quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 20





— CAPÍTULO VINTE —
XENÓFILO LOVEGOOD



HARRY NÃO ESPERAVA QUE A IRA DE HERMIONE se abrandasse da noite para o dia, portanto não se surpreendeu que ela se comunicasse principalmente por olhares indignados e silêncios contundentes na manhã seguinte. Rony reagiu mantendo um comportamento anormalmente sério na presença dela, como um sinal externo de seu continuado remorso. De fato, quando os três estavam juntos, Harry se sentia como o único não enlutado em um enterro com poucos acompanhantes.
Nos raros momentos que passava sozinho com Harry (apanhando água e procurando cogumelos no mato rasteiro), no entanto, Rony se mostrava descaradamente alegre.
— Alguém nos ajudou — ele não parava de dizer — Alguém mandou aquela corça. Alguém está do nosso lado. Uma Horcrux a menos, colega!
Estimulados pela destruição do medalhão, eles começaram a debater a possível localização das demais Horcruxes, e, embora tivessem discutido o assunto tantas vezes anteriormente, Harry se sentia otimista, certo de que outros avanços se seguiriam ao primeiro. O mau humor de Hermione não conseguia estragar o seu alto astral: a súbita virada era sua sorte, a aparição da misteriosa corça, a recuperação da Espada de Gryffindor e, principalmente, o retorno de Rony faziam Harry tão feliz que era até difícil ficar de cara séria.
No final da tarde, ele e Rony fugiram mais uma vez da presença negativa de Hermione e, a pretexto de procurar amoras silvestres nos espinheiros desfolhados, continuaram a interminável troca de notícias. Harry conseguira finalmente contar ao amigo as várias viagens que ele e Hermione tinham feito até a história completa do que acontecera em Godric’s Hollow. Agora Rony estava pondo Harry ao corrente de tudo que descobrira sobre um mundo bruxo mais amplo nas semanas que estivera fora.
—... e como foi que você descobriu a respeito do Tabu? — perguntou a Harry, depois de explicar as numerosas e desesperadas tentativas de nascidos trouxas para fugir do Ministério.
— O quê?
— Você e Hermione pararam de dizer o nome de Você-Sabe-Quem!
— Ah, sim. Foi um mau hábito que adquirimos — respondeu Harry — Mas não tenho problema em chamá-lo de V..
— NÃO! — berrou Rony, fazendo Harry pular para dentro das amoreiras e Hermione (de nariz enterrado em um livro à entrada da barraca) olhar feio para os dois — Desculpe — disse Rony, puxando Harry para fora dos galhos espinhosos — Mas o nome foi azarado, Harry, é assim que eles rastreiam as pessoas! Usar o nome dele rompe os feitiços de proteção, provoca uma espécie de perturbação mágica... foi como nos encontraram na Tottenham Court!
— Porque usamos o nome dele?
— Exatamente! Você tem que dar a eles o merecido crédito, faz sentido. Somente as pessoas que se opunham seriamente a ele, como Dumbledore, é que se atreviam a usar o nome de Você-Sabe-Quem. Agora que impuseram um Tabu ao nome, qualquer pessoa que o diga é rastreável: um modo rápido e fácil de encontrar membros da Ordem. Quase apanharam o Kingsley...
— Você está brincando!
— Foi, Gui me contou que um grupo de Comensais da Morte o encurralou, mas ele deu combate e escapou. Agora está fugindo como nós — Rony coçou o queixo com a ponta da varinha, pensativo — Você não acha que Kingsley poderia ter mandado aquela corça?
— O Patrono dele é um lince, nós o vimos no casamento, lembra?
— Ah, é...
Os dois foram acompanhando as amoreiras e se distanciando da barraca e de Hermione.
— Harry... você acha que poderia ter sido o Dumbledore?
— Dumbledore o quê?
Rony ficou um pouco sem graça, mas disse em voz baixa:
— Dumbledore... a corça. Quero dizer — Rony observava Harry pelo canto do olho — Foi ele quem teve a espada verdadeira por último, não foi?
Harry não riu de Rony, porque entendeu bem demais o desejo implícito na pergunta. A ideia de que Dumbledore conseguira voltar, que os estava protegendo, seria indizivelmente confortadora.
Harry balançou a cabeça.
— Dumbledore está morto. Vi acontecer, vi o corpo. Ele partiu para sempre. Mas, seja como for, o Patrono dele era uma fênix e não uma corça.
— Mas os Patronos podem mudar, não? — perguntou Rony — O da Tonks mudou, não foi?
— É, mas se Dumbledore estivesse vivo, por que não se mostraria? Por que simplesmente não nos entregaria a espada?
— Aí você me pegou. Pela mesma razão por que não lhe entregou quando estava vivo? A mesma razão por que lhe deixou um velho pomo e à Hermione um livro de histórias para crianças?
— E qual é a razão? — perguntou Harry, se virando para encarar Rony de frente, desesperado por uma resposta.
— Não sei. Às vezes, quando estava meio aborrecido, pensava que ele estava se divertindo ou... ou queria dificultar as coisas. Mas acho que não, não mais. Ele sabia o que estava fazendo quando me deixou o desiluminador, concorda? Ele... bem — as orelhas de Rony ficaram vermelhíssimas, e o garoto fingiu estar absorto em um tufo de capim a seus pés, que cutucou com a ponta do calçado — Ele devia saber que eu abandonaria vocês.
— Não — corrigiu-o Harry — Ele devia saber que você sempre iria querer voltar.
Rony olhou-o agradecido, mas ainda desconcertado. Em parte para mudar de assunto, Harry disse:
— Por falar em Dumbledore, você ouviu falar da biografia dele, que a Skeeter escreveu?
— Ah, claro — respondeu ele, imediatamente — É só o que as pessoas estão comentando. Lógico, se as coisas fossem diferentes, seria um grande furo a amizade de Dumbledore e Grindelwald, mas, no momento, é só uma piada para quem não gostava de Dumbledore e um tapa na cara de todos que achavam que ele era um cara legal. Mas não creio que seja nada de mais. Ele era realmente jovem quando...
— Da nossa idade — interpôs Harry, da mesma forma com que retorquira a Hermione, e alguma coisa em seu rosto pareceu fazer Rony encerrar o assunto.
Havia uma grande aranha parada no meio de uma teia congelada no espinheiro.
Harry fez pontaria com a varinha que Rony lhe dera na noite anterior e que Hermione tinha condescendido em examinar e concluir que era feita de ameixeira-brava.
— Engorgio!
A aranha estremeceu, balançando de leve a teia. Harry tentou novamente. Desta vez, a aranha cresceu mais um pouco.
— Pare com isso — disse Rony, com aspereza — Desculpe ter dito que Dumbledore era jovem, ok?
Harry esquecera o horror de Rony a aranhas.
— Desculpe... Reducio!
A aranha não encolheu. Harry olhou para a varinha de ameixeira-brava. Cada pequeno feitiço que lançara até o momento lhe parecera menos eficaz do que os que produzia com a varinha de fênix. A nova varinha lhe dava a sensação de ser um apêndice estranho, como se tivessem costurado a mão de alguém ao seu braço.
— Você só precisa praticar — disse Hermione, que se aproximara silenciosamente por trás e ficara observando Harry tentar aumentar e reduzir a aranha — É só uma questão de confiança, Harry.
Ele sabia por que a amiga queria que desse certo: ainda se sentia culpada por ter quebrado sua varinha. Ele reprimiu a resposta que lhe subira aos lábios: que ela poderia ficar com a varinha de ameixeira se achava que não fazia diferença, e ele aceitaria a dela em troca. Desejoso de que voltassem a ser amigos, no entanto, ele concordou. Quando Rony ensaiou um sorriso para Hermione, porém, ela se afastou e desapareceu por trás do livro mais uma vez.
Os três voltaram à barraca ao cair da noite, e Harry cumpriu a primeira vigia. Sentado à entrada, experimentou fazer com que a varinha levitasse as pedrinhas aos seus pés: mas sua magia continuava a parecer mais inepta e menos potente do que fora antes. Hermione estava deitada na cama lendo, enquanto Rony, depois de lhe lançar muitos olhares ansiosos, apanhou um pequeno rádio de madeira na mochila e tentou sintonizá-lo.
— Tem um programa — disse a Harry, em voz baixa — Que irradia as notícias como realmente são. Todos os outros estão do lado de Você-Sabe-Quem e seguem a diretriz do Ministério, mas este... espere até ouvir, é o máximo. Só que não pode ir ao ar toda noite, o pessoal tem que mudar constantemente de lugar para não ser pego, e a gente precisa de uma senha para sintonizar... o problema é que perdi o último...
Ele deu leves batidas no rádio com a varinha, murmurando, baixinho, palavras soltas. Deu olhadelas furtivas para Hermione, visivelmente temendo nova explosão de fúria, mas, pela atenção que a garota lhe dava, era como se ele nem estivesse presente. Durante uns dez minutos, mais ou menos, Rony bateu e murmurou, Hermione virava página a página o seu livro, e Harry continuava a praticar com a varinha de ameixeira-brava.
Finalmente Hermione desceu da cama.
Rony parou de batucar na mesma hora.
— Se estiver incomodando você, eu paro! — disse nervoso a Hermione.
Ela nem se dignou a responder, e se dirigiu a Harry.
— Precisamos conversar — falou.
O garoto olhou para o livro que ela ainda segurava: A Vida e as Mentiras de Alvo Dumbledore.
— Quê? — exclamou, apreensivo.
Ocorreu-lhe por um instante que havia um capítulo sobre ele, certamente não estava com disposição para ouvir a versão de Rita sobre sua amizade com Dumbledore. A resposta de Hermione foi completamente inesperada.
— Quero visitar Xenófilo Lovegood.
Harry arregalou os olhos.
— Desculpe?
— Xenófilo Lovegood. O pai de Luna. Quero falar com ele!
— Ah... por quê?
Ela inspirou profundamente, como se tomasse coragem e disse:
— Aquela marca, a marca no Beedle, o Bardo. Olhe para isto!
Ela empurrou A Vida e as Mentiras de Alvo Dumbledore sob os olhos relutantes de Harry, e ele viu a foto do original da carta que Dumbledore escrevera a Grindelwald, na caligrafia fina e inclinada do diretor. Harry detestou ver a prova indiscutível de que Dumbledore escrevera aquelas palavras, que não tinham sido invenção de Rita Skeeter.
— A assinatura — disse Hermione — Veja a assinatura, Harry!
Ele obedeceu. Por um momento, não entendeu o que a amiga queria dizer, mas, examinando a foto mais atentamente com auxílio da varinha, viu que Dumbledore substituíra o “A” de Alvo por uma minúscula versão da mesma marca triangular inscrita em Os Contos de Beedle, o Bardo.
— Ah... que é que vocês...? — ensaiou Rony, mas Hermione o fez calar com um olhar, e voltou-se para Harry.
— Não para de aparecer, não é? Sei que Vítor disse que era a marca de Grindelwald, mas, sem a menor dúvida, estava naquele velho túmulo em Godric’s Hollow, e as datas na lápide eram muito anteriores ao nascimento de Grindelwald! E agora isto! Bem, não podemos perguntar a Dumbledore nem a Grindelwald o que significa, nem sei se ele ainda está vivo, mas posso perguntar ao Sr. Lovegood. Ele estava usando o símbolo no casamento. Tenho certeza de que isto é importante, Harry!
Harry não respondeu logo. Olhou para o rosto veemente e ansioso de Hermione e, em seguida, para a escuridão ao redor, refletindo. Depois de uma longa pausa, disse:
— Hermione, não precisamos de outra Godric’s Hollow. Nos convencemos de ir lá e...
— Mas isso não para de aparecer, Harry! Dumbledore me deixou Os Contos de Beedle, o Bardo, como saber se não queria que descobríssemos mais a respeito do símbolo?
— Lá vamos nós outra vez! — Harry se sentiu ligeiramente exasperado — Ficamos todo o tempo tentando nos convencer de que Dumbledore nos deixou sinais e pistas secretos...
— O desiluminador acabou sendo muito útil — falou Rony — Acho que Hermione tem razão, acho que devemos procurar Lovegood.
Harry lançou-lhe um olhar mal-humorado. Percebera com absoluta segurança que o apoio de Rony a Hermione não tinha muito a ver com o significado da runa triangular.
— Não será como Godric’s Hollow — acrescentou Rony — Lovegood está do seu lado, Harry, O Pasquim tem apoiado você desde o começo, vive apregoando que todo mundo tem de ajudá-lo!
— Tenho certeza de que isso é importante! — insistiu Hermione.
— Mas você não acha que se fosse, Dumbledore teria me dito alguma coisa antes de morrer?
— Talvez... talvez seja alguma coisa que você precisa descobrir sozinho — respondeu Hermione, com um leve ar de quem se agarra a uma palha.
— É — concordou Rony, bajulando-a — Isso faz sentido.
— Não, não faz — retorquiu Hermione — Mas continuo achando que devíamos conversar com o Sr. Lovegood. Um símbolo que liga Dumbledore, Grindelwald e Godric’s Hollow? Harry, tenho certeza de que a gente precisa saber o que é!
— Acho que devíamos votar — sugeriu Rony — Os que são a favor de procurar Lovegood...
A mão dele se ergueu antes da de Hermione. Os lábios dela tremeram de forma suspeita quando levantou a mão.
— Perdeu a votação, Harry, lamento — disse Rony, dando-lhe palmadinhas nas costas.
— Ótimo — respondeu Harry, entre irritado e divertido — Mas depois de vermos Lovegood, que tal tentarmos encontrar mais algumas Horcruxes? Afinal, onde moram os Lovegood? Algum de vocês sabe?
— Sei, não é muito longe da minha casa — disse Rony — Não sei o lugar exato, mas minha mãe e meu pai sempre apontam para os morros quando falam neles. Não deve ser difícil descobrir.
Quando Hermione voltou para a cama, Harry baixou a voz:
— Você só concordou para tentar sair da lista negra da Hermione.
— Vale tudo no amor e na guerra — respondeu Rony, animado — E isto é um pouco dos dois. Anime-se, são as férias de Natal, Luna estará em casa!

* * *

Tiveram uma excelente vista da aldeia de Ottery St. Catchpole da encosta exposta ao vento na qual desaparataram na manhã seguinte. Do alto, a aldeia parecia uma coleção de casas de brinquedo, raios de sol se alongavam até a terra nos intervalos das nuvens. Pararam uns minutinhos para olhar A Toca, as mãos sombreando os olhos, mas conseguiram divisar apenas as sebes altas e as árvores do pomar, que protegiam a casinha torta dos olhares dos trouxas.
— É esquisito estar tão perto, mas não fazer uma visita — disse Rony.
— Bem, até parece que você não acabou de vê-los. Passou lá o Natal — comentou Hermione com frieza.
— Não estive n’A Toca! — protestou ele com uma risada de incredulidade — Acham que eu ia voltar lá e contar que abandonei vocês? É, Fred e Jorge teriam ficado muito entusiasmados. E Gina teria sido realmente compreensiva.
— Então onde esteve? — perguntou Hermione, surpresa.
— Na nova casa de Gui e Fleur. Chalé das Conchas. Gui sempre foi correto comigo. Ele... ele não ficou bem impressionado quando soube o que eu fiz, mas não ficou falando. Entendeu que eu estava realmente arrependido. O resto da família não soube que estive lá. Gui disse a mamãe que eles não iam passar o Natal em casa porque queriam passá-lo sozinhos. A primeira festa depois de casados, entende-se. Acho que Fleur não se importou. Vocês sabem como ela detesta Celestina Warbeck.
Rony deu as costas À Toca.
— Vamos tentar ali em cima — disse ele, subindo à frente para o alto da montanha.
Caminharam algumas horas, Harry, por insistência de Hermione, oculto pela Capa da Invisibilidade. O grupo de morrotes parecia desabitado exceto por um pequeno chalé, em que não se viam moradores.
— Acham que é o dos Lovegood e eles foram viajar no Natal? — perguntou Hermione, espiando pela janela de uma cozinha pequena e arrumada com gerânios no parapeito.
Rony bufou.
— Escute, tenho a impressão de que você saberia quem são os donos da casa se espiasse pela janela dos Lovegood. Vamos tentar o outro grupo de morros.
Eles desaparataram, então, para alguns quilômetros mais ao norte.
— Ah-ah! — gritou Rony, quando o vento açoitou cabelos e roupas. Ele apontava para o topo do morro no qual tinham aparatado, onde havia uma casa estranhíssima que se erguia verticalmente contra o céu da tarde, um cilindro negro com uma lua fantasmagórica por trás — Tem que ser a casa da Luna, quem mais moraria em um lugar desse? Parece um roque colossal!
— Não estou ouvindo rock nenhum — comentou Hermione, franzindo a testa, intrigada.
— Estou falando de um roque de xadrez — respondeu Rony — Para você, uma torre.
As pernas de Rony eram as mais compridas, e ele chegou ao topo do morro primeiro. Quando Harry e Hermione o alcançaram, sem fôlego, comprimindo as pontadas nos músculos do abdome, encontraram-no rindo de orelha a orelha.
— É deles — disse Rony — Olhem.
Três letreiros pintados à mão estavam presos a um portão desmantelado.
O primeiro dizia “O Pasquim. Editor: X. Lovegood”, o segundo “Traga o seu próprio visgo”, e o terceiro “Não se aproxime das ameixas dirigíveis”.
O portão rangeu quando o abriram. O caminho em ziguezague que levava à porta da casa tinha um emaranhado de plantas estranhas, inclusive um arbusto coberto com os frutos cor de laranja, semelhantes ao rabanete que, por vezes, Luna usava como brinco.
Harry pensou ter reconhecido um Arapucoso, e passou ao largo do toco seco. Duas velhas macieiras-bravas, vergadas pelo vento, desfolhadas, mas ainda carregadas de frutinhas vermelhas, e densas coroas de visgo com bolinhas brancas montavam guarda dos lados da porta de entrada. Uma coruja com a cabeça ligeiramente achatada, lembrando um gavião, espiou-os de um galho.
— É melhor você tirar a Capa da Invisibilidade, Harry — disse Hermione — É você que o Sr. Lovegood quer ajudar, e não a nós.
Harry aceitou a sugestão e lhe entregou a capa para guardar na bolsinha de contas. Ela, então, bateu três vezes na grossa porta preta cravejada de pregos de ferro com uma aldraba em forma de águia.
Não demorou nem dez segundos, a porta se escancarou e viram Xenófilo Lovegood, descalço, com uma roupa que parecia um camisão de dormir todo manchado. Seus longos cabelos de algodão doce estavam sujos e malcuidados. Decididamente, Xenófilo estivera mais elegante no casamento de Gui e Fleur.
— Quê? Que é isso? Quem são vocês? Que querem? — indagou com uma voz aguda e rabugenta, olhando primeiro para Hermione, depois para Rony e finalmente para Harry, ao que sua boca se abriu em um perfeito e cômico “o”.
— Olá, Sr. Lovegood — disse Harry, estendendo a mão — Sou Harry, Harry Potter.
Xenófilo não apertou a mão de Harry, embora o olho que não apontava vesgamente para o nariz corresse direto para a cicatriz na testa de Harry.
— O senhor nos deixaria entrar? — perguntou Harry — Tem uma coisa que gostaríamos de lhe perguntar.
— Não... não tenho certeza de que isto seja aconselhável — sussurrou Xenófilo. Ele engoliu em seco e deu uma rápida olhada pelo jardim — É um choque... palavra... eu... eu receio que não devia realmente...
— Não vamos demorar — respondeu Harry, ligeiramente desapontado com a recepção pouco calorosa.
— Eu... ah, está bem, então. Entrem rápido. Rápido!
Mal tinham cruzado o portal e Xenófilo batia a porta às suas costas. Estavam na cozinha mais esquisita que Harry já vira na vida.
O cômodo era perfeitamente circular, dando a impressão de que se estava dentro de um gigantesco pimenteiro. Tudo era curvo para se encaixar nas paredes: o fogão, a pia e os armários, e tudo tinha sido pintado com flores, insetos e pássaros em fortes cores primárias. Harry pensou ter reconhecido o estilo de Luna: o efeito em espaço tão pequeno era ligeiramente avassalador.
No meio do piso, uma escada de ferro em caracol levava aos andares superiores. Ouviam-se muitas batidas e atritos vindos de cima: Harry ficou imaginando o que Luna poderia estar fazendo.
— É melhor subirem — disse Xenófilo, ainda muito constrangido, mostrando o caminho.
O cômodo superior parecia uma combinação de sala de estar e oficina e, como tal, era mais atravancado do que a cozinha. Embora muito menor e inteiramente circular, a sala lembrava um pouco a Sala Precisa na ocasião inesquecível em que se transformara em um gigantesco labirinto formado por séculos de objetos escondidos. Havia pilhas e mais pilhas de livros e papéis sobre todas as superfícies. Modelos delicados de criaturas que Harry não reconheceu pendiam do teto, todas batendo as asas e abrindo e fechando os maxilares.
Luna não estava ali: a origem do estardalhaço era um objeto de madeira com rodas dentadas que giravam magicamente. Parecia uma cria bizarra de uma bancada de oficina com uma velha estante, mas, passado um instante, Harry deduziu que devia ser uma antiquada prensa tipográfica, uma vez que estava produzindo exemplares d’O Pasquim.
— Com licença — disse Xenófilo e, dirigindo-se à máquina, puxou uma toalha de mesa suja debaixo de uma imensa quantidade de livros e papéis que rolaram no chão e atirou-a sobre a prensa, abafando um pouco as batidas e atritos.
Virou-se, então, para Harry.
— Por que veio aqui?
Antes que Harry pudesse responder, porém, Hermione deixou escapar um gritinho assustado.
— Sr. Lovegood... que é aquilo?
Ela estava apontando para um enorme chifre espiral e cinzento, não muito diferente do chifre de um unicórnio, que fora montado na parede e se projetava mais de um metro sala adentro.
— É o chifre de um Bufador de Chifre Enrugado.
— Não, não é! — contestou Hermione.
— Hermione — murmurou Harry, constrangido — Agora não é o momento...
— Mas, Harry, é um chifre de Erumpente! É material comerciável classe B, e é um objeto extraordinariamente perigoso para se ter em casa!
— Como sabe que é um chifre de erumpente? — perguntou Rony afastando-se do chifre o mais rápido que pôde, dado o extremo atravancamento da sala.
— Tem uma descrição dele em Animais Fantásticos & Onde Habitam! Sr. Lovegood, o senhor precisa se livrar disso imediatamente, o senhor não sabe que pode explodir ao menor toque?
— O Bufador de Chifre Enrugado — retrucou Xenófilo claramente, com uma expressão de teimosia no rosto — É um animal tímido e excepcionalmente mágico, e seu chifre...
— Sr. Lovegood, estou reconhecendo os sulcos em torno da base, é um chifre de erumpente e é incrivelmente perigoso, não sei onde o senhor o conseguiu...
— Comprei-o — disse Xenófilo, dogmático — Há duas semanas, de um jovem bruxo encantador que soube do meu interesse pelo raro Bufador. Uma surpresa de Natal para a minha Luna. Então... — perguntou, virando-se para Harry — Por que exatamente o senhor veio aqui, Sr. Potter?
— Precisamos de ajuda — respondeu Harry, antes que Hermione pudesse recomeçar.
— Ah — disse Xenófilo — Ajuda. Hum — seu olho perfeito girou mais uma vez para a cicatriz de Harry.
O bruxo pareceu, ao mesmo tempo, aterrorizado e hipnotizado.
— Sei. O problema é... ajudar Harry Potter... muito perigoso...
— Não é o senhor que vive dizendo a todos que seu primeiro dever é ajudar Harry? — perguntou Rony — Naquela sua revista?
Xenófilo olhou para trás onde se achava a prensa coberta, ainda batendo e produzindo atritos sob a toalha.
— Ãh... sim, expressei esse ponto de vista. Entretanto...
—... estava se referindo aos demais e não à sua pessoa? — comentou Rony.
Xenófilo não respondeu. Não parava de engolir em seco, seu olhar ia e vinha entre os meninos. Harry teve a impressão de que ele estava se debatendo em um doloroso conflito interior.
— Onde está Luna? — perguntou Hermione — Vejamos o que ela acha.
Xenófilo engoliu ruidosamente. Parecia estar tomando coragem. Por fim, disse com uma voz quase inaudível por causa do barulho da prensa.
— Luna está lá embaixo no rio, pescando dilátex de água doce. Ela... ela gostará de ver vocês. Vou chamá-la e então... sim, muito bem. Vou tentar ajudá-los.
O bruxo desapareceu pela escada em caracol e eles ouviram a porta da frente abrir e fechar. Entreolharam-se.
— Muquirana covarde — disse Rony — Luna tem dez vezes mais peito que ele.
— Ele provavelmente está preocupado com o que pode acontecer se os Comensais da Morte descobrirem que estive aqui — lembrou Harry.
— Concordo com o Rony — disse Hermione — Um velho hipócrita nojento, dizendo a todo o mundo para ajudar você e tentando fugir da raia. E, pelo amor de Deus, fiquem longe desse chifre.
Harry foi até a janela do lado oposto da sala. Viu o rio, uma fita estreita e luminosa lá embaixo no sopé do morro. Estavam muito alto, uma ave passou adejando pela janela, quando ele olhava na direção d’A Toca, agora invisível atrás de outras elevações. Gina se achava ali em algum lugar. Hoje estavam mais próximos um do outro do que tinham estado desde o casamento de Gui e Fleur, mas ela não poderia fazer ideia de que estava olhando para ela, pensando nela. Supunha que devesse se alegrar com isso, qualquer um com quem entrasse em contato corria perigo, e a atitude de Xenófilo confirmava isso.
Harry deu as costas à janela e seu olhar recaiu sobre outro objeto extravagante, em cima de um aparador curvo e entulhado: um busto de pedra de uma bruxa bonita, mas austera, com um toucado de aspecto bizarro. Dos lados do busto, subiam em curva objetos que pareciam trompas de ouro para surdos. Havia um par de cintilantes asas azuis na tira de couro que passava pelo alto da cabeça, e um daqueles rabanetes cor de laranja em uma segunda tira em torno da testa.
— Olhem isso aqui — falou Harry.
— Encantador — comentou Rony — Fico surpreso com que ele não tenha usado isso no casamento.
Ouviram, então, a porta da entrada fechar e instantes depois Xenófilo tornava a subir a escada circular para a sala, suas pernas finas agora metidas em botas de pescaria, trazendo na mão uma bandeja com xícaras sem par e um fumegante bule de chá.
— Ah, você descobriu a minha invenção preferida — exclamou ele, empurrando a bandeja para os braços de Hermione e se juntando a Harry, ao lado da estátua — Modelado, muito condizente com a bela cabeça de Rowena Ravenclaw. O espírito sem limites é o maior tesouro do homem!
Xenófilo indicou os objetos que pareciam trompas.
— Esses são sifões zonzóbulos para afastar todas as fontes de distração na área em torno do pensador. Aqui — ele apontou para as asinhas — Uma hélice de gira-gira para induzir a elevação da mente. Por fim — ele apontou para o rabanete cor de laranja — A ameixa dirigível, para intensificar a capacidade de aceitar o extraordinário.
Xenófilo voltou à bandeja de chá, que Hermione conseguira equilibrar precariamente em uma das mesinhas cheias de objetos.
— Aceitam uma infusão de raiz-de-cuia? — ofereceu Xenófilo — Nós mesmos a cultivamos.
Quando começou a servir a bebida, que era carmim como suco de beterraba, acrescentou:
— Luna está do outro lado da Ponte Baixa, ficou muito animada com a presença de vocês. Não deve demorar, já pescou dilátex suficientes para preparar uma sopa para todos nós. Por favor, sentem-se e se sirvam de açúcar. Então... — ele tirou uma pilha mal equilibrada de papéis de uma poltrona e se sentou, cruzou as pernas com as botas de pescaria — Como posso ajudá-lo, Sr. Potter?
— Bem — começou Harry, olhando para Hermione, que acenou encorajando-o — É aquele símbolo que o senhor estava usando no pescoço no casamento de Gui e Fleur, Sr. Lovegood. Queríamos saber o que significa.
Xenófilo ergueu as sobrancelhas.
— Você está se referindo ao símbolo das Relíquias da Morte?







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