quinta-feira, 15 de março de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 32



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS


 ÚLTIMO CAPÍTULO

LIVRO
X



CAPÍTULO
32


A
 SANGRENTA VITÓRIA da Família Corleone só se tomou completa quando, após um ano de delicadas manobras políticas, Michael Corleone conseguiu firmar-se como o chefe da Família mais poderosa dos Estados Unidos. Durante doze meses, Michael dividiu seu tempo igualmente entre o seu quartel-general na alameda de Long Beach e o seu novo lar em Las Vegas. Mas no fim daquele ano resolveu encerrar as operações em Nova York e vender as casas e a propriedade da alameda. Para esse fim, levou toda a família para o leste para uma última visita. Ficariam lá um mês, liquidando os negócios, Kay cuidaria da embalagem e embarque dos objetos caseiros da família. Havia um milhão de outros pequenos detalhes.
Agora a Família Corleone estava absoluta, e Clemenza tinha a sua própria Família. Rocco Lampone era o caporegime dos Corleone. Em Nevada, Albert Neri era o chefe de todo o serviço de segurança dos hotéis controlados pela Família. Hagen, também, fazia parte da Família oriental de Michael.
O tempo ajudava a sarar as velhas feridas. Connie Corleone reconciliou-se com o irmão Michael. De fato, não mais do que uma semana depois de suas terríveis acusações, ela pediu desculpas a Michael pelo que dissera e garantiu a Kay que não havia qualquer verdade em suas palavras, que aquilo fora apenas um ataque de histeria de uma viúva jovem.
Connie Corleone achou facilmente um segundo marido; de fato, ela não esperou que se passasse o ano tradicional de respeito para partilhar a sua cama com um distinto rapaz que viera trabalhar na Família Corleone como secretário. Um jovem de uma boa família italiana formado por uma das melhores escolas de comércio da América.
Kay Adams Corleone proporcionou grande satisfação aos parentes afins, ao procurar instruir-se sobre a religião católica e converter-se a essa fé. Os seus dois meninos foram também, naturalmente, educados no catolicismo, como era de desejar. Michael pessoalmente, porém, não ficou muito contente. Ele preferia que os filhos fossem protestantes, isso era mais americano.
Para sua surpresa, Kay passou a gostar de viver em Nevada. Ela adorava o cenário, os montes e gargantas da rocha espalhafatosamente vermelha, os desertos escaldantes, os inesperados e venturosamente refrescantes lagos, e até o calor. Os dois meninos montavam em seus próprios pôneis. Ela tinha criados verdadeiros, não guarda-costas. E Michael levava uma vida mais normal. Possuía um negócio de construção; pertencia aos clubes dos homens de negócios e aos comitês cívicos; tinha um sadio interesse pela política local, sem interferir publicamente. Era uma vida boa. Kay sentia-se feliz porque estavam acabando com a casa de Nova York e passariam a morar definitivamente em Las Vegas. Ela detestava voltar a Nova York. E assim, nessa última viagem, ela providenciara toda a embalagem e embarque dos objetos caseiros com a máxima eficiência e rapidez, e agora no último dia sentia a mesma premência de partir que sentem os pacientes que recebem alta depois de passar um longo período no hospital.
Nesse último dia, Kay Adams Corleone acordou muito cedo. Ouvia o ronco dos motores dos caminhões fora da alameda. Os caminhões que esvaziariam todas as casas, levando toda a mobília. A Família Corleone voltaria de avião para Las Vegas de tarde, inclusive a Sra. Corleone.
Quando Kay saiu do banheiro, Michael estava sentado na cama com a cabeça apoiada no travesseiro fumando um cigarro.
— Por que diabo você tem de ir à igreja toda manhã? — perguntou ele — Não digo aos domingos, mas por que diabo durante a semana? Você é tão má quanto minha mãe.
Ele estendeu a mão no escuro e acendeu a lâmpada da mesinha-de-cabeceira.
Kay sentou-se na beira da cama para calçar as meias.
— Você sabe como são os católicos convertidos — respondeu ela — Levam a coisa muito a sério.
Michael estendeu a mão para pegar na coxa dela, na pele quente onde terminava a extremidade superior de sua meia de nylon.
— Não faça isso — pediu ela — Vou fazer comunhão.
Ele não procurou segurá-la, quando ela se levantou da cama. Michael perguntou então com um leve sorriso nos lábios:
— Se você é uma católica tão fervorosa, por que é que deixa os meninos se esquivarem tanto de ir à igreja?
Ela não gostou da pergunta, mas foi bastante cautelosa. Ele a estava estudando com o que ela pensava ser o olho “do Don”.
— Eles têm bastante tempo — respondeu ela — Quando voltarmos para casa, eu os farei freqüentar mais.
Kay deu-lhe um beijo de despedida antes de partir. Fora da casa, o ar já estava esquentando. O sol de verão levantando-se no nascente era vermelho. Kay andou até onde o seu carro estava estacionado perto dos portões da alameda. A Sra. Corleone, trajando o seu vestido preto de viúva, já estava sentada no carro, esperando por ela. Tornara-se uma verdadeira rotina a missa todas as manhãs, juntas.
Kay beijou a face enrugada da sogra, depois sentou-se atrás do volante. A sra. Corleone perguntou, desconfiada:
— Você tomou o seu desjejum?
— Não — respondeu Kay.
A Sra. Corleone acenou com a cabeça, aprovando. Kay uma vez se esquecera de que era proibido ingerir qualquer alimento a partir da meia-noite antes de receber a santa comunhão. Isso fora há muito tempo, mas a sra. Corleone nunca mais confiara nela depois disso e sempre pedia confirmação.
— Você se sente bem? — perguntou a sra. Corleone.
— Sinto-me — respondeu Kay.
A igreja era pequena e estava deserta à luz do sol matinal. Seus vitrais protegiam o interior contra o calor; era fresco ali, um lugar de descanso. Kay ajudou a sogra a subir os degraus de pedra branca e deixou-a ir na frente. A velha senhora preferia um banco lá na frente, perto do altar. Kay esperou na escadaria durante um minuto. Sempre se sentia relutante nesse último momento, sempre se sentia um pouco temerosa.
Finalmente, entrou na escuridão fresca da igreja. Molhou as pontas dos dedos na água benta e fez o sinal-da-cruz, tocando ligeiramente com os dedos úmidos seus lábios ressequidos. Velas tremulavam, com uma luz vermelha diante das imagens dos santos, com o Cristo na cruz. Kay fez uma genuflexão antes de entrar na sua fileira, depois ajoelhou-s na grade de madeira dura do banco para esperar que fosse chamada para a comunhão. Baixou a cabeça como se estivesse rezando, mas não estava exatamente pronta para isso.
Era apenas ali, na penumbra da igreja, que ela se permitia pensar na outra vida do marido. Naquela terrível noite, há um ano passado, ele premeditadamente usara a confiança e o amor que um tinha pelo outro para fazê-la acreditar na mentira de que ele não matara o marido da irmã.
Kay o deixara por causa daquela mentira, não por causa do ato em si. Na manhã seguinte, ela levara os filhos para a casa dos pais em New Hampshire. Sem dizer uma palavra a ninguém, sem saber realmente que atitude iria tomar. Michael compreendera imediatamente. Telefonara-lhe no primeiro dia, e depois deixara-a em paz. Uma semana depois, a limusine de Nova York parou em frente à casa dela, trazendo Tom Hagen.
Kay passou uma longa e terrível tarde com Tom Hagen, a tarde mais terrível de toda a sua vida. Foram dar uma volta nos bosques fora de sua cidadezinha, e Hagen não foi nada gentil.
Ela cometeu o erro de tentar ser cruelmente petulante, um papel que não lhe assentava bem.
— Será que Mike mandou você aqui para me ameaçar? — perguntou ela — Eu esperava ver alguns dos “rapazes” saltarem do carro com suas metralhadoras para me fazer voltar.
Pela primeira vez desde que o conhecia, ela viu Hagen zangado. Ele respondeu asperamente:
— Isso foi a bobagem mais infantil que já ouvi na minha vida, Não esperava isso de uma mulher como você. Vamos, Kay.
— Está bem — disse ela.
Eles caminhavam pela estrada de campo verde.
Hagen perguntou calmamente:
— Por que você fugiu?
— Porque Michael mentiu para mim — respondeu Kay — Porque me fez de boba, quando serviu de padrinho para o filho de Connie. Ele me traiu. Não posso amar um homem como ele. Não posso deixar que ele seja o pai de me filhos.
— Não sei de que você está falando — retrucou Hagen.
Ela virou-se para ele com uma fúria agora justificada.
— Quero dizer que ele matou o marido da irmã. Você compreende isto? — fez uma pausa e arrematou — E ele mentiu para mim!
Continuaram a andar por um longo tempo em silêncio. Finalmente Hagen falou:
— Você não tem meios de saber realmente se tudo isso é verdade. Mas, apenas como argumento, vamos admitir que seja verdade. Não estou dizendo que seja, lembre-se. Mas e se eu lhe desse o que poderia ser uma justificação para o que ele fez? Ou, antes, algumas justificações possíveis?
Kay olhou para ele desdenhosamente.
— É a primeira vez que vejo o seu lado de advogado, Tom. Não é o seu melhor lado.
Hagen arreganhou os dentes.
— Está bem. Mas quero que você me ouça. E se Carlo pôs Sonny na alça de mira, se deu a sua pista? Se Carlo bateu em Connie daquela vez apenas com o propósito deliberado de fazer Sonny sair de casa e expor-se ao perigo, pois eles sabiam que ele tomaria o caminho da pista elevada da Jones Beach? Se Carlo tivesse sido pago para ajudar a matar Sonny? Então, que é que você diz? — ela não respondeu. Hagen prosseguiu — E se o Don, o grande homem não se sentisse com coragem bastante para fazer o que devia, vingar a morte do filho, matando o marido de sua filha? E se, finalmente, ele fez de Michael seu sucessor, sabendo que Michael tiraria esse peso de seus ombros, ficaria com essa culpa?
— Tudo já tinha passado — respondeu Kay, as lágrimas correndo-lhe dos olhos — Todos estavam felizes. Por que Carlo não podia ser perdoado? Por que tudo não podia continuar, e todo mundo esquecer?
Eles atravessaram uma campina e chegaram a um riacho à sombra de uma árvore. Hagen caiu na grama e deu um suspiro. Olhou em volta, deu outro suspiro e disse:
— Neste mundo você poderia fazer isso.
— Ele não é o homem com quem casei — retrucou Kay.
Hagen deu uma pequena gargalhada e replicou:
— Se ele fosse, estaria morto agora. Você seria uma viúva.
— Que diabo quer dizer isso? — retrucou Kay furiosamente — Vamos, Tom, fale claramente pelo menos uma vez na vida. Sei que Michael não pode, mas você não é siciliano, você pode dizer a verdade a uma mulher, pode tratá-la como um ser igual, como um ser humano semelhante a você.
Houve outro longo silêncio. Hagen balançou a cabeça.
— Você está interpretando Mike mal. Está danada porque ele mentiu para você. Bem, ele a avisou para nunca lhe fazer perguntas sobre negócios. Você ficou danada porque ele foi padrinho do filho de Carlo. Mas foi você quem o fez ser padrinho. Na verdade, era a coisa certa a fazer, se ele queria tomar atitude contra Carlo. O gesto tático clássico para adquirir a confiança da vítima — Hagen deu um sorriso horrendo e perguntou — Isso é falar bem claramente para você?
Mas Kay baixara a cabeça.
— Vou-lhe dar mais um pouco de conversa clara — prosseguiu Hagen — Depois que o Don morreu, Mike estava marcado para morrer. Você sabe quem o marcou? Tessio. Assim Tessio teve de ser morto. Porque a traição não pode ser perdoada. Michael poderia perdoá-lo, mas as pessoas nunca perdoam a si mesmas e assim são sempre perigosas. Michael gostava mesmo de Tessio. Ele adora a irmã. Mas estaria faltando ao seu dever para com você e seus filhos, para com toda a Família, para comigo e minha família, se deixasse Tessio e Carlo irem embora livremente. Eles seriam um perigo para todos nós.
Kay ouvira tudo isso com as lágrimas nos olhos.
— Foi isso o que Michael mandou você aqui me dizer?
Hagen olhou para ela com verdadeira surpresa.
— Não — respondeu Tom — Ele me pediu que eu lhe dissesse que você é o Don dele. Isto é apenas uma brincadeira.
Kay pôs a mão no braço de Hagen e perguntou:
— Ele não mandou você me dizer todas as outras coisas?
Hagen hesitou por um momento como se estivesse se debatendo se devia contar a ela uma última verdade.
— Você ainda não compreende — disse ele — Se você contasse a Michael o que eu lhe disse hoje, aqui, eu seria um homem morto — ele fez nova pausa e arrematou — Você e os filhos são as únicas pessoas neste mundo a quem ele não pode fazer mal.
Passaram-se uns longos cinco minutos para que Kay se levantasse da grama e eles começassem a caminhar de volta para casa. Quando já estavam chegando, Kay perguntou a Hagen:
— Depois do jantar, você pode levar a mim e as crianças para Nova York no seu carro?
— Foi para isso que eu vim — respondeu Hagen.
Uma semana depois que voltou para a companhia de Michael, Kay foi a um padre instruir-se para se tornar católica.
Do recesso mais profundo da igreja o sino soou o toque de arrependimento. Como lhe haviam ensinado a fazer, Kay bateu ligeiramente no peito com a mão fechada, a batida de arrependimento. O sino soou novamente e ouviu-se o arrastar de pés, quando os comungantes deixaram seus assentos para ir até a grade do altar. Kay levantou-se para se juntar a eles. Ajoelhou-se perante o altar, e do fundo da igreja veio novamente o som do sino tocando. Com a mão fechada, ela bateu outra vez no coração. O padre estava diante dela. Kay inclinou a cabeça para trás e abriu a boca para receber a hóstia. Foi o momento mais terrível de todos. Até que se derreteu e ela pôde engolir e fazer o que viera ali realmente fazer.
Lavada do pecado, uma suplicante atendida, ela baixou a cabeça e cruzou as mãos na grade do altar. Mudou a posição do seu corpo para aliviar o peso que incidia sobre os seus joelhos.
Livrou a mente de todos os pensamentos a respeito de si mesma, de seus filhos, de todo rancor, de toda rebelião, de todas as dúvidas. Depois, com um desejo profundo e realmente espontâneo de crer, de ser ouvida, como fazia todos os dias desde a morte de Carlo Rizzi, ela pronunciou as necessárias orações pela alma de Michael Corleone.



Fim!

  




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