mão, pronto para rebater o balaço para os lados de um jogador da Sonserina.
Harry viu Jorge dar uma forte bastonada na direção de Adriano Pucey, mas o balaço mudou de rumo em pleno ar e tornou a voar direto para Harry.
O garoto mergulhou depressa para evitá-lo, e Jorge conseguiu atingir o balaço com força na direção de Draco. Mais uma vez, o balaço voltou como um bumerangue e disparou contra a cabeça de Harry.
Harry imprimiu velocidade à vassoura e voou para o outro extremo do campo. Ouvia o assobio do balaço vindo em seu encalço. Que estava acontecendo? Os balaços nunca se concentravam em um único jogador; sua função era tentar desmontar o maior número possível de jogadores...
Fred Weasley aguardava o balaço no outro extremo. Harry se abaixou quando Fred rebateu o balaço com toda força, desviando-o de curso.
— Peguei você! — berrou Fred alegremente, mas estava enganado. Como se estivesse magneticamente atraído para Harry, o balaço saiu atrás dele outra vez, e o garoto foi forçado a voar a toda velocidade.
Começara a chover; Harry sentiu grossos pingos de chuva caírem em seu rosto, molhando seus óculos. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo no jogo até ouvir Lino Jordan, locutor da partida, dizer: “Sonserina na liderança, sessenta a zero...”. As vassouras superiores da Sonserina obviamente estavam dando conta do recado, enquanto o balaço furioso estava fazendo o possível para tirar Harry do ar.
Fred e Jorge agora voavam tão junto dele, um de cada lado, que Harry não via nada exceto braços se agitando no ar e não tinha chance de procurar o Pomo, muito menos de apanhá-lo.
— Alguém... alterou... esse... balaço... — rosnou Fred, brandindo o bastão com toda força quando o balaço desfechou um novo ataque contra Harry.
— Precisamos de tempo — disse Jorge, tentando simultaneamente fazer sinal a Wood e impedir o balaço de quebrar o nariz de Harry.
Wood obviamente entendera o sinal.
O apito de Madame Hooch soou e Harry, Fred e Jorge mergulharam até o chão, ainda tentando evitar o balaço maluco.
— Que está acontecendo? — perguntou Wood quando o time da Grifinória se reuniu à sua volta ao som das vaias da Sonserina — Estamos sendo arrasados. Fred, Jorge, onde é que vocês estavam quando aquele balaço impediu Angelina de fazer gol?
— Estávamos seis metros acima dela, impedindo outro balaço de matar Harry, Olívio — respondeu Jorge aborrecido — Alguém alterou aquele balaço, ele não deixa o Harry em paz. E não tentou pegar mais ninguém o tempo todo. O pessoal da Sonserina deve ter feito alguma coisa com ele.
— Mas os balaços estiveram trancados na sala de Madame Hooch desde o nosso último treino, e não havia nada errado com eles... — disse Wood, ansioso.
Madame Hooch veio andando em direção ao grupo. Por cima do ombro Harry viu o time da Sonserina caçoando e apontando para ele.
— Escutem — disse Harry ao vê-la chegar cada vez mais perto — Com vocês dois voando em volta de mim o tempo todo o único jeito de apanhar aquele Pomo é ele entrar voando na minha manga. Se juntem ao resto do time e deixem que eu cuido do balaço errante.
— Não seja burro — disse Fred — Ele vai arrancar sua cabeça.
Wood olhava de Harry para os Weasley.
— Olívio, isso é loucura — disse Alicia Spinnet zangada — Você não pode deixar o Harry enfrentar aquela coisa sozinho. Vamos pedir uma investigação...
— Se pararmos agora, perderemos a partida! — disse Harry — E não vamos perder para a Sonserina só por causa de um balaço maluco! Anda, Olívio, diz para eles me deixarem em paz!
— Isto é tudo culpa sua — disse Jorge furioso com Wood — “Apanhe o Pomo ou morra tentando”, que coisa idiota para dizer a ele...
Madame Hooch se reunira aos jogadores.
— Estão prontos para recomeçar a partida? — perguntou a Wood.
Wood olhou para a expressão decidida no rosto de Harry.
— Muito bem. Fred, Jorge, vocês ouviram o que Harry disse, deixem-no em paz e deixem que ele cuide do balaço sozinho.
A chuva caía mais pesada agora.
Ao apito de Madame Hooch, Harry deu um forte impulso para o alto e ouviu o assobio que indicava que o balaço vinha atrás dele.
Ganhou cada vez mais altura; fez loops e subiu, espiralou, ziguezagueou e balançou. Mesmo ligeiramente tonto, mantinha os olhos bem abertos, a chuva molhando seus óculos e entrando por suas narinas quando ele voava de barriga para cima, evitando outro mergulho furioso do balaço. Ele ouvia as risadas do público; sabia que devia estar parecendo muito idiota, mas o balaço errante era pesado e não podia mudar de direção tão rápido quanto Harry. O garoto começou a voar pela orla do estádio como se estivesse em uma montanha-russa, procurando ver as balizas da Grifinória através da cortina prateada de chuva. Adrian Pucey tentava ultrapassar Wood...
Um assobio no ouvido de Harry lhe disse que o balaço deixara de acertá-lo por pouco outra vez; ele imediatamente deu meia-volta e disparou na direção oposta.
— Está treinando para fazer balé, Potter? — berrou Draco quando Harry foi obrigado a dar uma volta ridícula em pleno ar para evitar o balaço e fugir, o balaço rastreando-o a pouco mais de um metro; e então, virando-se para olhar Draco cheio de ódio ele viu...
O Pomo de Ouro. Pairava poucos centímetros acima da orelha esquerda de Draco, e o garoto, ocupado em rir-se de Harry, não o vira.
Por um momento de agonia, Harry imobilizou-se no ar, sem ousar voar na direção de Draco, com medo de que ele olhasse para cima e visse o pomo.
BAM.
Permanecera parado um segundo a mais. O balaço finalmente atingi-o, bateu no seu cotovelo e Harry sentiu o braço rachar. Sem enxergar direito, atordoado pela terrível dor no braço, escorregou para um lado da vassoura encharcada, um joelho ainda enganchando-a por baixo, o braço direito pendurado inútil... o balaço retornava a toda para um segundo ataque, desta vez mirando o seu rosto, Harry desviou-se, uma idéia alojada com firmeza no cérebro entorpecido: chegar até Draco.
Através da névoa de chuva e dor, ele mergulhou em direção à cara debochada abaixo dele e viu os olhos de Draco se arregalarem de medo. O garoto achou que Harry ia atacá-lo.
— Que di... — exclamou, inclinando-se para longe de Harry.
Harry tirou a mão boa da vassoura e tentou agarrar o pomo às cegas; sentiu os dedos se fecharem sobre a bola fria, mas agora só estava preso à vassoura pelas pernas, e ouviu-se um urro das arquibancadas quando ele rumou direto para o chão, tentando por tudo não desmaiar. Ele bateu no chão, levantando lama, e rolou para o lado para desmontar da vassoura.
Seu braço estava pendurado num ângulo muito estranho, varado de dor, ele ouviu, como se fosse à grande distância, muitos assobios e gritos. Focalizou o Pomo seguro na mão boa.
— Aha — disse vagamente — Ganhamos.
E desmaiou. Voltou a si, a chuva batendo no rosto, ainda deitado no campo, com alguém debruçado sobre ele. Viu um brilho de dentes.
— Ah, o senhor, não — gemeu.
— Ele não sabe o que está dizendo — falou Lockhart em voz alta para o ajuntamento de alunos da Grifinória que cercavam ansiosos os dois — Não se preocupe Harry. Já vou endireitar o seu braço.
— Não! — exclamou Harry — Vou ficar com ele assim, obrigado...
O garoto tentou se sentar, mas a dor foi terrível. Ele ouviu um clique conhecido ali por perto.
— Não quero uma foto deste momento, Colin — disse em voz alta.
— Deite-se, Harry — mandou Lockhart acalmando-o — É um feitiço muito simples que já usei muitíssimas vezes...
— Por que não posso simplesmente ir para a Ala Hospitalar? — disse Harry com os dentes cerrados.
— Ele devia mesmo, professor — disse um enlameado Wood, que não pôde deixar de sorrir mesmo com o seu apanhador machucado — Grande captura, Harry, realmente espetacular, a melhor que já fez, eu diria...
Por entre a floresta de pernas à sua volta, Harry viu Fred e Jorge Weasley, lutando para enfiar o balaço errante numa caixa. A bola continuava a resistir ferozmente.
— Afastem-se — pediu Lockhart, enrolando as mangas de suas vestes verde-jade.
— Não... não faça isso... — disse Harry com a voz fraca, mas Lockhart agitava a varinha e um segundo depois apontou-a diretamente para o braço de Harry.
Uma sensação estranha e desagradável surgiu no ombro de Harry e se espalhou até a ponta dos dedos da mão. Era como se o braço estivesse se esvaziando. Ele nem se atreveu a verificar o que estava acontecendo. Fechara os olhos, virara o rosto para longe do braço, mas os seus piores temores se confirmaram, as pessoas em volta exclamaram e Colin Creevey começou a fotografar furiosamente. Seu braço não doía mais... e nem de longe se parecia com um braço.
— Ah — disse Lockhart — É, às vezes isso pode acontecer. Mas o importante é que os ossos não estão mais fraturados. Isto é o que se precisa ter em mente. Então, Harry, vá, dê uma chegada na Ala Hospitalar, ah, Sr. Weasley, Srta. Granger, podem acompanhá-lo? E Madame Pomfrey poderá... hum... dar um jeito nisso.
Quando Harry se levantou, sentiu-se estranhamente inclinado para um lado. Tomando fôlego, olhou para baixo, para o braço direito. O que ele viu quase o fez desmaiar de novo. Pela manga das vestes saía uma coisa que lembrava uma grossa luva de borracha cor de pele. Ele tentou mexer os dedos. Nada aconteceu.
Lockhart não emendara os ossos de Harry. Ele os removera.
Madame Pomfrey não ficou nada satisfeita.
— Você deveria ter vindo me procurar diretamente! — dizia furiosa, erguendo a lamentável sobra do que fora, meia hora antes, um braço útil — Posso emendar ossos num segundo, mas fazê-los crescer outra vez...
— A senhora vai conseguir, não é? — perguntou Harry desesperado.
— Claro que vou, mas vai ser doloroso — disse Madame Pomfrey sombriamente, atirando um pijama para Harry — Você vai ter que passar a noite...
Hermione esperava do outro lado da cortina que fora fechada em torno da cama de Harry, enquanto Rony o ajudava a vestir o pijama. Levou algum tempo para enfiar na manga o braço mole e sem ossos.
— Como é que você consegue defender o Lockhart agora, Hermione, hein? — Rony perguntou através da cortina enquanto puxava os dedos inertes de Harry pelo punho da manga — Se Harry quisesse ser desossado ele teria pedido.
— Qualquer um pode se enganar — respondeu Hermione — E não está doendo mais, está Harry?
— Não — disse Harry, entrando na cama — Mas também não faz mais nada.
Quando ele se deitou, o braço balançou molemente.
Hermione e Madame Pomfrey deram a volta à cortina.
Madame Pomfrey vinha segurando um garrafão de alguma coisa rotulada Esquelesce.
— Você vai enfrentar uma noite difícil — disse, servindo um copo grande de boca larga e fumegante e entregando-o a Harry — Fazer ossos crescerem de novo é uma coisa complicada. E tomar Esquelesce, também.
O liquido queimou a boca e a garganta de Harry e desceu, fazendo-o tossir e cuspir.
Ainda lamentando os esportes perigosos e os professores ineptos, Madame Pomfrey se retirou, deixando Rony e Hermione ajudarem Harry a engolir um pouco de água.
— Mas ganhamos — disse Rony, um grande sorriso se abrindo no rosto — Foi uma captura e tanto a que você fez. A cara do Malfoy... ele parecia que ia matar alguém...
— Eu queria saber como foi que ele alterou aquele balaço — disse Hermione sombriamente.
— Podemos acrescentar mais esta à lista de perguntas que vamos fazer a ele quando tomarmos a Poção Polissuco — disse Harry deixando-se afundar nos travesseiros — Espero que tenha um gosto melhor do que esta coisa...
— Com pedacinhos de alunos da Sonserina dentro? Você deve estar brincando — disse Rony.
A porta do hospital se escancarou naquele momento. Imundos e encharcados, os demais jogadores da Grifinória chegaram para ver Harry.
— Incrível aquele voo, Harry — disse Jorge — Acabei de ver Marcos Flint berrando com Draco. Estava falando alguma coisa sobre ter o Pomo sobre a cabeça e nem notar. Draco não parecia muito feliz.
Os jogadores tinham trazido bolos, doces e garrafas de suco de abóbora que arrumaram em volta da cama de Harry e davam início ao que prometia ser uma festança, quando Madame Pomfrey apareceu como um tufão, gritando:
— Esse menino precisa de descanso, precisa fazer crescer trinta e três ossos! Fora!  FORA!
E Harry foi deixado sozinho, sem nada para distraí-lo da dor horrível no braço inerte.

* * *

Muitas horas depois, Harry acordou de repente numa escuridão de breu e deu um ligeiro ganido de dor: o braço agora parecia cheio de grandes lascas. Por um segundo ele pensou que fora isso que o acordara. Então, com um choque de terror, percebeu que alguém estava passando uma esponja em sua testa.
— Fora daqui! — gritou ele alto e em seguida — Dobby!
Os olhos arregalados, parecendo bolas de tênis, do elfo doméstico espiavam Harry na escuridão. Uma lágrima solitária escorria pelo seu nariz longo e fino.
— Harry Potter voltou para a escola — murmurou ele infeliz — Dobby avisou e tornou a avisar Harry Potter. Ah, meu senhor, por que não prestou atenção em Dobby? Por que Harry Potter não voltou para casa quando perdeu o trem?
Harry se ergueu, apoiando-se nos travesseiros e empurrou para longe a esponja de Dobby.
— Que é que você está fazendo aqui? — perguntou — E como sabe que perdi o trem?
O lábio de Dobby tremeu, e Harry foi assaltado por uma repentina suspeita.
— Foi você! — disse lentamente — Você impediu a barreira de nos deixar passar!
— Com certeza, meu senhor — Dobby confirmou vigorosamente com a cabeça, as orelhas abanando — Dobby se escondeu e esperou Harry Potter e selou o portão, e Dobby teve que passar as mãos a ferro depois — mostrou a Harry os dez dedos compridos enfaixados — Mas Dobby não se importou, meu senhor, porque pensou que Harry Potter estava seguro, e Dobby nunca sonhou que Harry Potter fosse chegar a escola por outro meio!
O elfo se balançava para frente e para trás, sacudindo a cabeça feia.
— Dobby ficou tão chocado quando soube que Harry Potter tinha voltado a Hogwarts que deixou o jantar do seu dono queimar! Dobby nunca foi tão açoitado, meu senhor...
Harry afundou de volta nos travesseiros.
— Você quase fez com que Rony e eu fôssemos expulsos — disse furioso — É melhor desaparecer antes que os meus ossos voltem, Dobby, ou eu ainda estrangulo você.
Dobby deu um leve sorriso.
— Dobby está acostumado com ameaças de morte, meu senhor. Em casa, Dobby as recebe cinco vezes por dia.
O elfo assoou o nariz numa ponta da fronha imunda que usava, parecendo tão patético, que Harry sentiu a raiva se esvair contra a sua vontade.
— Por que você usa isso, Dobby? — perguntou curioso.
— Isso, meu senhor? — disse Dobby, puxando a fronha — Isto é a marca de escravidão do elfo doméstico, meu senhor. Dobby só pode ser libertado se seus donos o presentearem com roupas, meu senhor. A família toma cuidado para não passar a Dobby nem mesmo uma meia, meu senhor, se não ele fica livre para deixar a casa para sempre.
Dobby enxugou os olhos saltados e disse de repente:
— Harry Potter precisa ir para casa! Dobby achou que o balaço dele seria suficiente para fazer...
— O seu balaço? — disse Harry, a raiva tornando a subir-lhe a cabeça — Que é que você quer dizer com o seu balaço? Você fez aquele balaço tentar me matar?
— Não matar, meu senhor, nunca matá-lo! — disse Dobby, chocado — Dobby quer salvar a vida de Harry Potter! Melhor mandá-lo para casa, seriamente machucado, do que ficar aqui, meu senhor! Dobby só queria que Harry Potter se machucasse o bastante para ser mandado para casa!
— Só isso? — exclamou Harry furioso — Suponho que você não vai me contar por que queria me mandar para casa aos pedaços?
— Ah, se ao menos Harry Potter soubesse! — gemeu Dobby, mais lágrimas escorrendo pela fronha esfarrapada — Se ele soubesse o que significa para nós, para os humildes, para os escravizados, para nos escória do mundo mágico! Dobby se lembra de como era quando Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado estava no auge dos seus poderes, meu senhor! Nós, elfos domésticos, éramos tratados como vermes, meu senhor! É claro que Dobby ainda é tratado assim, meu senhor — admitiu, enxugando o rosto na fronha — Mas em geral, meu senhor, a vida melhorou para gente como eu desde que o senhor venceu Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Harry Potter sobreviveu, e o poder do Lorde das Trevas foi subjugado, e raiou uma nova alvorada, meu senhor, e Harry Potter brilhou como um farol de esperança para todos nós que achávamos que os dias de trevas nunca terminariam, meu senhor... e agora, em Hogwarts, coisas terríveis vão acontecer, talvez já estejam acontecendo, e Dobby não pode deixar Harry Potter ficar aqui, agora que a história vai se repetir, agora que a Câmara Secreta foi reaberta...
Dobby congelou, tomado de horror, e agarrou a jarra de água de Harry sobre a mesa de cabeceira e quebrou-a na própria cabeça, desaparecendo de vista. Um segundo depois, tornou a subir na cama, vesgo, murmurando:
— Dobby ruim, Dobby muito ruim.
— Então há uma Câmara Secreta! — sussurrou Harry — E... você está me dizendo que ela já foi aberta antes? Me conte, Dobby? — ele agarrou o elfo pelo pulso ossudo quando viu a mão dele tornar a se aproximar devagarinho da jarra de água — Mas eu não nasci trouxa, como posso estar ameaçado pela Câmara?
— Ah, meu senhor, não pergunte mais nada ao pobre Dobby — gaguejou o elfo, os olhos enormes na escuridão — Feitos tenebrosos estão sendo tramados em Hogwarts, mas Harry Potter não deve estar aqui quando acontecerem, vá para casa, Harry Potter, vá para casa. Harry Potter não deve se meter nisso, meu senhor, é perigoso demais...
— Quem é, Dobby? — perguntou Harry, mantendo o pulso de Dobby preso para impedi-lo de bater outra vez na cabeça com o jarro de água — Quem abriu a Câmara? Quem a abriu da outra vez?
— Dobby não pode, meu senhor, Dobby não pode, Dobby não deve falar! — guinchou o elfo — Vá para casa, Harry Potter, vá para casa!
— Eu não vou a lugar nenhum! — respondeu Harry com ferocidade — Uma das minhas melhores amigas nasceu trouxa, ela será a primeira da lista se a Câmara realmente foi aberta...
— Harry Potter arrisca a própria vida pelos amigos! — gemeu Dobby numa espécie de êxtase de infelicidade — Tão nobre! Tão valente! Mas ele precisa se salvar, deve, Harry Potter, não deve...
Dobby de repente congelou, suas orelhas de morcego estremeceram. Harry ouviu, também. Havia ruído de passos no corredor.
— Dobby tem que ir! — suspirou o elfo, aterrorizado.
Houve um estalo alto, e o punho de Harry subitamente não estava segurando mais nada. Ele tornou a afundar na cama, os olhos fixos no portal escuro da Ala Hospitalar enquanto os passos se aproximavam.
No momento seguinte, Dumbledore entrou de costas no dormitório, usando uma longa camisola de lã e uma touca de dormir. Carregava uma extremidade de alguma coisa que parecia uma estátua.
A Profª. McGonagall apareceu um segundo depois, carregando os pés. Juntos, eles depositaram a carga sobre uma cama.
— Chame Madame Pomfrey — sussurrou Dumbledore, e a Profª. McGonagall desapareceu rapidamente de vista, passando pelos pés da cama de Harry.
O garoto ficou deitado muito quieto, fingindo que dormia. Ouviu vozes urgentes e então a Profª. McGonagall reapareceu, seguida de perto por Madame Pomfrey, que vestia um casaquinho por cima da camisola. Ele ouviu alguém inspirar com força.
— Que aconteceu? — cochichou Madame Pomfrey para Dumbledore, debruçando-se sobre a estátua na cama.
— Mais um ataque — respondeu Dumbledore — Minerva encontrou-o na escada.
— Havia um cacho de uvas ao lado dele — disse a professora — Achamos que ele estava tentando chegar aqui escondido para visitar Potter.
O estômago de Harry deu um tremendo salto. Lenta e cuidadosamente, ele se ergueu alguns centímetros para poder ver a estátua na cama. Um raio de luar iluminava o rosto de expressão fixa.
Era Colin Creevey. Seus olhos estavam arregalados e, as mãos, erguidas diante dele, segurando a máquina fotográfica.
— Petrificado? — sussurrou Madame Pomfrey.
— Está — respondeu a Profª. McGonagall — Mas estremeço de pensar... se Alvo não estivesse descendo para tomar um chocolate quente... quem sabe o que poderia...
Os três contemplaram Colin.
Então Dumbledore se curvou e tirou a máquina fotográfica das mãos rígidas do menino.
— Você acha que ele conseguiu bater uma foto do atacante? — perguntou a professora, ansiosa.
Dumbledore não respondeu. Abriu a máquina.
— Meu Deus! — exclamou Madame Pomfrey.
Um jato de vapor saiu sibilando da máquina. Harry, a três camas de distância, sentiu o cheiro acre do plástico queimado.
— Derretidas — disse Madame Pomfrey pensativa — Todas derretidas...
— O que significa isto, Alvo? — perguntou pressurosa a Profª. McGonagall.
— Significa que de fato a Câmara Secreta foi reaberta.
Madame Pomfrey levou a mão à boca.
McGonagall arregalou os olhos para Dumbledore.
— Mas, Alvo... com certeza... quem?
— A pergunta não é quem — disse Dumbledore, com os olhos postos em Colin — A pergunta é, como...
E pelo que Harry pôde ver do rosto sombreado da Profª. McGonagall, ela não entendia muito mais que ele.









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